Acesso à hierarquia superior.

Henrique J. C. de Oliveira, Gramática da Comunicação, Col. Textos ISCIA, Aveiro, FEDRAVE, Vol. I, 1993, 311 pp., Vol. II, 1995, 328 pp.


V

Formação e desenvolvimento
da língua portuguesa
Das origens à actualidade

 

Origens da língua portuguesa: antecedentes históricos; povos da  Península Ibérica anteriores à romanização; noção de substrato; a romanização; a noção de România e as línguas românicas; os Bárbaros; a invasão árabe e a reconquista cristã; os superstratos; os conceitos de latim erudito, latim vulgar e latim cristão; do latim ao português.

Do século XII à actualidade: as diferentes periodizações na evolução do português; a via erudita e a via popular; o período galaico-português; Lisboa, centro difusor da língua padrão; os cancioneiros; os primeiros textos em português: um testamento; Cantiga da Garvaia; Cantiga de D. Sancho I; duas cantigas de D. Dinis; uma cantiga de Afonso X; o período pré-clássico: principais datas referentes à expansão portuguesa; alguns textos desta fase; o período clássico: enriquecimento lexical do português; alguns textos e nomes; os gramáticos; o período moderno: breve panorama.

 


PERÍODO PRÉ-CLÁSSICO

Este período, cujo começo é   tradicionalmente situado em 1350, corresponde a uma fase em que a prosa de carácter histórico se vai desenvolver, donde a designação por Carolina Michaëlis e Serafim da Silva

Neto de período ou fase da prosa histórica. É um período em que o português se distingue já do galego e que se caracteriza por uma decadência da poesia e florescimento da prosa.

Embora como marco inicial se aponte tradicionalmente o ano de 1350,  Pilar Vásquez Cuesta, à semelhança do que faz S. Silva Neto, é de opinião que a data mais significativa para o início deste período é a da Batalha de Aljubarrota, em 1385, altura em que Portugal afirma o desejo definitivo de constituir um país demarcado do resto da península, firmando o seu desejo de independência e repudiando o domínio de Castela.

Como limite desta fase, é apontada a data de 1540, ano em que foi publicada a Gramática da língoa portuguesa, de João de Barros.

Quatro anos antes, fora publicada uma colectânea de Fernão de Oliveira, intitulada Gramática da lingoagem portuguesa. Estas duas obras marcam «o primeiro esforço do humanismo lusitano para elevar a língua vulgar do país à dignidade da língua latina» (P. Vázquez Cuesta, op. cit., p. 186). Abrange o período correspondente aos reinados de D. João I, D. Duarte, D. Afonso V  e D. Manuel I.

É a partir do reinado de D. João I, que inicia a Dinastia Joanina ou de Avis, que Portugal começa a sofrer um novo impulso em vários domínios.  Com os limites peninsulares atingidos desde o reinado de D. Afonso III, a única via de expansão possível é para além do mar. E a região mais próxima é o norte de África. Enquanto em épocas anteriores o fluxo de povos ocorreu do sul para o norte, com a invasão árabe da península, no século VIII, agora é o povo da península que enceta um avanço para o sul, começando pelo norte de África. E como para onde quer que o Homem se desloque leva sempre consigo a maior e mais duradoura das heranças ─ a língua que herdou dos seus progenitores ─ a expansão territorial portuguesa para sul, com a conquista, a descoberta e a ocupação de novas áreas geográficas, vai corresponder logicamente à expansão da língua portuguesa.

Em 1415, é dado o primeiro passo expansionista com a conquista de Ceuta, no norte de África, que iria servir de ponto de escala para um avanço para distâncias cada vez maiores em direcção ao sul. Em 1418, é vencida a primeira das grandes barreiras naturais ─ o Cabo Bojador ─, que é dobrado por Gil Eanes após doze anos de tentativas inúteis, a fazer fé no que nos diz Gomes Eanes de Zurara na sua Crónica dos Feitos da Guiné. É que este cabo prolonga-se traiçoeiramente pelo mar, por baixo da superfície das águas, tendo provocado o naufrágio nas tentativas anteriores, já que os barcos, nele embatendo, destruíam a proa e afundavam-se. Para ser ultrapassado, os barcos têm de efectuar uma larga volta, afastando-se algumas léguas da costa. A segunda grande barreira seria, anos mais tarde, a passagem do Cabo da Boa Esperança por Bartolomeu Dias, que lhe pôs o nome de Cabo das Tormentas.

Mas o primeiro grande campo de expansão linguística foi constituído pelos Açores e pela Madeira, cuja colonização começou a processar-se por volta de 1430. Para estas ilhas seguiram colonos de várias regiões do continente, do norte a sul do país, desde o Minho ao Algarve: Viana do Castelo, Bragança, Guimarães, Porto, Aveiro, Viseu, Covilhã, Lisboa, Portalegre e Beja. Foram estas as grandes áreas que forneceram colonos, segundo se deduz das referências em documentos quinhentistas.

Figura 38: Quadro sinóptico com os principais marcos da expansão portuguesa.

Estando isolados pelo mar e com reduzidas comunicações com a metrópole, conservaram-se nas ilhas formas arcaicas de vida e, consequentemente, de linguagem, assim se explicando as diferenças hoje sentidas entre o português insular e o português continental, mormente no campo da pronúncia.

O avanço foi prosseguindo lenta e inexoravelmente para sul. Em 1460, trinta anos depois da colonização das ilhas, Diogo Gomes e António de Nola chegam à ilha de Santiago, no arquipélago de Cabo Verde. Em 1470 são descobertas as ilhas de Ano-Bom e S. Tomé e Príncipe. Em 1482, Diogo de Azambuja funda a praça de S. Jorge da Mina, à volta da qual nasce uma povoação. Dois anos depois, em 1484, Diogo Cão chega ao rio Zaire e ao reino do Congo. Quatro anos depois, em 1488, João Afonso de Aveiro chega às terras de Benim e Bartolomeu Dias dobra o Cabo da Boa Esperança. Está-se então no reinado de D. João II. E só dez anos depois, já no reinado de D. Manuel I, o Venturoso, no ano de 1498, se atinge o Oriente, com a chegada da armada de Vasco da Gama à Índia.  Dois anos depois, com Pedro Álvares Cabral, é descoberto o continente americano, chegando-se ao Brasil. Em breve, chegam os portugueses aos mais longínquos países do Oriente: à China e ao Japão.

Do ponto de vista linguístico e literário, é com os filhos de D. João I, a chamada Ínclita Geração, e inclusivamente com o próprio rei D. João I, que começam a surgir as primeiras publicações em prosa e os primeiros grandes nomes da prosa portuguesa. Como diz Serafim da Silva Neto, «a prosa artística vai-se pouco a pouco desemperrando». As frases vão-se tornando mais curtas, menos complicadas e de mais fácil compreensão.  Se a prosa vai ganhando cada vez mais fluidez e maior valor literário, a poesia começa a ser colocada num plano secundário, mais voltada para as «coisas de folgar e gentilezas», deixando para a prosa os ensinamentos e as memórias dos feitos portugueses dignos de registo.

Antes de vermos alguns textos deste período, essencialmente no domínio da prosa, mas também alguma coisa no campo da poesia, vejamos algumas das transformações sofridas pelo português nesta fase evolutiva, que o vão diferenciar e tornar uma língua distinta do galego.

