Acesso à hierarquia superior.

Henrique J. C. de Oliveira, Gramática da Comunicação, Col. Textos ISCIA, Aveiro, FEDRAVE, Vol. I, 1993, 311 pp., Vol. II, 1995, 328 pp.


VII

A Língua Portuguesa
Diferentes Aspectos de Análise do Discurso

 

O discurso directo, indirecto e indirecto livre. Os conceitos de descrição, narração, diálogo, monólogo e efusão lírica Introdução. A descrição. Classificação tipológica da descrição. Condições prévias para a elaboração de uma descrição. A sinestesia. Vocabulário utilizado na descrição. Esquemas auxiliares para elaboração de textos descritivos. Trabalhos práticos.

 
 

Sugestão de trabalho 17 (Parte I)

Transcrevem-se a seguir alguns exemplos de textos descritivos. Leia-os atentamente e procure realizar as actividades que lhe são indicadas a seguir a cada um. Para um maior rendimento do seu trabalho, procure responder por escrito às questões.

texto 1:

            Esta nossa cidade seja dito para aquelas pessoas, que porventura a conhecem menos divide-se naturalmente em três regiões, distintas por fisionomias particulares.

            A região oriental, a central e a ocidental.

            O bairro central é o portuense propriamente dito; o oriental, o brasileiro; o ocidental, o inglês.

           No primeiro predominam a loja, o balcão, o escritório, a casa de muitas janelas e de extensas varandas, as crueldades arquitectónicas, a que se sujeitam velhos casarões com o intento de os modernizar; o saguão, a viela independente das posturas municipais e à absoluta disposição dos moradores das vizinhanças; a rua estreita, muito vigiada de polícias; as ruas, em cujas esquinas estacionam galegos armados de pau e corda e os cadeirinhas com o capote clássico; as ruas ameaçadas de procissões, e as mais propensas a lama; aquelas onde mais se compra e vende; onde mais se trabalha de dia, onde mais se dorme de noite. Há ainda neste bairro muitos ares do velho burgo do Bispo, não obstante as aparências modernas que revestiu.

            O bairro oriental é principalmente brasileiro, por mais procurado pelos capitalistas, que recolhem da América. Predominam neste umas enormes moles graníticas, a que chamam palacetes; o portal largo, as paredes de azulejo azul, verde ou amarelo, liso ou de relevo; o telhado de beiral azul; as varandas azuis e douradas; os jardins, cuja planta se descreve com termos geométricos e se mede a compasso e escala, adornados de estatuetas de louça, representando as quatro estações; portões de ferro, com o nome do proprietário e a era da edificação em letras também douradas; abunda a casa com janelas góticas e portas rectangulares, e a de janelas rectangulares e portas góticas, algumas com ameias, e o mirante chinês. As ruas são mais sujeitas à poeira. Pelas janelas quase sempre algum capitalista ocioso.

            O bairro ocidental é o inglês, por ser especialmente aí o habitat destes nossos hóspedes. Predomina a casa pintada de verde-escuro, de roxo-terra, de cor de café, de cinzento, de preto... até de preto! Arquitectura despretensiosa, mas elegante; janelas rectangulares; o peitoril mais usado do que a sacada. Já uma manifestação de um viver mais recolhido, mais íntimo, porque o peitoril tem muito menos de indiscreto do que a varanda. Algumas casas ao fundo dos jardins; jardins assombrados de acácias, tílias e magnólias e cortados de avenidas tortuosas; as portas da rua sempre fechadas. Chaminés fumegando quase constantemente. Persianas e transparentes de fazerem desesperar curiosidades. Ninguém pelas janelas. Nas ruas encontram-se com frequência uma inglesa de cachos e um bando de crianças de cabelos loiros e de babeiros brancos.

            Tais são nos seus principais caracteres as três regiões do Porto, sendo desnecessário acrescentar que nesta, como em qualquer outra classificação, nada há de absoluto. Desenhando o tipo específico, nem estabelecemos demarcações bem definidas, nem recusamos admitir algumas, e até numerosas excepções, hoje mais numerosas ainda do que então, em 1855.

                       JÚLIO DINIS, Uma família inglesa, cap. IV.

1 - Leia atentamente o texto acima transcrito e dê-lhe um título significativo.

