Acesso à hierarquia superior.

Henrique J. C. de Oliveira, Gramática da Comunicação, Col. Textos ISCIA, Aveiro, FEDRAVE, Vol. I, 1993, 311 pp., Vol. II, 1995, 328 pp.


VI

A Língua Portuguesa:
Unidade Sistemática na Diversidade Dialectal

 

Área linguística do português. O discurso: diferentes aspectos de análise. Discurso oral e discurso escrito. Níveis ou registos de língua, dialectos e falares, crioulos e português do Brasil. Alguns traços gerais dos falares portugueses. Falares do português do Brasil. O discurso segundo as pessoas intervenientes na comunicação: discursos de primeira, segunda e terceira pessoa e discursos híbridos. O literário e o não literário.

 
 

NÍVEIS OU REGISTOS DE LÍNGUA

Vimos já que na língua portuguesa se verificam diferenças a nível do espaço geográfico as chamadas variações diatópicas[1]. Além destas variações, que ocorrem de região para região ou até mesmo de continente para continente, dissemos também que o saber linguístico varia de indivíduo para indivíduo, de acordo com a sua formação cultural e com o meio em que está inserido. A competência linguística de cada um de nós apresenta diferenças resultantes do nível sócio-cultural em que estamos inseridos e da região onde vivemos. No entanto, a nível individual, um mesmo sujeito falante pode utilizar a língua que fala de múltiplas maneiras, de acordo com a situação de comunicação em que se encontra.

À adequação da língua às diferentes situações de comunicação dá-se usualmente a designação de níveis de língua ou, como outros linguistas preferem, lregistos de íngua[2], tipos de discurso ou, até mesmo, a designação de estilos[3].

Cada sujeito falante tem em conta, na realização do acto de fala, um conjunto de factores extra-linguísticos, que o levam a usar este ou aquele vocábulo em vez de outro com o mesmo ou sentido afim, esta ou aquela construção sintáctica, em vez de outra talvez até mais simples que lhe permitiria dizer praticamente a mesma coisa. É a este conjunto de factores ou condições extra-linguísticas, que condicionam a expressão do sujeito falante, que damos o nome de situação ou situação de comunicação.

Segundo René Richterich, num trabalho publicado em Le Français dans le Monde, nº 121, de Maio/Junho de 1976, intitulado Les situations de communication et les types de discours (As situações de comunicação e os tipos de discurso), a expressão do sujeito falante é condicionada por diversos factores: 

 a distância física entre o emissor e o receptor: próxima ou afastada;

 a identidade do receptor: o sexo, a idade, o estado civil, a profissão;

 o grau de conhecimento ou de familiaridade entre emissor e receptor: conhecido ou desconhecido; grande, reduzida ou nula intimidade;

 a relação hierárquica: superior, igual ou inferior;

 o local onde se estabelece a comunicação, que poderá condicionar os outros factores: na igreja, no café, em casa, na rua, no emprego, numa cerimónia pública, etc..

A partir de um esquema proposto por Colette Stourdzé, num artigo intitulado Os níveis de Língua[4], elaborámos o quadro da figura 50, relativo aos níveis ou registos de língua, que passaremos a analisar. Este quadro procura dar-nos uma ideia da globalidade da língua, no plano diacrónico e sincrónico[5], embora seja este último o que é posto em destaque e o que efectivamente tem para nós mais interesse relativamente ao problema em estudo.

No plano diacrónico, permite-nos lembrar que, além da língua contemporânea, da língua actualmente utilizada por todos os falantes de uma dada comunidade linguística, há todo um vasto património linguístico criado e desenvolvido ao longo dos anos, desde as suas origens mais remotas até ao seu estádio actual. Assim sendo, temos ao lado da língua contemporânea a designada língua clássica. A designação normalmente utilizada poderá tornar-se ambígua, se nos lembrarmos da evolução semântica sofrida pelo adjectivo "clássico" ao longo dos séculos. No entanto, neste caso concreto, a expressão língua clássica designará todo o vasto património escrito legado pelos nossos antepassados, presente não apenas nos textos literários, mas também em todos os géneros de textos produzidos e conservados até hoje. Através de todo esse vastíssimo material escrito é possível conhecer toda a evolução sofrida por um idioma, desde as suas formas arcaicas até ao momento actual. Estamos, pois, a englobar, como é lógico, um período mais vasto do que aquele que normalmente é entendido pelo vocábulo clássico. Abrangemos um período em que o idioma apresenta vocábulos e estruturas diferentes das actuais. No entanto, não constitui um compartimento estanque. Tal como sucede com os diferentes níveis de língua, não há compartimentos estanques, tornando-se frequentemente bastante difícil determinar o que pertence a um ou a outro nível. Além do mais, há influências de uns nos outros, facto que procuramos pôr em destaque por meio das flechas, cujo sentido tende em regra para uma aproximação do registo intermédio. Frequentemente, encontramos em textos literários actuais reminiscências de textos clássicos, tais como vocabulário arcaizante ou de feição clássica, com utilização de palavras ou expressões próprias de épocas mais recuadas, correntes na Idade Média, ou expressões e vocábulos da época clássica, com latinismos e grecismos e estruturas de nítida feição clássica.

   
 

Figura 50: Quadro com os diferentes níveis ou registos de língua.

 

Relativamente à língua contemporânea, o esquema apresenta-nos, nos extremos, a linguagem regional e a linguagem literária. Ao centro, um conjunto de registos, normalmente comuns à grande maioria dos sujeitos falantes, que vai desde o nível popular até ao nível cuidado. As linhas oblíquas, apresentadas na parte inferior do esquema, indicam-nos o grau de espontaneidade ou de reflexão no momento do acto de fala. A linha vertical tracejada, no meio do esquema, separa-nos o domínio da oralidade do domínio do escrito, o que não significa que não possamos ter textos orais em nível cuidado ou a presença de outros níveis, próprios do domínio da oralidade, em textos escritos. Convém não esquecer que, frequentemente, há interferências de uns níveis nos outros. Os textos literários procuram reproduzir, através das personagens do universo romanesco, os registos de língua correspondentes a personagens populares ou a personagens de determinadas regiões, procurando espelhar, da maneira o mais verosímil possível, o mundo real. A língua falada é, em princípio, mais espontânea do que a escrita. Quanto mais elevado é o nível de língua, maior é o grau de reflexão e, inversamente, menor a espontaneidade; pelo contrário, à  medida que vamos "descendo" no nível de língua, maior o grau de espontaneidade e menor o de reflexão.

Explicado o esquema, vejamos como definir cada um dos diferentes níveis de língua[6]. Por linguagem corrente, também conhecida pelas expressões linguagem falada ou linguagem coloquial[7], entende-se a «linguagem normalmente correcta entre pessoas da classe média dotadas de certa instrução, quer adquirida directamente nos livros, quer assimilada pelo convívio»[8] ou «toda a forma linguística conhecida e usada habitual e frequentemente (...) nas situações da vida em comum»[9]. Constitui, portanto, o tipo de linguagem que permite a comunicação entre os sujeitos falantes de uma comunidade linguística, independentemente do seu nível social e cultural, constituindo aquela faixa de conhecimentos linguísticos comum a todos os sujeitos falantes. Constitui o nível de língua que encontramos nos diferentes meios de comunicação social, desde a imprensa à rádio e televisão. Permite a compreensão pela grande maioria da comunidade de um país e situa-se num nível intermédio, sem vocábulos ou estruturas próprias dos níveis imediatamente contíguos, quer familiar, quer cuidado.

A linguagem familiar, que alguns linguistas consideram como uma subdivisão da linguagem corrente, é mais espontânea e instintiva, utilizando um vocabulário de cunho mais familiar, que nunca utilizaríamos em certas situações, caracterizado por um reduzido rigor a nível das estruturas sintácticas. Distingue-se do nível corrente pela utilização de expressões que, «na linguagem corrente, repugnariam ao sentido estético e à sensibilidade de certas camadas sociais.»(In PAIVA BOLÉO, Op. cit., pág. 272.) Caracteriza-se também por apresentar frequentemente construções que ofendem as normas gramaticais. É uma língua «utilizada em família, com os amigos, na intimidade, uma língua muito espontânea, pouco reflectida, influenciada pela língua popular». É, no dizer de Colette STOURDZÉ, uma «espécie de língua popular "filtrada" graças a hábitos adquiridos pela educação[10]».