 

Do ponto de vista ortográfico, a grande separação em relação ao que ainda hoje se mantém no galego e no castelhano é o registo gráfico à maneira provençal das palatais ─nh─  e ─lh─, em vez de ─ñ─  e ─ll─.

 

Do ponto de vista fonético, podem-se apontar quatro factos importantes:

1º - A contracção das vogais iguais em contacto após a síncope da  consoante intervocálica:

Exs.:

 lat.  DOLOREM  >  gal.-port.  door  >  dor

 lat.  VIDERE  >  gal.-port.  veer  >  ver

 lat.  SEDERE  >  gal.-port.  seer  >  ser

2º - Embora graficamente as palavras conservem a terminação -om,  deveriam já ter uma pronúncia igual à actual (em  -ão).

Exs.:

 lat.  LATRONEM   >  ladrom   >  ladrão

 lat.  RATIONEM   >   razom >  razão

3º - No princípio do século XV, as terminações latinas -ANUM,  -ANEM   e  -ONEM  igualam-se, dando a terminação  -ão

Exs.:

 lat.  MANU(M)  >  mão

 lat.  PANE(M)  >  pão

4º - As palavras terminadas em -ades,  -edes,  -ides perdem a consoante intervocálica e dão a forma actual.

Exs.:

 amades  >   amaes   >   amais

 soedes   >   sodes >   soes   >   sois

5º - Desaparecem os vestígios do uso do partitivo em português e começa também a usar-se o superlativo absoluto sintético, ao lado do superlativo absoluto analítico, nesta época formado sobretudo com a forma do advérbio  mui  em vez de muito.

 

Do ponto de vista sintáctico, registaremos, entre outros aspectos, o uso de:

  - que em vez de quem;

  - pretérito mais-que-perfeito em vez do imperfeito do conjuntivo ou do condicional;

  - gerúndio em vez do infinito precedido das preposições a, de, sem.

 exs.: «sem saindo» em vez de  'sem sair'

 «non cessam chorando»   em vez de 'não cessam de chorar'


No domínio da prosa, neste período, podemos considerar duas etapas distintas: a primeira, anterior a Fernão Lopes; a segunda, iniciada com este autor, cuja prosa constitui um grande salto qualitativo no emprego escrito da língua portuguesa.

Na primeira etapa, surgem-nos obras como a Crónica Geral de Espanha de 1344, o Livro de Montaria, de D. João I, obra didáctica, com uma linguagem simples destinada aos amantes da caça pelo monte, O Leal Conselheiro e o Livro da ensinança de bem cavalgar toda a sela, obras de D. Duarte, o tratado de moral chamado O Trauctado da Uirtuosa Benfeiturya,  da autoria do Infante D. Pedro, irmão do rei D. Duarte, etc.

De todo o conjunto de obras deste primeiro momento, apresentamos a seguir apenas dois textos exemplificativos. O primeiro, extraído da Crónica Geral de Espanha de 1344, fala-nos da região de Lisboa; o segundo, extraído do Livro da Montaria, de D. João I, apresenta-nos o prólogo ao livro. Para informação mais completa acerca destes dois textos, leiam-se as notas correspondentes por nós apresentadas.

 

Texto 1:

Do termho de Lixboa[36]  

O termho de Santarë parte cõ o de Lixboa. E Lixboa jaz ao ouciente de Beja e ao ouciente de Cordova. E o termho de Lixboa he cõprido de muytos beës, ca ha hy muy saborosas fruytas. E ajuntou ë sy as bondades do mar e da terra. E em todo tempo ë seu termho criam muy boõs açores que hy tomã de çaffara, que husam mais caça e som melhores que os outros e son muy fremosos. E ha hy muyto mel e muy boõ e he tam branco que nõ semelha se nom açucar e sabe melhor que o açucar. E tãto he boõ per natura que, pero o posessem no pano do lynho, nõ ficarya molhado ne faria hy synal, tanto como se fosse pedra.

A cidade de Lixboa jaz sobre o ryo de Tejo muy preto d'onde entra ëno mar. E Lixboa ha villas do seu senhorio, das quaaes hüa he Almadaã e outra he Ossumo e a outra he Syntra. E em Almadaã ha huü vyeiro de fyno ouro. E antre Lixboa e Almadaã vay huü braço de mar que entra no Tejo. E ëno partimento de Beja e de Lisboa ha huüs montes a que dizë os montes dos filhos de Benamocer e chaman-lhe os moradores Arrabida. E, como vay a ribeira atta cima do Algarve, podem achar muy boõ allambar, melhor que todollos outros, e nõ semelha o de Indya, ante he d'outra guysa feyto. E de Sãtarem a Lixboa ha quareenta e duas milhas.

  Crónica Geral de Espanha de 1344, II, pp. 66-67[37]


Texto 2:

Prólogo do Livro da Montaria [38]  

Disse Moyses, e disse a uerdade, que no primeiro começo, que Deus criara os ceeos, e a terra, e todallas outras criaturas, que criara o homem, e, quando o criou, que disse: «façamos homem a simildom nossa»; e a occasiom porque disse Deus que o homem fosse criado a sua simildom, determinarom que por duas cousas. A primeira, porque Deus sabia, na sua alta sabedoria, que elle auia de ser homem, e por isso disse que o homem fosse feito a sua simildom. A segunda rezom he, porque elle queria fazer o homem razoauil, e por isso disse que o queria fazer a sua simildom; e depois que o homem assi foi criado foi razoauil e sabedor, e deshi uierom os homëes de geraçom em geraçom, e começarom a prouar as cousas, e os conhecimentos d'ellas, e uirom que aquelles que algüas cousas sabem, tanto que morriam elles, os outros que depois d'elles uinham perdiam os saberes, por ende por se perceberem de se os saberes nom perderem, catarom as figuras das letras, e nomearom-nas, e fizerom em como se per ellas nom perdessem os saberes; e entom começarom a escreuer liuros, em que os puserom, e assi outros fizerom liuros de Gramatica, e de Rhetorica, e outros muytos liuros que falam de muytas cousas. Fizerom outrosi liuros de Phisica, e de Celorgia, e de Alueytaria, e de Falcoaria, e d'outras muytas artes, que seriam longas de contar. Por ende nos Dom Joham, por graça de Deus, rey de Portugal, e do Algarue, senhor de Cepta, querendo seguir hum dito de Sam Bernardo, que falla porque quis Deus nacer em proueza, diz que Deus quiz nacer em proueza, porque elle, onde estaua, em nos ceeos, auia todo bem, senom hum que jazia na terra entre os homeës, e era desprezado d'elles; e porque elle auer todo o bem, quis tomar este per si, e descendeu dos ceeos a terra, e ouue-o, e este bem assi desprezado dos homëes era a proueza. Porem nos uendo em como o joguo de andar ao monte era tam bõo, e tam proueitoso, que em sua bondade passa todollos joguos, a que ora dizem manhas, e em seu seer, pera se os homëes por elle poderem aproueitar mais que de nenhum dos outros de que os homëes agora usam; e assi mesmo em como algüas outras, de que se algüus trabalharam de fazer liuros, assi como de Falcoaria, e de Cantigas, e d'outras cousas e artes que muyto menos que esta aproueitam; e nos uendo tam bõa cousa, que he usada dos bõos e grandes, estar desprezada; e porque a nosso ueer nom foi nenhum que se d'ella trabalhasse fazer liuro, e como pollos liuros que eram feitos se nom podessem mostrar as perfeiçoões que em ella á, nem outrosi que dessem ensino a aquelles que ouuessem sabor de serem monteyros, em como o poderiam melhor seer, e assi mesmo em como se podessem guardar de algüas cousas que em ella á de perderem o seer bõos, por tanto nos trabalhamos com a ajuda de Deus de fazer este Liuro de Montaria ...

