c) Nos lagares modernos
Embora
do ponto de vista técnico os lagares modernos ofereçam elevado interesse
relativamente ao enseiramento e prensagem, a verdade é que esse
interesse fica consideravelmente reduzido do ponto de vista linguístico
e, sobretudo, etnográfico. Tal facto não nos dispensa, todavia, de nos
ocuparmos destes lagares, tanto mais que desprezá-los equivaleria a
romper a linha de rumo que tem vindo a nortear este trabalho, isto é, o
estudo linguístico-etnográfico do fabrico do azeite dentro dos três
tipos fundamentais de lagar determinados no primeiro capítulo.
Como nos importa,
sobretudo, focar a nossa atenção sobre o processo tradicional de fabrico
do azeite, o nosso estudo incide essencialmente sobre os lagares mais
antigos; dos mais modernos, limitamo-nos a uma ou outra consideração de
carácter mais geral.
Uma vez triturada a
azeitona pelas galgas do moinho, a massa é expulsa mecanicamente através
da porta da vasa, caindo numa caixa de grande capacidade, tal
como já vimos anteriormente neste mesmo capítulo. Esta caixa,
normalmente feita de chapa de aço ou, mais raramente, de madeira ou
granito, é conhecida pelos nomes de arca (Bragança, P. 100),
caixa ou caixa da massa (Coimbra, P. 288; Guarda, P. 229),
caixão (Bragança, P. 90), gamela (Coimbra, P. 257, 277, 285),
gamelão (Coimbra, P. 284, 304; Guarda, P. 209, 211), masseira
(Guarda, P. 209; Vila Real, P. 78), e tino(42),
oscilando as suas dimensões entre 1 e 2 metros de comprimento, por 0,5
ou 1 metro de largura e 0,5 de altura.
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Figura 109: Nos lagares modernos, a mulher substitui já o
homem em várias tarefas (Covelo, P. 54c, freg. Stª Marinha do
Zêzere, conc. Baião, dist. Porto). |
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Em lagares com maquinaria mais moderna, a massa cai num
funil metálico com o formato de um tronco de pirâmide quadrangular com a
base voltada para cima, também designado em algumas povoações pelo
vocábulo gamela,
passando em seguida a uma termo-batedeira. Esta máquina,
conhecida vulgarmente apenas pela designação de batedeira e
repartida por dois tipos fundamentais – batedeira de tipo horizontal e
batedeira de tipo vertical –, compõe-se, para a descrevermos muito
sumariamente, de um cilindro de chapa de paredes duplas, entre as quais
circula água quente, que vai aquecer a massa, e um enorme parafuso
sem-fim que, além de bater e permitir uma boa homogeneização da massa, a
vai arrastando até expulsar pelo extremo oposto ao da boca de entrada.
Normalmente independente, a batedeira pode apresentar-se acoplada ao
moinho, formando como que um todo; é o caso dos chamados moinhos de
martelos.
O enseiramento propriamente dito, que se
inicia imediatamente a seguir à trituração da azeitona ou após a massa
ter passado pela batedeira, quando existente, pode ser efectuado manual
ou mecanicamente.
Em certos lagares modernos,
podemos encontrar já máquinas que efectuam mecanicamente o enseiramento(43).
Ligadas directa ou indirectamente à saída da batedeira, são
constituídas, entre outras peças, por um tubo horizontal metálico, que
distribui uniformemente a massa pelos capachos, previamente colocados
sobre uma placa circular horizontal giratória, tal como pode ser
observado nas figuras
109▲
e 110▼.
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Figura 110: Nos lagares mais modernos, a mulher substitui o
homem em várias tarefas (Valpaços, P. 80, dist. Vila Real). |
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É de notar que as regiões
onde mais encontrámos «encapachadores automáticos» foram precisamente
aquelas onde, hoje em dia, mais escasseia a mão-de-obra masculina, em
virtude da elevada emigração que, nos últimos anos, se tem vindo a
processar. Foi, pois, com grande admiração nossa que, nos distritos de
Bragança, Guarda, Porto e Vila Real, encontrámos mulheres
a desempenhar
tarefas que, outrora, competiam exclusivamente ao homem(44).
Disto são prova bastante elucidativa as figuras 109 e 110, obtidas
respectivamente em Covelo, P. 54 (conc. de Baião), no distrito do Porto,
e em Valpaços, P. 80, no distrito de Vila Real. Além de nos mostrarem
dois tipos de máquinas de encapachar, permitem-nos verificar ainda que
são as mulheres que efectuam quer o encapachamento, quer o
chamado desencapachamento.
Deixemos
os lagares mais recentes, cujo interesse etnográfico é bastante
reduzido, para nos debruçarmos sobre aqueles onde o fabrico do azeite se
processa segundo moldes não muito afastados dos tradicionais.
