BOLETIM   CULTURAL   E   RECREATIVO   DO   S.E.U.C.  -   J.  ESTÊVÃO


PÁGINA 1
Editorial
Henrique J. C. Oliveira
PÁGINA 2
Repensar as
medidas pedagógicas

João Paulo C. Dias
PÁGINA 3
Jornais Escolares
Henrique J. C. Oliveira
PÁGINA 4
Contos populares
portugueses

Dá-me o meu meio tostão
PÁGINA 5
Dia da Poesia com
Rui Grave

HJCO e Paula Tribuzi
PÁGINA 6
Divulgação
HJCO e J. Paulo C. Dias
PÁGINA 7
Computadores e Prof2000
HJCO
PÁGINA 8
25 de Abril de 1974 - Uma leitura possível
Alcino Cartaxo
PÁGINA 9
De alienação em alienação
Isabel Bernardino
PÁGINA 10
O destino - Já traçado?
Sérgio Loureiro
PÁGINA 11
Dia da África
Alunos PALOP
PÁGINA 12
Escrita da Casa e Humor
Diversos
PÁGINA 13
Hora do Recreio
HJCO
PÁGINA 14
Fac-símile da versão impressa
 

DÁ-ME O MEU MEIO TOSTÃO

Em tempos muito recuados, em que era o escudo ainda a moeda em vigor, havia o meio tostão, que depois deixou de existir. E havia a coroa. E certos costumes monetários, como dizer um cruzado por quatro tostões ou quarenta centavos, por exemplo, e cinco coroas por vinte e cinco tostões. O escudo extinguiu-se para dar lugar ao euro. Mas do tempo em que se pelejava nas compras com o escudo ficou-nos o conto, com o qual o “Alternativas” mantém a tradição, ainda de curta duração, de transcrever nas suas páginas contos tradicionais portugueses. Este foi recolhido, segundo Teófilo Braga, no Porto, existindo versões similares noutros países. Passemos à história e deixemo-nos de conversas fiadas.

Um compadre perseguia outro por uma dívida. Todas as vezes que lhe passava pela porta dizia:

— Dá-me o meu meio tostão.

O devedor, vexado, disse para a mulher que se ia fingir de morto, e que ela o carpisse muito, para ver se, quando o compadre passasse, lhe perdoava pela sua alma o meio tostão. Assim fez! A mulher pranteou e depenou-se, mas o compadre veio ao acompanhamento do enterro e, quando o corpo se depositou na igreja, deixou-se ficar escondido debaixo da eça.

De noite, os ladrões entraram na igreja. E como viram a luz das tochas alumiando o morto, entenderam que ali era lugar seguro para repartirem o dinheiro e fizeram os quinhões do que tinham roubado. Quando estavam nisto, desavieram-se, porque todos queriam umas certas jóias que o capitão dos ladrões reservava para si. Faziam muita bulha. O que se fingia morto na eça e o compadre, que estava escondido, passaram sustos medonhos e não se mexiam.

Por fim, disse o capitão dos ladrões:

— Eu cá não faço questão deste quinhão; mas quem o quiser há-de ir espetar esta faca no morto que está ali naquela eça.

Dizia um: «Vou eu!» Outro também queria ir; mas o que se fingiu defunto, sem saber como se havia de ver livre da situação desesperada, sentou-se no caixão, e disse com terror:

Acudam-me aqui os defuntos,
E venham já todos juntos.

Os ladrões fugiram todos espavoridos e deixaram o dinheiro ao pé da eça. O compadre que se fingia morto desceu da tumba e começou a juntar o dinheiro espalhado pelo chão. Quando estava nisto, sai-lhe debaixo da eça o credor, que nem à borda da cova o largava, e começou a repetir-lhe sem parar:

— Dá-me o meu meio tostão! Dá-me o meu meio tostão!

E não se tirava disto. Os ladrões, por fim, envergonharam-se da sua covardia e mandaram um mais valente à igreja, para ver se podiam ir buscar o dinheiro. O ladrão veio sorrateiro, escondeu-se por detrás de uma porta a escutar, e ouvia só:

— Dá-me o meu meio tostão!

Desatou a fugir, e foi dizer aos companheiros:

— Está tudo perdido; andam lá tantos defuntos, que não cabe meio tostão a cada um. Os ladrões conformaram-se com esta desgraça, e o compadre assim é que pagou a dívida e ficou rico. (Porto)

NOTA: Acha-se esta facécia nos contos sicilianos, coligidos por G. Pitré, sob o nome Giufa ("Rev. des deux mondes", 1875, 15 de Agosto, p. 833.). In: Teófilo Braga, Contos Tradicionais do Povo Português, Col. Portugal de Perto, Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1987, vol. I, pp. 227-228.


LENDA ÁRABE

Diz uma lenda árabe que dois amigos viajavam pelo deserto e discutiram num determinado ponto da viagem. O que se sentiu ofendido, sem nada dizer, escreveu na areia:

«Hoje, o meu melhor amigo, bateu-me no rosto.»

Continuaram a viagem e chegaram a um oásis, onde resolveram banhar-se. O que tinha sido esbofeteado, desequilibrou-se e ter-se-ia afogado se o outro não lhe tivesse acudido. Depois de se ter recuperado do susto, pegou num estilete e escreveu numa pedra:

«Hoje, o meu melhor amigo salvou-me a vida.»

Intrigado, o amigo perguntou-lhe:

Quando te bati, escreveste na areia. E agora, por que razão o fazes na pedra?

Sorrindo, o amigo respondeu-lhe:

— Quando um grande amigo nos ofende, devemos escrever na areia, onde o vento do esquecimento e do perdão se encarregam de apagar a ofensa. Todavia, quando nos faz algo de grandioso, deveremos gravar na pedra da memória do coração, onde vento nenhum do mundo poderá apagar.

Adaptado de Juan Marques


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