Clima
(1)
Aveiro é uma das poucas cidades portuguesas dotadas de
clima regular ou oceânico, com a reduzida variação térmica anual (9,2
graus). A média de temperatura dos meses mais quentes (Julho e Agosto) é
19º,3 e a do mais frio (Janeiro), 9º,2. Sob esse aspecto, supera a
Figueira da Foz (pág. 78) e Coimbra (pág. 307), cujas variações térmicas
são, respectivamente, 10º,42 e 11º,92. Em contrapartida, Aveiro possui
piores condições higrométricas. A humidade relativa atinge a expressão
elevada de 85,9% e o total das precipitações atmosféricas dá a média de
834 mm. A média anual da pressão atmosférica é também alta: 763,2 mm, o
que se explica pela vizinhança do litoral e baixa altitude. Os ventos
dominantes são os do N. e NO.
História
(2)
Nos tempos proto-históricos existiu, junto do Vouga, uma
cidade importante denominada Talábriga, por onde depois passou a
estrada militar de Aeminium (pág. 184) a Cale, segundo se lê no
Itinerário de Antonino Pio. Não se conseguiu ainda determinar com
segurança a localização dessa cidade, sendo contudo verosímil que não
tenha existido no lugar de Aveiro, Cacia ou Esgueira, como se tem
pretendido, mas mais a nascente, desde que se infere que o rio Vouga
desaguava, na época da dominação
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romana, num braço marinho que avançava bastante para o interior. A
actual povoação ter-se-ia fundado (segundo Marques Gomes) no tempo de
Marco Aurélio, sob o nome Aviarium, vocábulo que significaria
lugar com muitas lagoas onde se criam aves palmípedes,
– bem adequado, de facto, a esta região baixa e pantanosa
(3).
No séc. XI, a costa de Aveiro (os mais antigos documentos, alguns do
séc. anterior, dão-lhe o nome de Alavario, sensivelmente derivado
do citado toponímico latino) chamava-se costa marina, havendo
nesse tempo marinhas de sal em locais hoje relativamente afastados da
ria, como Alquerubim. Seria por aí que o Vouga teria então a sua foz,
quando o cordão litoral começava a avançar para o Sul e a formar a ria.
D. João I doou a vila (que em 1348 ficara quase
despovoada pela peste) ao infante D. Pedro, doação confirmada por D.
Duarte e D. Afonso V. Ergueram-se então, por ordem do Infante, as
muralhas, com calcários das redondezas, e a população aumentou a ponto
de se formar extramuros um bairro populoso, a chamada Vila Nova.
Nas cortes os procuradores de Aveiro tinham assento no sétimo banco.
Após Alfarrobeira, a vila passou para o conde de Odemira, mas logo o 2.º
conde a perdeu por se envolver na conjura do duque de Bragança. D. João
II doou-a à infanta D. Joana, sua irmã, que veio recolher-se ao convento
de Jesus, e depois da morte dela, transferiu-a para seu filho bastardo,
D. Jorge, fundador da casa ducal. Nos primeiros anos do séc. XVI a vila
tinha cerca de 14 000 habitantes, entre os quais muitos estrangeiros. O
canal da entrada da ria, em formação, largo e profundo, dava passagem às
naus e caravelas da época, que, pela Cale de S. João,
iam acostar junto às muralhas
(4).
A indústria salineira, a agricultura e a pesca prosperavam, a par do
comércio. A população dada à vida marítima, agremiada na confraria de N.
S. da Alegria, era numerosa, empreendendo em 1500 ou 1501 as primeiras
campanhas de pesca à Terra Nova. D. Manuel deu-lhe foral em 1515 e,
vendo a riqueza crescente da vila, mandou reformar-lhe os muros enviando
10 mil reais para a ajuda das obras, «sob guarda de 80 soldados de
cavalaria» no dizer de Marques Gomes.
Foi de pouca dura, porém, esta fase de rendosa
actividade. Em 1575, durante o Inverno, muito tempestuoso, as areias
arrastadas pelas vagas deslocaram e quase obstruíram o canal de
comunicação da ria com o mar, arruinando dum golpe a pesca costeira, o
comércio marítimo e a extracção do sal. Em 1611 a praça de Aveiro não
possuía navios. Dois engenheiros holandeses, vindos em 1687 para estudar
o modo de se restabelecer o canal navegável, aconselharam a realização
de um corte do cordão litoral junto da capela da Sr.ª das Areias.
Faltaram, porém, os recursos para a efectivação dessa ideia. O inquérito
realizado no reinado de D. Pedro I revela a extrema pobreza da vila.
