BOLETIM CULTURAL E RECREATIVO - SECUNDÁRIA JOSÉ ESTÊVÃO - AVEIRO


 


O Ensino Actual - Reflexões
 


 

No início deste ano lectivo, os Professores foram confrontados com a decisão do Ministério da Educação de introduzir, nos seus horários, um conjunto de horas de estabelecimento. Em consequência disso, ficou reduzido o tempo até aí existente para realizar todo o trabalho implicado pelas actividades lectivas, já de si habitualmente insuficiente. Este facto criou a necessidade de se fazer uma reflexão sobre a distribuição de serviço docente. O primeiro texto que a seguir se apresenta, resultou da análise que os Grupos de Biologia e de Filosofia fizeram sobre a situação gerada e constitui uma proposta que está a ser apreciada pelos vários Grupos disciplinares da Escola, para a elaboração de um documento que exprima o sentir e o pensar dos Docentes da mesma.

O segundo texto é igualmente uma reflexão sobre o mesmo problema da autoria de uma professora desta escola.

A DISTRIBUIÇÃO DO SERVIÇO DOCENTE

Admitimos que, na base da nova fórmula de distribuição de serviço docente, tenha estado a preocupação de obter melhores respostas para os problemas ligados à vida escolar. É possível que isso tenha sido conseguido em relação a alguns aspectos. Não, certamente, naquele que diz respeito às condições de trabalho dos intervenientes no processo de ensino-aprendizagem e, consequentemente, à Formação do Aluno.

Se se conceber a Formação referida como o resultado de um ensino que prepara cada estudante, com as suas características específicas, para a vida, num mundo em constante transformação, não se vê como pode o caminho que foi traçado conduzir a esse ponto. Com efeito, para proporcionar os conhecimentos adequados e desenvolver as capacidades necessárias, o Professor tem que: manter-se actualizado; criar materiais e estratégias adaptadas a cada turma e, se a situação o exigir, para cada Aluno; corrigir os trabalhos realizados; propor os percursos que concorram para a progressão das aprendizagens. De acordo com a fórmula de distribuição de serviço docente, a um Professor que tenha sido atribuído um horário de vinte e dois tempos lectivos (no Ensino Básico) ou de vinte (no Secundário), são-lhe concedidas sete horas, no primeiro caso, ou nove, no segundo, para realizar as actividades indicadas. Ora, não é razoável pensar que, no tempo referido, e ainda que ele fosse de nove ou de onze horas, o Professor possa conceber o que vai aplicar nas vinte e duas ou vinte horas lectivas, corrigir o que aí foi produzido, determinar os procedimentos que ajudem a superar as dificuldades e, além disso, procurar manter-se devidamente (in)formado. Aliás, na prática, está a verificar-se que isso não é possível. Ao mesmo tempo, está a gerar-se um mal-estar geral que se repercute, negativamente, nas relações interpessoais, com consequências na dinâmica da comunidade escolar, a nível da credibilização da acção pedagógica promovida pelos Professores ou por outros elementos da comunidade e no sucesso escolar.

Não aceitamos, pois, como adequado um modelo que conduz a situações que obrigam o Professor a trabalhar mais do que as 35 horas semanais e que, além disso, produz efeitos negativos no desenrolar da vida escolar. Consideramos que, acima da preocupação, legítima, de ocupar os Alunos, deve estar a de contribuir para a melhoria da sua Formação, integrada numa comunidade onde todos sejam tratados com dignidade e justiça. Não podíamos, por isso, deixar de manifestar o nosso descontentamento com as decisões tomadas. Esperamos, no entanto, que as mesmas venham a ser repensadas e se avance para soluções que favoreçam a qualidade do ensino e aprendizagem.                                          Os Grupos de Biologia e de Filosofia


Desordem no Ensino

Este ano escolar é o ano de todas as mudanças. Mudanças bruscas, que introduziram “desordem” no universo profissional e axiológico da classe docente.

Chegados de férias, os professores do Quadro de Nomeação Definitiva encontraram todo o seu mundo em “desordem”.

Até aos quarenta anos de idade, a componente lectiva é de 22 horas. A partir daqui, os professores têm uma redução, que teve como critério base o desgaste da profissão docente e o factor idade. Refira-se que, já antes do Estatuto da carreira Docente, esta redução era contemplada no horário dos professores naquilo que, na altura, era designado por “fases”.

