a) A vara peninsular:
Mostrámos já a importância da prensa de vara, apresentámos os nomes por
que é conhecida, procurámos estabelecer a sua definição e distinguimos
dois tipos fundamentais; iremos agora ocupar-nos do estudo minucioso da
vara peninsular, incidindo essencialmente sobre o que encontrámos em
Portugal; faremos, em seguida, uma breve apresentação da vara italiana,
e procuraremos ver as vantagens e desvantagens de um e outro tipo;
simultaneamente, veremos também as fases que podemos distinguir no
funcionamento de cada um deles.
Pela expressão
vara peninsular
pretendemos indicar um tipo de vara idêntico nos dois países vizinhos da
Península Ibérica, por oposição à vara italiana, que apresenta sensíveis
diferenças em relação a esta, como teremos oportunidade de verificar.
Analisemos em primeiro lugar a
vara propriamente dita,
cuja função é a de uma alavanca, para depois passarmos ao sistema de
accionamento.
Os comprimentos da vara são muito variáveis de lagar para lagar. Ao
passo que em Espanha apresenta 10 e 14 metros de comprimento,
respectivamente em Poyales e Mombeltrán
– as únicas de que temos conhecimento através dos artigos consultados –,
sendo a da segunda povoação formada por seis troncos unidos entre si por
meio de cintas de aço(10), em Portugal as varas mais compridas
que encontrámos oscilavam entre 8 e 9 metros, sendo formadas por uma
peça única, que não é mais do que um enorme tronco de árvore, a que não
faltam sequer as raízes mais grossas para lhe aumentarem o peso.
Segundo Ladislau Piçarra(11),
o comprimento total das varas, no concelho de Serpa, oscila entre 7 e 10
metros. Na Beira Alta, mais rigorosamente em Pinhel, as varas do lagar
visitado por Maria Margarida Furtado Martins(12) mediam
aproximadamente entre 8 a 9 metros.
O comprimento mínimo da vara por nós registado foi de cerca de 6 metros,
no lagar do Pedregal, P. 51, no distrito do Porto. Desta vara
apresentamos, aproximadamente a meio deste capítulo, a figura 83.
Dividida em três zonas
distintas, a que correspondem os três pontos principais de uma alavanca
do tipo já mencionado(13), a vara é quase sempre encaixada na
parede. Esta, construída com enormes blocos de pedra e de considerável
largura, para melhor suportar as enormes pressões exercidas
verticalmente de baixo para cima pelo feixe, apresenta uma
cavidade de secção aproximadamente quadrada, bem delimitada por dois
maciços blocos de pedra. As dimensões destes blocos variam muito de
lagar para lagar. Colocados vertical e paralelamente, sobressaem do
plano da parede alguns centímetros.
Em Espanha, ao contrário do
que se usa entre nós, a vara está segura entre dois grossos barrotes de
madeira chamados madrinas, sobre os quais assenta uma carga de
pedra unida com a parede da casa, para maior segurança, e cuja função é
a de servir de contrapeso durante o funcionamento da prensa, que, em vez
de ser atravessada por um eixo, assenta sobre uns travessões que ligam
as madrinas e a que dão o nome de bramas(14).
Apesar destas pequenas diferenças, a vara espanhola apresenta um sistema
de funcionamento idêntico à existente em Portugal, o que nos permite
inseri-la dentro da mesma família, a que já nos referimos.
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Deixemos o lagar espanhol, e voltemos à análise do lagar português.
Dissemos que a vara portuguesa é quase sempre encaixada na parede, entre
dois blocos de pedra, que delimitam a abertura onde ela está inserida.
Colocados vertical e paralelamente, apresentam uma configuração muito
variada de região para região, como variáveis são também os nomes pelos
quais o povo os conhece.
No distrito de Coimbra, chamam a esta pedras
agulheiras
(P. 297) ou agulheiro (P. 261, 286), termos provenientes de
agulha, que também registámos em Braga, P. 28, 29, 31, 32, e
Coimbra, P. 256, 261, 286. |
Figura 77: Sacos das
varas, entre as quais ela encaixa na parede (Santo António, freg. S.
