É na parte mais larga da ria de Aveiro que é «o grande
receptáculo das águas na praia-mar», entre Estarreja, ao Norte, e
Ílhavo, ao Sul, mais propriamente entre a foz do Vouga, no sítio
denominado Rio Doce, e Santo António da Coutada (concelho de Ílhavo), e
sobretudo a Oeste e Norte da cidade, que estão actualmente situadas as
marinhas de Aveiro nessa área que não excede hoje 1380 hectares.
Sabe-se que já no princípio do século X havia salinas nas
cercanias de Aveiro (pág.
474) e que no começo da nossa nacionalidade eram elas que forneciam
de sal as províncias do Norte. No reinado de D. Afonso V já subiam a
500. Depois do século XV, a sorte das marinhas tem estado dependente do
estado mais ou menos próspero da barra. Assim, com o deslocamento, para
o sul, da barra, nos meados do século XVII, em direcção a Mira, a
indústria salineira e o comércio marítimo, que tinham feito de Aveiro
uma povoação florescente, começaram a decair dum modo tal, que depois
dos meados do século XVIII estavam quase abandonadas. As obras de
melhoria da barra, feitas no começo do século XIX, ocasionaram um novo
incremento da indústria salineira, que readquiriu a sua antiga
importância, reaparecendo a zona salineira central, embora com menor
superfície. Depois de crises em 1858 e 1873, houve períodos de trabalho
na barra que a fizeram conservar em bom estado para a salinação, sem
todavia permitir que em grande parte da zona salineira a graduação das
águas excedesse 2º,5. Com as obras começadas a realizar em 1932 e o
aumento de volume de águas salgadas subsequente, começaram as salinas a
dispor da massa de água necessária e com a
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salinidade suficiente para a plena laboração, sendo, sobretudo,
favorecidas as marinhas da borda e as situadas próximo à embocadura do
Vouga.
O operário que fabrica as marinhas e nelas trabalha
denomina-se em Aveiro marnoto (talvez de marna) e o dono
senhorio. Os marnotos da ria são quase todos dos concelhos de Aveiro
e Ílhavo.
Os compartimentos das salinas formam três grandes grupos:
1.º – Os tabuleiros colectores ou de recolha, o que se chama
comadorias em Aveiro e que, em Aveiro, também se dividem em
viveiros (pejos em Setúbal) e algibés; 2.º – aqueles
em que se faz a maior depuração, pela separação metódica das impurezas,
e sucessiva concentração, e que, no seu conjunto, constituem o
mandamento, formado de diferentes peças chamadas, em Aveiro,
caldeiros, sobre-cabeceiras, talhas e cabeceiras
(pág. 109); 3.º – os compartimentos em que se faz, com uma concentração
subsequente, a cristalização de sal marinho, a que poderíamos chamar
cristalizadores e a que na ria se dá o nome de meios (peças,
em Setúbal) ou marinha «sensu stricto».
De Outubro a Março os marnotos estão ausentes; voltam em
Abril, e o primeiro trabalho consiste em reparar os danos causados pela
invernia. Como é nos meios que se tem de acabar a saturação do
líquido e de obter a cristalização do sal, é esta parte das operações
preparatórias que maiores cuidados requer. Os meios são nessa altura
estrangidos, limpos das lamas que as cheias depositam e das algas
que se putrefazem durante o Inverno. Em virtude do solo das marinhas do
Vouga não ser forrado dum casco protector, e de ser brando e vasoso, tem
que se fazer artificialmente o seu endurecimento; é o que se realiza
saturando-o depois. Após a cura, está a marinha nas circunstâncias de
ser botada ou deitada a sal, isto é, de executarem nela as
últimas operações preparatórias, que a tornam asada para uma boa e
regular cristalização de cloreto de sódio. Para evitar que os cristais
de cloreto de sódio que venham a formar-se adiram ao solo, os marnotos
espalham sobre uma espécie de barro azulado (andoa), que se
extrai dos terrenos baldios da margem esquerda da ria entre Verdemilho e
a Vista Alegre, uma camada pouco espessa de areia fina, trazida dos
areais da Gafanha. Todas as operações preparatórias da amanhação levam
ordinariamente desde os meados de Abril até aos fins de Junho, enquanto
a safra propriamente dita dura, em média, três meses, dos fins de Junho
aos meados de Setembro. Apenas as moiras ou águas do mar bastante
concentradas, sem as riquezas que trazem em suspensão e os sais menos
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solúveis que o cloreto de sódio, cobrem os meios depois da botadela,
principia a formar-se uma película de cristais de sal à superfície do
líquido em que se produz a evaporação. Estes cristais precipitam-se pelo
seu próprio peso, facilitando, assim, o prosseguimento da cristalização.
O vento pode favorecer e apressar este fenómeno, mas os marnotos, não
confiando nele apenas, bolem todos os dias a marinha suavemente,
por meio dum ugalho, espécie de ancinho ou rodo. Ao cabo
de três dias após a botadela, pode o sal ser tirado dos meios, para o
que vai junto com o ugalho para um viveiro que se prolonga pelo eixo do
cristalizador (diz-se que se procede à operação de quebrar) e em
seguida rido ou arrastado com a rasoila (rodo em
Setúbal) para o tabuleiro de sal. Rido todo o sal para os
tabuleiros, põe-se neles a escorrer algumas horas, sendo depois deposto
em canastras (com os punhos, espécie de pentes) e levado pelos
marnotos e carregadeiras para as plataformas, onde se vai juntando em
montes (serras no Sado). Estes montes, acumulando-se nas
eiras, constituem um dos traços mais característicos da ria de
Aveiro durante a estação calmosa. Ora apresentam a forma de cones, ora
de prismas de secção triangular terminados em dois troncos de cone (têm,
neste caso, o nome de mulas).
As marinhas de Aveiro sofrem de vários defeitos, uns
remediáveis, outros não. Dos irremediáveis, os principais são o clima
húmido e, portanto, da evaporação assaz morosa; a proximidade mais
imediata do mar, donde sopram os ventos dominantes) sempre carregados de
vapor de água; e a pequena salinagem da água, determinada pela afluência
à ria, do Vouga, do Antuã e de muitos outros ribeiros. Até 1935 as
marinhas da ria produziram, em anos de boa colheita, 50 000 toneladas de
sal, o que equivalia a 21,2% da produção total do País. Nos últimos
anos, porém, depois das grandes obras da barra, a produção anual média
subiu a 55 000 toneladas, com um valor médio de 3500 contos e supõe-se
que pode mesmo vir a atingir 80 000 toneladas. Quase todo o sal de
Aveiro é consumido no País; do que é exportado, pouco sai directamente
de Aveiro, por a barra não ser acessível a navios de alto bordo; quase
todo ele é transportado em navios de cabotagem para o Brasil, Estados
Unidos, Rússia e países escandinavos. Parte do sal produzido abastece os
navios de Aveiro que se dedicam à pesca do bacalhau. O sal que sai para
o navego e o consumido nas povoações ribeirinhas da ria (Ovar,
Murtosa, Torreira, Boco, etc.) é geralmente transportado nos barcos
chamados saleiras. Da ria ao caminho-de-ferro o sal é
transportado pelo canal de S. Roque.
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(1)
– Resumo feito pelo Prof. George Agostinho da Silva dum extenso escrito
de Raul Proença (cf. Seara Nova. n.ºs 782, 783, 785 e 787, Ag.-Set. de
1942).
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