A linguagem popular constitui o registo próprio do povo iletrado, sobretudo das aldeias, caracterizando-se pelo uso da língua infringindo as regras gramaticais, com reduzido rigor a nível sintáctico e lexical, deturpando frequentemente as palavras. Com um grau praticamente nulo de reflexão e um predomínio da espontaneidade e do instinto, a lei do menor esforço faz com que as palavras sofram frequentes fenómenos de transformação fonética, com a troca de sílabas, a elisão ou o acrescentamento de fonemas alterando os vocábulos («a gente semos todos munto amigos da nossa terra», «o ti Manel Melro azubiava quando lebaba o carro de bois; bai daí puseram-lhe o nome de ti Melro»), a troca do v pelo b, etc.. É normal encontrarmos na linguagem popular expressões com carácter proverbial e recurso a comparações bastante sugestivas.

É frequente a confusão entre a linguagem popular e a linguagem regional. Embora por vezes se torne difícil demarcar limites entre uma e outra, a verdade é que a linguagem regional é a linguagem utilizada por todo o conjunto de pessoas de uma determinada região com características linguísticas homogéneas. Podemos dizer que a linguagem regional constitui aquilo que habitualmente designamos por falares ou, como outros pretendem, dialectos. Convirá a este respeito notar que determinados fenómenos fonéticos, como por exemplo o caso da troca do v pelo b, não se podem considerar no momento actual como marcas da linguagem popular, mas antes como traços regionais, influenciando todas as pessoas de uma determinada região, independentemente do seu grau de cultura. A título de exemplo, lembremo-nos da pronúncia da fricativa s, na região de Viseu, ou da pronúncia de uma vasta zona, na região do Porto.

No lado oposto ao da linguagem popular, encontramos a linguagem cuidada. É um nível de língua que se caracteriza por uma maior reflexão e rigor no uso das estruturas gramaticais e do vocabulário. Podendo ocorrer quer no domínio da oralidade, quer do escrito, é o nível adequado a determinadas situações de comunicação como, por exemplo, a uma aula, a um discurso, a uma conferência, a um artigo cultural publicado num livro ou numa revista ou jornal, etc.. Tal como acontece relativamente às linguagens popular e regional, não deveremos confundir a linguagem cuidada, seja ela escrita ou oral, com a linguagem literária, na medida em que nesta última, como já referimos, existem preocupações de natureza artística, estética, além de que, numa obra literária, podem estar patentes diversos registos de língua.

No sector da linguagem popular, indicámos a gíria e o calão, do mesmo modo que no da linguagem cuidada indicámos as linguagens técnicas. Embora passível de crítica, parece-nos que, dentro do esquema apresentado no quadro da figura 50, a localização destes três tipos de linguagem será talvez a mais correcta. Estes três tipos podem ser englobados dentro da designação mais ampla de linguagens especiais, embora se encontrem em campos diametralmente opostos.

Segundo alguns linguistas, as gírias incluem o calão e habitualmente confundem-se, chegando-se mesmo a considerar gíria e calão como vocábulos sinónimos. Mas, de uma maneira geral, o segundo termo tem uma carga negativa que o primeiro pode não ter[11].

Entre certos grupos profissionais, geralmente em classes profissionais à margem da lei, como entre ladrões, contrabandistas, seitas secretas, é criada pelos seus membros uma espécie de linguagem secreta, elaborada a partir do vocabulário corrente, mas de difícil compreensão por quem esteja fora do grupo. Deste modo, é criado um sistema de comunicação restrito, só compreendido pelos elementos do grupo, que o mantém ao abrigo de ouvidos indiscretos. Trata-se da chamada gíria, de que existem (ou existiram) alguns exemplos com características bastante peculiares. Na região fronteiriça do Sabugal (distrito da Guarda), mais precisamente na aldeia de Quadrazais, entre a serra da Malcata e a fronteira com Espanha, era ainda há poucas décadas atrás utilizada, entre os homens da povoação que se dedicavam ao contrabando, uma gíria de dificílima compreensão, da qual chegou até nós um reduzido excerto, transcrito por Nuno de Montemor no romance Maria Mim[12]: «Amatriz meia choina maquinamos tótios Retra Francha. De galhal leva cada cinquenta chulos, artife, chaira, fugantes e baril chingato para andante».

Nem sempre as gírias surgem entre grupos que se dedicam a negócios ilícitos. São também frequentemente utilizadas por vendedores ou profissionais ambulantes, quando querem manter a comunicação entre si sem o perigo de serem entendidos por concorrentes ou por quem não deva estar ao corrente dos negócios.

O calão, embora seja por alguns linguistas considerado como uma forma mais típica da gíria, é considerado por outros como uma variante da língua equivalente ao que, na língua francesa, se designa por «argot populaire»[13]. O calão consistirá numa linguagem que poderemos situar num nível mais baixo que a gíria, susceptível de chocar ouvintes mais sensíveis. Torna-se, no entanto, bastante difícil precisar com rigor absoluto as diferenças entre gíria e calão, podendo mesmo existir entre as pessoas grandes diferenças na maneira de encararem estes dois conceitos. A delimitação entre gíria e calão torna-se portanto bastante difícil e subjectiva, muito embora nos inclinemos para a maneira de encarar estes dois conceitos proposta por Paiva Boléo, o que tem, além do mais, a grande vantagem de facilitar a destrinça entre os dois conceitos. De qualquer modo, independentemente da maneira como os consideremos, a verdade é que uma e outra se distanciam bastante do nível corrente. Situam-se numa faixa de nível popular e são decorrentes de uma necessidade de se tornarem de difícil compreensão a quem não esteja integrado no grupo ou de transmitirem novas cargas expressivas, diferentes da linguagem corrente, como ocorre por vezes entre certos grupos de jovens.

No extremo oposto e ligado a actividades profissionais específicas, de cariz técnico e científico, podendo também apresentar certo grau de dificuldade de compreensão, encontram-se as linguagens técnicas e científicas. O limite entre estas linguagens e a linguagem comum é muito impreciso e variável de acordo com a formação individual. Seja como for, situar-se-ão dentro de um campo culturalmente elevado, donde a sua situação no esquema do quadro da figura 11. Apresentam, tal como nos é indicado por Charles Bally, um «conjunto de termos estranhos à língua comum», permitindo distinguir os factos ou as coisas de um modo «impessoal e objectivo, com exactidão e precisão»[14]. É o tipo de linguagem que encontramos, por exemplo, a nível da medicina, da electrónica, da informática, da astronáutica, da biologia e de tantos outros domínios das modernas ciências.

Apesar de, em nota anterior, termos afirmado que não abordaríamos aqui a linguagem literária, já que será necessária uma reflexão mais profunda sobre o assunto, convirá desde já referir que, embora incluída no esquema do quadro da figura 50, não a podemos considerar verdadeiramente como um nível de língua. A linguagem literária constitui um domínio específico da língua, uma área da expressão artística, que transcende a escrita corrente. Caracteriza-se pelo seu apragmatismo, na medida em que a literatura pode recriar qualquer tipo de linguagem. Podendo recriar todas as situações da vida real, podemos encontrar num texto literário qualquer registo de língua, desde o mais "baixo" até ao mais "elevado", desde a linguagem mais prosaica, mais coloquial, até ao domínio da reflexão e da efusão lírica. Recorde-se, a este propósito, aquilo que nos diz Nelly Novaes Coelho, no texto anteriormente transcrito em nota.

Concluindo estas breves reflexões acerca dos níveis de língua, convirá chamar a atenção para o erro frequentemente cometido, resultante de um desfasamento entre o nível utilizado e aquele que deveria estar efectivamente presente. Se nos encontramos perante a necessidade de produzir um texto escrito que, pelos objectivos que lhe estão inerentes, exige uma linguagem entre o corrente e o cuidado, e nele utilizamos um nível familiar ou, mais grave ainda, um nível popular, estaremos a incorrer em erro grave. Igualmente grave será, como é lógico, a presença de desvios às normas gramaticais ou às normas relativas à pontuação. Assim, por exemplo, num teste, numa prova de frequência ou de exame, numa resposta a um pedido de emprego, num currículo, num relatório de empresa, num comunicado ou ofício, em suma, em várias situações de comunicação similares, o nível de língua utilizado terá de ser devidamente adequado e quem produz o enunciado deverá ter uma noção correcta dos níveis de língua e da sua adequação aos objectivos em vista. Há, no entanto, casos em que o sujeito falante poderá intencionalmente passar de um nível para outro sem que isso possa ser considerado como erro. Há situações em que essa mudança intencional poderá permitir um enunciado ou uma resposta mais agradável e com novas cargas e capacidades expressivas. Acerca deste problema da interferência de níveis em situações de comunicação, bem como da necessidade de uma correcta adequação do nível utilizado, convirá efectuar a leitura dos excertos que se transcrevem em nota, extraídos de uma colecção de textos pré-universitários sobre Língua Portuguesa[15].

   
 

Figura 51: Quadro com outra proposta de níveis de língua[16].

