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História (1)

Para quem, nas suas jornadas, não se limitar a ver a paisagem pura, mas procurar também rever, em imaginação, os factos históricos que a Natureza muda testemunhou, a região das Beiras será privilegiadamente uma das parcelas do solo português mais prontas a oferecer-lhe estímulos de evocação. Os seus rios, cumes e planaltos assistiram, com efeito, no decorrer dos séculos, a sucessos muito importantes para a nossa existência colectiva. Nos redutos naturais e quase inexpugnáveis das suas montanhas viveram e defenderam-se os mais temidos adversários da ocupação romana da Península Ibérica, aqueles que a tradição tanto erudita como popular apontam como os nossos. ascendentes directos: os lusitanos.

Tal tradição, é certo, não a aceitou o severo Herculano, alegando ser arbitrário filiar a nacionalidade portuguesa na longínqua tribo celtibérica, dadas as sucessivas emigrações de povos que, de permeio, entre o ingresso dos romanos e a formação da nacionalidade, dizimaram e mesclaram as populações primitivas da / 15 / Península. Seja como for, a Serra da Estrela, o coração da Beira de hoje, não deixa de ser uma fonte de evocação histórica, tão ligado anda o seu antigo nome de Montes Hermínios às extraordinárias façanhas dos montanheses comandados por Viriato e, depois de seu assassinato, pelo exilado general romano Sertório. Nos seus profundos vales travaram-se combates de que resultou por vezes o aniquilamento total de algumas legiões. Não poucos generais, alguns aureolados por outras campanhas, (Licínio Lúculo, Galba, Pláucio, César, Pompeu), correram o risco de perder o seu prestígio diante da astúcia e resistência desses montanheses. Após a submissão do reduto dos Hermínios (que custou mais de um século a conseguir), os romanos construíram algumas estradas militares através desse teatro de guerrilhas. Não é difícil ao viajante, depois dos estudos de Hübner e outros indagadores ulteriores, determinar nas zonas da Beira que quiser percorrer, os pontos onde poderá encontrar restos dessas vias. A mais importante atravessava a Beira Litoral, descendo de Portus Cale, pela incógnita Talábriga, Aemínium (actual Coimbra) e Conímbriga, em direcção a Scalabis. Outra, partindo de Caurium, ligava a Guarda a Balsemão, seguindo para Braga. Viseu parece ter sido um nódulo importante de algumas vias da Lusitânia interior; no seu subúrbio se encontra uma cava, vestígio, segundo alguns, de um polígono defensivo de origem luso-romana. Mas a excursão mais interessante, relativa à romanização, que poderemos fazer nesta região das Beiras, é a visita às ruínas de Conímbriga ou Condeixa-a-Velha.

Transportando-nos alguns séculos adiante, para a fase da reconquista neo-gótica da Península, encontramos de novo a Beira como teatro de guerra. Fernando de Leão e Castela, em uma das suas afortunadas expedições para o sudoeste peninsular contra os sarracenos, depois de conquistar Tarouca e Viseu, e de ocupar o flanco dos antigos Hermínios, em Seia, assediou com êxito (1064) Coimbra, ajudado pela legendária espada do Cid e guiado pelo conselho de um poderoso moçárabe, de nome Sesnando, natural de Tentúgal, personagem foragido não se por que razões do ambiente político de Sevilha. Como paga desta ajuda, o rei leonês / 16 / investiu o seu poderoso auxiliar do encargo de defensor do território de entre Douro e Mondego. Sesnando, com notável actividade, consolidou a nova linha de fronteira, organizando a defesa dos campos do Mondego, podendo bem reputar-se o primeiro preparador mediato da independência portucalense. Foi da síntese do seu distrito com o territorio de entre Minho e Tâmega, esse viveiro de orgulhosos barões (no tempo de Sesnando revoltados contra o rei Garcia da Galiza), síntese em boa parte cooperada (segundo Herculano) pela rivalidade dos arcebispos de Braga e Compostela, que a nacionalidade portuguesa se formou.

O sul da Beira Litoral está cheio de testemunhos da prolongada pugna contra os muçulmanos. Percorrendo-a, encontraremos os mais importantes suportes das primitivas razias ou fossados nos muros de Montemor-o-Velho, de Penela, de Pombal, de Leiria.

Não é, porém, somente pelas relíquias medievais do litoral que a Beira contém estímulos de evocação; é principalmente pela sua divisória fronteiriça, contígua da planura leonesa, de trânsito relativamente fácil, que esta zona vertebral do território português contém sinais do seu excepcional valor histórico. Expulso o moiro das margens do Guadiana, as preocupações deslocaram-se para a raia leonesa, tornando a Beira objecto de numerosas obras defensivas. Durante o longo reinado de D. Dinis restauraram-se alguns muros decadentes e ergueram-se importantes castelos novos desde a foz do Côa à do Pônsul. Se o viajante, depois de possuir algum conhecimento directo desta zona raiana, se encontrar em um dia claro, na cumeada da Serra da Estrela (ou mesmo junto da Torre da Guarda), poderá, melhor do que pelos livros, diante da amplidão posta diante de si, como uma imensa carta em relevo, ver a coesão e razão de ser do sistema de obras militares que os primeiros monarcas portugueses conceberam e realizaram. Duas linhas importantes de baluartes se lhe apresentarão, correndo o horizonte: a primeira, reforçando as trincheiras do Côa e do Pônsul, constituída pelas defesas e atalaias de: Numão, Castelo Rodrigo, Pinhel, Almeida, Castelo Mendo, Alfaiates, Sortelha, Sabugal, Penamacor, Penha Garcia, Idanha-a-Nova; atrás desta, outra Iinha angulosa e robusta de castelos: Penedono, Longroiva, Marialva, Aguiar da Beira, Moreira de Rei, Trancoso Celorico da Beira, Linhares, Guarda, Belmonte, Monsanto, Castelo Branco. A situação eminente de qualquer destas fortificações (inermes hoje, mas poderosamente eficazes no seu tempo) exprime bem o sentido superiormente voluntarioso e lúcido que presidiu à sua escolha. Das suas ruínas abrangem-se inesquecíveis horizontes.

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(1) – Por SANT'ANNA DIONÍSIO.

 

 

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