D. João I, Livro da Montaria, pp. 2-3[39].

 

Na segunda etapa, vai-se verificar um grande progresso no domínio da prosa com as crónicas de Fernão Lopes. Além de historiador, já no sentido moderno do termo, homem que procura a verdade dos factos com base em fontes fidedignas e em testemunhos orais, sempre que possível, Fernão Lopes é, simultaneamente, o artista que vai limar a prosa da sua primitiva dureza, conferindo-lhe nova flexibilidade, doçura e riqueza de estilo.  Diz-nos Alexandre Herculano que nas crónicas de Fernão Lopes não há apenas história, mas poesia e drama. Nelas surge-nos a Idade Média com a sua fé, com o seu entusiasmo e com o seu amor de glória. Só assim se explica que Fernão Lopes tenha ultrapassado o limiar do histórico e entrado no universo da literatura, tornando-se o primeiro grande prosador da língua portuguesa.

Apesar de contemporâneo dos prosadores que anteriormente referimos e ao serviço de D. João I e D. Duarte, Fernão Lopes possui qualidades que faltaram aos seus contemporâneos: sensibilidade,  capacidade descritiva e de visualização, gosto pela minúcia e precisão. Fernão Lopes tornou-se simultaneamente o historiador probo, amigo da clara certidão da verdade, e o artista[40].

Por ser bastante conhecido e estudado nas nossas escolas, permitimo-nos não transcrever mais do que um texto de Fernão Lopes, apresentado a seguir na «Sugestão de trabalho». 

 

Sugestão de trabalho 10

Leia atentamente o texto que a seguir se   transcreve, procurando realizar, depois,  as actividades que lhe são propostas. As palavras apresentadas em letra negrita (ou «bold») encontram-se explicadas nas notas, pelo que o texto não apresenta quaisquer dificuldades de compreensão.

Texto

Do alvoroço que foi na çidade cuidamdo que matavom o Meestre,

e como allo foi Alvoro Paaez e muitas gemtes  com elle[41]

O Page do Meestre, que estava aa porta, como lhe disserom que fosse pella villa segumdo ja era perçebido, começou d'hir rrijamente a gallope em çima do cavallo em que estava, dizemdo altas vozes, braadamdo pella rrua:

─ Matom o Meestre! matom ho Meestre nos paaços da rainha! Acorree ao Meestre que matam!

E assi chegou a casa d'Alvoro Paaez, que era d'alli gramde espaço.

As gentes que esto ouviam sahiam aa rrua veer que cousa era; e, começamdo de fallar huüs com os outros, alvoraçavomsse nas voomtades e começavõ de tomar armas cada huü como melhor e mais asinha podia. Alvoro Paaez, que estava prestes e armado cõ huüa coiffa na cabeça, segumdo husamça d'aquell tempo, cavallgou logo a pressa em çima d'huü cavallo que anos aviia que nom cavallgara; e todos seus alliados com elle, braadamdo a quaaes quer que achava dizemdo:

─ Acorramos ao Meestre, amigos, acorramos ao Meestre, ca filho he d'el-rei Dom Pedro. E assi braadavom ell e o Page himdo pella rrua.

Soarom as vozes do arroido pella çidade, ouvimdo todos braadar que matavom o Meestre; e assi como viuva que rei nom tiinha, e como sse lhe este ficara em logo de marido, se moverom todos com maão armada, corremdo a pressa pera hu deziam que sse esto fazia, por lhe darem vida e escusar morte. Alvoro Paaez nom quedava d'hir pera alla, braadamdo a todos:

─ Acorramos ao Meestre, amigos, acorramos ao Meestre que matam sem por que.

A gemte começou de sse jumtar a elle, e era tanta, que era estranha cousa de veer. Nõ cabiam pellas ruas primçipaaes, e atravessavom logares escusos, desejando cada huü de seer o primeiro; e preguntamdo huüs aos outros quem matava o Meestre, nom mimguava quem rrespomder que o matava o Comde Joham Fernamdez, per mamdado da Rainha.

E per voomtade de Deos, todos feitos d'huü coraçom, com tallemte de o vimgar, como forom aas portas do Paaço, que eram ja çarradas, amte que chegassem, com espamtosas pallavras começarom de dizer:

─ Hu matõ ho Meestre?  Que he do Meestre?  Quem çarrou estas portas?

Alli eram ouvidos braados de desvairadas maneiras. Taaes hi avia que çerteficavõ que o Meestre era morto, pois as portas estavom çarradas, dizemdo que as britassem pera emtrar demtro, e veeriam que eera do Meestre, ou que cousa era aquella.

D'elles braadavom por lenha, e que vehesse lume pera poerem fogo aos Paaços e queimar o treedor e a aleivosa. Outros sse afficavom, pedimdo escaadas pera sobir açima, para veerem que era do Meestre; e em todo isto era ho arroido atam gramde que sse nom emtemdiam huüs com os outros, nem determinavom nehuüa cousa. E nom soomente era isto aa porta dos Paaços, mas ahimda arredor d'elles per hu homeës e molheres podiam estar. Huüas viinham com feixes de lenha, outras tragiam carqueyja pera açemder o fogo cuidamdo queimar o muro dos Paaços com ella, dizemdo muitos doestos contra a Rainha.

De çima nom minguava quem braadar que o Meestre era vivo, e o Comde Joham Fernamdez morto; mas isto nom queria nehuü creer, dizemdo:

─ Pois se vivo he, mostraaenollo e veelloemos.

Emtom os do Meestre, veemdo tam gramde alvoroço como este, e que cada vez se açemdia mais, disserom que fosse sua merçee de sse mostrar aaquellas gemtes, d'outra guisa poderiam quebrar as portas, ou lhe poer o fogo, e emtramdo assi demtro per força, nom lhe poderiam depois tolher de fazer o que quisessem.

Alli sse mostrou ho Meestre a hüa gramde janella que viinha sobre a rrua omde estava Alvoro Paaez e a mais força de gemte e disse:

─ Amigos, apacificaae-vos, ca eu vivo e saão soom a Deos graças.

E tamta era a torvaçam d'elles, e assi tiinham ja em creemça que o Meestre era morto, que taaes aviia hi que aperfiavõ que nom era aquelle; porem, conheçendo-o todos claramente, ouverom gram prazer quamdo o virom, e deziam huüs comtra os outros:

─ Oo que mall fez! pois que matou o treedor do Comde, que nom matou logo a alleivosa com elle. Creedes em Deos aimda lhe ha de viinr alguü mall per ella. Oolhae e veede que maldade tam gramde, mamdaram-no chamar omde hia ja de seu caminho, pera o matarem aqui per traiçom. Oo alleivosa! ja nos matou huü senhor, e agora nos queria matar outro; leixaae-a, ca ainda ha mall d'acabar por estas cousas que faz.

E, sem duvida, se elles emtrarom demtro, nom sse escusara a Rainha de morte, e fora maravilha quamtos eram da sua parte e do Comde poderë escapar. O Meestre estava aa janella, e todos oolhavom comtra elle dizemdo:

─Oo Senhor! como vos quiserõ matar per treiçom! Beemto seja Deos que vos guardou desse treedor! Viimde-vos, daae ao demo esses paaços, nom sejaaes la mais.