 

Para encerrarmos todo o conjunto de noções relacionadas com a matéria que acabámos de analisar, apresentamos o quadro da figura 51, que constitui uma outra maneira de representar os níveis de língua. Esse quadro é uma representação esquemática de uma proposta elaborada por João David Pinto Correia[16] acerca das diferenciações verificadas na língua portuguesa. Após referir as diferenciações que podem ocorrer a nível territorial, as variações diatópicas (língua-padrão, dialectos e falares), a nível sócio-cultural, as variações diastráticas (linguagem descuidada popular, linguagem cuidada vulgar e cuidada culta ou cerimoniosa) e a nível estilístico (estilos prático-vulgar, de uso prático e de uso estético) propõe e submete à apreciação do leitor um esquema simples de classificação dos níveis de língua. Embora discutível, é mais uma proposta de classificação a juntar a tudo quanto apresentámos, com a vantagem de possuir um carácter bastante prático e ser de fácil leitura. Atendendo às duas formas de realização da língua, os níveis são classificados segundo a sua forma de registo oral e escrito e subdivididos em prático e estético. O nível oral prático é caracterizado, segundo o Autor, pela sua espontaneidade e emprego de vocábulos próximos do calão familiar, da gíria, etc., sendo muito expressivo e característico, por exemplo, da conversação quotidiana.

 

Sugestão de trabalho 14

Apresentamos, a seguir, uma sequência de 12 textos, que documentam os diferentes níveis de língua. Leia-os atentamente e procure determinar quais os níveis de língua neles presentes, tendo o cuidado de justificar a sua opção e de destacar dos textos as marcas linguísticas que o levaram a atribuir esses níveis.

Texto 1

Marchas populares terminaram em desordem

Centenas de pessoas envolveram-se em desordem, ontem de madrugada, em Setúbal, após a divulgação das classificações do concurso das Marchas Populares/90.

Cerca de 30 mil pessoas, que entraram gratuitamente no Estádio do Bonfim, assistiram, desde sexta-feira à noite, ao desfile final das doze marchas populares de Setúbal, que haviam já desfilado nos dias 22 e 23 na praça de touros. Divulgada a classificação, foi declarada como vencedora a marcha do Núcleo Recreativo e Cultural "Ídolos da Praça", ficando em segundo lugar a marcha do Bairro Santos Nicolau, precisamente a mesma classificação que aquelas marchas receberam no ano passado. Após o conhecimento destes resultados, elementos de outras marchas envolveram-se em disputas físicas e verbais com os elementos das duas marchas vencedoras, o que provocou a entrada no recinto de elementos da PSP, que fizeram segurança aos autarcas e aos elementos do júri.

Os protestos contra a classificação foram prolongados e, devido a síncope cardíaca, um indivíduo teve de ser transportado para o Hospital de Setúbal, onde foi assistido.

O Presidente da Câmara Municipal de Setúbal, Mata Cáceres, disse que "foram atitudes lamentáveis mas normais num concurso. Estou convicto de que os ânimos vão serenar e que a cidade já ganhou com a participação das pessoas".

Por sua vez, a vereadora Paula Costa, do pelouro de Turismo, que organizou o concurso, disse que "o júri está acima de qualquer suspeita e o facto de serem as mesmas marchas que venceram em 1989 é pura coincidência". O presidente do júri, Libório Gonçalves, afirmou que a classificação foi dada em consciência.

In: O PRIMEIRO DE JANEIRO, 1 de Julho de 1990, p. 10

 

Texto 2

Morreu o escritor Irving Wallace

O escritor Irving Wallace, 74 anos, um dos mais lidos em todo o mundo, morreu sexta-feira (dia 29) numa clínica de Los Angeles, vítima de cancro no pâncreas, disse uma fonte do hospital.

Wallace era um dos cinco autores contemporâneos mais lidos do mundo, segundo a revista "Saturday". Escreveu 35 livros, muitos dos quais foram adaptados ao cinema.

Entre as suas obras mais conhecidas, destacam-se "O Prémio","As Três Sereias" e "O Milagre". Segundo o seu agente, Frank Liebermann, Wallace começou a sofrer de cancro pancreático há seis meses, tendo sido hospitalizado quarta-feira.

A mulher, Sílvia, o filho, David, e a filha, Amy, estavam junto dele quando morreu.

Wallace era amigo do antigo presidente Ronald Reagan, que conheceu quando ambos estavam no exército, durante a II Guerra Mundial.

In: O PRIMEIRO DE JANEIRO, 1 de Julho de 1990, pág. 20

Texto 3

Exmo Senhor[17]:

Acabo de ler um escrito de V. Exª., onde, a propósito de faltas de bom senso e de bom gosto, se fala com áspera censura da chamada escola literária de Coimbra, e entre dois nomes ilustres se cita o meu, quase desconhecido e sobretudo desambicioso.

Esta minha obscuridade faz com que a parte que me cabe seja sobremaneira diminuta; enquanto que, por outro lado, a minha despreocupação de fama literária, os meus hábitos de espírito e o meu modo de vida, me tornam essa mesma pequena parte que me resta tão indiferente, que é como que se a nada a reduzíssemos.

Estas circunstâncias pareceriam suficientes para me imporem um silêncio, ou modesto ou desdenhoso. Não o são, todavia. Eu tenho para falar dois fortes motivos. Um é a liberdade absoluta que a minha posição independentíssima de homem sem pretensões literárias me dá para julgar desassombradamente, com justiça, com frieza, com boa fé. Como não pretendo lugar algum, mesmo ínfimo, na brilhante falange das reputações contemporâneas, é por isso que, estando de fora, posso como ninguém avaliar a figura, a destreza e o garbo ainda dos mais luzidos chefes do glorioso esquadrão. Posso também falar livremente. (...)

A este primeiro motivo, que é um direito, uma faculdade só, acresce um outro, e mais grave e mais obrigatório, porque é um dever, uma necessidade moral. É esta força desconhecida que nos leva muitas vezes, ainda contra a vontade, ainda contra o interesse, a erguer a voz pelo que julgamos a verdade, a erguer a mão pelo que acreditamos a justiça. É ela que me manda falar. Não que a justiça e a verdade se ofendessem com V. Ex.ª ou com as suas aproximações. Verdade e justiça estão tão altas, que não têm olhos com que vejam as pequenas coisas e os pequenos homens das ínfimas questiúnculas literárias. (...)

O que se ataca na escola de Coimbra (talvez mesmo V. Ex.ª o ignore, porque há malévolos inocentes e inconscientes), o que se ataca, não é uma opinião literária menos provada, uma concepção poética mais atrevida, um estilo ou uma ideia. Isso é o pretexto, apenas. Mas a guerra faz-se à independência irreverente de escritores, que entendem fazer por si o seu caminho, sem pedirem licença aos mestres, mas consultando só o seu trabalho e a sua consciência. A guerra faz-se ao escândalo inaudito duma literatura desaforada, que cuidou poder correr mundo sem o selo e o visto da chancelaria dos grãos-mestres oficiais. A guerra faz-se à impiedade destes hereges das letras, que se revoltam contra a autoridade dos papas e pontífices, porque ao que parece, ainda a luz de cima lhes não escreveu nas fontes o sinal da infalibilidade. Faz-se contra quem entende pensar por si e ser só responsável por seus actos e palavras...
(...)

ANTERO DE QUENTAL, Coimbra, 2 de Novembro de 1865

Texto 4

Senhores Presidente do Conselho Directivo

e Presidente do Conselho Científico da Faculdade de Letras

Senhores Professores e Assistentes

Caros Estudantes

Minhas Senhoras e meus Senhores:

Aqui estamos reunidos para evocar meio século de vida literária de um dos maiores vultos das nossas Letras, da nossa Cultura e da nossa Terra. Para dizermos a Miguel Torga do nosso louvor pela sua obra de impressionante grandeza, da nossa admiração pela sua pessoa, da nossa compreensão e respeito pela sua humanidade. Cabe ao Conselho Científico da Faculdade de Letras o mérito da iniciativa desta homenagem a tantos títulos devida, e por tal lhe devemos estar agradecidos.

Mas é a Universidade inteira, são os doutores e assistentes de todas as faculdades, os estudantes, os funcionários, que pela minha voz querem exprimir ao Poeta o mais alto apreço pela sua obra, a par de uma profunda gratidão por tê-la escrito. Por ter guardado, ao longo de uma vida plena, inquebrantável fidelidade a valores que nos são caros. Porque nessa obra sempre pulsou o amor da Terra e das gentes, o amor da liberdade, o sentimento da fraternidade "Não me dói nada meu particular / Peno cilícios da comunidade" , a crença no Homem.

O telurismo e o humanismo me parecem ser duas características primordiais do pensamento do Autor.

