RELAÇÃO
ACTANCIAL E ESTRUTURA DAS
ACÇÕES
No domínio da narratologia
é importante referir, ainda que de maneira simplificada e bastante sintética, os
conceitos teóricos e operatórios introduzidos em 1966 por A. J. Greimas,
relativamente ao conceito de actantes (a estrutura
actancial ou relação actancial) e as funções
ou classes de unidades funcionais, segundo Roland Barthes (a estrutura das
acções).
Comecemos por referir a estrutura ou
relação actancial tal como foi
estabelecida por Greimas. Do mesmo modo que, ao nível das frases, cada
constituinte desempenha uma determinada função, também ao nível da narrativa,
no domínio da acção, encontramos
actantes, isto é,
agentes que desempenham diversas funções. Vejamos, de maneira prática, como
entender estes conceitos. Transponhamos para uma frase uma determinada
situação. Imaginemos que, num dado estabelecimento de ensino, o director
pedagógico deu uma ordem a um professor. A frase correspondente a essa situação
seria:
«Ontem à tarde, por ordem do Director Pedagógico, o
novo professor transmitiu aos alunos do primeiro ano, no novo auditório do
Instituto, conceitos básicos de narratologia.»
Se efectuarmos uma análise
sintáctica da frase, verificaremos que nela existem vários constituintes que
desempenham diferentes funções. A acção presente na frase é indicada pela forma
verbal TRANSMITIU. Mas para que a acção de transmitir se processe, tem de
existir alguém que actue nesse sentido, que cumpra a função de transmitir. Quem
pratica a acção de transmitir é «o novo professor». É ele o sujeito da
oração, aquele que funciona como agente praticante da acção. Com essa acção,
ele quer transmitir «conceitos básicos de narratologia». Estes
constituem o complemento de objecto directo, o objecto que o sujeito procura
alcançar ou, neste caso concreto, dar a alcançar. E a quem é que o sujeito quer
destinar ou transmitir os «conceitos básicos de narratologia»? «Aos alunos
do primeiro ano». São estes o complemento indirecto, aqueles a quem os
conceitos básicos são transmitidos ou destinados. Temos, portanto, numa
primeira análise e centrando-nos apenas nos elementos destacados em letra
negrita:
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|
|
Transpondo
estas estruturas sintácticas para o domínio da narrativa, a nível da acção,
utilizando a terminologia greimasiana, «o novo professor», será o sujeito ou agente da
transmissão, os «conceitos básicos de narratologia» o objecto da
transmissão e «aos alunos do primeiro ano» o
destinatário. Deste modo,
poderemos verificar que entre o nível sintáctico e o nível da estrutura
actancial se verifica a seguinte correspondência:
Nível
sintáctico
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SUJEITO
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COMPL.
DIRECTO
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COMPL.
INDIRECTO
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Nível
actancial
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SUJEITO
|
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OBJECTO
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|
DESTINATÁRIO
|
Mas a análise da frase inicialmente
apresentada está incompleta. Estão ainda por analisar os elementos não
destacados na frase: «Ontem à tarde»; «por ordem do Director Pedagógico»; «no
novo auditório do Instituto». Estes três elementos desempenham também funções
importantes na frase. «Ontem à tarde» é um elemento importante, que nos permite
localizar no tempo a acção realizada. Apresenta-nos um referente temporal
que corresponde, sintacticamente, ao complemento circunstancial de tempo, e que
nos fornece a resposta a uma pergunta fundamental: «quando?». «No novo
auditório do Instituto» constitui um referente situacional também importante,
um informante de igual importância ao anterior, que responde à pergunta
fundamental «onde?» e que corresponde, sintacticamente, ao complemento
circunstancial de lugar. Estes dois elementos desempenham, portanto, funções
importantes: são os
informantes que nos
permitem situar a acção no espaço e no tempo. A nível do esquema da
comunicação, fornecem-nos elementos acerca dos referentes situacionais. A
frase contém todos os elementos necessários para respondermos às questões
«Quem?», «Como?», «Quando?», «Onde?», «Porquê?».