2 - A descrição é feita segundo uma estrutura bem definida. Procure reconstituí-la, tendo em conta a divisão nas três partes fundamentais (introdução, desenvolvimento e conclusão) e nas respectivas subdivisões em momentos.

3 - Preste atenção ao parágrafo «No primeiro predominam... até ...modernas que revestiu»;

3.1 - Efectue o levantamento dos elementos enumerados referentes ao bairro central;

3.2 - Há neste mesmo parágrafo referência a 4 ou 5 tipos de ruas, que constituem elementos distintos dentro dos vários enumerados. Identifique-os;

3.3 - Efectue o levantamento das seguintes categorias gramaticais: verbos, nomes e adjectivos, presentes nas seis primeiras linhas (desde «No primeiro predominam ...  ...com o capote clássico;»);

3.4 - Quais as duas classes gramaticais predominantes?

4 - Numa descrição, tal como foi dito nas páginas teóricas anteriores, pelo sentido da visão apreendemos as formas e as cores. Efectue o levantamento das cores presentes nos parágrafos referentes ao bairro oriental e ao bairro ocidental, bem como dos elementos referentes às formas, às dimensões e aos estilos dos objectos enumerados.

 

Texto 2:

A RIA DE AVEIRO

            ... A chuva em poeira cai sobre os campos verdes da Gafanha. A paisagem molhada escorre água e a ria lisa como um espelho reflecte o céu baço. Mulheres vestidas de escuro, com grandes molhos de erva à cabeça, saem dos agueiros como rãs, e uma cachopa atravessa a ria com as saias pelas coxas, a pingar. Os longes esfumados perdem-se na bruma. A bem dizer, não chove: o céu derrete-se. Silêncio. As terras baixas, atravessadas de regos e de valas onde a água repousa e apodrece, embebem-se ainda mais desta água peneirada que não cessa de cair. Ria cinzenta, céu cinzento, campos alagadiços e uma luz molhada que atravessa as nuvens pegajosas e envolve os seres e as coisas no mesmo tom casto e uniforme. As tintas desvanecem-se. Silêncio húmido neste paraíso da erva, coberta de um pó fino que goteja. Largamos. Canais, poças, água imóvel. Passo ao cabeço da Capela, passo ao Forte Velho antiga barra. A água escorregadia fecha-se logo sob o barco. Olho para os fundos, mas no fundo emborralhado só distingo até Arnelas névoas sobrepostas, de onde irrompe um único fio indistinto a Vagueira. Ao pé de mim, ao pé da chapa polida da água um moinho bate as asas e passa... Logo um canal estreito entre terras estacadas para não esboroarem, a Carreira. Outro charco mais largo, cor de estanho, e sempre o mesmo lodo cultivado, o mesmo tom baço, a mesma cinza caindo pingue-que-pingue sobre a larga paisagem empapada e cheia de humidade: o lago da Labrega, quieto e solitário, num céu que se derrete em água morna. Um peixe faísca e toda a superfície se arrepia para voltar à imobilidade. Um cabeço com ervas emerge à flor das águas. Às vezes o barco faz marola, encosta à terra, pega-se no fundo, e os homens de perna nua empurram-no à vara. Na antiga barra encalha, e para o levarmos temos de nos meter todos à água. Vagueira dois riscos esbranquiçados muito ao longe , os faróis. A ria alarga.

            Com a manhã, que se adianta, as gotas de chuva embebem-se de outra luz esbranquiçada. Ganham os tons baços transparência e uma claridade difusa bóia no céu. Baba-se. A amplidão da água reflecte já outras tintas. A neblina a todo o momento desmaia e a vasta planície vaporizada ilumina-se de uma luz cor de pérola que hesita em pousar; os verdes são mais claros, as árvores suspensas no ar e as casas construídas na água. Além à esquerda mostram-me os palheiros da Costa Nova mas tudo ainda adormecido na terra, no silêncio e na água. Uma tainha salta...

