Vasco Pinto Leite, A dimensão política do projecto cultural de V. Branco ou A dimensão cultural do seu projecto político, in: Vasco Branco. Retrospectiva Cinematográfica. Comemorações dos 100 anos do cinema português, Aveiro, Maio de 1996, pág. 10.

A dimensão política do projecto cultural de V. Branco
ou
A dimensão cultural do seu projecto político



Para Vasco Branco a arte nunca foi uma actividade inócua. Para ele a força persuasora da autenticidade ou da beleza de uma obra de arte conseguida não se prende a êxtases supérfluos nem se perde em contemplação narcísica.

 

A condição do artista, antes de tudo, é a condição humana. E todo o homem, pelo que faz ou pelo que deixa fazer, interfere nos princípios directores de uma sociedade. Ou seja, por definição, é um ser político. Um simples prazer que respire pelo rasto de uma paleta move-lhe sempre alguma coisa em alguma direcção.

 

Vasco Branco nunca esqueceu esta postura em todos os trabalhos e projectos culturais em que se envolveu, fílmicos, plásticos ou escritos. Naquela difícil luta dos anos 60 e 70, não se cansou de utilizar os seus dotes cinematográficos para condenar a guerra, qualquer guerra, em jeito de mensagem pedagógica, como nos filmes Rajada e A Máquina, muito irritando a censura portuguesa de então ao induzir a responsabilidade que nos compete para de algum modo encravarmos a máquina infernal que conduz à guerra e a alimenta.

 

Como amador-amante do cinema participou de modo decisivo na organização do movimento que levaria à organização e democratização de urna actividade dinâmica e brilhante, naquela fase, de que o 1 Congresso Nacional de Cinema Amador de Aveiro. em 1970, constituiu um marco fundamental. Tratou-se, efectivamente, de urna época em que os mais qualificados cineastas não-profissionais se multiplicavam pelos diversos recantos do país, a projectarem e a debaterem com as populações os filmes que vinham sendo premiadíssimos em concursos internacionais. Primeiro Presidente da Assembleia Geral da então recém-formada Federação Portuguesa de Cinema de Amadores, que mais tarde se transformaria na Federação Portuguesa de Cinema e Audiovisuais, Vasco Branco esteve incansável na missão, por vezes complexa, de conseguir sublimar as divergências regionais dos vários clubes, trazendo-os a uma saudável união diversificada.

 

O entendimento nacional ou universal da cultura não impedia Vasco Branco de ser um ferranho bairrista, no óptimo sentido do termo. Defendia a região Norte, defendia a sua Ria, defendia a sua terra, com um esplendor que nos contagiava a todos, como no memorável filme O Espelho da Cidade ou através também de cerâmicas salpicando aqui e ali a cidade de Aveiro. Eis como o seu projecto político adquiria a dimensão cultural: com um tocante sentido estético espelhava a consciência de si mesmo, da sua gente, do seu labor, da sua história, na história de Portugal e na história universal que todos os dias devíamos reivindicar e escrever.

 

Vasco Branco, como Homem, não necessitava para nada desta homenagem. Mas é importante que ela se faça, que se releve e propague o exemplo da sua obra. Da sua dimensão cultural e política, num momento particularmente crítico a inundar-nos com pseudo-culturas de valores que nada têm a ver com o nosso património e ameaçam seriamente a nossa identidade.

Vasco Pinto Leite

(Presidente da Mesa da Assembleia Geral da 
Federação Portuguesa de Cinema e Audiovisuais)


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