Falta-nos, neste momento, o
elemento «por ordem do Director Pedagógico». Este elemento traz-nos um
aspecto importante: mostra-nos que quem esteve na origem de toda a acção
não foi o «novo professor», mas sim o «Director Pedagógico». «O novo professor»
não foi mais do que um instrumento, não foi mais do que um agente do director
pedagógico, por ele encarregado de desempenhar uma missão. Assim sendo,
verificamos que o «Director Pedagógico» desempenhou o papel de destinador. Foi por
influência dele que toda a acção se concretizou. Transpondo tudo isto para um
esquema de acordo com o modelo actancial de Greimas, obteremos o
seguinte:
DESTINADOR
|
---------
|
OBJECTO
|
---------
|
DESTINATÁRIO
|
Dir.
pedag.
|
|
conceitos
básicos...
|
|
alunos
do 1º ano
|
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|
|
|
|
ADJUVANTE
|
------->
|
SUJEITO
|
<-------
|
OPONENTE
|
|
|
o
novo prof.
|
|
|
Na
frase não se encontram elementos para fazermos corresponder aos dois actantes: adjuvante e oponente. Num contexto mais amplo, poderemos considerar que
terão funcionado como adjuvantes todos os elementos que, directa ou
indirectamente, terão colaborado com o novo professor, fornecendo-lhe os
meios para ele poder transmitir os conceitos ao alunos do primeiro ano. Como
oponente, poderíamos referir o Destino, que fez com que a máquina fotocopiadora
se tivesse avariado na altura em que o professor pretendia tirar fotocópias de
textos de apoio, criando-lhe assim um obstáculo e obrigando-o a
recorrer a outros meios para fornecer o material de apoio aos alunos.
Encontrámos, ao longo destas breves
linhas, diferentes conceitos, tais como destinador e destinatário, sujeito e
objecto, adjuvante e oponente. Vejamos, agora, como definir cada um deles.
Os
actantes são as entidades a quem cabe um
determinado papel durante ou para o desenrolar da acção. Podem ser seres
humanos, animais, objectos ou até mesmo conceitos ou valores morais. Um actante
pode desempenhar um só papel ou acumular simultaneamente mais do que um,
podendo ser, por exemplo, sujeito e destinatário. Numa sequência narrativa, é
possível e até frequente diversas funções serem assumidas por um mesmo actante.
Um sujeito pode também ser ao mesmo tempo o destinatário e até oponente em
relação ao destinador. Noutra sequência pode o destinador assumir a função de
oponente relativamente ao destinatário. As funções e as sequências narrativas
não se processam de maneira rígida e uniforme, sendo por isso possível gerar-se
numa narrativa uma situação de "suspense", de expectativa e haver um
desfecho imprevisto.
Os
diferentes actantes podem ser representados de maneira esquemática num modelo,
o modelo actancial de Greimas, que nos permite ver as relações
estabelecidas entre as diferentes entidades na dinâmica da narrativa:
DESTINADOR
|
--------
|
OBJECTO
|
--------
|
DESTINATÁRIO
|
|
|
Ý
|
|
|
ADJUVANTE
|
------>
|
SUJEITO
|
<------
|
OPONENTE
|
Greimas agrupa os actantes em três
categorias, constituindo três eixos correspondentes à fórmula «saber-querer-poder»:
1ª -
Destinador versus
Destinatário - eixo
do saber
2ª -
Sujeito versus
Objecto - eixo
do querer
3ª -
Adjuvante versus
Oponente - eixo
do poder
O destinador é o actante que
faz agir o sujeito. É ele «a instância que comunica ao destinatário/sujeito um
objecto de natureza cognitiva
─ o
conhecimento do acto a cumprir
─ e um objecto
de natureza modal - o querer que o institui como sujeito virtualmente performador[1]».
O destinatário constitui o
pólo oposto ao destinador, sendo a entidade em benefício ou em prejuízo da qual
o sujeito vai realizar a sua missão.
