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Fabrico Tradicional do Azeite em Portugal (Estudo Linguístico-Etnográfico), Aveiro, 2014, XIV+504 pp. ©

 

VII

ENSEIRAMENTO E PRENSAGEM

 

A MASSA

Vimos já que para se extrair o óleo das azeitonas estas têm de ser previamente reduzidas, mediante trituração no moinho, a uma pasta mais ou menos homogénea. Só depois de convenientemente moída e, no caso dos lagares mais modernos, aquecida e batida numa termo-batedeira, ela está em condições de ser espremida nas prensas ou, em sistemas mais modernos, centrifugada.

A termo-batedeira ou simplesmente batedeira, como é mais conhecida a máquina para bater e homogeneizar a massa, facilitando  a extracção do óleo, é conhecida praticamente apenas nos lagares mais modernos. Os lagares antigos – os chamados lagares de vara – e os semi-modernos desconhecem-na, sendo a massa da azeitona levada directamente do moinho para o enseiradouro, onde é distribuída pelas seiras.

Por massa, termo que empregámos algumas linhas atrás quando falámos das termo-batedeiras, entende-se a 'azeitona depois de reduzida a uma pasta mais ou menos homogénea'. Ao contrário de Espanha e de Itália, que usam o vocábulo pasta, também conhecido entre nós, o termo mais difundido e normalmente usado no nosso País é massa, cujo predomínio sobre o anterior é bastante elevado. Correntíssimo, hoje em dia, surge-nos também ao longo de outras épocas em trabalhos de carácter olivícola.

 

O ENSEIRAMENTO

Depois da operação de moagem segue-se outra não menos importante, a que se dá vulgarmente o nome de enseiramento e que consiste em distribuir a massa pelas seiras ou capachos, a fim de poder ser extraído o azeite mediante aperto.

Em Espanha, segundo informação de Tomás Buesa Oliver(1), para designar a actividade que consiste em meter a massa nas seiras empregam o vocábulo encapachar. Ao conjunto de seiras sobrepostas com massa dão o nome de encapachadura.

Em Itália, diz-nos Scheuermeier(2) que as seiras cheias são acamadas na prensa, formando o conjunto de seis a doze seiras sobrepostas o chamado, na Toscânia, castello, P. 542, castella, P. 564, fascio, P. 633, 643 'composta', P. 750 'concio'.

Em Portugal, a operação que consiste em distribuir a massa pelas seiras ou pelos capachos é conhecida por enseiramento, enseramento, inseiramento e encapachamento.

O vocábulo enseiramento, com as variantes fonéticas enseramento (Coimbra, P. 249; Leiria, P. 338; Santarém, P. 334) e inseiramento (Braga, P. 28, 31, 34; Castelo Branco, P. 305; Coimbra, P. 284), apresenta fundamentalmente três sentidos.

Em Portugal, a operação que consiste em distribuir a massa pelas seiras ou pelos capachos é conhecida por enseiramento, enseramento, inseiramento e encapachamento.

O vocábulo enseiramento, com as variantes fonéticas enseramento (Coimbra, P. 249; Leiria, P. 338; Santarém, P. 334) e inseiramento (Braga, P. 28, 31, 34; Castelo Branco, P. 305; Coimbra, P. 284), apresenta fundamentalmente três sentidos.

O povo emprega-o para designar a actividade que consiste em enseirar a massa, isto é, colocá-la nas seiras sobre o chamado enseiradouro – no caso dos lagares antigos – ou sobre o prato ou carro das prensas – no caso dos lagares semi-modernos e modernos(3). Neste sentido, registámos o termo nos distritos de Braga (P. 28), Coimbra (P. 245b, 257, 284, 285b, 288, 298, 300) e Guarda (P. 206).

O segundo sentido de enseiramento, observado nos distritos de Braga (P. 31, 34), Coimbra (P. 249, 256, 257, 258, 261, 262, 285b, 286, 288, 298), Leiria (P. 338, 344) e Santarém (P. 334) é o de 'conjunto de seiras umas sobre as outras, firmando uma pilha'.

Com o terceiro e último sentido por nós registado, verificamos ter havido um alargamento do campo semântico da palavra em questão, uma vez que passou a ser inexactamente aplicada quer à actividade que consiste em pôr a massa nos capachos, quer ao conjunto destes, desempenhando portanto o papel inerente a encapachar e encapachamento.

Os dicionários da língua portuguesa, em relação a enseiramento, registam, em regra, dois sentidos: 'acção ou efeito de enseirar'; 'conjunto das seiras de um lagar de azeite'. Quanto ao primeiro sentido, nada mais temos a acrescentar; quanto ao segundo, verificamos ser totalmente divergente de tudo aquilo que encontrámos, uma vez que a noção apresentada pelo povo não é a de 'conjunto de todas as seiras existentes em um lagar de azeite', como dão a entender os dicionários, numa grande maioria, mas sim a de 'conjunto de seiras sobrepostas umas sobre as outras', equivalendo ao vocábulo castelo.

