TIPOS DE TAREFAS
Para a análise dos diferentes tipos de tarefas que observámos e
fotografámos nos muitos lagares visitados, seria aparentemente lógico
efectuar o seu estudo tendo em conta as classificações tipológicas
anteriormente elaboradas, quer não só quanto aos tipos de moinho, quer
quanto aos tipos de prensa existentes. Todavia, iríamos deparar com
dificuldades. Por vezes, os modelos de tarefas que encontramos não estão
de acordo com aquilo que seria de esperar, coexistindo, frequentemente,
mais do que um tipo no mesmo lagar. Pondo de lado todas as
classificações tipológicas elaboradas relativamente aos lagares de
azeite, preferimos, para uma
maior facilidade de estudo, tomar apenas em consideração os materiais de
que são feitos os recipientes de decantação dos líquidos provenientes
das diferentes prensagens. Assim, uma análise de todos os inquéritos
permitiu-nos concluir que, tendo em conta os materiais utilizados, as
tarefas podem ser divididas em quatro tipos:
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a) - tarefas de pedra (geralmente granito);
b) - tarefas de barro;
c) - tarefas de madeira;
d) - tarefas de metal
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Feita a triagem de todos os inquéritos e eliminados aqueles que suscitam
dúvidas quanto ao material de que são feitas as tarefas, ou que não
apresentam elementos com interesse para este campo do nosso trabalho,
ficámos apenas com um total de 56 inquéritos, distribuindo-se deste modo
os totais de lagares, tendo em conta o material dos recipientes de
decantação: pedra-17 lagares; barro-21 lagares; madeira-3 lagares;
metal-15 lagares.
A)
– TAREFAS DE PEDRA
Dos muitos lagares visitados, apenas 17 apresentavam as tarefas feitas
de pedra, sendo designadas pelos vocábulos indicados no quadro da figura
115. Da análise deste quadro, verificamos que, nos casos por nós
observados, 12 pertenciam a lagares de vara, 4 a lagares de parafuso e
apenas um era misto, ou seja, tratava-se de um lagar onde coexistiam,
lado a lado, prensas de vara e de parafuso. Em lagares de prensa
hidráulica não encontrámos tarefas construídas de pedra, o que parece
indicar que este tipo de material, geralmente o granito, anda associado
aos lagares mais antigos, conservando-se, todavia, ainda que em reduzido
número, em lagares onde a prensa de vara terá sido substituída por
prensas manuais de parafuso.
Deixando de lado o aspecto estatístico, passaremos à apresentação e
análise dos casos mais significativos, recorrendo simultaneamente às
imagens por nós obtidas e aos registos magnéticos das entrevistas
realizadas durante as visitas aos lagares. Para uma análise mais
rigorosa e metódica, esta far-se-á seguindo a ordem dos distritos
indicados no quadro da figura 115.
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DISTRITO
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TIPO DE PRENSA |
DESIGNAÇÃO |
Vara |
Parafuso |
Misto |
Hidráulica |
AVEIRO |
2 |
- |
- |
- |
pote |
BRAGA |
5 |
- |
- |
- |
pilão, pilhão, tanha |
BRAGANÇA |
1 |
1 |
- |
- |
tanha, tesouro |
COIMBRA |
- |
- |
- |
- |
---------------- |
GUARDA |
- |
1 |
1 |
- |
pote |
PORTO |
2 |
1 |
- |
- |
tesouro, talha |
VILA REAL |
2 |
1 |
- |
- |
talha |
TOTAL |
12 |
4 |
1 |
- |
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Figura 115:
Distribuição das tarefas de pedra encontradas em 17 lagares
tradicionais portugueses, tipos de prensa e designações dadas pelos
informadores. |
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Dos dois lagares visitados no distrito de Aveiro, Espiunca, P. 117, e
Vila Viçosa, P. 116, ambos no conc. de Arouca, apenas iremos referir o
segundo, por ser o que maior interesse apresenta(21).
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Figura 116: Prensa de vara do lagar de Vila Viçosa, P. 116, conc.
de Arouca. A meio da prensa, abaixo da sertã, o pote para
decantação. |
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Figura 117: Pormenor da sertã e do pote onde se efectua a
decantação, no lagar de Vila Viçosa, P. 116, conc. Arouca, dist.