O sujeito é o actante que se
encontra no pólo oposto ao objecto, situando-se um e outro no eixo do
querer, na medida em que o sujeito é o actante que tem por objectivo a
realização de uma determinada missão, sendo como tal investido semanticamente
por uma relação de desejo. O sujeito é aquele que pretende, que quer alcançar o
objecto, devendo realizar para tal uma acção ou uma sequência de acções
conducentes a esse mesmo objecto.
Em contrapartida, o objecto
constitui aquilo que o sujeito pretende realizar, aquilo que ele quer alcançar,
quer esse "querer" seja para seu benefício, quer para outrem. No caso
do exemplo da frase inicialmente apresentada, o sujeito, como vimos, é «o novo
professor», o objecto «os conceitos básicos de narratologia» e o destinatário
«os alunos do primeiro ano».
O
adjuvante e o
oponente são dois
actantes cujo papel é oposto. Os adjuvantes são entidades que dão ao
sujeito os meios para «poder» realizar a sua missão. Estes adjuvantes podem ser
entidades ou personagens que colaboram ou actuam a favor do herói ou personagem
principal, ou seja, do sujeito, mas podem também ser forças mágicas ou
atributos inerentes ao sujeito, que lhe conferem capacidades para «poder
fazer», para realizar a sua missão, tais como, por exemplo, a coragem, a força,
a astúcia, a inteligência, etc. Os oponentes, situados no pólo oposto,
são as entidades que procuram, por qualquer meio, impedir que o sujeito possa
alcançar os seus objectivos
─ o objecto. Na
medida em que adjuvantes e oponentes procuram conferir ou retirar ao sujeito o
poder de alcançar o objecto é que estes dois actantes se situam no eixo do
poder.
Embora o termo
função, introduzido
por Propp no domínio da
análise narrativa, tenha sido retomado por vários investigadores,
inclusivamente por Greimas, vamo-nos
limitar aos conceitos fornecidos por Roland Barthes, apresentando
de maneira muito sucinta o essencial.
Em qualquer narrativa, os acontecimentos
sucedem-se constituindo unidades narrativas, segmentos da história que
desempenham um papel significativo na construção de todo o enredo, de todo o
universo espacial e temporal em que a história se desenrola. Esses diferentes
segmentos, que se inter-relacionam, constituem unidades funcionais da
narrativa, desempenhando um papel importante na construção da diegese. Segundo Barthes, o desenrolar dos acontecimentos pode ser agrupado em torno de dois
conjuntos ou classes de
unidades
funcionais:
· unidades ou funções
distribucionais;
· unidades ou funções
integrativas.
Dentro das
funções
distribucionais, R. Barthes
distingue os núcleos ou
funções
cardinais das catálises.
As
funções
cardinais ou
núcleos constituem as
unidades importantes da narrativa, uma vez que representam o desenrolar dos
acontecimentos, isto é, o desenrolar de toda a história. Estes momentos
encontram-se ligados lógica e cronologicamente, pelo que às funções
cardinais corresponde um avanço ou progressão na acção. As funções cardinais
constituem unidades sintagmaticamente organizadas, isto é, a uma função
cardinal sucede-se sempre outra função cardinal. As funções cardinais
podem constituir blocos relativamente autónomos, a que se dá o nome de
sequências. Estas, como
já anteriormente vimos, podem ter diversas configurações, algumas bastante
complexas, sendo as configurações típicas o
encadeamento, a alternância e o
encaixe[2].
As
catálises correspondem
a momentos de retardamento da acção e constituem unidades de natureza
completiva. Embora o seu papel para o desenrolar da história não seja fulcral,
a ponto de, se suprimidas, em nada a alterarem, desempenham, no entanto, um
certo papel, na medida em que podem apresentar uma notação de carácter
expletivo, uma função ornamental ou uma função de relançamento da história,
permitindo ainda resumir ou antecipar acontecimentos. Se recordarmos o pequeno
texto narrativo de Camilo, apresentado neste capítulo, pp. 183-185, em
que se fala da morte do lobo, poderemos verificar que as partes por nós
sublinhadas constituem elementos que,
eliminando-se, em nada alteram o desenrolar do episódio,
constituindo afirmações irrelevantes do narrador.