            Depois desta série de canais e de charcos estagnados e polidos, na planície baixinha feita com lodo extraído da ria, e com areais do outro lado, onde os sarraus e os borrelhos piam, sob um céu empastado e baixo  -  encontro-me diante de uma amplidão indefinida, onde a terra e a ria se confundem. É um sonho que se dissolve? Onde acaba a água e começa a terra? Aquelas velas vêm da barra ou do mistério?... Ao pé de mim, dois homens arrastam uma chincha num barco estranho. Há-os com o costado por pintar, há-os todos negros, com o grande pescoço esguio de cisne, no momento em que volta a cabeça para trás, e com um toque de vermelho no leme... gente de Murtosa que habita esta bateira. De dia, em geral, dormem, à noite pescam. A ria dá enguia, pimpão, tainha, solha e robalito. Levam ali dentro uma panela para a caldeirada, um cesto com batatas, uma esteira para dormir no toldo que armam à proa e um saco de malha metido na água, para a enguia e a tainha se conservarem vivas. Mais distante, um velho e um rapaz armaram um saltadoiro, com a manhosa estendida ao lume de água e segura com espeques. Por largo lançam outra rede, o cerco, e o rapaz bate com uma vara no costado do barco. O peixe assusta-se, foge, depara com a sombra, forma o salto, faísca como um pingo de estanho e cai dentro do curral, onde se emalha.

            Coloquem estas figuras num fundo discreto, numa luz delicada, num ambiente indefinido... Aqui o drama é o da humidade... As névoas têm na ria uma vida extraordinária: cada gota possui uma lama distinta e irisa-se como uma bola de sabão. De forma que não só as figuras se harmonizam com os fundos, mas a todo o momento e à minha vista a paisagem húmida se transforma e muda de aspecto: afasta-se, prolonga-se, não tem fim nem realidade. Ao longe, árvores violetas nascem na água, o horizonte ainda cinzento teima em fixar-se, mas espumas azuis já estremecem junto a reflexos verdes. Bois pastam na água, um barco navega no interior das terras... A ria é mágica e possui uma luz própria que a veste. Vem acolá uma vela vermelha que é uma nota inédita neste sonho diluído em água... É este o momento em que começa a aparecer o azul e que convém anotar. Dissolvem-se as névoas, mas deixam o ar carregado de humidade, deixam a luz reflectindo-se em milhares de gotas invisíveis, deixam a atmosfera impregnada de frescura e de vida. Esta passagem para o azul faz-se lentamente até o azul dominar de todo. Atenuam-se as neblinas e ficam ainda farrapos suspensos, derretidos nos agueiros, agarrados à terra e embrulhados nas ervas. Um grande lanço de água vem até mim em pequenas ondulações azuis e por camadas sucessivas, como estas manchas que os pintores acumulam nos quadros com a ajuda da espátula. Junto ao barco, a água reflecte um azul vivo e fresco como nunca vi. Longe, azul desmaiado; perto, azul como tinta. Vejo diante de mim a amplidão azul, num assombro. E todo este azul se põe a estremecer nos milhões de gotas extáticas de que se compõe a atmosfera e que se impregnam agora e ao mesmo tempo da mesma cor... Azul, azul, azul...

RAUL BRANDÃO, Os pescadores 

1 - Após uma leitura atenta do texto "A Ria de Aveiro", consulte o quadro da figura 17.

1.1 - Tendo em conta os elementos aí referidos, classifique o tipo de descrição quanto ao modo de descrever e quanto à natureza do objecto descrito.

1.2 - Justifique a sua classificação.

2 - Segundo G. Genette, a descrição implica a imobilidade do objecto pormenorizado, «fora de qualquer acontecimento e mesmo de qualquer dimensão temporal». No texto de Raul Brandão existe dinamismo e avanço do tempo, o que, à primeira vista, parece em contradição com a definição de Genette. Esta contradição deixará de existir se considerarmos que o texto é constituído por uma sequência de micro-descrições, em que o Autor, à medida que avança, no espaço e no tempo, nos apresenta instantâneos registados pela sua objectiva individual os seus olhos.

2.1 - Demonstre a afirmação anterior.

3 - Retire do texto exemplos de elementos relacionados com:

3.1 - os diferentes sentidos: visão, audição e tacto;

3.2 - fusão de sentidos diferentes (sinestesia).