Aveiro. |
De formato cilíndrico, a tarefa de decantação do lagar de Vila Viçosa é
conhecida por pote. Embora se torne difícil identificar
rigorosamente o material de que é feita, a sua textura parece indicar
tratar-se de granito, sendo formada, segundo se infere da análise da
fotografia, por dois blocos, um superior, no qual foi escavado todo o
recipiente, e uma base cilíndrica do mesmo material. O pote fica
situado aproximadamente a meio da vara, encostado aos prumos
verticais que impedem que a vara decline para um ou outro lado, e
imediatamente a seguir à sertã, como se pode verificar pela
observação da figura 117. Azeite e água quente das caldas correm
directamente para o pote (nº 6) e, por decantação, separa-se o
azeite da água, vindo à superfície. À medida que vai enchendo, o azeite
limpo vai sendo retirado para dentro de latas ou latões. No caso de
chegar à superfície do pote, um cano colocado no «gargalo» permite que o
azeite corra para dentro de um latão (nº 7) de folha, colocado ao
lado do pote. Quando o recipiente de decantação está demasiadamente
cheio de água-churra, é aberto um orifício situado na base,
permitindo o seu escoamento.
«– Isto chama-se pote. É um pote em pedra.
– O feitio é cilíndrico, só com uma boca, mais apertado, género de
garrafa.
– É, porqu'aqui im baixo é largo. [E tem isto em metal] para
botar isto... pa sair a água-ruça. (...)
– Isto de tirar a água não tem nome nenhum?
– Não, aqui chamam-l'áugua, áugua, no geral até é água-churra,
água-churra, mas o nome é água-ruça (...)».
Pretendíamos com o nosso diálogo obter o nome, já ouvido noutros
lagares, para a actividade de extracção da água-ruça do pote, designado
habitualmente por sangrar as tarefas; mas não conseguimos obter
outras informações com interesse para o assunto em questão, pelo que
passaremos para os lagares visitados no distrito de Braga.
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Figura 118:
Tarefas do lagar de Fundo de Vila, P. 31, Ribas, conc. Celorico de
Basto, dist. Braga. |
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Figura 119:
Tarefas do lagar de Pinhel, P. 28, freg. Outeiro, conc. Cabeceiras
de Basto, dist. Braga. |
Designados pelos vocábulos pilão e pilhão, o segundo
resultando seguramente do primeiro mediante um fenómeno fonético de
palatalização, as tarefas encontradas no distrito de Braga(22)
apresentam grandes semelhanças, quer relativamente ao material de que
são feitas (granito), quer quanto à estrutura. No entanto, as de Fundo
de Vila distinguem-se das restantes, denotando um maior rigor geométrico
na sua construção. Em qualquer dos lagares, as tarefas são constituídas
por dois depósitos, situados entre a zona de enseiramento e a caldeira
de aquecimento da água. O azeite e as águas com que se efectua o
escaldão das seiras correm por um rego escavado na superfície da pedra
para o primeiro depósito, situado num plano inferior ao da zona de
enseiramento. Neste primeiro depósito, efectua-se a separação do azeite
e da água. A partir do momento em que o azeite atinge o nível superior,
começa a correr para um segundo depósito, do mesmo material do primeiro,
encostado à parede onde se situa a fornalha, dela recebendo o calor. No
lagar de Fundo de Vila este segundo depósito encontra-se num nível
alguns centímetros abaixo do primeiro. O informador distinguiu os dois
depósitos, atribuindo-lhes nomes diferentes. Segundo ele, o primeiro é o
pilhão, sendo o segundo uma talha onde apenas existe
azeite.
No lagar de Pinhel, P. 28, o informador considerou o primeiro depósito
como sendo também o pilhão, designando o segundo por tarefa. E,
perante a nossa estranheza, confirmou o que anteriormente dissera.
Perante o nosso receio de que houvesse o perigo de extravasar o azeite
para fora do pilhão, forneceu-nos uma explicação mais pormenorizada, que
passamos a reproduzir tal como a transcrevemos do registo magnético: «Tem
aqui o... isto, que também é uma parte do pilhão. Ele começa a
encher e daqui [da zona do sangradoiro] eles tiram o
tufo do ingenho do pilhão e s'ela começar a intcher muito
eles tiram aqui e parte da água sai por aqui para fora...»
Melhores explicações foram-nos fornecidas nos lagares de Ponte do Feixe,
P. 34, e de Garceira, P. 34. Qualquer delas nos fornece elementos com
interesse, levando-nos ao seu registo quase integral.