A ligação do Artista com a terra, com a forças telúricas, é uma constante da obra de Miguel Torga. Mas a terra, para o grande escritor, não é apenas, nem sequer principalmente, uma entidade geológica ou uma abstracção da paisagem. Para Miguel Torga, a terra é uma grandeza a um tempo física e moral, uma realidade elementar a que não é estranha a história e o destino do povo. Como o gigante indomável da mitologia, recobrava forças cada vez que tocava o solo "Filho da Terra, minha mãe amada, / É ela que levanta o lutador caído" assim em Torga o amor da terra e do seu povo se reanima no estreitar do contacto com as pedras e as gentes da sua província natal.

FERRER CORREIA, Homenagem a Miguel Torga, Palavras de Abertura da Sessão Solene. In BIBLOS, suplementos, Nº 10, Coimbra, 1979.

 

Texto 5

Sabugal, 1 de Setembro de 1990

Querido Netinho:

Antes de mais, quero agradecer-te a tua cartinha de 25 do mês passado e desejar-te que a presente te encontre de boa saúde, na companhia de teus pais e irmã.

Gostei muito da tua descrição da terrinha onde estás a passar férias. Deve de ser muito linda, a julgar por tudo o que me contas.

Hoje, realizou-se cá a Feira Nova. Como sei que gostas tanto desta feira, que é das coisas boas que na nossa terra se fazem, aproveito para te falar dela em algumas palavritas.

Sabes, o dia esteve maravilhoso! Um solzinho abençoado que Deus nos deu este ano! E havia tanta gentinha por cá, que até parecia uma romaria. A feira foi muito grande e muito concorrida de gentinha a vender os seus produtos. Pela alameda do cemitério, onde ultimamente tu e a pequenada cá do sítio costumam brincar com essas coisas com rodas que escorregam, quase não se podia romper. Um mar de gente, que até metia impressão! Muitos vendedores! Muita coisinha boa para comprar, houvesse ele dinheiro!

Junto do largo da câmara, comprei-te um queijinho da serra, daqueles de que tanto gostas de comer à merenda. Para a tua irmã, comprei-lhe uma linda boneca com tranças loiras e uma blusinha de chita encarnada.

Como vês, querido neto, a tua avó velhinha não se esquece dos seus netinhos.

Vou agora despedir-me com um grande abraço de saudade para todos vós e, em especial para ti, uma grande beijoca.

Tua avó, que já sente tantas saudades vossas,

                                                                       Aninhas

 

Texto 6

Na sexta-feira, no Banco, a meio da tarde, um colega passou-lhe o telefone.

É para você, Fonseca.

            Estou.

            És tu, pá? Fonseca?

            Sou, sim. Quem fala?

            Não me conheces a voz, pá? O Joaquim Ribeiro.

            Olá, viva!

            Olha, pá. Queria falar contigo. Onde é que costumas jantar?

            Geralmente vou ao Lisboeta, na Conceição da Glória.

            Óptimo! Se não tens qualquer compromisso, meu garanhão, queres jantar comigo?

            Pode ser. Quando? Hoje?

            Às oito em ponto à porta do Lisboeta. Está combinado?

            Combinado.

            Foi só depois do caldo verde que o Joaquim Ribeiro tocou no assunto.

            Queria falar-te por causa daquela coisa de ontem. Foi uma chatice, pá. Não sei o que é que ficaste a pensar de mim mas, caramba, somos velhos amigos e apesar de não nos vermos há tantos anos, sinto-me obrigado a dar-te uma satisfação.

Ó homem! Não tens que me dar satisfações. Somos amigos, está bem, mas nem tu tens que dar contas das tuas aventuras amorosas nem eu das minhas, com certeza. Das minhas, pá, das minhas. Estás a perceber?

            É certo, pá, mas vamos lá a ver se nos entendemos. Por acaso, por mero acaso, sim, repara bem, por mero acaso, isto é, por acaso, estavas ao corrente da minha saída de Lisboa, em serviço e, por outro acaso, outro mero acaso, vais topar comigo em Lisboa e logo por chatice agarrado a uma gaja dentro do carro. (...)

ANTÓNIO GEDEÃO, Mulher comendo frango, in: A poltrona e outras novelas, Coimbra, Atlântida Editora, 1973, pág. 132.

 

Texto 7

Perto de Âncora fica a povoação de Gontinhães, de pescadores e de pedreiros, os pescadores ao pé do mar, os outros lá em cima no Calvário, unidos pelo caminho da Lagarteira, torto e lajeado. É uma aldeia pobre e humilde, pobre e doirada. Do escadório descobre-se o panorama, a amplidão do vale, o morro compacto que entra pelo mar e o fio manso do rio...

(...) A parte dos pescadores no areal difere completamente nos tipos, nos costumes e nas casas, naturalmente noutros tempos barracas de madeira construídas sobre estacas. Há quatrocentos pescadores, pouco mais ou menos, e cento e trinta e dois barcos varados na praia, todos pintados de vermelho. São maceiras, de fundo chato, tripuladas por dois homens, volanteiras ou lanchas de pescada por doze homens, e barcos de sardinha, que levam cinco ou seis peças de sessenta braças cada uma, e quatro homens. As redes têm estes nomes: peças as da sardinha, volantes as da pescada. Chama-se galricho a uma espécie de nassa com que se apanha a faneca; rastão ao camaroeiro; patelo à rede que colhe o caranguejo ou mexoalho; e rasco à da lagosta. As redes da sardinha são do mestre e as da pescada dos pescadores. Os quinhões dividem-se conforme o peixe.   (...)

RAUL BRANDÃO, Os Pescadores, 2ª ed., Biblioteca Ulisseia de autores portugueses, 1988, págs. 49-50.

 

Texto 8

UMA ENTREVISTA NA GAFANHA DO CARMO

Tendo-me deslocado em tempos à Gafanha do Carmo para, junto dos seus habitantes, procurar conhecer um pouco da sua vida, dos seus costumes e da sua linguagem, conheci o Ti Manel Melro. Com toda a paciência, forneceu-me uma boa série de interessantes informações não só acerca dos produtos agrícolas, como foi o caso do milho, mas também da construção e calafetagem dos barcos moliceiros.

Vejamos alguns fragmentos dessa entrevista:

INQUIRIDOR Quando é que se semeia o milho e quais os cuidados que é preciso ter com ele?

INFORMADOR O milho, home, semeia-se à volta de 13 ou 15 de Março. Depois do milho estar de palmo, é mondado e sachado. Depois de já estar a querer butar a bandeira, bota-lh' a gente adube e rega para ele criar espiga. Tem de se partir depois a bandeira pró milho não ficar tão alto e o bento não balançar tanto com ele.

INQ. Um momento, Ti Melro, há bocadinho falou em bandeira. O que é isso?

INF. A bandeira, home, é a cana do milho.

INQ. O Ti Melro tinha dito que era necessário partir a bandeira para o milho não crescer muito. E depois disso o que é que se tem de fazer?

INF. Depois, espera-se qu'amadure e apanha-se com uma foicinha. Bota-se no tendal às carradas. Depois esmanta-se e traz-se a espiga prà eira.

INQ. Mas se chove o milho fica todo encharcado, Ti Melro.

INF. Não, home, quando chove põem-lhe por riba umas esteiras.

INQ. E depois de seco? O que é que lhe fazem?

INF. Vem então uma desbulhadeira para desbulhar.

            (...   ...)

INQ. Ouça lá, ó Ti Melro, por aqui há muitos pinheiros?

INF. Não, home, aqui não há pinheiros.

INQ. Sabe qual é a utilidade deles?

INF. Sei, sim senhor. Onde os há, fazem uma sarruscadela no pinheiro pràprobeitar a razina qu'o pinheiro sangra. E essa razina òpois atão é pra fazer breu.

INQ. E para que serve o breu, Ti Melro?

INF. Intigamente, home, cumpraba duas arrobas de breu, chamava-se um escalufate...

INQ. O que é um escalufate?

INF. Um escalufate, home, é o mestre que amanha o barco. Depois corriam-se as costuras todas do barco, butavam-se estopas nas costuras qu'o barco tinha com um maço de ferro, depois aquecia-se o breu ò lume numa panela de ferro e òpois atão o mesmo escalufate qu'andaba a amanhar o barco fazia um escupêro de pele de carneiro.

INQ. O que é um escupêro, Ti Melro?

INF. Um escupêro, home, é pele de carneiro enrolhada num pau de madeira e pregada com pregos ao pau prà pele não cair. E com ele molhava na panela de breu e òpois atão corria todas as costuras a botar o breu por riba pra não deixar cair a estopa. (... ...)

Conversa extraída de um inquérito linguístico efectuado na região da Gafanha do Carmo (Aveiro) em 1967.