E, em dizemdo esto, muitos choravom com prazer de o veer vivo. Veëdo el estomçe que nehuüa duvida tiinha em sua segurança, deçeo afumdo e cavallgou com os seus, acompanhado de todollos outros que era maravilha de veer. Os quaaes mui ledos arredor d'elle, bradavom, dizemdo:

─ Que nos mandaaes fazer, Senhor? Que querees que façamos?

E ell lhes rrespomdia, aadur podemdo seer ouvido, que lh'o gradeçia muito, mas que por estomçe nom avia d'elles mais mester. E assi emcaminhou pera os paaços do almiramte, hu pousava o Comde Dom Joham Affonsso, irmaão da Rainha, com que avia de comer. As donas da çidade, pella rrua per hu ell hia, sahiam todas aas janellas com prazer, dizemdo altas vozes:

─ Mantenha-vos Deos, Senhor! Beemto seja Deos, que vos guardou de tamanha traiçom, quall vos tiinham basteçida!

Ca nenhuü por estomçe podia outra cousa cuidar.

E hindo assi ataa emtrada do Ressio, e o Comde viinha cõ todollos seus e outros boõs da çidade que o aguardavom, assim commo Affomss' Eanes Nogueira, e Martim Affonsso Vallemte, e Estevam Vaasquez Phillipe, e Alvoro do Rego, e outros fidallgos; e, quamdo vio o Meestre hir d'aquella guisa, foy-o abraçar com prazer e disse:

─ Mamtenha-vos Deos, Senhor! Sei que nos tirastes de gramde cuidado, mas vos mereçiees esta homrra melhor que nos. Amdaae, vaamos logo comer.

E assim forom per os paaços hu pousava o comde.  (...)

FERNÃO LOPES, Crónica de D. João I, I Parte[42].

1 - Agora, que leu o texto transcrito, procure responder às questões formuladas:

1.1 - Determine o tema e o assunto do texto.

1.2 - Identifique os diferentes referentes situacionais: local de acção e tempo. 

1.3 - Identifique os intervenientes na acção (personagens), tendo o cuidado de determinar rigorosamente o papel desempenhado por cada um.

1.4 - Caracterize o tipo de narrador (se tiver dúvidas, consulte o índice, que o remeterá para o capítulo e páginas onde o conceito de narrador é abordado).
 

2 - A técnica narrativa utilizada por Fernão Lopes é bastante moderna. Tal como um operador com uma câmara cinematográfica, que tudo procura registar, F. Lopes procura mostrar-nos as reacções de todo o povo de Lisboa, focando ora um, ora outro aspecto, juntando à imagem as palavras e o ruído da multidão, pondo bem em evidência a sua turbação e dando-nos, qual repórter que fosse acompanhando o evoluir dos acontecimentos, os seus comentários pessoais.

2.1 - Centre a sua atenção no excerto «Alli eram ouvidos braados...  até  ... Viinde-vos, daae ao demo esses paaços, nom sejaaes la mais» e, com base nele, demonstre a afirmação anterior, pondo em destaque os diferentes planos focados. Preste atenção aos articuladores do discurso: «D'elles»; «Outros»; «e em todo isto»; «E non soomente... mas ahinda»; «Hüuas»;  «Outras»; «De çima»; etc.

3 - Dissemos, no capítulo II deste trabalho, pp. 50-54, que todo o texto deve apresentar uma estrutura ou plano de desenvolvimento das ideias. Dissemos então que um texto deve ter uma introdução, um desenvolvimento e uma conclusão, podendo, por sua vez, cada uma destas partes, subdividir-se em momentos. Tendo em conta a estratégia narrativa e o desenrolar da acção, determine a estrutura do texto.

4 - Recorrendo a uma edição da Crónica de D. João I, 1ª parte, ou a um manual escolar que apresente textos de Fernão Lopes, leia o capítulo «Das tribullaçoões que Lixboa padeçia per mingua de mantiimentos».

4.1 - Efectue uma análise do texto, seguindo a mesma orientação de trabalho atrás apresentada para o texto que transcrevemos (questões 1 a 3)[43].

5 - Procurando respeitar a estrutura dos textos e as ideias neles contidas, efectue o resumo de um dos textos, tendo em conta as regras enunciadas no capítulo II (vd. págs. 71-76).

 

No domínio da produção poética, ficou-nos do período pré-clássico o Cancioneiro Geral de Garcia de Resende, vasta compilação de poesia produzida durante um período de tempo que vai desde a segunda metade do século XV até aos começos do século XVI. Encerra um total de cerca de mil composições, pertencentes a 286 autores, com temática de feição amorosa, satírica e heróica. As formas versificatórias utilizadas vão desde composições bastante curtas, como vilancetes, cantigas e esparsas, a composições longas, escritas na medida tradicional ou medida velha, em redondilha menor ou em redondilha maior.

Há no Cancioneiro Geral muitos poemas dignos de uma leitura atenta, quer pela originalidade no tratamento de certos temas, quer pela capacidade de expressão sentimental, muitas vezes conseguidas em composições bastante curtas. Limitar-nos-emos, no entanto, à transcrição de um texto muito curto, com treze versos apenas, pertencente a João Roiz de Castelo Branco[44].

 

     Cãtygua partindo-sse

     Senhora, partem tã tristes

meus olhos por vos, meu bë,

que nünca tam tristes vistes

outros nenhüs por ninguem.

 

Tam tristes, tam saudosos.

tam doentes da partyda,

tam canssados, tã chorosos.

da morte mays desejosos

çem myl vezes que da vida.

Partem tam tristes os tristes,

Tam fora d'esperar bem,

que nüca tam trystes vistes

outros nenhus por ninguem.

Joham Rroiz de Castell' Branco, III, 134.

 

João Roiz de Castelo Branco foi um poeta que viveu na corte, no tempo de D. João II, tendo-se depois retirado para a Beira, a fim de dirigir a cultura das suas propriedades. Foi também contador da Guarda, conforme se depreende de outra composição sua escrita a António Pacheco, vedor da moeda de Lisboa.

A composição transcrita é uma cantiga escrita em versos de redondilha maior, constituída por um mote de quatro versos e uma volta ou glosa de nove versos. É uma composição isométrica segundo o esquema  A B A B  c d c c d a b A B. Os dois últimos versos da glosa são os dois últimos do mote, ao passo que os dois anteriores apenas repetem as últimas palavras dos dois primeiros versos do mote.

O tema da composição é a tristeza da partida, ou seja, a profunda tristeza motivada pela separação. Embora o tema dos olhos como causa de sofrimento ou como espelho ou «janelas da alma» seja frequente em poetas de épocas anteriores, quer na lírica provençal, quer na lírica galaico-portuguesa, havendo no próprio Cancioneiro Geral várias referências a eles, a verdade é que esta composição se destaca das demais, sendo talvez das mais belas acerca da tristeza da separação.

De que modo conseguiu João Roiz acentuar essa tristeza provocada pela separação?

A sugestão e intensificação da tristeza é-nos dada essencialmente através de três níveis:

 a nível do ritmo;

 a nível fónico;

 a nível semântico.
 

Clicar para ampliar.
Fig. 39 - Leitura do poema, tendo em conta o ritmo e pondo em destaque os elementos que se repetem.

 

A nível do ritmo e fónico, verificamos que ele se caracteriza pela sua grande fluidez e variedade, ajustando-se à expressão das ideias. Se efectuarmos a decomposição do poema tendo em conta as pausas rítmicas, obteremos o esquema que transcrevemos no quadro a que atribuímos a designação de figura 39.