Emigrava muita gente e o número de óbitos excedia o dos nascimentos. A
barra, com a contínua e inigualável deslocação para o Sul do areal,
tinha ido parar a alturas de Mira (1756). A população estava reduzida a
3500 habitantes, com 900 fogos. Como o alvitre dos holandeses, foram
inviáveis os planos do engenheiro Carlos Mardel (1756), os da comissão
de 1758 e os projectados molhes incluídos pelo engenheiro Guilherme
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Elsden (p. 201) na planta por ele feita da ria, em 1777. Umas obras,
começadas em 1780 pelo eng.º italiano João lseppi, foram suspensas, em
virtude do parecer desfavorável do matemático Monteiro da Rocha (p.
283), que por ordem de D. Maria I as inspeccionou. Foi então o problema
entregue ao afamado padre Estêvão Cabral, realizador do encanamento
artificial do rio Mondego (p. 154).
Aveiro – O magnífico mausoléu da
Infanta beatificada Joana.
O empreendimento por ele aprovado não foi feliz: um
simples temporal destruiu e assoreou tudo o que se fez (em 1797) com o
dispêndio de 40 000 cruzados. Perante as condições cada vez mais penosas
de existência da cidade (Aveiro, em plena decadência, fora elevada em
1759 a essa categoria pelo Marquês de Pombal), devastada em 1799 por uma
epidemia e meia
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inundada, foram incumbidos (1802) de estudar o problema da reabertura da
ria os peritos Reinaldo Oudinot e Luís Gomes de Carvalho, que optaram
pela construção da barra artificial já sugerida pelos holandeses. As
obras da construção de dois molhes (com as cantarias das muralhas, para
o efeito demolidas), um encostado à Gafanha, (apenas interrompido por
uma abertura de 5 m. de largura, chamada a cambeia) e outro ao
norte foram coroadas de êxito: Efectuou-se a abertura da ria em 3 de
Abril de 1808. A saída impetuosa das águas cavou um canal de 264 m. de
largo e 4 a 6 m. de profundidade. Assim ficou aberta a Barra Nova. Luís
Gomes dirigiu ainda outras importantes obras complementares até 1823,
data em que foi preso por liberal. A mais notável obra ulterior foi a
abertura de um leito rectilíneo e artificial ao rio Vouga, em 1815, que
ficou a ser por algum tempo designado o Rio Novo do Príncipe (em
homenagem ao príncipe regente, futuro D. João VI, então no Brasil). O
continuador destas obras relevantes foi, em meados do séc. passado, o
eng.º Pereira da Silva (cf. Marques Gomes, O Distrito de Aveiro,
1877, p. 142-146).
No século corrente o assoreamento da ria e da sua
comunicação com o mar exigiu novos trabalhos, que foram objecto de
estudos demorados e muitas controvérsias, havendo-se optado oficialmente
em 1927 pela solução proposta pelo eng.º João Henrique von Hafe, posta
em execução entre 1932 e 1936. Construíram-se novos diques regulares com
a extensão de 1750 m. e a largura do canal de acesso ficou a ser, à
entrada, de 300 m.
Politicamente, o facto mais saliente na vida moderna da
cidade de Aveiro foi o movimento de sublevação capitaneado em 1828 pelo
avô paterno de Eça de Queiroz, o desembargador e antigo ministro do
Estado Joaquim José de Queiroz e Almeida, que na Praça do Comércio
proclamou a regência de D. Maria II e a vigência da Carta. Jugulada a
revolta e condenado à morte, o desembargador conseguiu fugir para o
estrangeiro. Dez dos seus sequazes, entre eles Francisco Gravito, foram
enforcados no Porto em 7 de Maio de 1829.
Homens Ilustres
Entre os naturais de Aveiro, contam-se o piloto João
Afonso, que descobriu o Benim; o gramático Aires Barbosa
(1470-1530); o escritor Fr. Pantaleão de Aveiro, autor do
Itinerário da Terra Santa; o sábio João Jacinto de Magalhães
(1722-90); o grande orador político José Estêvão de Magalhães
(1809-62); o escritor militar general Joaquim da Costa Cascais
(1815-98); o erudito Marques Gomes (1853-1931), fundador do
Museu; e o jornalista-panfletário Homem Cristo (1860-1943).
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(1)
– Das observações colhidas durante o período de 1925-40, no forte da
Barra (40º, 38', 6" lat. Norte; 8º, 43', 9" longitude Oeste).
(2)
– Nota redigida com subsídios de Marques Gomes e do comandante Rocha e
Cunha. A parte referente a Talábriga é devida ao Prof. Amorim Girão.
(3)
– Em uma monografia bem deduzida, o Prof. Ferreira Neves atribui a
fundação de Aveiro aos tempos pré-romanos e sustenta que o toponímico
provém não de aves ou Aviarium, mas sim da raiz eslava
av -, ave -, -ava - (= água).
(4)
– A influência política da vila sobre a população das cercanias era
quase nula. A sua jurisdição não ia além do limite marcado pelo alcance
de um tiro de uma besta disparado das suas muralhas. Ao que estava para
além desse alcance dava-se o nome de sertão; os habitantes deste,
entregues à lavoura, eram, em regra, pouco dados com a população
municipalizada, dentro dos muros.
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