As unidades ou
funções integrativas são
constituídas por dois tipos de unidades: os
indícios e os
informantes.
Os indícios constituem
unidades que pré-anunciam, que permitem sugerir ao leitor um ambiente, um
sentimento, uma maneira de ser, uma filosofia, permitindo-lhe por vezes
adivinhar um determinado desenrolar dos acontecimentos ou, até mesmo, prever um
desfecho da acção. Estes indícios são-nos transmitidos através do emprego
de certas expressões ou de certas palavras carregadas de valor conotativo. Por
exemplo, a utilização intencional de um diminutivo pode denunciar, conforme o
contexto, uma intenção crítica, uma intenção de ridicularizar, mas pode também revelar
um sentimento de ternura ou dar-nos a conhecer um temperamento
sentimental de tipo efeminado.
Os
informantes são unidades
narrativas importantes. Permitem fornecer indicações referentes ao espaço e ao
tempo em que se desenrola a acção. São, portanto, «operadores realistas», na
medida em que permitem «enraizar a ficção no real», transmitindo à narrativa um
elevado grau de verosimilhança. Embora constituam um momento de pausa no avanço
da acção, são fundamentais para a elaboração da história. Correspondendo aos
momentos de descrição, permitem ao leitor tomar conhecimento e recriar pela
imaginação os diferentes tipos de espaço onde decorre a acção, mas também ficar
a conhecer e visualizar as características físicas e psicológicas, de maneira
directa, das diferentes personagens. Mas os informantes não se limitam às
descrições dos espaços, dos ambientes e das personagens e dos seres. Permitem
também fornecer marcos temporais para situação da acção no tempo. Estas balizas
temporais podem corresponder à indicação das horas, mas também dos dias, anos e
épocas em que se situa a acção. Na frase inicialmente apresentada, os elementos
«ontem à tarde» e «no novo auditório do Instituto» desempenham justamente o
papel de informantes. Completam a informação presente na frase, fornecendo ao
leitor, ou ao ouvinte no caso de uma situação de comunicação real, elementos
relativos ao tempo e ao espaço ou local onde decorreu a acção. Embora sem eles
a frase continuasse a ter sentido, a verdade é que ficaria sensivelmente
empobrecida no seu conteúdo informativo.
Vimos de maneira teórica de que modo
a personagem pode ser considerada, tendo em conta os três aspectos indicados: a
caracterização, a concepção e formulação e o papel por ela desempenhado.
Convirá agora referir que, perante a necessidade de criar um texto narrativo,
há todo um conjunto de aspectos essenciais que contribuem para a
valorização da narração. Estes aspectos têm a ver com a escolha do
vocabulário adequado em função do momento e daquilo que pretendemos
transmitir.
A narração é um modo de
expressão que se caracteriza essencialmente pelo facto de ser dinâmica, o que
implica o fluxo do tempo e o suceder dos acontecimentos. No entanto, há
momentos em que se torna necessário efectuar pausas no avanço da acção, quer
para efectuar a apresentação das personagens, quer para descrever as condições
ambientais em que decorre a acção: o espaço e o tempo. Significa isto que a
descrição é um modo de expressão importante e fundamental para a narração, pelo
que podemos afirmar que se torna quase impossível encontrar uma narração que
não contenha momentos descritivos. Por outro lado, a narração pode e deve ser
enriquecida com os outros modos de expressão
─ o
diálogo, o monólogo e a
efusão lírica
─, o que faz
com que tenhamos de dominar as várias técnicas relacionadas com os diferentes
modos de expressão, estudados neste e noutros capítulos.
Vejamos de modo concreto alguns
processos de
valorização da narração.