Os números a seguir indicam o número de sílabas, contadas até à última tónica. Após uma sequência de segmentos curtos, oscilando entre 2 e 4, seguem-se segmentos longos de sete sílabas.

Esta variedade rítmica é acentuada pelas repetições de certos sons, de entre os quais se destacam os nasais, decorrentes da repetição do advérbio tão e da consoante oclusiva t em certos vocábulos. Esta aliteração reforça a ideia de tristeza, já amplificada pelo uso do advérbio de quantidade.

A nível semântico, destacam-se as repetições de determinados vocábulos. Além do advérbio intensificador, que se repete dez vezes, encontramos seis vezes a palavra tristes, que no verso 10 se encontra duas vezes:  os tristes, nome que substitui os olhos, partem tão tristes. E vemos que o adjectivo tristes qualifica e acentua a tristeza daqueles que já por si só  detêm o atributo da tristeza.

Também o facto de serem os olhos do poeta, em vez deste, que partem acentua a tristeza, duplicando-a. A personificação da tristeza nos olhos do poeta amplifica a dor da partida. Uma coisa é dizer «eu parto de vós»; outra é dizer «eles  [os meus olhos]  partem de vós». Há uma amplificação resultante do emprego do plural pelo singular.

A tristeza da partida é também traduzida pelo uso dos diferentes adjectivos (tristes,  saudosos,  doentes [da partida], cansados, chorosos),  reforçados pelo advérbio  «tão» e, mais adiante, pelo uso da comparação hiperbólica «cem mil vezes mais desejosos da morte que da vida».

As ideias do poema centram-se nos dois pólos da comunicação ─ o eu  e o tu ─, ou seja, nos olhos do poeta e na mulher de quem ele se aparta ─ o vós ─, podendo ser reduzidas ao esquema da figura 40.

Relativamente ao primeiro pólo da comunicação ─ o emissor ou sujeito poético, representado pelo olhos do poeta ─ o facto de partirem implica desde logo separação e, como tal, sofrimento. Este é intensificado pelo uso do advérbio tão. Se este advérbio só por si já implica quantidade, intensidade, a sua repetição dez vezes vai amplificar o estado psicológico do poeta, expresso pelo uso dos diferentes adjectivos, culminando  o sofrimento com o desejo da morte, também este amplificado pela hipérbole  «cem mil vezes».

 

Quanto ao outro pólo, o receptor ou destinatário da mensagem poética, é-lhe dado constatar a intensidade da dor na separação, reforçada não só pelo advérbio de quantidade, mas também pelo advérbio de negação  nunca. A ela, a mulher amada, nunca lhe foi dado ver nenhuns outros olhos tão tristes por ninguém. 


[36] As palavras transcritas em «bold» encontram-se explicadas no final do texto.

[37] O texto transcrito é de fácil compreensão e procura dar-nos a conhecer a localização geográfica da região de Lisboa e suas riquezas: animais, vegetais e minerais. No entanto, será de interesse efectuar a leitura dos comentários aos vocábulos destacados no texto e que a seguir se transcrevem:

Santarë: a origem do vocábulo, tal como nos recorda Almeida Garrett no capítulo XXX de Viagens na minha terra, tem a sua origem em Sancta Irene ou Eirene (do grego Eìηvη 'paz'), devendo ter sofrido a seguinte evolução: SANCTA EIRENE > *Santeirene > Santarëe > Santerem > Santarém.

parte cõ: (do latim PARTIRE 'partir, separar') - confina com

Beja: Beja era a PAX JULIA dos romanos. A partir do acusativo latino PACE(M), cuja pronúncia era [pake(m)] terá sofrido a evolução PACE > Paca > Baja > Beja. A passagem de Paga a Baja ter-se-á verificado durante o período da ocupação árabe da península, segundo Leite de Vasconcelos.

Ouciente: É o mesmo que Ocidente. No original encontra-se escrito «ao ouriente de Beja e ao ouriente de Cordova», o que deverá ter sido erro do copista, dado que Lisboa fica para ocidente quer de Beja, quer de Córdova e não ao contrário.

cõprido: este vocábulo já surgiu num texto de D. Dinis anteriormente transcrito, embora registado sob a forma 'conprida'. Tem o sentido de 'cheio, pleno, abundante, provido'.

açores: plural da palavra açor (do latim popular ACCEPTORE > accetor > açetor > açtor > atçor > açor), designa uma ave de rapina que era domesticada e utilizada na caça, à semelhança do que também se fazia com o falcão. Capturados ainda novos, em estado selvagem, eram depois domesticados e treinados, sendo muito utilizados pelos nobres na arte venatória.

çaffara: registado sob as formas çafra, safra ou safro, é uma palavra proveniente do árabe çahara, que significa 'campo, deserto, reles, inculto'.

açucar: é também um vocábulo de origem árabe, proveniente de aç-çukkar, por sua vez proveniente do sânscrito çarkara, que significa 'grãos de areia'.

pero: (do latim PER HOC) significa 'porém, todavia, contudo, posto que, ainda que, embora, conquanto'.

Almadaã: também registado Almadana e Almadaa, é uma palavra proveniente do árabe al-macdan, que significa 'a mina'. Designa a povoação situada em frente a Lisboa, na margem esquerda do Tejo.

Ossumo: designa um topónimo desconhecido da região de Lisboa. Se ainda existe, não se sabe actualmente a que povoação corresponde.

Syntra: povoação referida na Geografia do árabe Edrisi, com a grafia Chintra.

vyeiro: (do latim VENARIU(M), de VENA, 'veia, artéria, veio') designa neste caso um veio aurífero que seria explorado na zona de Almada. O vocábulo designava também o tributo, foro ou pensão, constituído pelo terço do valor em ouro, prata ou cobre explorados nas minas do reino.

partimento: relacionado com partir, significa 'limite, linha de demarcação, divisória'.

Benamocer: antiga designação da serra da Arrábida.

Arrabida: o mesmo que Arrábida (palavra proveniente do árabe arrabda, que significa 'pastagem, terra de gado'), serra da província da Estremadura.

allambar: o mesmo que alambre (palavra do árabe alcanbar, 'o cachalote, o âmbar cinzento'), hoje designado âmbar ou âmbar cinzento, produto outrora utilizado em farmácia, sendo ainda hoje procurado no comércio, pois constitui um excelente fixador de perfumes caros.

guysa: também registado guisa (do antigo alto alemão wisa, que deu em alemão actual weise) significa 'jeito, modo, maneira, razão, forma, espécie, categoria'.

   O texto transcrito é interessante pelo facto de nos dar uma ideia do que era a região de Lisboa no século XIV, que se caracterizava essencialmente por nela se terem reunido diversas «bondades do mar e da terra». Além de referir os diferentes dons de que a natureza a dotou, fornece-nos elementos de carácter geográfico.

   A Crónica Geral de Espanha de 1344 é uma obra que apresenta a história de toda a Península Hispânica e das obras mais antigas que chegou completa até nós. É da autoria do Infante D. Pedro, Conde de Barcelos, filho bastardo de D. Dinis. Sobre esta obra, veja-se  Crónica Geral de Espanha de 1344. A Lenda do rei Rodrigo, col. "Textos Clássicos", com introdução, notas e glossário de L. F. Lindley Cintra, Editorial Verbo, 1964.

[38] No final do texto apresentam-se os vocábulos destacados em letra negrita.