 

Texto 9

Depois da ceia, os pais foram-se deitar e a velha Mariana, sentada ao pé da chaminé, começou a falar como quem fala sozinha:

Q'ando o tê pai foi a premêra vez ao banco da Griolanda, sequê-me a rezar à Senhora da Nazaré. Dos "verdes" foi o melhor. No outro ano, os capitães todos o q'riam. Foi com o Lourenço de Ílhavo, e nunca mais dêxou de ser um premêra linha, até que, c'os irmãos, fez sociedade pra comprar a trainêra, que chegámos a ter tudo empenhadinho. Havia as fábricas de sardinha e o pêxe nã andava falhio como agora... À Griolanda... q'antos vão e nã voltam. Vão tamém à Terra Nova... É uma vida triste... O Emílio, que Deus o tenha na Sua santa paz, só lh'encontraram, ao outro dia, o dório virado, inda ancorado ò fundo do mar...  Pode ter sido qualquer cachão, q'ando ia a levantar o ferro, que tivesse caído a borda...

Santinha, vá prà cama.

E tu?

Tás à espera d'alguém? Podes ir falar, qu'eu fico aqui.

Ouviu-se o som repicado de uma harmónica que passava na rua, e a velha, na sua voz vagarosa, como quem sabe, mas ainda assim experimenta a pergunta, interrogou:

Quem é o farsola que passa aqui todas as noites a tocar gaita?

Prègunta-me a mim? Quer que vá esprêtar?...

Nã t'ofendas cum tam pouco... 'Tava a conversar. O João Caboz é bom moço e tem de seu, nã o desprezes. Vá's ò teu gosto e dos tês pais...

'Tá bem, 'tá bem... disse com enfado, querendo pôr termo ao assunto. Mas a avó continuava:

Nã há muntos c'm'a ele, pra escolher... A minha obrigação é dar-te conselhos. Olha q'o Diabo sabe munto, mas nã é só por ser Diabo, é tamém por ser velho. Nã julgues que me ponho a adevinhar o tempo... Digo só o que sei. E bem vejo q'andas desassossegada. Mas olha q'o João é um rapaz como há poucos e só te vê a ti.

Atão vê pouco... Tem d'arranjar uns ocles prò nariz.

Compara com os outros, que viram com o vento...

Com o vento é que se navega...

'Teja 'escansada q'há-de ser minha madrinha, pra me dar o enxoval e uma libra d'oiro... disse Inês, levantando-se com decisão.

E  saiu.   (...)

BRANQUINHO DA FONSECA, Mar Santo[18], Lisboa, Portugália Editora, 1971, pp. 167-170.

 

Texto 10

O QUE O MS-DOS FAZ

Pode-se imaginar o MS-DOS da mesma forma que a cabina de um avião. Sem ela, há potencial suficiente, mas não se pode fazer com que o avião voe. O sistema operacional permite que você (o piloto) controle o seu computador dizendo a ele "para onde ir" e "o que fazer". Como os controles da cabina de um avião, o sistema operacional coordena as partes de um computador e proporciona um método fácil para controlá-las. Neste capítulo, você começará a aprender como o MS-DOS executa este papel.

MS-DOS é uma acrossemia de MicroSoft Disk Operating System (sistema operacional em disco da Microsoft); é um nome genérico do sistema operacional licenciado pela Microsoft Corporation para uso em vários microcomputadores de diferentes fabricantes. (Alguns destes fabricantes de computador têm alterado o MS-DOS para melhor adaptá-lo a seus computadores dando-lhe novos nomes, como PC-DOS ou Z-DOS.)  (...)

(...) A CPU de seu computador não pode funcionar bem sem um sistema operacional; ela precisa de uma espécie de guarda de trânsito eficiente para coordenar todas as informações obtidas do teclado, dos acionadores de disco e de outras partes de hardware de seu computador. O MS-DOS coordena o hardware e permite que a CPU comunique-se com quase todas as partes de seu computador. Por exemplo, sem o sistema operacional, a CPU não tem nenhuma forma de encontrar os dados e os programas que se encontram nos discos.

Após carregar o sistema operacional (geralmente logo após o computador ter sido ligado), ele é mantido na memória de acesso aleatório do computador (RAM). A RAM funciona como um imenso bloco de anotações preenchido com números e instruções; à medida que o programa roda, ela interpreta parte de seu conteúdo e muda algumas informações aí contidas. A memória RAM é temporária, isto é, ela só é mantida pela força elétrica de seu computador. Quando você desliga o computador, todas as informações contidas em RAM são esquecidas (por esta razão uma queda de energia pode ser desastrosa quando se está utilizando o computador). (...)

Embora a CPU não precise de ajuda do sistema operacional para se comunicar com a RAM, é importante conhecer um pouco sobre esta memória, já que ela é o local onde todos os seus programas permanecem enquanto estão sendo executados. Você pode imaginar a RAM como sendo um conjunto de várias caixas chamadas bytes. Cada byte é igual à quantidade de memória necessária para armazenar um único caractere do teclado (como o Q ou um @). A quantidade de RAM que você tem em seu computador é medida em K, ou kilobytes. Um kilobyte é igual a 1 024 bytes. (...)

PAUL HOFFMAN e TAMARA NICOLOFF, MS-DOS, Guia do Usuário, São Paulo, McGraw-Hill, 1986, pp. 1-3

Texto 11

OSSOS DOS MEMBROS SUPERIORES

Já vimos que cada um dos membros superiores está ligado ao tórax por dois ossos, a omoplata e a clavícula, que no seu conjunto formam a espádua. Poderemos agora verificar que, perto da junção da omoplata com a clavícula se insere o osso que forma o braço, chamado úmero.

A maneira como o úmero está inserido permite-lhe mover-se em todas as direcções, pois a sua extremidade superior, arredondada, é móvel numa cavidade correspondente da omoplata.

Ao braço segue-se o antebraço, formado por dois ossos. Um, o cúbito, forma, na extremidade que se articula com o úmero, o cotovelo. O outro, que está situado do lado do dedo polegar, chama-se rádio, e pode girar em volta do primeiro, acompanhando a rotação da mão.

A seguir ao braço encontra-se a mão, que compreende três partes: o carpo ou punho, o metacarpo e os dedos. O carpo é formado por oito pequenos ossos irregulares, dispostos em duas fiadas. O metacarpo é formado por cinco ossos alongados, dispostos paralelamente, que correspondem à palma da mão, e cujos intervalos estão cheios, na mão completa, por músculos e pele. Os dedos são formados, cada um, por três ossículos alongados e dispostos em série, com excepção do polegar, que só tem dois. Estes três ossículos têm, de dentro para fora, respectivamente os nomes de falange, falanginha e falangeta.

AUGUSTO C. G. SOEIRO, Noções de Zoologia, Porto, 1929, pp. 37-42.

 

Texto 12

JAGUAR E-TYPE 4.2

Cabriolet ou coupé com motor de 4,2 litros, caixa de 4 velocidades, todas sincronizadas e diferencial auto-blocante. Apresentado em Londres no ano de 1964.

Suspensão dianteira por braços triangulares e barras de torção longitudinais; traseira, de rodas independentes com braços transversais inferiores e eixo superior de duplo cardan, actuando como alavanca de suporte. Suspensão dupla por molas helicoidais, estabilizador lateral e amortecedores telescópicos Girling.

In: Suplemento anual do Mundo Motorizado.


[1]Recorde-se o excerto transcrito da gramática de Celso Cunha e Lindley Cintra, apresentado em nota anterior, nas páginas 26-27.

[2] O Dictionnaire de Didactique des Langues define registo como as «variações do uso linguístico que podem depender da natureza das relações entre os interlocutores, das suas intenções, dos temas abordados, do grau de formalidade ou de familiaridade escolhido». R. GALISSON e DANIEL COSTE, Dictionnaire de Didactique des Langues, Paris, Hachette, 1976.

[3] Herculano de Carvalho apresenta a designação de estilo para a «adequação das formas que constituem o saber linguístico de um sujeito falante às finalidades específicas de cada um dos seus actos de fala...» - Vd. HERCULANO DE CARVALHO, Teoria da Linguagem, Coimbra, Atlântida Editora, 1967, p. 302.

[4] COLETTE STOURDZÉ, Les niveaux de langue, In: Guide Pédagogique pour le professeur de français langue étrangère sous la direction d'André Reboullet, Paris, Hachette, 1971, pp. 37-44.