Se se torna necessário apresentar as
personagens, convirá lembrarmo-nos de que cada uma deverá ser descrita
tendo em conta a suas características físicas e psicológicas. Mas as
características das personagens também podem ser observadas através dos seus
comportamentos, pelo que as suas acções deverão estar de acordo com as suas
características. Embora não se pretenda fazer aqui uma classificação tipológica
do ser humano, convirá lembrar que há temperamentos e caracteres variáveis de
pessoa para pessoa, tendo cada uma reacções específicas perante os
acontecimentos.
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Figura 71: Quadro
síntese dos modelos estruturais: relação actancial (Greimas) e estrutura das
acções (R. Barthes). |
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Um
apático caracterizar-se-á
pela ausência de ideias próprias, pela falta de vontade própria, não sentindo
nem simpatia nem antipatia por ninguém e mostrando-se indiferente perante
os factos. No lado oposto, um activo só se sentirá bem em acção
permanente, procurando meter-se em tudo e tudo experimentar, metendo-se,
por vezes, em situações complicadas donde só conseguirá sair à custa de
bastantes trabalhos.
Um indivíduo
intelectual procurará
colocar as ideias acima dos sentimentos. Predomina nele o pensamento e a
reflexão. Tudo observa com atenção, procurando colher informações e
experiência. Reage fria e sensatamente às situações, pondera cuidadosamente os
seus actos e procura emitir muitas vezes juízos de valor, criticando ou
elogiando os que os rodeiam. No lado oposto ao intelectual, poderemos situar o
afectivo. Neste tudo é
sentimento e sensibilidade. São estes os aspectos que comandam as suas acções.
Claro que teremos que distinguir dois tipos de afectivo: o optimista, alegre e
cheio de ilusões, que vê em tudo beleza, encanto e emoção; o pessimista,
macambúzio e tristonho, que vive mergulhado no acabrunhamento e na melancolia,
perpassada por vezes de uma desilusão e azedume.
E o
voluntarioso? É um tipo
também activo, mas, quando em grupo, será ele quem terá de mandar, de tomar as
iniciativas e de liderar. É autoritário, sabe claramente aquilo que quer e, se
obstinado e persistente, procura alcançar o que pretende custe o que custar.
Finalmente, e certamente outros
tipos humanos ainda ficarão por referir, temos o caso do indivíduo
equilibrado. Possuindo
qualidades inerentes aos outros tipos apontados, o equilibrado procura pela
inteligência e sensatez o ponto de equilíbrio. Sabe ser rigoroso, mas
simultaneamente tolerante, não se deixando levar pelo entusiasmo. Tem, em suma,
um conjunto de características comuns aos restantes tipos, mas de maneira
harmoniosa.
A partir dos traços tipológicos
apresentados, será fácil concluir que a acção deverá desenrolar-se tendo
em conta estes temperamentos. Se se trata de apresentar uma acção caracterizada
pela vivacidade e dinamismo, os verbos, sobretudo, e as restantes palavras
deverão transmitir essas características. A impressão de rapidez ou de lentidão
pode também ser transmitida através da extensão das frases. Frases curtas,
independentes, permitem transmitir uma ideia de rapidez, de vivacidade e
emoção. Frases longas reflectem uma maior lentidão da acção.
Trata-se de apresentar uma
discussão acesa entre vários intervenientes? Neste caso impor-se-á
o recurso ao diálogo, com frases curtas, com pausas e frases por vezes
incompletas, cortadas pelos outros interlocutores, tal como ficariam registadas
se efectuássemos um registo magnético de uma discussão acesa e espontânea numa
situação real.
Sugestão de
trabalho 21
Procure realizar as quatro
actividades que lhe são propostas, tendo em
conta os aspectos focados em cada uma.