[39] Antes de apresentarmos uma síntese das ideias do texto e de referirmos alguns aspectos estilísticos, a seguir se apresentam os vocábulos destacados no texto:

simildom: do latim SIMILITUDINE(M) - semelhança, esta palavra deu em espanhol  similitud, em francês similitude e em italiano similitudine.

razoauil: aparece também registado sob a forma razoavil. Provém do latim RATIONABILE(M) - 'racional, inteligente, dotado de razão'.

prouar: do latim PROBARE, significa 'provar, observar, examinar, experimentar, investigar'.

por ende: esta expressão significa 'por isso'. (Veja-se o que se disse aquando da análise da cantiga de Afonso X anteriormente transcrita).

perceberem: forma do infinitivo pessoal do verbo perceber (do latim PERCIPERE, 'perceber, compreender'), significa 'precaverem, acautelarem, evitarem, prepararem'.

catarom: forma do verbo catar (do latim CAPTARE), poderá significar 'olhar, observar, dar por si, acautelar, ver, examinar, procurar'.

celorgia: (do latim CHIRURGIA, palavra proveniente do grego) significa cirurgia, operação, trabalho manual.

alueytaria: palavra proveniente de alveitar  (do árabe albaitar, possivelmente obtido a partir do grego, 'veterinário'), significa 'medicina veterinária'.

falcoaria: palavra obtida a partir de falcõo (do latim FALCONE(M), 'falcão'), designa a arte de adestrar e tratar falcões, usados na arte venatória.

Sam Bernardo: o mesmo que S. Bernardo. Este vocábulo é de origem germânica, do antigo alto alemão bero, 'urso', e hard, 'duro, forte, vigoroso'. São Bernardo foi um monge, teólogo, pensador e fundador do célebre mosteiro de Claraval (Clairvaux) e pregador da segunda cruzada (1091-1153).

senom: o mesmo que senão, significa 'ao passo que, excepto'.

auer: forma correspondente ao pretérito imperfeito do conjuntivo houvesse (do latim HABERET). A frase onde este vocábulo se encontra terá o seguinte sentido: 'e porque ele tivesse (ou houvesse) todo o bem' ou ainda 'e porque ele tinha todo o bem'.

descendeu: forma do pretérito perfeito do indicativo de descender (do latim DESCENDERE, 'descer'). Confronte-se com o francês descendre. Significa 'descer, baixar'.

manhas: forma do plural de manha (do latim vulgar manea, por MANUA, ou do baixo latim mania; confronte-se com o espanhol maña) qualidades, artes, habilidades, maneiras, jogos.

seer: substantivo com o sentido de 'valor, importância'.

trabalharam: forma do pretérito perfeito de trabalhar, de trabalho  (latim TRIPALIU(M), 'aparelho formado por três paus (PALUS) que servia para segurar cavalos difíceis de ferrar;  a partir da palavra TRIPALIU(M) deverá ter-se formado a palavra TRIPALIARE que deu as diferentes formas românicas correspondentes: port. trabalho, trabalhar; esp. trabajo, trabajar; fr. travail, travailler) esforçaram-se, preocuparam-se.

guardar: defender-se, acautelar-se.

   Relativamente às ideias, teremos de salientar o facto de que este prólogo, que constitui uma apresentação dos motivos que levaram o seu autor a escrever a obra, foi elaborado à semelhança do que fez Afonso XI, de Castela, no seu Libro de la Monteria. D. João I, rei de Portugal e do Algarve e senhor de Ceuta, justifica a concepção e elaboração da obra, começando por reflectir acerca do acto da criação do Homem por Deus, dando uma explicação para o aparecimento da escrita. Apoiando-se em Moisés, afirma que, tendo Deus feito o Homem à sua semelhança, o dotou de inteligência. Este facto permitiu-lhe aumentar os conhecimentos, através da observação e da experiência. E, para evitar que esses conhecimentos caíssem no esquecimento e se perdessem, inventou a escrita como forma de registo e transmissão através dos tempos. Surgiram então diferentes livros: de Gramática e de Retórica, de Física, de Cirurgia, de Veterinária e Falcoaria, e de muitas outras artes.

              O Autor considera ainda que, de entre as várias actividades desportivas, é a montaria a mais proveitosa. E se houve quem escrevesse livros sobre actividades menos proveitosas, como por exemplo os das Cantigas e de outras áreas de menor interesse, mais razão haveria em escrever sobre uma actividade tão proveitosa como é a da montaria. E assim surgiu a sua decisão de escrever um livro sobre esta arte, para que o seu conhecimento se perpetuasse.

              O prólogo, bem como o conteúdo da obra, denota um bom nível de conhecimentos  por parte do Autor. Além de conhecimentos relacionados com a Bíblia e com os Doutores da Igreja, D. João I mostra conhecer escritores do seu tempo em diferentes domínios: História e Poesia, diferentes ciências, tais como Astronomia (Ptolomeu, Albenazar, Ali ben Ragel), Gramática, Retórica e outras.

              Do ponto de vista estilístico, teremos de referir a grande extensão dos períodos, uma exposição que nem sempre segue uma sequência lógica e, por vezes, uma construção de tipo oralizante e popular, com a repetição frequente de que. Estamos ainda muito longe, no domínio da capacidade comunicativa e expressiva, daquele tipo de prosa dinâmica e carregada de visualismo introduzida na nossa língua por Fernão Lopes.

 

[40] A seguir se apresentam alguns elementos informativos acerca de F. Lopes.Não se sabe quando nem onde terá nascido F. Lopes. Provavelmente entre 1378 e 1385, num período crítico da História de Portugal. De origem vilã, o seu nome surge pela primeira vez num documento de 1418, ano em que nos aparece como guarda-mor das escrituras da Torre do Castelo de Lisboa. Em 1419 é escrivão dos livros de D. João I e em 1422 exerce as funções de escrivão da puridade do Infante D. Fernando. No reinado de D. Duarte, este concede-lhe, em 1434, uma tença anual para empreender uma obra vasta e necessária pôr em crónica toda a história geral do reino, desde as origens até D. João I.

Empreende então uma vasta tarefa de recolha de informações por todo o reino, pesquisando em igrejas, mosteiros e cartórios e indagando inclusivamente os próprios letreiros das sepulturas.

Em 1454, D. Afonso V, atendendo à sua avançada idade, mandou-o reformar e substituir por Gomes Eanes de Zurara. Em 1459, F. Lopes ainda está vivo, conforme o atesta um documento desse ano. Deverá ter morrido por alturas de 1460.

A sua obra, conforme se depreende do que dela nos chegou, deveria constar das crónicas de todos os reis portugueses, desde as origens da nacionalidade até D. João I. No entanto, apenas chegaram até nós as Crónicas de D. Pedro, D. Fernando e D. João I e, desta última, a primeira e segunda partes.

Como historiador, o seu trabalho foi pautado pelo rigor e exactidão, pelo apoio em documentos escritos que lhe merecessem completa confiança. Procura analisar os problemas à luz da verdade e da imparcialidade.

Como escritor, além de um estilo arcaizante denotando conhecimentos de autores antigos, a sua principal característica é um poderoso visualismo, aliado a técnicas narrativas que tornam a leitura das suas páginas mais agradável, com descrições minuciosas e recurso à acção e ao diálogo.

[41] Apresentam-se no final do texto as notas referentes às palavras destacadas em bold.