[5] No estudo de uma língua, podemos considerar dois planos: o sincrónico e o diacrónico. No diacrónico (do grego dia - 'através de' e khronos 'tempo' mais o sufixo -ia), é estudada a evolução de uma língua através dos tempos e sob diversos aspectos: fónico, morfológico, sintáctico e até mesmo estilístico. Quando, nos capítulos anteriores, falámos nas origens e evolução da língua portuguesa, ainda que o tenhamos feito de maneira bastante simplificada, efectuámos um estudo diacrónico. No plano sincrónico (do grego syn- 'simultâneo, o mesmo' e khronos  'tempo', mais o sufixo -ia), uma língua é analisada tendo em conta as mudanças que, numa mesma época, nela ocorrem tendo em conta o espaço geográfico, a cultura e a situação dos sujeitos falantes. Quando analisámos as variantes ocorridas na língua portuguesa de região para região e de continente para continente ocorridas no mesmo período de tempo ou época, ou quando analisamos as variantes que se podem verificar na língua de acordo com a situação de comunicação vivida no momento por cada sujeito falante, estamos na presença de um estudo no plano sincrónico.

[6] Deixaremos de fora a linguagem literária, já que esta constitui um domínio específico da linguagem escrita, que traduz um estilo pessoal e, sobretudo, preocupações de natureza artística, com recurso a técnicas de expressão elaboradas e com elevado grau de reflexão.

[7] Estas duas últimas expressões não nos parecem as mais adequadas, já que falados são também os níveis familiar e popular. Igualmente a designação corrente poderá ser contestada, dadas as múltiplas significações deste vocábulo. Talvez mais rigorosa fosse a designação de nível intermédio ou nível padrão. No entanto, de entre as diferentes expressões utilizadas, talvez a melhor seja ainda a primeira.

[8] Veja M. PAIVA BOLÉO, Unidade e variedade da língua portuguesa, In: Estudos de linguística portuguesa e românica, Coimbra, vol. I, tomo I, 1974, pág. 343.

[9] Veja-se HERCULANO DE CARVALHO, Teoria da Linguagem, op. cit., pág. 343.

[10] COLETTE STOURDZÉ, Les niveaux de langue, in  op. cit., pp. 40-42. Dado o seu interesse, transcreve-se a seguir parte do artigo desta autora:

LÍNGUA CONTEMPORÂNEA, LÍNGUA POPULAR,

USO CORRECTO E LÍNGUA LITERÁRIA.

Uma língua popular, falada naturalmente por certas camadas sociais, formadas na sua grande maioria por aqueles que não têm estudos secundários, constitui um instrumento de comunicação no qual formas e construções gramaticais em particular não parecem obedecer a nenhuma norma; basta que o interlocutor pareça ter compreendido a mensagem.

O que é que se opõe a esta maneira quase instintiva de se exprimir?  Uma maneira diferente que pode por vezes parecer espontânea, mas cuja aparente simplicidade, fruto de uma inspiração criadora, é, na maior parte das vezes, o resultado de uma longa elaboração. Todas as belas páginas escritas em língua literária pertencem, pois, ao domínio da criação artística.

Se amigos nossos empregassem subitamente, durante uma conversa, uma expressão como «Em vossa casa enche-se o bandulho, fica-se que nem um abade», ficaríamos chocados. Mas ficaríamos igualmente espantados se, pelo contrário, no final do jantar, um deles dissesse: «Por muito deliciosas que sejam as vossas iguarias, não conseguirei repetir; o vosso festim satisfez-me plenamente!» (...)

Estes dois níveis de língua língua popular e língua literária não correspondem, evidentemente, ao nível de língua corrente. (...)

O uso correcto da língua, que parece ser o resultado não só da educação familiar, como também dos estudos secundários, não constitui um todo homogéneo. Escutando aqueles que à nossa volta parecem submeter-se às normas do bom uso da língua, imediatamente notaremos diferenças sensíveis por grupos, tendo em conta a sua idade e a região de onde são oriundos. (...)

Uma mesma pessoa pode, de acordo com o interlocutor, com a hora do dia, o seu humor de momento, a situação de comunicação em que se encontra, empregar, sem chocar ninguém, uma expressão que, se utilizada noutra circunstância, poderia sentir-se como deslocada. Por exemplo, para exprimirmos, aos nossos filhos, o desconhecimento de determinado assunto, poderemos dizer-lhes: «Sei lá!» ou «Não sei!»; e o mesmo poderemos dizer a um amigo. Mas se tivéssemos de dar a mesma resposta a uma questão formulada por um superior, diríamos: «Lamento, mas não lhe sei responder!» ou «Lamento muito, mas desconheço qual seja a resposta!».

É pois necessário admitir que, no uso correcto, há que distinguir três sub-níveis da língua: o familiar,  o corrente  e o cuidado.

            Uso correcto: língua familiar, corrente e cuidada

A língua familiar, utilizada em família, com os amigos, na intimidade, é uma língua espontânea, pouco reflectida, influenciada sem dúvida pela língua popular; poder-se-ia considerá-la como uma espécie de língua popular "filtrada" graças aos hábitos adquiridos pela educação.

Opondo-se à língua familiar, a língua cuidada, escolhida, culta, não continuará (menos na actualidade do que no passado) a ser a utilizada por nós particularmente quando temos de escrever um artigo para uma revista ou uma tese, ou quando temos de efectuar uma conferência ou uma exposição oral? E para termos a certeza que a nossa mensagem será compreendida por outros, não escolhemos com todo o cuidado a expressão que nos parece mais adequada, a construção que nos parece mais clara? Assim sendo, pode-se falar de elaboração, sem que haja criação artística. E se a nossa língua familiar é influenciada pela língua popular, a nossa língua cuidada é muitas vezes influenciada pelo estudo dos textos literários.

(...) Deveremos aprender a não cair nos desfasamentos de uma língua demasiado familiar ou demasiado elaborada e a mantermo-nos no registo de língua correspondente a um terceiro sub-nível do uso correcto, que designaremos por língua corrente (ou quotidiana). De facto, se em língua corrente dissermos «Eu não vim porque estava fatigado.» num momento em que outros se exprimem em língua familiar ou, inversamente, em língua cuidada, ninguém ficará chocado. Mas se empregarmos uma expressão demasiadamente familiar como «Eu não pus cá os pés porque me fui abaixo das canetas.» ou, inversamente, «Ontem, a ausência da minha pessoa foi o resultado de um excesso de fadiga.», quando todos se exprimem em linguagem corrente, estas expressões serão sentidas como deslocadas. 

Eis alguns exemplos, entre outros, de expressões que pertencem, segundo cremos, a um sub-nível da língua bem determinado no interior do uso correcto:

 

familiar

corrente

cuidado

estar despistado

bestial

estar perdido

muito bom

estar desorientado

excelente

 

(...) Tradução parcial e adaptada do artigo de Colette STOURDZÉ, Les  niveaux de langue, In: Guide pédagogique pour le professeur de français langue étrangère sous la direction d'André Reboullet, Paris, Hachette, 1971, pp. 37-44.

Convirá acrescentar que Colette Stourdzé divide os níveis de língua de maneira diferente do que nós fizemos. Segundo ela, a língua dividir-se-á em língua clássica e língua contemporânea, subdividindo-se a segunda em: língua literária; uso correcto, subdividido em língua cuidada, língua corrente e língua familiar; língua popular.

[11] Se procurarmos em várias obras qual o conceito de gíria, constataremos que nem sempre as definições são coincidentes, havendo diferenças de autor para autor. Por outro lado, o vocábulo gíria pode encerrar vários conceitos, assim como a sua origem pode ter múltiplas explicações. Vejamos, por exemplo, o que sobre o assunto nos diz Nelly Novaes Coelho:

«A linguagem técnica (igualmente falada ou escrita) é a expressão específica de determinado grupo e que resulta numa espécie de código que às vezes assume as proporções de uma língua especial. Há uma gama infindável de gradações e valores a diferençar os vários sectores dessa área multiforme, que é a literatura do grupo. Associando-se pelas afinidades apresentadas entre si, podemos apontar dois grandes ramos:

1º - O vocabulário técnico decorrente das profissões, actividades desportivas, etc. Há um espírito dos médicos, por exemplo, dos advogados, dos engenheiros, dos professores, dos jornalistas, dos metalúrgicos, dos serralheiros, dos publicitários, etc..

