ENSEIRAMENTO E PRENSAGEM
Dissemos já o que se
entende por enseiramento e prensagem, pelo que iremos agora ver como
decorrem estas operações. Começaremos o nosso estudo pelos lagares
antigos, que nos merecem uma profunda atenção; em seguida, faremos uma
rápida análise do que se passa nos lagares semi-modernos e nos modernos.
a) Nos lagares antigos:
Antes
de vermos como decorrem o enseiramento e a prensagem nestes lagares,
convém saber como e por quem é retirada a azeitona do moinho, depois de
convenientemente reduzida a massa. Esta operação varia muito de lagar
para lagar, pelo que iremos procurar descrevê-la de maneira mais ou
menos genérica. Desceremos apenas a um ou outro caso particular, sempre
que isso se nos afigure conveniente.
De uma maneira
geral,
quando os moinhos – hidráulicos ou de tracção animal – não possuem a
chamada porta da base, isto é, uma abertura existente na parede
da vasa, tal como se pode observar na figura
◄26, por onde a massa
possa ser expulsa mediante dispositivo mecânico, a azeitona transformada
em pasta é retirada com uma pá ou com uma enxada para dentro de
recipientes próprios, nos quais é transportada para a zona de enseiramento. As formas e dimensões destes recipientes variam muito de
região para região. São feitos de lata, folha de Flandres,
zinco e, não
menos raro, de madeira. Conhecidos habitualmente pelo nome de gamela(8),
palavra de sentido impreciso, visto aplicar-se a mais do que um objecto
dentro do próprio lagar(9) e de grande vitalidade em português,
apresentam ainda outras designações, tais como escudela (Aveiro,
P. 116), malga (Coimbra, P. 303), masseira (Aveiro, P.
158), e masseiro (Aveiro, P. 120, 157).
O trabalho de encher as gamelas e levá-las para a zona do
enseiramento compete normalmente aos ajudantes do lagar, podendo estes
ser homens ou mulheres. Habitualmente conhecidos por
ajudantes (Braga, P. 32, Coimbra, P.
285b, 297; Guarda, P. 209; Porto, P. 52, 54a; Vila Real, P. 73, 76a;
Viseu, P. 173), possuem ainda outros nomes, como cagarrachos
(Bragança, P. 92), deciplos (Castelo Branco, concelho da
Covilhã), mancebos (Coimbra, P. 256, 280b, 286) e moços
(Coimbra, P. 258, 261). Compete-lhes ainda as funções de ajudar a
sangrar as talhas ou tarefas, tirar a água da caldeira para
caldear ou dar as caldas à massa, desinseirar, etc. No
lugar de Chacim, P. 92, no distrito de Bragança, o trabalho, dada a
enorme falta de mão-de-obra masculina devido à emigração é quase
exclusivamente realizada por mulheres, conhecidas pelo nome de
aguadeiras.
No lagar de Canelas de Baixo (Aveiro, P. 118), depois de
retirada toda a massa do pio, é utilizado um
bassourinho, pequena vassoura feita
de ramos ou de piaçaba, com que os ajudantes varrem muito bem as paredes
de aduelas e o rasto do moinho, para que nada se perca. Só depois
de tudo muito bem limpo voltam a encher o aparelho de moer com azeitona
de outro lavrador.
Nas Três Aldeias, conjunto de três povoações(10)
isoladas entre serras de difícil acesso, no concelho da Pampilhosa da
Serra, P. 303, distrito de Coimbra, quando ainda laborava o antigo lagar
de vara tocado a água (vejam-se as figuras 2 e 22 apresentadas nos
primeiros capítulos), a massa era retirada do pio com um rodo,
utensílio metálico em forma de concha e com um cabo de madeira com mais
de um metro de comprimento, à medida que as galgas iam girando em
movimento mais lento do que o habitual. A azeitona moída era deitada
numa malga ou gamela de lata, que o lagareiro despejava
dentro das seiras.
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Figura 98: A massa é retirada do pio para uma gamela ou bacia
de lata com uma pá vulgar (Mata, P. 297, freg. Vila Nova do Ceira,
conc. Góis, dist. Coimbra). |
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No lagar da Mata, P. 297, no distrito de Coimbra, a
azeitona em pasta é retirada da vasa ou pio para uma gamela ou bacia
circular de lata, que o ajudante coloca sobre o bordo de considerável
largura, tal como se documenta na figura 98. Quando este é demasiado
estreito, costumam colocar-lhe por cima uma tábua larga e comprida, que
vão deslocando ao longo da circunferência do moinho, e sobre a qual
colocam as gamelas, que enchem com o auxílio de uma enxada vulgar(11).
Cheias as gamelas, são
levadas pelos ajudantes para debaixo das varas, iniciando-se o
enseiramento propriamente dito. Este trabalho, que consiste em espalhar
a massa no interior das seiras, e ao qual já fizemos referência, compete
essencialmente aos mestres dos lagares ou lagareiros,
auxiliados pelos ajudantes. Na falta do mestre, o serviço passa a
ser imediatamente realizado pelo contra-mestre, nas regiões onde
este existe. No distrito de Braga, P. 34, o empregado com as funções de
mestre é conhecido pela designação de ingenheiro, o que se
explica pelo facto de o lagar ser conhecido pelo nome de engenho.
As
seiras são colocadas numa superfície circular, existente debaixo da
vara, na zona compreendida entre as virgens e as agulheiras.
Com um diâmetro um pouco maior que o das seiras, esta superfície
apresenta formas e nomes diferentes de região para região.
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(8) – O vocábulo gamela foi registado nos seguintes distritos: Aveiro,
P. 117, 118, 164; Bragança, P. 86, 92; Castelo Branco, P. 305; Coimbra,
P. 245b, 255, 256, 257, 258, 261, 262, 285b, 286, 297, 300, 302, 304;
Guarda, P. 206, 209, 211, 212, 216, 226; Porto, P. 51, 52, 54a, 54b, 57;
Vila Real, P. 73, 76a, 78. |
(9) – Palavra que levanta múltiplos problemas quanto à sua origem e
não raras vezes abordada por linguistas como W. von Wartburg, em
Französisches Etymologisches Wörterbuch, Bloch, em Dictionnaire
étymologique de la langue française, Meyer-Lübke, em Romanisches
Etymologisches Wörterbuch, Vidos, Recherches sur l'histoire et
les origines du lexique roman, entre outros, no campo olivícola as
suas designações são múltiplas. Efectivamente, usada habitualmente para
designar um recipiente pequeno de lata, folha ou madeira, registámo-lo
várias vezes na acepção de enorme caixa metálica, de pedra ou de
cimento, de dimensões variáveis, onde cai e se deposita a massa, expulsa
do moinho pelas raspadeiras. Noutros casos, gamela aplica-se a um
recipiente de folha, onde são metidas as medidas do azeite, a fim de que
nada se perca do precioso óleo. Mais conhecido por bacia das medidas,
sempre que empregam o vocábulo gamela nesta última acepção, os
empregados do lagar têm o cuidado de o determinar cuidadosamente; assim,
chamam-lhe com frequência gamela das medidas.
Sobre o problema da origem da palavra gamela, veja-se o
artigo de Manuel de Paiva Boléo, O problema da importação de palavras
e o estudo dos estrangeirismos (em especial dos francesismos) em
português, Separata de "O Instituto", vol. CXXVII, 2ª ed., Coimbra,
1965, págs. 7-9. |