 

Texto 3:

            Ao fim de um ano, durante o qual Carlos viera frequentemente a Lisboa colaborar nos trabalhos, «dar os seus retoques estéticos» do antigo Ramalhete só restava a fachada tristonha, que Afonso não quisera alterada por constituir a fisionomia da casa. E Vilaça não duvidou declarar que Jones Bule (como ele chamava ao inglês) sem despender despropositadamente, aproveitando até as antigualhas de Benfica, fizera do Ramalhete «um museu».

            O que surpreendia logo era o pátio, outrora tão lôbrego, nu, lajeado de pedregulhos agora resplandecente, com um pavimento quadrilhado de mármores brancos e vermelhos, plantas decorativas, vasos de Quimper, e dois longos bancos feudais que Carlos trouxera de Espanha, trabalhados em talha, solenes como coros de catedral. Em cima, na antecâmara, revestida como uma tenda de estofos do Oriente, todo o rumor de passos morria: e ornavam-na divãs cobertos de tapetes persas, largos pratos mouriscos com reflexos metálicos de cobre, uma harmonia de tons severos, onde destacava, na brancura imaculada do mármore, uma figura de rapariga friorenta, arrepiando-se, rindo, ao meter o pezinho na água. Daí partia um amplo corredor, ornado com as peças ricas de Benfica, arcas góticas, jarrões da Índia, e antigos quadros devotos. As melhores salas do Ramalhete abriam para essa galeria. No salão nobre, raramente usado, todo em brocados de veludo cor de musgo de Outono, havia uma bela tela de Constable, o retrato da sogra de Afonso, a condessa de Runa, de tricorne de plumas e vestido escarlate de caçadora inglesa, sobre um fundo de paisagem enevoada. Uma sala mais pequena, ao lado, onde se fazia música, tinha um ar de século XVIII com os seus móveis enramalhetados de ouro, as suas sedas de ramagens brilhantes: duas tapeçarias de Gobelins, desmaiadas, em tons cinzentos, cobriam as paredes de pastores e de arvoredos.

            Defronte era o bilhar, forrado de um couro moderno trazido por Jones Bule, onde, por entre a desordem das ramagens verde-garrafa, esvoaçavam cegonhas prateadas. E, ao lado, achava-se o fumoir, a sala mais cómoda do Ramalhete: as otomanas tinham a fofa vastidão de leitos; e o conchego quente e um pouco sombrio dos estofos escarlates e pretos era alegrado pelas cores cantantes de velhas faianças holandesas.

            Ao fundo do corredor ficava o escritório de Afonso, revestido de damascos vermelhos como uma velha câmara de prelado. A maciça mesa de pau-preto, as estantes baixas de carvalho lavrado, o solene luxo das encadernações, tudo tinha ali uma feição austera de paz estudiosa realçada ainda por um quadro atribuído a Rubens, antiga relíquia da casa, um Cristo na cruz, destacando a sua nudez de atleta sobre um céu de poente revolto e rubro. Ao lado do fogão, Carlos arranjara um canto para o avô com um biombo japonês bordado a ouro, uma pele de urso branco, e uma venerável cadeira de braços, cuja tapeçaria mostrava ainda as armas dos Maias no desmaio da trama de seda.

            No corredor do segundo andar, guarnecido com retratos de família, estavam os quartos de Afonso. Carlos dispusera os seus, num ângulo da casa, com uma entrada particular, e janelas sobre o jardim: eram três gabinetes a seguir, sem portas, unidos pelo mesmo tapete: e os recostos acolchoados, a seda que forrava as paredes, faziam dizer ao Vilaça que aquilo não eram aposentos de médico mas de dançarina!

                        EÇA DE QUEIRÓS, Os Maias, cap. I.

1 - Após a leitura atenta do texto, separe a parte descritiva da narrativa e dê um título sugestivo ao texto.

2 - Na parte teórica, foi afirmado que a descrição deve seguir uma sequência lógica e bem definida, do geral para o particular ou do particular para o geral, da esquerda para a direita ou da direita para a esquerda, de baixo para cima ou de cima para baixo, de fora para dentro ou de dentro para fora, em suma, uma sequência que permita uma descrição metódica e coerente.