2º - A gíria, em sentido restrito, é uma linguagem fundamentada num vocabulário peculiar e restrito aos membros de um grupo ou categoria social. Normalmente os vocábulos da gíria coexistem ao lado dos comuns à língua. Como diz G. Krapp, "ela só se torna tal porque se projecta num fundo de tela que não é gíria" [Eliminada nota]. Via de regra, o seu linguajar é bem pitoresco. Eis alguns exemplos: "entrar em fria" ou "entrar pelo cano" (=ser mal sucedido); "levar bomba" (=ser reprovado) [em Portugal poderá dizer-se "ser chumbado" ou "levar ou apanhar uma raposa"]; "cuca" (=cabeça); "dar tratos à bola"  ou "fundir a cuca" (=reflectir muito sobre algo); "pôr no olho da rua" (=despedir); "espírito de porco" (=pessoa que está sempre contra); "encher a caveira" (=embriagar-se); "dar uma de bonzinho" (=fingir-se de acordo); "badalação" (=muita promoção, em vários sentidos); "fofocas" (=intrigas); "lelé da cuca" (=louco, maluquinho, distraído); "perna-de-pau" (=pessoa que não entende daquilo que está fazendo, ou também mau jogador de futebol); "o cara" (=a pessoa); "empetecar" (=enfeitar-se, embonecar-se); "estar por fora" (=não saber de que assunto se fala) [nota por nós não transcrita]. Os termos de gíria nascem em quaisquer classes sociais (embora sejam muito mais frequentes nas populares) e não decorrem necessariamente de uma intenção de humorismo, grosseria ou petulância. Assim, existem palavras e expressões de gíria meramente expressivas, e outras cuja intenção declarada é fazer humor ou sátira. Tanto num caso quanto no outro, porém, elas decorrem de uma atitude apenas: o impulso de criar novos nomes para as coisas e fenómenos, impulso da mesma natureza daquele que leva os homens à criação da Arte: a atitude estilística. Focalizada sob esse aspecto veremos que a gíria é, por um lado, uma criação espontânea (=resultado de uma situação vivida no imediato), por outro, uma criação artificial (nasce de um "artifício", de uma arte, pois cria um vocábulo ou uma frase, isto é, uma representação linguística de uma experiência real). Daí entendermos por que vários linguistas afirmam que no povo está a grande fonte criadora e renovadora da linguagem, e também por que em nosso século desde que a literatura entrou em crise ela foi invadida, com enorme sucesso, pelos termos de gíria ou, mais simplesmente, pela linguagem cotidiana, "a escrita nervosa e pitoresca dos artigos de jornais e das novelas publicadas em revistas presta-se de modo admirável à estilização dessa braçada de termos, soma de um todo vivificante" diz Matila Ghyka.

Com a crise dos valores, ideias e linguagem, consciente ou inconscientemente, certos escritores procuram as fontes originais da linguagem e da vida, e focalizam aqueles que vivem mais libertos das normas estabelecidas pelo sistema o povo. Se essa utilização das formas populares, para a recriação da literatura, tem sido um dos seus elementos renovadores mais ricos, a verdade é que criou um problema que, a nosso ver, é um dos pontos mais sérios do fenómeno de transformação que a nossa época está vivendo. Devido à ênfase que a literatura actual (e o teatro em particular) vem dando ao falar inculto ou grosseiro, pelas justas razões expostas acima, grande número de pessoas está sendo levado para uma interpretação simplista e equívoca do assunto: muita gente passou a valorizar como moderno e da moda (ou "pra frente", "inserido no contexto", etc.) apenas o que é deformação da língua geral (=erros de linguagem) ou o desafio ao sistema social (=palavrão); como se, para evoluir, a sociedade necessitasse regredir ao seu estádio cultural primitivo em face da linguagem inculta e grosseira. Portanto, aproveitada pela literatura e pelo teatro contemporâneos, torna-se necessário que nos situemos dentro da problemática apontada, a fim de que não nos equivoquemos na interpretação do fenómeno.»

NELLY NOVAES COELHO, Literatura & Linguagem (a obra literária e a expressão linguística), 2ª edição, S. Paulo, Edições Quíron, 1976, pp. 12-14.

 

[12] Eis, segundo o que nos diz Nuno de Montemor, o que era a gíria quadrazenha:

«A gíria quadrazenha, sem a menor vida gramatical e apenas empregada no contrabando, é um rosário de termos entremeados, com maior ou menor profusão na linguagem comum, para tornar esta obscura, de modo a assegurar o segredo do negócio.

A formação de uma tal gíria é transparente e ingénua. Assim, em arcoso (anel) a palavra tomou a feição do objecto designado. Em maralha (=mulher) foi uma sarabanda de letras que deformou o termo. Outras palavras são anagramas (drepa=pedra) ou só a última sílaba sofre alteração (amatriz=amanhã). Em certos casos surge o termo estrangeiro, intacto (fromage=queijo) ou já desfigurado (chaira=carne).

O movimento, a cor, a acção, a temperatura, o som, o sabor determinam também a formação dos vocábulos: nadante (=bacalhau), luzio (=dia), lavante (=sabão), ardosa (=aguardente), charriante (=carro), adoçante (=açúcar).

Juntemos a isto trocadilhos espanhóis e portugueses e o capricho fonético do rústico, e aí temos como se formou a despegada e reduzida colecção de vocábulos extravagantes que os quadrazenhos usam, entre si, para desnortear quem possa lê-los ou ouvi-los.

Damos um exemplo de gíria cerrada, numa ordem de chefe contrabandista: Amatriz meia choina maquinamos tótios Retra Francha. De galhal leva cada cinquenta chulos, artife, chaira, fugantes e baril chingato para andante.

 Tradução:  Amanhã, à meia-noite, partimos todos para Espanha. Cada um leva cinquenta duros, pão, carne, pistolas e bom vinho para a viagem.»

            NUNO DE MONTEMOR, Maria Mim, Lisboa, Tip. da União Gráfica, (s. d.), pp. 333-334.

 

[13] Veja-se o que nos diz Manuel de Paiva Boléo:

«Além destas [as linguagens especiais e técnicas] há ainda a considerar as linguagens secretas, próprias de determinadas classes, como a dos gatunos, criminosos, contrabandistas, etc., e todas elas se devem distinguir do calão. Conforme já propus na revista Biblos (vol. XVI, 1940, p. 292), numa crítica a um estudo do Prof. Wagner sobre o calão de Lisboa, parece-me haver toda a vantagem em não confundir, como geralmente se faz, as duas noções de gíria e calão. Eu reservo o termo calão para designar aquilo a que os franceses chamam "argot populaire", e gíria para o "argot des métiers" ou a "Berufssprache" dos alemães, e distingo uma e outra da linguagem popular e da regional (...).  O calão é tão digno de estudo como as outras linguagens; mas o seu uso deve restringir-se ao seu meio próprio.»  

            PAIVA BOLÉO, Unidade e variedade da língua portuguesa, op. cit., pp. 278-279.

 

[14] Veja-se o excerto transcrito relativo aos níveis de língua da autoria de Émile Genouvrier e Jean Peytard:

 «A definição dos níveis de língua é muito delicada, pois aqui se misturam gramática e léxico, normas sociais e intuição pessoal. Na prática, é mais fácil "sentir" o nível de língua adoptado na comunicação, do que descrevê-lo. Qualquer um sente que seu registro expressivo varia conforme o assunto e os interlocutores e que, para um mesmo assunto, as expressões podem ser muito diferentes. Essas possibilidades de escolher um vocabulário (e a "tonalidade" deste provoca uma organização sintáctica que lhe é própria) devem ser situados no plano estilístico: mesmo assim, a análise léxica não pode negligenciá-los.

Certos linguistas propõem como "níveis de língua" a distinção estabelecida entre língua falada e língua escrita: isso pode originar confusão, se entendermos por "língua falada" um tipo de vocabulário e de sintaxe livre das normas da correcção, e por "língua escrita" uma linguagem preocupada em ser vernácula e "burilada". É preferível admitir que a língua falada pertence à ordem oral, e que a língua escrita pertence à ordem do escritural, possuindo cada ordem seu código específico. É no interior de cada ordem que se estabelecerão vários "níveis".

Admite-se comummente a existência de um nível médio, chamado língua comum, e às vezes língua padrão: acima dele, o nível elevado; abaixo, o nível familiar e o nível relaxado. Como caracterizar a "língua comum"? Podemos tomar emprestada de Ch. Bally [Ch. BALLY, Traité de stylistique française (2 volumes). Genebra-Paris, 3ª ed., 1951] esta definição: "O sujeito falante tem a impressão de que há na língua materna palavras frequentes  e palavras raras, expressões usuais e expressões não usuais; isso prova, indirectamente, a existência de uma língua comum, que reflecte, num grupo linguístico dado, as formas constantes da vida humana e da vida social; todas as formas de expressão utilizadas para empregos mais limitados, ou próprios de grupos mais reduzidos, ficam a ela subordinados; (...) a língua comum subordina todos os seus meios de expressão à necessidade vital da comunicação dos pensamentos; (...) tem horror ao preciosismo da expressão; tende a unificar os matizes sinonímicos: seu ideal é expressar cada coisa de uma só maneira".

