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História

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As invasões mais graves sofridas por Portugal (à parte a marcha do duque de Alba, cujo êxito é somente explicável pelo desastre anterior, em África), foram efectuadas por aí. No curto prazo / 17 / de treze anos, no final do século XIV, efectuaram-se por essa fronteira três poderosas invasões castelhanas. A primeira, em 1372, dirigida por Henrique de Trastámara, teve como resultado um cerco a Lisboa, que D. Fernando (encerrado em Santarém) só conseguiu levantar com muitas concessões, depois de uma entrevista entre os dois reis nas águas do Tejo, que se tornou famosa pela exclamação do rei português, ao desembarcar: – «Ó quan henricado venho!» Em 1383, em consequência da morte de Fernando e do tumulto aclamador do Mestre de Avis, nova invasão castelhana se realiza ao longo da margem direita do Tejo até à capital, por fim salva pela peste dizimadora do exército castelhano.

Aclamado rei, o mestre de Avis, dá-se o combate de Trancoso, com felicidade para as armas dos beirões. Sem embargo João de Castela invade de novo a Beira, desta vez pela fronteira do Côa. As chaves da Guarda entregam-se-lhe. Desce pelo vale do Mondego e submete tudo na sua passagem. É a invasão que termina em Aljubarrota.

Durante a guerra da Restauração a fronteira torna a ser posta à prova. Em 1664 o duque de Ossuna entra com um exército pela raia do Côa e cerca Castelo Rodrigo. A praça, porém, resiste e no combate que em volta dos seus muros se trava, os espanhóis são vencidos. Ulteriormente, na guerra da sucessão de Espanha, a província sofre de novo as durezas da invasão: um exército, às ordens de Berwick, assola a parte meridional, tomando Castelo Branco. Em Idanha-a-Nova, o campo chamado da matança, relembra, segundo o parecer de alguns, uma escaramuça sangrenta dessa campanha.

Vêm mais tarde as invasões napoleónicas. A Beira colhe primeiro a torrente devastadota de Junot; depois suporta as crueldades inanarráveis de Loison, apelidado pelo povo, com terror e ódio, o Maneta. A marcha de Loison desde Lamego a Abrantes, pela Cova da Beira, no ano das sublevações e guerrilhas de 1807, é um dos filmes mais dramáticos que a imaginação do viajante poderá reconstituir diante destes cenários.

Volvidos três anos, Massena, acompanhado de Junor e Ney, comanda a terceira invasão napoleónica, optando pela raia planáltica, / 18 / vindo de Cidade Rodrigo. Cerca e toma Almeida; desce a Pinhel e Mangualde, inflecte para Viseu; daqui encaminha-se por Tondela à passagem de Mortágua. Após o revés do Buçaco, desvia-se pela Bairrada, saqueia Coimbra e segue para o sul no encalço de Wellesley. Ia esbarrar nas famosas linhas. Coimbra em breve seria retomada aos franceses pelos milicianos de Trant. Na intenção de levar ajuda ao ataque contra os redutos de Torres Vedras, um dos subalternos de Massena, Gardan, desce com algumas forças por Sabugal Sortelha, Belmonte e Cova da Beira. Em breve, porém, ameaçado pelos mesmos milicianos, viu-se obrigado, em Alpedrinha, a desistir do intento, retrocedendo para Espanha pela fronteira de Penamacor. Massena, desesperado de transpor as linhas, (Novembro de 1810), decide a retirada para Tomar. Aí espera palavras ou reforços de Napoleão, até que o Inverno, alimentando as privações, determina mais acentuado recuo. Os anteriores sitiados seguem-no de perto, maltratando-o. Um dos seus corpos de cobertura sofre um duro revés em Pombal. Mais além, por sua vez, a tropa de Ney sofre os estragos de uma escaramuça não menos desfavorável em Foz de Arouce. As pontes importantes do Cris e do Dão haviam sido cortadas antes do combate do Buçaco. Restava como única via de retirada pela margem esquerda do Mondego, a ponte de Mucela, sobre o Alva. É por esta ponte que a terceira invasão napoleónica, fracassada, se evade, deixando atrás de si um rasto de estropiados. Os invasores tentam ainda manter-se nos flancos da Serra da Estrela, na Guarda e no Sabugal; mas daí mesmo são desalojados: os planaltos fronteiriços da província empobrecida em breve puderam ver as forças evanescentes do Império receber o rude bota-fora de Fuentes de Oñoro. Após este combate, Massena envia ordens a Brenier, cercado em Almeida, para fazer ir pelos ares o que restava da praça e abandonar a terra que, pela primeira vez, na sua longa carreira, lhe oferecera a experiência amarga de um desastre.

No decurso do séc. XIX, as Beiras testemunharam ainda alguns factos de relativo interesse histórico, Mencionemos, entre os mais movimentados, a incursão de 1826 do Marquês de Chaves que, depois de transpor o Douro na ponte da Régua, se apossou de quase toda a província da Beira em menos de um mês, num rápido e efémero sucesso de reivindicação do constitucionalismo; e o movimento, não menos rico de episódios militares, de 1828, lançado pela Junta do Porto, após o golpe de Estado de D. Miguel, movimento que teve como principal teatro o distrito de Coimbra.

Recorde-se ainda a revolta do Conde de Bonfim, em 1844, que, em último recurso, se encerrou em Almeida e aí resistiu, romanescamente, a um cerco de três meses das forças do governo de Costa Cabral. Dos cabecilhas dessa revolta fazia parte o tribuno José Estêvão, então oficial de Artilharia, e cuja cabeça, no decurso do assédio, foi posta a prémio pelo governo, por dois contos de reis.

Para rematar, poderíamos ainda recordar que foi na Beira Litoral, nas margens do Vouga entre Angeja e Águeda, que se decidiu pelas armas a sorte da monarquia fugazmente restaurada, no Inverno de 1919, ao norte do Douro.

Para um espírito evocativo e dotado de alguma imaginação, percorrer a Beira é, enfim, ter a privilegiada oportunidade de fazer a revisão de uma boa parte da história do nosso País.

 

 

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