Começaremos por analisar
rapidamente o que se passa no lagar da Fonte do Soito, P. 298, no
distrito de Coimbra, onde as seiras ainda não foram substituídas por
capachos. Aqui, o enseiramento é feito segundo um processo muito
semelhante ao que vimos em relação ao lagar de vara. Acamadas sobre o
carro em número de quinze a vinte, as seiras são levadas pelo mestre
e ajudante para a prensa. Colocado o carro na sua devida posição, é
ligada a bateria, começando o pistão a subir lentamente. À medida
que o aperto vai sendo dado, as seiras começam a sofrer grandes desvios,
pelo que os dois homens que trabalham no lagar são obrigados a usar
compridas varas de madeira; e, ora de um lado, ora do outro, lã vão
procurando endireitar o enseiramento com estas improvisadas alavancas,
com grave prejuízo para as colunas da prensa que, com o tempo, acabam
por ficar torcidas e inutilizadas. Tais varas, conhecidas pelas
designações panca (Bragança, P. 100; Coimbra, P. 285b; Vila Real,
P. 75) e tranca (Coimbra, P. 280b, 284, 298), são também
frequentes em lagares onde as seiras há muito foram substituídas por
capachos.
Concluído o primeiro aperto, a pilha de
seiras é desmontada, a fim de se proceder ao caldeamento,
mediante processo idêntico
ao já descrito em relação aos antigos
lagares de vara.
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Figura 111:
A massa é retirada do gamelão para uma gamela circular, vertida
sobre o capacho e espalhada à mão (Quinta da Portela, P. 285b, freg.
Stº António dos Olivais, Coimbra). |
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No lagar da Quinta da
Portela, P. 285, e no de Condeixa-a-Nova, P. 277, ambos no distrito de
Coimbra, o enseiramento e prensagem processam-se de idêntica maneira. A
massa, acumulada numa grande gamela de ferro à saída da batedeira de
tipo vertical (veja-se a figura 111▲), é deitada com uma pá vulgar dentro
de uma pequena bacia circular de folha de Flandres, cuja capacidade
corresponde aproximadamente à da quantidade que deve ser distribuída
pelos capachos. O trabalho de espalhar a massa é efectuado à mão,
competindo exclusivamente aos ajudantes que, no presente caso, são os
empregados mais novos do lagar.
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Figura 112:
O carrinho com a coluna de capachos é deslocado sobre o chamado
charrion (Condeixa-a-Nova, P. 277, dist. Coimbra). |
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Formado o castelo, isto é, o conjunto de capachos em pilha
(também conhecido por coluna, enseiramento ou
encapachamento), o conjunto é levado para o interior da prensa. No
lagar de Condeixa-a-Nova, o carrinho desloca-se num tabuleiro
metálico com rodas sobre duas calhas, tal como se pode observar na
figura 112▲. Este tabuleiro é conhecido na região pelo vocábulo
charrion, palavra de origem francesa cujo étimo é chariot.
Colocado o carro na posição correcta, são
encaixadas nos seus bordos as chamadas latas, cujo objectivo é o
de impedir que, durante a compressão, caiam gotas ou salpicos de azeite
para o chão. Também aqui são usadas as chamadas pancas ou
trancas, sempre que o enseiramento começa a sofrer desvio para algum
lado.
No fim do aperto, a coluna de capachos é lavada com água
quente, que brota em finos jactos de um cano circular existente junto à
face inferior da cabeça
ou prato forte da prensa.
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Figura 113:
Aspecto do conjunto de prensas e tarefas do lagar de
Condeixa-a-Nova, P. 277, no dist. de Coimbra. |
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Falámos ao longo deste capítulo de todo
um conjunto de actividades ligadas com o enseiramento e com a prensagem
da massa da azeitona em diferentes sistemas de prensa, dos quais alguns
estão já praticamente extintos no momento presente. Alguns lagares foram
especialmente referidos por nós, porque tivemos ainda a oportunidade de
assistir aos seus últimos dias de actividade, tendo desaparecido passado
muito pouco tempo. Seria interessante efectuar uma nova viagem pelo País
e verificar o que ainda resta de todas estas oficinas por nós visitadas
nos finais da década de 1960.
Deslocámo-nos há já algum tempo à região de Arouca e tivemos a
curiosidade de saber se os lagares visitados neste concelho ainda
laboravam. Resta deles a memória nas pessoas mais velhas. Actualmente só
é possível evocar a maneira como laboravam graças ao trabalho intitulado
Por terras de Arouca. Quatro antigas oficinas oleícolas(45).
Além da descrição minuciosa de todas as actividades nos quatro lagares
que existiam na região, é possível obtermos uma visão do aspecto que
apresentavam graças ao conjunto de fotografias e desenhos, que
documentam as diversas fases do fabrico do azeite. Embora aqui tenhamos
várias vezes feito referência a estes lagares e deles tenhamos
apresentado também algumas imagens, este facto não invalida nem dispensa
a leitura do citado artigo. |