Pedro, conc. Celorico da Beira, dist. Guarda). |
Os dicionários de Eduardo de Faria(15)
e de António de Morais Silva(16) registam o vocábulo
agulheiro, que definem respectivamente da seguinte maneira:
«(...)
Buraco que se faz na parede para se meterem os paus que sustentam os
andaimes; qualquer buraco nas paredes das casas, portas, etc. (...)».
«(...)
Buraco na parede, para introduzir a ponta do barrote, que sustenta o
bailéu ou andaime (...)».
Como se vê, os sentidos apresentados por estes dois dicionário, embora
diferentes, têm certa afinidade com o que nós registámos relativamente
aos lagares.
A
agulha
é uma grossa haste de secção circular, de madeira ou de ferro, que,
enfiada nos buracos das agulheiras (vejam-se as figuras 77 e 78),
segura a vara, servindo-lhe de eixo. O já citado dicionário de Eduardo
de Faria, pág. 205, 1ª coluna, define-a da seguinte maneira:
«(agric.)
pau da grossura de um braço, introduzido por duas pedras, e com o qual
se sustenta a vara».
Ao lado de agulha
e com o mesmo sentido, surge-nos ainda o vocábulo agulhão,
registado no distrito de Coimbra, P. 258.
Da mesma família destas palavras são os vocábulos
agulhar
e agulhadouro/agulhadeiro, apresentados pelo dicionário de Morais(17).
O primeiro indica-nos o acto de «meter a agulha do lagar nos
agulhadouros»; o segundo designa o «furo no coice da vara do
lagar, e nas pedras chamadas orcelas, madres ou virgens,
e pelo qual passa a agulha da vara».
Para designar as
agulheiras
ou agulheiro, registámos ainda os vocábulos gateiras
(Braga, P. 32), rabadão (P. 56) e sacos (Guarda, P. 211).
O já citado dicionário de Almeida Costa e Sampaio e Melo apresenta
rabadão
com o sentido de «rabo da vara do lagar».
Além destes, encontramos ainda o vocábulo
queixo,
indicado por Maria Margarida Furtado Martins(18).
Vimos que o dicionário de Morais, a propósito de
agulhadouro,
nos apresenta os termos orcelas, madres e virgens com o
mesmo sentido. A definição que nos dá de orcela, pág. 532, 2ª col..
é a seguinte:
«s.
f. Provinc. Cada uma das peças paralelas que sustentam uma haste de
ferro ou de madeira, que serve de eixo à vara do lagar no seu movimento
ascendente ou descendente».
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Figura 78: Agulheiras das varas. À direita, a agulha de
ferro. (Vilarinho, P. 258, freg. Eiras, conc. e dist. Coimbra). |
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Em alguns lagares, as agulheiras ocupam o mesmo plano da parede.
Distinguem-se, no entanto, nitidamente, porque a parede apresenta nesta
zona uma reentrância, de maneira a permitir que a agulha possa ser
enfiada nos buracos das pedras. Não é raro encontrarmos lagares que
aproveitam essa cavidade para guardar objectos vários. Colocam-lhe uma
tábua a servir de porta, e transformam-na em armário.
No caso do lagar de Vila Viçosa, P. 116, no distrito de Aveiro, a vara é
encaixada entre duas pedras verticais ao mesmo nível da parede, tendo
horizontalmente, por cima e por debaixo, duas grossas e largas lajes de
pedra, das quais a superior é bastante mais comprida, o que lhe confere
maior resistência para suportar a pressão exercida pela potente
alavanca.
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Figura 79: Pormenor das
pedras que seguram a vara do lagar (Ponte do Feixe, P. 34, freg.
Infesta, conc. Celorico de Basto, dist. Braga). |
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No lagar da Ponte do Feixe, P. 34, distrito de Braga, há anos parado
devido a um incêndio, seguido por uma cheia, que o deixaram em péssimo
estado, as varas, ao contrário da grande maioria das prensas deste tipo,
ocupam aproximadamente o centro do edifício e estão fixas entre dois
blocos verticais paralelos de granito, tal como nos é mostrado pela
figura 79. Sobre os dois blocos assenta um terceiro em posição
horizontal, que suporta, por sua vez, uma pesada parede do mesmo
material, que divide o edifício em duas metades.