2.1 - Determine o tipo de sequência utilizado por Eça de Queirós;

3 - Introduza dentro de um rectângulo, a lápis, os diferentes elementos referidos na descrição;

4 - Destaque, sublinhando, as palavras ou locuções que permitem definir com precisão a localização espacial e temporal;

4.1 - Classifique-as morfologicamente;

4.2 - Considera a sua função importante para a descrição? Justifique.

5 - Elabore um diagrama que ponha em destaque a estrutura do texto: elementos referidos, sequência seguida e aspectos focados pelo Autor, com respectivas características.

6 - Elabore um pequeno comentário ao texto a seguir transcrito: «Eça de Queirós, ao descrever os elementos importantes para a narração, sejam eles edifícios, espaços urbanos ou rurais, ambientes, sejam ser animados, humanos ou animais, caracteriza-se pelo grande rigor e precisão. Por exemplo, quando descreve o Ramalhete, a sua minúcia é de tal natureza que quase se poderia elaborar a planta do edifício.»

 

Texto 4:

            Era por uma manhã de Abril de 1852.

            O campo vestia-se de seus mais opulentos e matizados trajos.

            O Minho estava fascinador.

            Por toda a parte eram já espessuras frondosas e impenetráveis; sombras discretas; vales misteriosos e encantadores, graças ao claro-escuro, com que a vegetação renascente os coloria; colinas adornadas e festivas, como um trono de altar em capela rústica; enfloradíssimos silvados, veigas a exuberarem de vida; e, por entre tudo isto, casas de brancura ofuscante; e acima de tudo um céu sem nuvens, um céu azul, daquele azul dos céus napolitanos, a meu ver, tão culpados na existência dos lazzaroni.

            As torrentes estavam nas suas horas de bom humor; não bramiam, murmuravam apenas; não se precipitavam impetuosas do alto dos outeiros, deixavam-se escorregar pelas anfractuosidades das quebradas.

            Os ventos, como que arrependidos, pretendiam com afagos fazer esquecer aos arbustos mais tenros as violências passadas.

            A luz salutar da Primavera convertia-se, por mágica metamorfose, em perfumes que embalsamavam os ares, em flores que esmaltavam os prados, em harmonias vagas que as brisas transportavam de selva em selva, que as aves escutavam atentas e os ecos repercutiam sonoros.

            Nestes dias assim sente-se palpitar de vida a natureza inteira.

            Por toda a parte se realiza um génesis. No solo é o grão que germina; nos troncos as novas folhas que brotam; nos ramos as flores que desabrocham; nas águas, nas florestas, nos vergéis, nos ares, uma jovem e inquieta geração de aves e de insectos que surge, animando tudo com seus magníficos concertos, com suas valsas incessantes e rápidas, iluminadas por um sol vivificador.

            É contagiosa esta alegria da natureza.

            O coração recebe o influxo dela.

            A vida tem então também a sua inflorescência. Nesta quadra as ilusões, as esperanças, as mais puras e ideais concepções de fantasias exaltadas pululam, como as boninas na relva; a alegria, os risos e os prazeres reflectem-se nos semblantes, como a luz do arrebol nos cimos dos outeiros; ama-se melhor, perdoa-se melhor, e a poesia e os cânticos saem tão espontâneos como o trinado dos pássaros de entre a folhagem dos pomares.

            A fisionomia das cidades perde também então um pouco da sua habitual gravidade. O vento que lhes vem dos arrabaldes inocula-lhes este fermento de folgazão regozijo. A Primavera desinquieta-os, sedu-los, atrai-os, a esses soturnos cidadãos, e a população urbana trasborda nas aldeias circunvizinhas.

JÚLIO DINIS, Justiça de Sua Majestade, in: Serões da Província.

1 - Leia atentamente o texto acima transcrito, excerto de uma descrição mais ampla, extraído de um interessantíssimo conto de Júlio Dinis.