[42] A seguir se apresenta a explicação correspondente ao vocabulário destacado no texto:

page: forma de origem francesa (do baixo latim PAGIU-) - pajem.

perçebido: combinado, tratado, preparado.

acorree: forma do imperativo do verbo accorrer, que significa 'socorrer, acudir, defender'.

asinha: depressa.

coiffa: palavra de origem germânica (kupphia), deu em espanhol cofia, em francês coiffe e em italiano cuffia. Designa uma touca, cobertura ou resguardo para a cabeça. No caso do texto, deverá possivelmente referir-se a uma parte da armadura, que protegia a cabeça.

viuva: (Do latim VIDUA(M), 'viúva, solteira') - deverá haver aqui uma alusão à falta de rei, de que Lisboa e o país precisavam para governá-los. É interessante a comparação efectuada em que o Autor compara o Mestre de Avis ao rei que a naçäo portuguesa não tinha. escusar: (do latim EXCUSARE, 'desculpar') - evitar, escusar, dispensar, obviar, impedir, livrar.

rresponder: (do latim responderet, de RESPONDERE) - pretérito imperfeito do conjuntivo: respondesse.

tallente: o mesmo que talã, talam, talante (do latim TALENTU-, do grego τάλαvτov), significa 'inclinação, vontade, desejo, diligência'. Entrou no português através do francês talant, cuja forma actual é talent. A palavra conserva-se no português actual, embora com o sentido diferente e com a forma talento .

como: (do latim QUOMO, por QUOMODO ou COMODO) - quando, logo, que.

britassem: pretérito imperfeito do conjuntivo de britar, que significa 'arrombar, quebrar, partir'. Trata-se de uma palavra de origem anglo-saxónica, proveniente de britan, brytan, bryttan ou bryttian. De britar formou-se o substantivo britamento, que significa 'naufrágio, despedaçamento, destruição' e a actual palavra brita, que significa 'pedra pequena, utilizada na pavimentação das estradas'.

d'elles: embora no período pré-clássico tenha desaparecido o partitivo em português, encontramos em Fernão Lopes vestígios dele. Neste caso significa 'alguns deles'.

treedor: (do latim TRADITORE-, 'o que entrega') - traidor. Refere-se ao Conde João Fernandes Andeiro, amante da rainha D. Leonor ainda em vida do rei.

aleivosa: também registado sob a forma alleivosa, é uma forma proveniente de aleive (do gótico levjan, 'trair'). Significa 'adúltera, falsa, perversa, maldosa'. Refere-se à rainha adúltera D. Leonor.

afficavom: pretérito imperfeito de afficar (do latim vulgar figicare) - teimavam, insistiam, afiançavam.

escaadas: do latim SCALATAS, 'escadas'. Deu em espanhol antigo escalada e moderno escalera, em francês antigo éschelée e moderno échelle, em italiano scala.

braadar: pretérito imperfeito do conjuntivo bradasse (do latim *balaterare, 'gritar' de BALARE, 'balar, dizer tolices'.

merçee: (do latim  MERCEDE-) - mérito, disposição, dependência, favor'. No texto a expressão «que fosse sua merçee» significa 'que se dignasse, que fizesse o favor de'.

guisa: (forma do antigo alemão wisa, alemão weise) - jeito, modo, maneira, razão, espécie, forma'.

creemça: (do latim CREDENTIA-, 'crença, confiança') - crença. «Tinham ja em creemça» - acreditavam já, pensavam já'.

aperfiavõ: (pretérito imperfeito de aperfiar (de a + perfiar, do latim PERFIDIARE - teimar, insistir) - teimavam, insistiam.

escusara: pretérito mais-que-perfeito do indicativo de escusar, com o valor de condicional - evitaria.

beento: bendito, abençoado, do latim BENEDICTU(M).

demo: (do latim DAEMON-, 'espírito') - demónio, diabo.

estonce: também registado com a forma entonces (do latim *INTUNCE), significa 'então'. Ao lado destas duas formas existe também, entõ com o mesmo sentido e proveniente do latim INTUNC.

ledo: (do latim LAETU-) - alegre, contente, satisfeito, ledo.

aadur: também registado sob as formas adur, aduro (do latim AD DURU-), significa 'dificuldade, dificilmente, mal, apenas, a custo'.

mester: (do latim MINISTERIU-) - necessidade, precisão, aperto, aflição.

basteçida: forma do particípio passado de bastecer (do espanhol bastecer abastecer, tramar, maquinar) maquinada, tramada, urdida, preparada, combinada.

Ressio: também registado sob a forma resio, rresio e rossio (do latim RESIDIU-), significa 'praça ou terreiro largo, terreno roçado e explorado em comum'. No caso do texto, designa a praça de Lisboa que ainda hoje conserva o mesmo nome.

 

O texto transcrito é uma narrativa histórica que nos mostra a agitação do povo de Lisboa, que, incitado por Álvaro Pais, acode em defesa do Mestre de Avis. Trata-se de um texto carregado de dinamismo, que nos mostra as reacções populares até ao mais pequeno pormenor. Incitados pelo brado de Álvaro Pais, apresentado em discurso directo, o qual vai reunindo cada vez mais gente pelas ruas por onde passa, os habitantes da cidade, homens e mulheres, correm em defesa do Mestre. Os seus sentimentos e reacções são-nos apresentados com minúcia e realismo. As opiniões são tão desencontradas e a perturbação é tamanha que chegam a querer deitar o fogo aos muros de pedra.

   O narrador utiliza sucessivamente diversos planos na apresentação das cenas. É um narrador omnisciente, que abarca toda a cena, ora dando-nos uma visão geral, ora focando pequenas áreas e registando opiniões individuais, reforçando os aspectos focados com comentários pessoais.

   Tendo em conta a estratégia narrativa e o desenrolar da acção, podemos distinguir no texto essencialmente cinco partes distintas:

   1ª parte - «O page do Meestre...  que matam sem por que.»;

   2ª parte - «A gente começou de sse juntar a elle, ... dizendo muitos doestos contra a rainha.»;

   3ª parte - «De çima nom mimguava quem braadar...  ca eu vivo e saão soom a Deos graças.»;

   4ª parte - «E tamta era a torvaçom d'elles... Ca nenhuu por estomçe podia outra cousa cuidar.»;

   5ª parte - «E hindo assi ataa emtrada do ressio... E assim forom pera os paaços hu pousava o comde.»

   A primeira parte apresenta-nos o começo de toda a acção. O pajem do Mestre, primeiro, e depois Álvaro Pais, de acordo com o combinado, sublevam as gentes da cidade, gritando-lhes que acudam ao Mestre, que o querem matar.

   O crescendo da sublevação é-nos apresentado pelo narrador em dois momentos. No primeiro, é o pajem quem lança em alta voz o brado de alerta, cavalgando «em cima do cavalo em que estava» rijamente a galope. Além do pleonasmo, que é frequente ao longo de todo o texto, a sensação de perigo e urgência é-nos dada quer pelo advérbio de modo rijamente («rijamente a galope»), quer pela repetição do verbo e do nome, reforçados pelo reduzido tamanho das frases, desempenhando plenamente a sua função apelativa. Matam e mestre repetem-se três vezes; a última frase apresenta a indicação da acção a desenvolver: «acorrei ao Mestre, porque o matam.» Após este primeiro apelo, vemos as gentes intrigadas e curiosas, saindo à rua para saberem o que se passa e criando ânimo para reagirem o mais depressa que lhes é possível.