A partir do meio da vara até à parede onde ela encaixa fica a
zona de aperto.
Em todos os lagares está nitidamente delimitada, pois fica compreendida
entre as virgens e as agulheiras. Sobre a plataforma de
cimento e por debaixo do feixe existe uma zona circular, onde são
empilhadas as seiras. Dos nomes dados a esta zona nos ocuparemos,
quando, no capítulo seguinte, tratarmos da descrição de como e onde é
feito o enseiramento.
As virgens são duas
colunas verticais de madeira, colocadas paralelamente, uma de cada lado
da vara, para impedir que esta decline para algum lado. Fixas na parte
superior às chamadas «linhas do bigamento do lagar» (distrito de
Coimbra, P. 297), separam normalmente as tarefas da zona de enseiramento.
No distrito de Coimbra,
numa grande maioria dos lagares, as virgens apresentam, na parte
inferior, uma espécie de taipal ou tapume de madeira, que protege as
tarefas do rebentamento das seiras, evitando que esguichos e bocados de
massa caiam dentro delas e estraguem o azeite
(vejam-se as
figuras
◄74 e 80▼).
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Figura 80: Elementos constituintes da prensa de vara. Para
identificação das peças numeradas, consultar a
nota
19. |
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No lagar do Pedregal, P. 51, no distrito do Porto, as virgens
apresentam, a cerca de metade da sua altura, uma haste de ferro, que as
atravessa de lado a lado, visível na fotografia da figura 83
►. A função
deste ferro é, fundamentalmente, a de servir de apoio à vara, quando em
descanso, evitando assim que se exerça pressão sobre o fuso, o que
poderia danificá-lo. Este mesmo acessório, que no caso do lagar da
figura 83 serve também de suporte às candeias de azeite, encontra-se
muito difundido em lagares do país vizinho, sendo conhecido por fiel.
As virgens, a que chamam, em Espanha, madrinas del fiel,
apresentam, como no caso do lagar do Pedregal, uma dupla finalidade:
servir de amparo à vara e servir-lhe de descanso, por meio do chamado
fiel, que é introduzido na ranhura feita nas virgens, a que dão o
nome de roto del fiel(20).
Na maioria dos lagares portugueses, a função do fiel, que não existe, é
exercida por barrotes de madeira, que os mestres têm o cuidado de
colocar sob as varas, assim que chegam ao fim da lagaragem.
Além dos vocábulos
birgem/virgem,
registados nos distritos de Braga, P. 32, Coimbra, P. 256, 297, 302, e
Porto, P. 51, e birges/virges, registados em Aveiro, P. 116, 117,
116, Braga, P. 29, Guarda, P. 211, Porto, P. 54a, as duas colunas
laterais de madeira são também conhecidas por alçapremas,
Bragança, P. 92, Coimbra, P.286, balaústes, Aveiro, P. 118, e
colunas, Porto, P. 56.
O vocábulo
virgem
existe também em castelhano com sentido idêntico(21). O
dicionário de Rafael Bluteau(22) regista este vocábulo com
sentido afim, apenas com a diferença de que as duas vigas, segundo o
Autor e ao contrário do que nós encontrámos, ficam fora do lagar:
«Virgens
do lagar, são duas peças empinadas fora do lagar, que tolhem que a vara,
ou feixe, decline para algum lado».
Na extremidade oposta ao fulcro ou zona onde a vara encaixa na parede
fica situada a chamada
cabeça da vara
(Aveiro, P. 118; Coimbra, P. 256, 262, 297, 300; Leiria, P. 362) ou
reigão da vara (Braga, P. 28). Corresponde esta parte à raiz da
árvore, de que algumas varas conservam as partes mais grossas e cujos
espaços são por vezes preenchidos com argamassa e cimento.
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