Fenómeno idêntico ao que ocorreu com o terceiro sentido de enseiramento verifica-se também com o verbo enseirar, cujo emprego passou a fazer-se em relação aos capachos. No sentido de 'actividade que consiste em distribuir a massa pelas seiras', encontrámo-lo nos distritos de Bragança (P. 90), Coimbra (P. 246, 256, 261), Guarda (P. 206, 207, 211, 226, 234) e Porto (P. 51, 54c). No sentido de 'colocar a massa nos capachos' registámo-lo em Coimbra (P. 236, 280b) e Guarda (P. 209, 229).

Esquematicamente, os sentidos de enseiramento e enseirar são os seguintes:

ENSEIRAMENTO:

1º - 'Actividade que consiste em distribuir a massa pelas seiras';

2º - 'Conjunto de seiras sobrepostas, formando uma pilha';

3º -a) - 'Distribuição da massa pelos capachos';

      b) - 'Conjunto de capachos sobrepostos em pilha'.

 

ENSEIRAR:

1º - 'Actividade que consiste em distribuir a massa pelas seiras';

2º - 'Actividade que consiste em distribuir a massa pelos capachos'.

 

De sentido paralelo a enseiramento é a palavra encapachamento, que designa a 'actividade que consiste em distribuir a massa pelos capachos', à qual corresponde o verbo encapachar, e o 'conjunto dos capachos em pilha para serem apertados pela prensa'. Termo ainda com pouca vitalidade, foi por nós registado no distrito de Bragança, P. 98.

Da mesma família de seira e enseiramento são os vocábulos enseirador, enseiradouro, enseradouro, inseiradouro e seirada.

Enseirador é usado para indicar o homem que faz o enseiramento, isto é, que distribui a massa pelas seiras, sentido que registámos no distrito de Coimbra, P. 238, 245b, 257, 298. Num número considerável de casos, verificado nos distritos de Coimbra, P. 236, 277, Guarda, P. 212, e Porto, P. 53, o termo foi aplicado ao homem que distribui a massa pelos capachos, substituindo deste modo a palavra encapachador.

Enseiradouro (Bragança, P. 92, Coimbra, P. 302, 304), também pronunciado inseiradouro (Vila Real, P. 76a, 78) e enseradouro (Coimbra, P. 304; Santarém, P. 334), aplica-se quer a toda a zona onde é feito o enseiramento, quer à zona circular existente sob a prensa de vara, onde são empilhadas as seiras para serem espremidas.

A "Revista Lusitana", vol. XXVIII, pág. 106, apresenta a palavra enseiradoiro com o sentido de 'bagaço proveniente de uma moedura de azeite'.

António Cardoso Menezes(4) dá-nos uma noção diferente do vocábulo. Segundo este autor, o «enseiradouro é a vasilha onde se deposita a pasta moída e se procede a introduzi-la nas seiras» – o que suscita em nós certas dúvidas, visto nunca termos encontrado vasilha com esse nome – e que pode ser uma pia de pedra colocada perto do moinho ou o próprio «alvergue da prensa». Isto no que respeita ao velho lagar português. Relativamente aos lagares modernos, refere-se a um «tabuleiro de madeira assente sobre quatro pernas, forrado de lata para evitar a absorção e rancificação do óleo e facilitar as lavagens», apresentando as dimensões necessárias «para conter toda a massa dum moinho e permitir simultaneamente o enchimento das seiras».

Provavelmente, António Cardoso de Menezes, ao falar do enseiradoiro no lagar moderno, quererá referir-se ao chamado gamelão, caixão ou caixa da massa, recipiente metálico de formato rectangular e de grandes dimensões(5), para onde cai a massa do pio, expulsa pelas raspadeiras metálicas através de uma abertura existente nas paredes da vasa. Veja-se, por exemplo, a figura 65, que nos mostra o moinho do lagar de Assafarge, no qual está visível a zona por onde sai a massa e o gamelão onde ela cai. A massa é retirada do gamelão com pás para dentro de gamelas ou directamente para cima dos capachos.

Esporadicamente, registámos no distrito de Vila Real, P. 78, o substantivo seirada, para indicar o conjunto de seiras espremidas num dia de trabalho, ou seja, quatro moinhos:

«Pergunta – Quantas vezes espremiam o azeite?

Resposta – O azeite... fazíamos quatro por dia, quer dizer, duas aqui, duas acolá, quatro seiradas por dia.»

  

A PRENSAGEM

Por prensagem entendemos a operação que consiste em comprimir fortemente, por meio de prensa, a massa da azeitona, colocada em seiras ou capachos, a fim de poder ser extraído o azeite.

Não iremos agora procurar saber como decorre esta fase do fabrico do azeite – dela nos ocuparemos na devida altura –, mas sim apontar os nomes por que é vulgarmente conhecida.