   No segundo momento do levantamento popular, já não é o pajem que incita o povo, mas Álvaro Pais que, com o seu próprio exemplo, junta a si a multidão. E o apelo passa do discurso de segunda pessoa para o discurso de primeira pessoa («Acorramos ao Mestre... porque é filho de el-rei D. Pedro.»), repetindo-se a seguir a nova apresentação da reacção popular, na qual teremos que destacar a comparação com duplo sentido: «assim como viúva que rei não tinha».

   A segunda parte apresenta-nos essencialmente as diferentes e desencontradas reacções populares, que têm de comum estarem, por vontade de Deus, «todos feitos d'um coração», isto é, embora as opiniões sejam desencontradas, todos sentem o mesmo desejo de vingar a suposta morte do Mestre. Nesta segunda parte, o narrador dá-nos, mais do que uma visão de conjunto, diferentes macro-planos, mostrando-nos as opiniões e as atitudes ora de uns, ora de outros, pondo deste modo em destaque o desencontrado de opiniões e a perturbação popular, a ponto de não conseguirem ouvir-se uns aos outros e acabarem por nada conseguirem decidir.

   Na terceira parte, o narrador passa a apresentar a reacção daqueles que se encontram no paço, levando-os a pedirem ao Mestre que vá a uma janela e se mostre ao povo, para o acalmar.

   Novamente, na parte seguinte, é-nos mostrada a reacção popular ao verem o Mestre. Nesta quarta parte, podemos ainda distinguir dois momentos: inicialmente, o povo ainda duvida que o Mestre esteja vivo, apesar de o estar a ver; no entanto, acalmados os ânimos, reconhecem-no. E seguem-se as diferentes exclamações populares de que o narrador nos dá conta. No segundo momento, reconhecido plenamente o Mestre, este desce à rua, enquanto elementos do povo choram de alegria por o verem são e salvo e lhe oferecem os seus serviços. E, por entre a multidão, o Mestre encaminha-se para os paços do almirante.

   Na quinta e última parte, o narrador conclui o episódio apresentando-nos a chegada do Mestre ao Rossio e enumerando aqueles que o aguardavam.

   Uma outra divisão possível para este episódio será a de considerarmos apenas três partes: a primeira, correspondente à incitação do povo de Lisboa; a segunda, mostrando-nos a reacção popular durante a ida para os paços da rainha e junto destes; a terceira e última parte, a chegada do Mestre ao Rossio.

   Outra divisão possível para o texto é aquela que nos apresenta três partes subdivididas em momentos, de acordo com o esquema:

   I - INTRODUÇÃO:

            convocatória efectuada pelo pajem e por Álvaro Pais.

   II -  DESENVOLVIMENTO: 

              movimentação – Pajem + Álvaro Pais + Povo

              concentração – o Povo vai para o paço da rainha

              manifestação – o Povo junto ao paço

              aclamação – o Povo + o Mestre

   III - CONCLUSÃO:

              dispersão o Mestre + o Povo

   Seja qual for a divisão que adoptemos, todas elas nos mostram essencialmente as reacções de uma personagem colectiva, que é posta em destaque pelo narrador ao longo de todo o texto, podendo por isso ser considerada como a mais importante. Essa personagem colectiva, focada pelo narrador de maneira completa, quer no geral, quer nos mais pequenos pormenores individuais, é o povo de Lisboa. A segunda personagem importante do texto é o Mestre, que vai ser o móbil de toda a acção. Quanto ao pajem e a Álvaro Pais, têm apenas como função despoletar toda a acção.

 

[43] Se teve o cuidado de procurar o capítulo por nós indicado e o leu, terá constatado que esse texto nos dá uma imagem impressionante do sofrimento dos habitantes da cidade de Lisboa durante o cerco castelhano em 1384.

Seguindo uma sequência cronológica, o narrador vai-nos mostrando as dificuldades crescentes da população, à medida que o tempo de cerco aumenta e as provisões diminuem. Apesar das várias medidas assumidas, desde as saídas furtivas de bateis durante a noite para recolha de provisões, até à expulsão de pessoas que não serviam para defesa da cidade, as privações aumentam. A partir de certa altura, a falta de alimentos é tal que o preço dos poucos géneros existentes atinge valores elevadíssimos. No entanto, nem mesmo o dinheiro consegue comprar alimentos. Produtos pouco ou nada adequados começam a servir de alimento. Homens e crianças esgaravatam o chão à procura de grãos de trigo em locais onde outrora era vendido. Outros enchem-se de tanta água, que jazem mortos, inchados, em praças e noutros lugares. Toda a cidade sofre e procura em vão a ajuda divina.

Podemos encontrar no texto uma sequência descritiva dos padecimentos, intercalada por observações do próprio narrador, que frequentemente se dirige ao narratário,  convidando-o a imaginar as cenas descritas como se estivesse presente. Embora todas as divisões sejam sempre discutíveis, podemos considerar essencialmente cinco grandes partes no desenvolvimento do quadro trágico dos padecimentos da cidade:

· 1ª parte: saída de barcos durante a noite para carregarem trigo e reacção da cidade quando os barcos são detectados pelos sitiantes.

· 2ª parte: expulsão da cidade de pessoas minguadas e não prestáveis para a defesa e atitudes assumidas pelos castelhanos.

· 3ª parte: pormenores sobre as carências da cidade, valores atingidos pelos produtos e consequências da falta de géneros

· 4ª parte: padecimento generalizado de toda a cidade, seu esforço quando os sinos tocam a rebate e desespero resultante do sofrimento.

· 5ª parte: conclusão - causas da fome apesar do reduzido tempo de cerco, convite ao narratário para imaginar o estado da cidade e exclamações do narrador.

   Outra divisão possível segundo o esquema clássico:

I - INTRODUÇÃO: dois primeiros parágrafos

II - DESENVOLVIMENTO:

– expulsão dos minguados e não pertencentes para defesa

– atitudes dos sitiantes

– medidas tomadas pelo Mestre

– pormenores sobre as faltas, valores atingidos pelos alimentos e consequências da fome

– generalizaçäo do sofrimento e atitudes assumidas pelos habitantes da cidade.

– interrogações do narrador

 – boato que correu pela cidade e seus efeitos

III - CONCLUSÃO:

– convite ao narratário para imaginar a situação da cidade e exclamações finais.

[44] Para aqueles que desejem ficar com uma visão mais completa do Cancioneiro Geral de Garcia de Resende, aconselhamos a leitura dos seguintes textos:

* «Meu amor, sem vos ver ...»  do Conde de Vimioso.

* «Antre mim mesmo e mim ...» de Bernardim Ribeiro.

* «Oo montes erguidos, ...» de Francisco de Sousa.

* Trovas à morte de Inês de Castro  de Garcia de Resende.

* Partindo de Santarém  de Duarte de Brito.

* Poesia contra as mulheres  de Jorge de Aguiar.

* Trovas d' Álvaro de Brito Pestana a Luís Fogaça.

* Trovas que fez Duarte da Gama às desordens que agora se costumam em Portugal.

 

   Das cerca de mil composições, apenas indicamos estas oito. De leitura bastante fácil, abordam diferentes temáticas, desde o amor à sátira e crítica social, constituindo uma primeira abordagem do cancioneiro suficientemente agradável para despertar o interesse do leitor para a leitura de outras composições. Alguns destes textos, bem como o transcrito, poderão ser encontrados na colectânea já citada de Corrêa de Oliveira e Saavedra Machado (vd. nota da pág. 220).

 

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