Actividade 1:
Numa determinada rua da sua
localidade ocorreu um incêndio que, embora sem graves consequências, pelas
situações imprevistas que se geraram mereceu um texto para publicar no jornal
local. Narre esse acontecimento tendo em conta, caso lhe agrade, o esquema de
trabalho proposto:
|
I -
INTRODUÇÃO
a) - Situação:
Situar o
acontecimento que vai narrar: Onde? Quando? Que faziam entretanto as pessoas
intervenientes?
II -
DESENVOLVIMENTO
1º momento
A detecção do incêndio: Quem?
- Que factos permitiram a detecção?
Quais as primeiras reacções?
2º momento
O desenvolvimento do incêndio:
- descrição do incêndio (fumo;
chamas; ruído de objectos a partirem-se; etc);
- as reacções das pessoas (a
emoção; a agitação; as opiniões desencontradas);
3º momento
A intervenção de determinada pessoa: Quem? Como?
A
chegada dos bombeiros; etc.
4º momento
O desfecho
III -
CONCLUSÃO (eventual)
Um balanço final do acontecimento;
algumas reflexões pessoais.
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Actividade 2:
Leia o texto seguinte
─ um conto da
tradição oral apresentado por Trindade
Coelho
─ e procure
analisá-lo tendo em conta os aspectos que lhe são apresentados.
O CONTO DAS TRÊS MAÇÃZINHAS DE OIRO
Era uma vez um pai que tinha sete
filhos. Como não tinha com que os manter, nem trabalho para lhes dar, lembrou-se
de os despedir todos por esse mundo fora, para que fossem procurar vida. Chamou-os
então, e disse-lhes assim:
─ Filhos, eu não
tenho que vos dar, e nem sequer trabalho; e por isso é preciso que cada um de
vós vá tratar da vida, e ganhe para o seu sustento, porque eu já estou muito
velho e não posso mais.
Os rapazes ficaram todos muito
pensativos, mas nenhum deles disse palavra. Quando chegou a hora da partida, o
pai chamou o mais velho e disse-lhe assim:
─ Vê lá, filho,
qual queres mais: a minha bênção, ou um bocado de pão para o caminho?
─ Mais quero o
pão
─ respondeu o
filho mais velho.
O pai partiu uma fatia de pão e deu-a
ao filho, que logo em seguida se foi embora.
Chamou depois o seguinte em idade, e
fez-lhe a mesma pergunta; e esse respondeu também que mais queria o pão,
e responderam o mesmo os outros todos até ao sexto.
Veio depois o mais novinho, que
tinha só sete anos, e disse-lhe o pai as mesmas palavras:
─ Vê lá, filho,
qual queres mais: se o meu pão se a minha bênção.
O pequeno pôs-se a chorar, e
respondeu que mais queria a bênção;
─ e o pai deitou
a bênção ao filho mais novo, que se foi embora sempre a chorar.
Saíram os rapazes; e cada um tomou
por caminho diferente, à procura de trabalho, ou de algum amo para se apreitar
['ajustar criado'].
O mais pequeno, esse a bem dizer nem
sabia aonde ia, porque nem idade tinha para se governar, e às vezes sentava-se
debaixo de uma árvore, e punha-se a chorar já muito cansado. Até que à
boca da noite encontrou uma mulher muito bonita, que se voltou para ele e disse-lhe
assim:
─ Menino, tu
onde vais?
─ A ganhar a
vida
─ respondeu o
pequeno.
─ A ver se
encontro um amo para me apreitar.
─ Tão
pequenino?!...
Ele então contou-lhe o que se
tinha passado com o pai mais com os outros irmãos, e a aparecida disse-lhe
assim:
─ Queres tu
ajustar-te comigo?...
─ Sim senhora,
quero. Quem me dera!
─ respondeu logo
o rapazinho.
─ E então quanto
queres ganhar?
─ Eu, o que me
der!
─ Bem, então
estamos justos! Mas olha lá que tens de me servir sete anos, e no fim dou-te
três maçãzinhas de oiro, que é a soldada. Queres?
─ Quero, sim
senhora.
E o pequeno foi algum tempo detrás
da ama. Mas vai senão quando, os dois desapareceram no ar, assim como uma nuvem
de fogo!