Os outros níveis constituem desvios em relação a esse nível "médio": a língua "elevada" busca um vocabulário mais precioso e mais raro, joga com os matizes e organiza sua frase por referência a modelos tomados de um "classicismo" onde a literatura faz sentir sua pressão. O nível familiar utiliza palavras novas, e imagens pitorescas sentidas como "anormais", sem que a frequência de seus desvios constitua uma deformação que torne "inaceitáveis" as mensagens emitidas; é a língua relaxada, que tende, por uma violação constante da norma, a marginalizar-se a ponto de fechar-se no exoterismo (no extremo, encontram-se as gírias). Mas somente uma atitude purista receará os níveis familiares ou relaxados. (...)

Já é hábito classificar separadamente a língua comum e as terminologias técnicas, assim definidas por Charles Bally: "A terminologia técnica compreende  (...)  o conjunto dos termos estranhos à língua comum que distinguem as coisas pelo aspecto impessoal e objectivo, com exactidão e precisão;  (...) o estado de espírito pressuposto pelo termo técnico está presente em todas as formas de actividade determinadas; basta citar a língua dita administrativa, os termos das diferentes profissões, os "jargões". Para avaliar a especificidade da terminologia técnica, basta considerar o embaraço que qualquer pessoa experimenta para nomear as diferentes partes de uma janela, as diferentes peças dos metais sanitários de um banheiro, ou as diferentes partes de um motor.

Deve-se porém distinguir terminologia técnica e metalinguagem científica: a primeira exerce um papel de denominação dos ramos ou objectos próprios de uma técnica, e estabelece uma classificação entre os resultados obtidos pela técnica enquanto actividade; a segunda reúne as palavras por meio das quais se designam os conceitos operatórios de uma pesquisa ou de uma reflexão científica. Essas palavras são frequentemente tiradas da língua comum mas, dotadas pelo pesquisador de um sentido unívoco, constituem uma linguagem-acima-da-língua-comum (não em sentido hierárquico), uma "metalíngua" graças à qual a língua se estabelece como ciência e pode conduzir suas análises no campo que essa mesma "metalíngua" contribui para delimitar.

Encontrar-se-á um exemplo de metalinguagem no léxico da matemática, onde por exemplo as palavras função, aplicação,  injecção, tiradas da língua comum, recebem uma definição unívoca (o sentido é fixo, sem variação possível) que as põe à margem dos empregos "vulgares"; no léxico da linguística, monema, sintagma, prosódia, são elementos da metalinguagem.  (...)»

Émile GENOUVRIER e Jean PEYTARD, Linguística e Ensino do Português, Coimbra, Livr. Almedina, 1974, pp. 286-288.

 

[15] Acerca do problema da adequação dos níveis à situação de comunicação e interferência de níveis, leia-se o texto transcrito:

«A escolha de um nível de língua correcto em função da situação é, pois, um factor importante no estabelecimento da comunicação.

O convívio social pode muitas vezes ser comprometido por uma expressão inadequada: um registo de discurso que não se adapte à situação pode levar à rejeição do indivíduo pelo grupo. Pode criar situações tão insólitas como a de alguém que se apresentasse em trajo de cerimónia numa reunião íntima, ou em trajo de passeio num banquete de cerimónia.

Na escolha de um nível adequado há que ponderar (...) a personalidade do interlocutor, a natureza das relações emissor/receptor, a situação material em que se encontram. É necessário um bom conhecimento da língua, do seu léxico, da sua gramática, mas também uma certa intuição que permita, por exemplo, a escolha apropriada de um vocábulo de entre muitos que a língua oferece:

fastidioso, aborrecido, maçador, chato, etc..

etilizado, alcoólico, embriagado, bêbado, borracho, etc..

ou entre várias formas verbais:

tinha dito, havia dito, dissera

e ainda entre várias construções frásicas.

A idade do sujeito falante, o distanciamento que quer ou deve procurar em relação ao interlocutor condicionam a adopção de diferentes expressões. Um jovem que saúda um colega, um amigo da mesma idade, um conhecido de idade superior à sua, selecciona, em função de cada uma destas situações, uma das seguintes fórmulas:

            Olá, pá!

            Olá!

            Boa tarde, passou bem, senhor... ?

e até pode ocorrer a utilização, para os amigos da mesma idade, de um simples  «ôi», ultimamente divulgado pela tele-novelas brasileiras e inequivocamente adoptado pelas camadas mais jovens. [nota não transcrita]

O mesmo «ôi» pode ser dirigido aos mais velhos, mas aí com uma intenção diferente, ou a de se afirmar como igual, como amigo; ou para provocar. O que importa é que a intenção do emissor seja compreendida pelo receptor e essa interpretação já depende da situação em que os dois se encontram e do tipo de relações que existe entre ambos.

A evolução da sociedade, permitindo a escolarização a um número cada vez maior de indivíduos; a propagação dos meios de informação, (sobretudo a televisão), exerceram sobre a língua um processo de nivelamento que esbateu, em grande medida, a hierarquização dos níveis de língua as formas de tratamento em português bem o documentam. Cada vez mais as pessoas se tratam de igual para igual e o tratamento de V. Ex.ª é apenas reservado à linguagem dos tribunais, academias, diplomacia. [nota suprimida] (...)

Responder a um anúncio solicitando um emprego; elaborar um relatório para uma empresa; responder a uma prova de exame, em linguagem familiar, é um erro. Falar numa reunião de amigos, informal, em estilo empolado; ou usar esse mesmo tom, numa ida ao mercado, é correr o risco de cair no ridículo, ou mesmo de não ser compreendido. Mas pode-se muitas vezes transitar de um nível de língua para outro, deliberadamente, sem que isso constitua um erro, ignorância ou afectação.

Numa entrevista recentemente publicada, a entrevistada transita de um nível corrente para gíria, com intuitos expressivos. "Deu-me muito gozo fazê-lo (o livro) como habitualmente se diz na gíria entre amigos" [nota: O Maravilhoso é ao Virar a Esquina, in O JORNAL, 16/11/1979] explicitando desta forma o prazer muito grande que a sua actividade de escritora lhe terá proporcionado e simultaneamente o carácter lúdico dessa actividade, dado que constitui uma ocupação não profissional.

A gíria, a linguagem familiar, a linguagem popular e a regionalista proporcionam expressões muito ricas, em consequência da espontaneidade que as caracteriza, e daí que algumas expressões se infiltrem em níveis de língua cuidados. Muitas vezes, o recurso a um nível de língua diferente do que predomina no discurso depende, não do valor denotativo do vocábulo ou expressão, mas da sua conotação a classe social, a degradação moral podem ser sugeridas ou evocadas pelo recurso a níveis de língua diversos.

Chamar bêbado a um indivíduo pode sugerir ou evocar a sua condição social ou a sua degradação moral ou até conjugar as duas acusações. Por sua vez, a adopção de um nível de língua vulgar (ex. cit.), pode revelar um desejo de assumir claramente uma classe social agredindo o representante da que se lhe opõe.

Processos estilísticos, tais como a ironia, podem recorrer a níveis de língua diferenciados, conseguindo maior expressividade: haja em vista o título de um livro muito divulgado no século XVII, A arte de furtar em que existe um claro desajustamento entre o nível cuidado do título e a matéria tratada. O mesmo desajustamento entre o assunto e o estilo, para o qual concorre o tipo de linguagem, pode dar origem a um género literário, por exemplo, o poema herói-cómico, O Hissope.

O nível de língua pode ainda ser sublinhado por comportamentos extra-verbais, tais como o gesto, a entoação, o jogo fisionómico; e é todo um contexto situacional que permite a sua aceitação, quer como norma, (adequação à situação), quer como desvio ["supõe um desfasamento entre pensamento e expressão, e a possibilidade de o locutor introduzir um conteúdo comum com uma forma original" R. Galisson e Daniel Coste, op. cit.] (intencionalidade expressiva).»

            MARIA LEOCÁDIA REGALO DOS REIS e MARIA ODETE PORTO, Língua Portuguesa, vol. IV, Colecção Textos Pré-Universitários, 1980, pp. 73-75.

[16] João David Pinto CORREIA, Introdução às Técnicas de Comunicação e de Expressão, Colecção Biblioteca Prática do Professor, Lisboa, Livraria Novidades Pedagógicas, 1978, pp. 28-31.

[17] Este excerto faz parte do folheto de 16 páginas intitulado Carta ao Excelentíssimo Senhor António Feliciano de Castilho, escrito por Antero de Quental em Coimbra, no ano de 1865, com o qual responde à Carta-Posfácio de Castilho no Poema da Mocidade de Pinheiro Chagas.

[18] Mar Santo é uma história de pescadores da Nazaré, na qual a realidade parece impor-se por si própria, sem acrescentamentos.


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