Admitimos que, na base da nova fórmula de
distribuição de serviço docente, tenha estado a preocupação de obter
melhores respostas para os problemas ligados à vida escolar. É possível
que isso tenha sido conseguido em relação a alguns aspectos. Não,
certamente, naquele que diz respeito às condições de trabalho dos
intervenientes no processo de ensino-aprendizagem e, consequentemente, à
Formação do Aluno.
Se se conceber a Formação referida como o resultado
de um ensino que prepara cada estudante, com as suas características
específicas, para a vida, num mundo em constante transformação, não se
vê como pode o caminho que foi traçado conduzir a esse ponto. Com
efeito, para proporcionar os conhecimentos adequados e desenvolver as
capacidades necessárias, o Professor tem que: manter-se actualizado;
criar materiais e estratégias adaptadas a cada turma e, se a situação o
exigir, para cada Aluno; corrigir os trabalhos realizados; propor os
percursos que concorram para a progressão das aprendizagens. De acordo
com a fórmula de distribuição de serviço docente, a um Professor que
tenha sido atribuído um horário de vinte e dois tempos lectivos (no
Ensino Básico) ou de vinte (no Secundário), são-lhe concedidas sete
horas, no primeiro caso, ou nove, no segundo, para realizar as
actividades indicadas. Ora, não é razoável pensar que, no tempo
referido, e ainda que ele fosse de nove ou de onze horas, o Professor
possa conceber o que vai aplicar nas vinte e duas ou vinte horas
lectivas, corrigir o que aí foi produzido, determinar os procedimentos
que ajudem a superar as dificuldades e, além disso, procurar manter-se
devidamente (in)formado. Aliás, na prática, está a verificar-se que isso
não é possível. Ao mesmo tempo, está a gerar-se um mal-estar geral que
se repercute, negativamente, nas relações interpessoais, com
consequências na dinâmica da comunidade escolar, a nível da
credibilização da acção pedagógica promovida pelos Professores ou por
outros elementos da comunidade e no sucesso escolar.
Não aceitamos, pois, como adequado um modelo que
conduz a situações que obrigam o Professor a trabalhar mais do que as 35
horas semanais e que, além disso, produz efeitos negativos no desenrolar
da vida escolar. Consideramos que, acima da preocupação, legítima, de
ocupar os Alunos, deve estar a de contribuir para a melhoria da sua
Formação, integrada numa comunidade onde todos sejam tratados com
dignidade e justiça. Não podíamos, por isso, deixar de manifestar o
nosso descontentamento com as decisões tomadas. Esperamos, no entanto,
que as mesmas venham a ser repensadas e se avance para soluções que
favoreçam a qualidade do ensino e aprendizagem.
Os Grupos de Biologia e de Filosofia
Este ano escolar é o ano de todas as mudanças.
Mudanças bruscas, que introduziram “desordem” no universo profissional e
axiológico da classe docente.
Chegados de férias, os professores do Quadro de
Nomeação Definitiva encontraram todo o seu mundo em “desordem”.
Até aos quarenta anos de idade, a componente lectiva
é de 22 horas. A partir daqui, os professores têm uma redução, que teve
como critério base o desgaste da profissão docente e o factor idade.
Refira-se que, já antes do Estatuto da carreira Docente, esta redução
era contemplada no horário dos professores naquilo que, na altura, era
designado por “fases”.
Como tal, os professores que mais têm o seu universo
em “desordem” são os que mais próximo se encontram da idade de
aposentação, que entretanto, para aumentar a desordem, foi alterada dos
60 para os 65 anos de idade. E é nesta “desordem” que começa um
autêntico frenesim: aulas de substituição, apoios, clubes, biblioteca,
coordenações, em suma, toda uma série de actividades que não têm como
objectivo mais do que ocupar essas reduções da componente lectiva
consagradas no Estatuto da carreira Docente.
Para ajudar à barafunda e estado de sítio, a
comunicação social, como lhe é habitual sempre que há
situações de desordem ou factos que fogem à situação dos eixos da
normalidade e podem render mais uns cobres ou um aumento dos níveis de
audiência, encarregou-se de “teatralizar” este estado de sítio. E os
cronistas, num estranho consenso, trataram logo de meter toda a classe
docente no mesmo “saco”, aproveitando oportunamente a ajuda das
estatísticas forjadas pelo ME no meio de uma “batalha”. Ao
aproveitamento dos media¸ vieram juntar-se as estatísticas à
pressão sobre faltas do corpo docente, visando denegrir os professores a
favor de todas as formas de prepotência de quem se mete a governar casa
que não conhece.
O bom senso aconselha a que se procure compreender os
sentimentos conflituosos gerados por estas “ desordens”.
— Todas as profissões ligadas aos “recursos humanos”
levam quase sem excepção a um elevado desgaste psíquico. E os
professores pertencem precisamente àqueles “grupos de risco” que
“gostam” de visitar os psiquiatras! O que os leva a essas visitas? Uma
série de factos, de entre os quais se destacam:
— Uma exposição a um Juízo Crítico permanente e ao
“olhar” de uma média de 120 alunos por dia, que pode ser gerador de
ansiedade.
— Os alunos, na sua maioria, adoram a escola para se
encontrarem com os amigos, mas, enquanto local de trabalho, nem todos os
sentimentos são os mesmos. Como diz David Justino, ex-Ministro da
Educação, «o difícil é sentá-los».
— O ambiente familiar dos jovens sofreu também
profundas alterações. São mães que trabalham fora, são famílias
monoparentais, são ausências de limites de regras que levam a que nem
sempre seja fácil o trabalho na sala de aula.
— E 90% do corpo docente é constituído por mulheres.
Em Portugal, estas continuam sobrecarregadas, na medida em que são
profissionais, são mães, são donas de casa, são elas que muitas vezes
têm de levar os filhos para a escola, são elas que desempenham
frequentemente um papel duplo de pai e mãe, em suma, muito longe vai o
tempo em que à mulher cabia apenas o papel da casa e dos filhos.
Parece-nos que “os mentores” do Estatuto da Carreira
docente tinham plena consciência e conhecimento de todas estas
situações. Mas, nas sociedades hodiernas, o critério economicista a tudo
se sobrepõe. E a classe docente passa a ser olhada como “o bode
expiatório” das agruras que atravessam o País!
A agravar todos estes factos, a nossa sociedade
continua de costas voltadas para o futuro. Não oferece alternativas aos
milhares de jovens licenciados, não oferece alternativas aos jovens com
insucesso escolar e limita-se a introduzir “desordens” muito complicadas
que acabam por ser projectadas nas escolas e nos professores!
Com toda esta revolução de cariz profundamente
negativa, terminamos com uma certeza: a partir de agora, os
profissionais com mais de 40 anos de idade terão de recuperar o vigor
dos “vinte anos”! Pelo menos até aos 65, todos teremos de nos manter
eternamente jovens, cheios de energia e aptos a desempenhar eficazmente
todas as “desordens” que os ideólogos do Ministério da Educação decidam
introduzir, pesem embora os problemas decorrentes de um PDI (1) sempre
mais elevado, que não se compadece com os problemas actuais e só irá
fazer com que o nosso ensino seja, cada vez mais, aquilo que hoje
sabemos, a menos que se verifique uma grande revolução e surja alguém
com bom senso para voltar a pôr o ensino nuns carris de harmonia,
sensatez, justiça e rigor pedagógico, para que o nosso País não vá
ficando cada vez mais na cauda da Europa.
Isabel Magalhães