Como tal, os professores que mais têm o seu universo em “desordem” são os que mais próximo se encontram da idade de aposentação, que entretanto, para aumentar a desordem, foi alterada dos 60 para os 65 anos de idade. E é nesta “desordem” que começa um autêntico frenesim: aulas de substituição, apoios, clubes, biblioteca, coordenações, em suma, toda uma série de actividades que não têm como objectivo mais do que ocupar essas reduções da componente lectiva consagradas no Estatuto da carreira Docente.

Para ajudar à barafunda e estado de sítio, a comunicação social, como lhe é habitual sempre que há situações de desordem ou factos que fogem à situação dos eixos da normalidade e podem render mais uns cobres ou um aumento dos níveis de audiência, encarregou-se de “teatralizar” este estado de sítio. E os cronistas, num estranho consenso, trataram logo de meter toda a classe docente no mesmo “saco”, aproveitando oportunamente a ajuda das estatísticas forjadas pelo ME no meio de uma “batalha”. Ao aproveitamento dos media¸ vieram juntar-se as estatísticas à pressão sobre faltas do corpo docente, visando denegrir os professores a favor de todas as formas de prepotência de quem se mete a governar casa que não conhece.

O bom senso aconselha a que se procure compreender os sentimentos conflituosos gerados por estas “ desordens”.

— Todas as profissões ligadas aos “recursos humanos” levam quase sem excepção a um elevado desgaste psíquico. E os professores pertencem precisamente àqueles “grupos de risco” que “gostam” de visitar os psiquiatras! O que os leva a essas visitas? Uma série de factos, de entre os quais se destacam:

— Uma exposição a um Juízo Crítico permanente e ao “olhar” de uma média de 120 alunos por dia, que pode ser gerador de ansiedade.

— Os alunos, na sua maioria, adoram a escola para se encontrarem com os amigos, mas, enquanto local de trabalho, nem todos os sentimentos são os mesmos. Como diz David Justino, ex-Ministro da Educação, «o difícil é sentá-los».

— O ambiente familiar dos jovens sofreu também profundas alterações. São mães que trabalham fora, são famílias monoparentais, são ausências de limites de regras que levam a que nem sempre seja fácil o trabalho na sala de aula.

— E 90% do corpo docente é constituído por mulheres. Em Portugal, estas continuam sobrecarregadas, na medida em que são profissionais, são mães, são donas de casa, são elas que muitas vezes têm de levar os filhos para a escola, são elas que desempenham frequentemente um papel duplo de pai e mãe, em suma, muito longe vai o tempo em que à mulher cabia apenas o papel da casa e dos filhos.

Parece-nos que “os mentores” do Estatuto da Carreira docente tinham plena consciência e conhecimento de todas estas situações. Mas, nas sociedades hodiernas, o critério economicista a tudo se sobrepõe. E a classe docente passa a ser olhada como “o bode expiatório” das agruras que atravessam o País!

A agravar todos estes factos, a nossa sociedade continua de costas voltadas para o futuro. Não oferece alternativas aos milhares de jovens licenciados, não oferece alternativas aos jovens com insucesso escolar e limita-se a introduzir “desordens” muito complicadas que acabam por ser projectadas nas escolas e nos professores!

Com toda esta revolução de cariz profundamente negativa, terminamos com uma certeza: a partir de agora, os profissionais com mais de 40 anos de idade terão de recuperar o vigor dos “vinte anos”! Pelo menos até aos 65, todos teremos de nos manter eternamente jovens, cheios de energia e aptos a desempenhar eficazmente todas as “desordens” que os ideólogos do Ministério da Educação decidam introduzir, pesem embora os problemas decorrentes de um PDI (1) sempre mais elevado, que não se compadece com os problemas actuais e só irá fazer com que o nosso ensino seja, cada vez mais, aquilo que hoje sabemos, a menos que se verifique uma grande revolução e surja alguém com bom senso para voltar a pôr o ensino nuns carris de harmonia, sensatez, justiça e rigor pedagógico, para que o nosso País não vá ficando cada vez mais na cauda da Europa.

Isabel Magalhães

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(1) - PDI = Peso da Idade


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