─ O pequeno nem
tinha desconfiado, mas a ama era Nossa Senhora.
Por lá andou o pequeno sete anos,
que lhe parecera, a ele, só sete dias; e no fim a ama mandou-o embora, e
deu-lhe as maçãzinhas do ajuste, que eram três.
─ Toma! Dá-as
a teu pai, e diz-lhe que é para te sustentar com elas, mais aos teus
irmãos. Toma. Mas não as dês senão ao teu pai, ouviste?
O pequeno foi-se logo embora
muito contente, morto por dar ao pai as três maçãzinhas, que haviam de chegar
para ele e para os outros irmãos; e quando já ia perto de casa, encontrou dois
que já tinham voltado, mas por sinal ambos muito pobres.
Os três puseram-se então a
conversar; e o mais novo contou aos irmãos a boa ama que tinha encontrado, e
mostrou-lhes as três maçãzinhas.
Os irmãos ficaram cegos com o brilho
do oiro; e logo ali rogaram muito ao mais pequeno que lhes desse a cada um sua
maçãzinha. Mas ele respondeu que só as dava ao pai, e o pai que as repartisse
por todos como quisesse.
À vista disto, e como o irmão não
queria dar as maçãs, à boamente, logo ali resolveram matá-lo e tirar-lhas
depois, e se bem o pensaram melhor o fizeram;
─ mas qual não
foi o espanto deles, quando viram que nem mesmo depois de morto arrancavam as
maçãzinhas da mão do irmão?!
Os dois resolveram então enterrar o
pequeno, e foram-se para casa depois de o enterrar, e muito crentes que o
seu crime se não saberia, porque ninguém o tinha presenciado. Mas daí a mês
pouco mais, um pastor passa por ali, e vê uma cana muito viçosa e muito bonita,
que nascia onde o pequeno estava enterrado! Cortou-a e fez uma flauta.
─ Mas vai senão
quando, o pastor põe-na à boca, e a flauta impeça a dizer:
Toca, toca, ó pastor,
Que meus irmãos me
mataram,
P'r amor de três
maçãzinhas,
E ao cabo não nas
levaram.
O pastor ficou muito aterrado com o
sucedido, e foi-se dali e a um carvoeiro, que andava no monte a fazer
carvão, e contou-lhe o caso. O carvoeiro, inda mais espantado, pega na
flauta e põe-se a soprar, e a flauta que entra logo a dizer:
Toca, toca, carvoeiro,
Que meus irmãos me
mataram,
P'r amor de três
maçãzinhas,
E ao cabo não nas
levaram.
Ficou o carvoeiro que nem sabia
donde era! E como estava de caminho para ir para a aldeia, e a flauta tinha a
virtude de falar, pediu ao pastor que lha emprestasse, a ver se lá plo povo
adivinhavam aquilo.
Levou a flauta o carvoeiro, e a primeira
casa onde entrou foi a do ferreiro; e logo ali contou o que tinha acontecido e
mostrou-lhe a flauta. Mal o ferreiro a pôs à boca, a flauta começou logo:
Toca, toca, ó ferreiro,
Que meus irmãos me
mataram,
P'r amor de três
maçãzinhas,
E ao cabo não nas
levaram.
A este tempo entrava na forja o pai
do morto, que ficou também muito admirado quando lhe contaram o que dizia a
flauta! Pega também nela o pobre do velho e põe-se a soprar, e a flauta
diz logo assim:
Toca, toca, ó meu pai,
Que meus irmãos me
mataram,
Por três maçãzinhas
d'oiro
E ao cabo não nas
levaram.
O velho pôs-se muito branco, e
acudiu-lhe logo que as palavras da flauta diziam respeito à sua família.
Nessa ocasião entrava na frágua um dos filhos do velho, que era um dos dois que
já tinham voltado, e que trazia carvão para aguçar umas ferramentas. O pai
parece que o coração lhe adivinhou, porque, mal o rapaz entra na forja, dá-lhe
a flauta para que tocasse:
─ Toma! Toca
essa flauta!