2 - O texto apresenta uma estrutura bem definida, ao longo da qual o Autor mostra os diferentes aspectos de uma manhã de Primavera e os seus efeitos:

2.1 - Delimite a introdução e refira os aspectos nela focados;

2.2 - Após a caracterização do Minho fascinador , o Autor vai comprovar a sua afirmação:

            2.2.1 - Indique quais os parágrafos em que isso se verifica;

2.2.2 - A cada parágrafo vai corresponder essencialmente um tipo de sensação, embora possa coexistir mais do que um. Demonstre-o;

2.3 - Após a apresentação das diferentes características que tornam o Minho fascinador, o Autor vai mostrar a influência de dias como esses:

2.3.1 - Delimite a parte do texto onde isso é feito;

2.3.2 - Por sua vez, esta parte divide-se em três momentos, nos quais o Autor mostra a influência em vários aspectos. Delimite os momentos em que a influência se verifica:

            2.3.2.1 - por toda a parte, na natureza e nos seres;

            2.3.2.2 - nas pessoas;

            2.3.2.3 - nas cidades.

3 - Centre a sua atenção no quarto parágrafo («Por toda a parte...   ...dos lazzaroni »):

3.1 - Registe de acordo com a ordem do texto os diferentes elementos da enumeração;

3.2 - Poder-se-á afirmar que o Autor passa de um plano elevado (no céu) para um plano terreno (na terra)? Justifique.

3.3 - Registe, a três colunas, os verbos, os nomes e os adjectivos (ou expressões com o valor de adjectivo) presentes neste parágrafo;

3.4 - Indique, por ordem decrescente, a frequência de cada uma dessas classes. Se, eventualmente, verificar a predominância dos adjectivos e dos nomes, justifique esse facto.

4 - Centre a sua atenção no sétimo parágrafo («A luz salutar da Primavera...   ...sonoros.»). Demonstre que, embora predominando o sentido do olfacto, aí se encontram associados outros sentidos.

5 - Centre a sua atenção no penúltimo parágrafo do texto («A vida tem então...  ...dos pomares.»). Demonstre que a segunda frase é constituída por segmentos sintácticos de estrutura paralela, tendo por base a enumeração e a comparação.

6 - Elabore um comentário pessoal ao texto, tendo em conta os aspectos estilístico e estético.

 

Texto 5:

            Era uma agradável vivenda, circundada por um viçoso quintal todo orlado de limoeiros, e onde florejavam as mais formosas japoneiras e magnólias de algumas léguas em redor. Penduravam-se pelos muros festões virentes de jasmins e balsaminas, em volta dos quais zumbia incessante um buliçoso enxame de abelhas, atraídas pelos aromas suaves que se exalavam em torno. Na extensão destes muros abriam-se sobre o caminho duas janelas de grades, através das quais se descobria a abundante verdura daquele perfumado recinto, e de fora se escutava já o murmúrio contínuo e monótono de uma cascata, que derramava a frescura e a vida por toda aquela vegetação interior. Respirava-se ali uma tranquilidade que deliciava o coração. O horizonte, que rodeava esta pitoresca residência, era extremamente aprazível. Para qualquer lado que as vistas se dirigissem repousavam sempre agradavelmente sobre um ameno fundo de folhagem e verdores, onde se demoravam irresistivelmente, seduzidas pela alegria e festa que se reflectia por toda a parte. No meio do repouso e silêncio que reinava em torno dessa habitação campestre, como que se adivinhava a vida latente da natureza que desperta no raiar da Primavera, e o azulado e tenuíssimo véu de nuvens da manhã, que o sol não dissipara ainda  de todo, era como a graça transparente que, longe de disfarçar, realça a formosura de certos rostos e o fulgor de certos olhos. Através daquele sendal vaporoso pressentia-se sorrir a natureza, mais fascinadora ainda nos seus trajos simples da manhã que nas ostentosas galas do meio-dia. As ervas dos silvados, ainda húmidas do orvalho, dispersavam em cambiantes íris os raios de luz, fulgindo como brilhantes nas suas mudanças contínuas, ou imitando o fulgor do rubi, a amenidade da safira, a limpidez da esmeralda e do topázio; só a Primavera tem destes encantos.

            JÚLIO DINIS, Justiça de Sua Majestade, In op. cit.

1 - Após a leitura atenta do texto em cima transcrito, procure:

1.1 - Determinar a sequência seguida pelo Autor na descrição;

1.2 - Determinar quais os sentidos utilizados.

2 - Classifique o tipo de descrição, tendo em conta os parâmetros do quadro da figura 17 (página 135), quer quanto ao modo de descrever, quer quanto à natureza do objecto descrito.
 


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