Além do vocábulo prensagem, mais do domínio técnico do que da linguagem popular, são correntes outras palavras e expressões com sentido idêntico, tais como: apertar e aperto; espremer, espremedela, espremedura, espremimento e esprimento; fazer gemer o azeite.

Sobre apertar e aperto pouco há para dizer. Pertencentes à mesma família semântica, estes vocábulos foram por nós registados nos distritos de Coimbra, P. 258, 261, 300, e Santarém, P. 334.

A curiosa expressão fazer gemer o azeite, intimamente relacionada com a prensa de vara, devido certamente ao ranger da madeira durante o aperto das seiras, foi registada num inquérito do I.L.B. efectuado no distrito de Castelo Branco, concelho da Covilhã.

Da mesma família semântica e provenientes de espremer (Coimbra, P. 297, 303; Porto, P. 54a; Vila Real, P. 78), por sua vez do latim EXPRIMERE, são as formas espremedela (Coimbra, P. 262), espremedura (Bragança, P. 92, 99; Coimbra, P. 257, 301), espremimento (Coimbra, P. 303) e esprimento (Coimbra, P. 303), registadas por nós em inquéritos directos e também nos pertencentes ao I.L.B. Ainda relacionado com estes termos está o vocábulo espremedeira, registado apenas como caso isolado no distrito de Vila Real, P. 70, e aplicado ao 'aparelho que espreme', isto é, à prensa.

De todas as formas apresentadas, a usada com mais frequência é, sem dúvida, espremedura. Dalla Bella, nas suas Memórias e observações sobre o modo de aperfeiçoar a manufactura do azeite de oliveira em Portugal(6), emprega-a também:

«2. Feita a primeira espremedura, que gasta pouco tempo, se levanta a vara, e sobre as azeitonas meio espremidas se lança por toda a seira água fervendo, com a qual se mistura muito bem aquela massa (...)».

Em obras posteriores, como, por exemplo, no Dicionário universal da vida prática na cidade e no campo(7), volta-nos a surgir a palavra espremedura, onde é usada para indicar os tipos de azeite obtidos conforme o número de apertos ou prensagens, como podemos verificar no excerto que iremos transcrever; além de documentar a nossa afirmação, descreve-nos o que se passa na maioria dos lagares de vara:

«Espremido o azeite virgem [conhecido também, segundo este dicionário, por azeite da primeira espremedura (pág. 234, 1ª col.)] nas nossas prensas comuns, é de uso desarmar a pilha das seiras, tirar as pastas, remexê-las, e torná-las a enseirar, escaldando-as para fluidificar o óleo; sujeitas a nova espremedura, dão o azeite de segunda espremedura; repetindo esta operação uma outra vez obtém-se o azeite de terceira espremedura. Estes azeites vão sendo sucessivamente mais impuros e margarinosos (...)

Relacionada com a prensa está a palavra prensada. Registada nos distritos de Aveiro, P. 118, Coimbra, P. 236, 256, e Guarda, P. 212, apresenta pequenas cambiantes de sentido. No ponto 118, a palavra foi frequentemente ouvida com o sentido de 'aperto'; nos distritos de Coimbra e Guarda, o seu sentido está muito próximo do de enseiramento e de moinho, pois aplica-se ao 'conjunto de seiras ou de capachos em pilha para serem apertados de cada vez pela prensa'.

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(1) TOMÁS BUESA OLIVER, Terminología del olivo y del aceite en el alto aragonés de Ayerbe, in: "Miscelánea Filológica dedicada a Mons. A. Griera", Barcelona, 1955, tomo I, pág. 90.

(2)PAUL SCHEUERMEIER, Bauernwerk in Italien der italienischen und rätoromanischen Schweiz, 1943, pág. 186: «Die vollen Olivenpreßkörben werden in der Olkelter aufeinander geschichted. Ein Stoß von 6-12 Olivenpreßkörben heißt tosc. castello, P. 542, castella, P. 564, fascio, P. 633, 643 'comporta', P. 750 'concio'».

(3) – Note-se que a zona onde são colocadas as seiras possui ainda outros nomes, como oportunamente teremos ocasião de referir, neste mesmo capítulo.

(4) – Noções de oleicultura prática, 2ª ed., Coimbra, 1901, pág. 117.

(5)Normalmente, as dimensões desta caixa andam à volta de 1,5 m de comprimento por 1 m de largura e 0,5 m de altura.

(6) – JOÃO ANTÓNIO DALLA BELLA, Memórias e observações sobre o modo de aperfeiçoar a manufactura do azeite de oliveira em Portugal. Remetidas à Academia Real das Ciências pelo seu sócio Dr. (...), Lisboa, 1784, parágrafo LVII, pág. 51.

(7)Dicionário universal da vida prática na cidade e no campo, Porto, vol. I, pág. 235, 1ª col.

 

 

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