Leva o rapaz a flauta à boca, na boa
fé, e ela começa logo:
Toca, toca, meu irmão,
Que tu mesmo me mataste,
P'r amor de três
maçãzinhas,
Que ao cabo não nas
levaste!
O rapaz ficou muito aterrado, e viu-se-lhe
logo na cara o sinal do crime. Mas como os filhos do velho eram sete e só dois
é que tinham voltado, precisavam saber qual era o morto. Foram-se então
dali onde ao pastor, que os levou onde tinha cortado a cana; e cava-que-cava
mesmo no sítio, não tardou que aparecesse o corpo do pequeno, e numa das mãos
as três maçãzinhas!
Por mais que alguns fizeram, não
foram capazes de lhe tirar as maçãs; mas mal que o pai lhe tocou, abriu a mão e
largou-as logo. Viu-se então que se tratava de um grande milagre;
e, levados à presença do cadáver, os dois irmãos confessaram o que se tinha
passado
─ e logo ali
apareceu a Virgem Santíssima e arrebatou para o céu o corpo do pequeno, no meio
de uma nuvem de fogo!
Logo em seguida a terra abriu-se
e engoliu os dois irmãos!
Agora, que acabou de ler o conto,
procure analisá-lo tendo em conta as seguintes questões:
1 -
Analise as personagens seguindo as alíneas:
1.1 - Sua identificação;
1.2 - Sua classificação
quanto:
1.2.1 - ao tipo de
caracterização;
1.2.2 - à concepção;
1.2.3 - ao papel desempenhado
na acção.
2 -
Analise as seguintes categorias da narrativa:
2.1 - o espaço;
2.2 - o tempo;
2.3 - o narrador, tendo em conta a sua presença e
a sua ciência ou ponto de vista.
3 -
Identifique os diferentes momentos no desenvolvimento da acção.
4 -
Analise a acção tendo em conta os aspectos referidos no quadro da figura 22, na
página 189. (Elabore um esquema no qual seja posto em destaque a estrutura do
conto, mostrando os diferentes momentos da acção
─ Note que o
esquema da figura 23, pág. 190, poderá também dar alguma ajuda.)
5 -
Procure efectuar uma análise do conto, utilizando os elementos do quadro da
figura 71.
Actividade 3:
Possivelmente, na região onde vive,
terá já ouvido contar alguma lenda ou alguma história carregada de maravilhoso,
à semelhança do que encontrou no texto da actividade anterior. Conte-a de
acordo com o que ouviu ou o que conhece seguindo um plano bem definido e tendo
o cuidado de apresentar o ambiente, as personagens e os acontecimentos de
maneira ordenada. Procure conferir vida à sua narração, recorrendo às técnicas
estudadas: descrição, diálogo, etc.
Actividade 4:
Narre um acontecimento, um episódio humorístico
ou uma experiência por si vivida que lhe pareça digna de registo. Não se lembra
de nada? Passe em revista as suas férias: não lhe terá acontecido nada digno de
referência? Não observou ou presenciou nada que tivesse prendido a sua atenção
ou despertado a sua curiosidade? O que quer que vá apresentar, não o faça sem
ter previamente elaborado um plano de desenvolvimento com todos os elementos
importantes: estrutura, personagens, situação no espaço e no tempo, etc.
[1] - Vd. Carlos Reis e Ana Cristina M. Lopes, Dicionário
de Narratologia, Coimbra, Livraria Almedina, 1987, pág. 94. Para uma
abordagem acessível dos conceitos aqui referidos, aconselha-se a consulta
nesta obra das diferentes entradas: actante; actor; adjuvante/oponente;
destinador/destinatário; etc.
[2] - Recorde-se o que se disse anteriormente, neste
mesmo capítulo, acerca da sequência narrativa, pp. 189 a 192, e cujos modelos
típicos se encontram representados nas figuras 23, 24 e 25. |