Ouçamos primeiro o Senhor José Gonçalves Monteiro, do lagar de Garceira:
«Aqui é o pilhão. E depois daqui o azeite cumo é lebe vem à
tona da água e a água fica no fundo. De maneira que quando isto enche
p'ra cima tem aqui um buraco de saída que bem lá do fundo, isto bem lá
do fundo, qu'é o sifão, chamado o sifão. De maneira que eles
tapam aqui, isto enche e o azeite passa p'r'àcolá, para a tanha.
De maneira que quando o azeite bai indo, bai indo, bai indo, e a água
bai empurrando sempre o azeite p'ra cima. (...) Quando a água bem
aqui, cheg'àqui à beira, já não tem azeite, eles tiram isto.» E
destapando o buraco – o sangradoiro – a água-ruça sai, esvaziando
o tesouro até à altura aconselhável.
O informador do lagar de Ponte do Feixe, cujo nome lamentavelmente não
ficou no registo magnético, forneceu-nos elementos novos, apenas
ouvidos neste local. Ouçamos as suas palavras, que passamos a
transcrever:
«– (...) E depois antão dali binha p'r'àqui p'ra este pilão.
– O que é o pilão?
– É este pote im pedra.
– Para onde escorre o azeite da sertã.
– Portanto, do pilão binha por este frisozinho, este friso
aqui, e ia p'r'àli o azeite, par' esta parte qu'é outro pilãozinho
qu'está ali. Ora, aqui... tinham umas bassoirinhas de picadeira,
chamamos cá, ou gibardeira(23).
– Isso o que é?
– É umas coisas que há no monte, umas coisas que são repoulhudas com
picos, com uma folhinha miudinha. Aquase como loureiro. E depois as
folhas são bicudas e cheias de picos. De maneiras que picabom, o
azeite binha por ali e o que fosse água ficab'àqui; depois corria por
este lado, ia pó rio (...)»
No distrito de Bragança, nos dois lagares em que encontrámos tarefas de
granito, estas, conhecidas pelos termos tesouro e tanha,
têm a particularidade de estarem embutidas num bloco de granito, de
formato rectangular, fazendo-nos evocar as antigas arcas de madeira de
pinho, carvalho ou castanheiro, em que os nossos antepassados costumavam
guardar os cereais e onde, não raras vezes, tinham a salgadeira, bem
recheada de carne de porco e de presuntos para o ano inteiro. As tarefas
do lagar de Milhão, P. 103, em estado já de ruína, diferem das do lagar
de Fonte Longa, P. 86, unicamente pelo facto de, no primeiro lagar,
existir um pio rectangular (vd. fig.
◄120) para onde corriam o
azeite e as águas do caldeamento durante as prensagens, antes de
entrarem na primeira tarefa.
No lagar de Fonte Longa, o azeite e as
águas escorrem directamente da zona de enseiramento e prensagem para
dentro do primeiro tesouro, como verificámos em plena operação de
«fabrico do azeite». De facto, tivemos a sorte de visitar este lagar em
pleno funcionamento, o que nos permitiu acompanhar e fotografar as
diferentes fases da extracção do óleo, minuciosamente explicadas pelas
várias pessoas que trabalhavam no lagar, pelo menos umas cinco: uma para
acompanhar a moedura e o andamento da junta de bois (veja-se a
figura 59, apresentada no capítulo IV); duas para a operação de
enseiramento na prensa de parafuso e caldeamento da massa, que também
registámos fotograficamente; um mestre, que nos explicou o funcionamento
das tarefas e a quem fotografámos, quando tirava o azeite do segundo
tesouro e o media, deitando-o numa vasilha que designou por almude,
com a capacidade de vinte e cinco litros; um ajudante,
encarregado de levar a massa do farneiro para a prensa; etc.
Deixemos a enumeração e passemos a ouvir as sábias explicações do mestre
do lagar:
«... [O azeite dali – da prensa – escorre] p'ró tesouro. O
tesouro é esta pedra qu'est'àqui, como o senhor bê, prontos, um buraco,
prontos. Leba, leb'àí d quê... de 8 almudes d'água e d'azeite, bá, e
despois daí bem p'r'àqui p'ra este [segundo] tesouro.
– São dois tesouros?
– São dois tesouros, sim. Aí é qu'aparta o azeite, nué? [ou seja,
o azeite é separado por decantação no primeiro tesouro – vd. fig. 121].
Aqui [no segundo tesouro] já fic'àí limpo.
– E como é que ele passa de um lado para o outro?
– Passa, passa por aqui por este frisozinho.
Resposta de outra pessoa, que vinha a acompanhar a conversa: «Bem
p'r'àqui [para o segundo tesouro].
– P'r'àquela [para o primeiro tesouro] bem junto, quer dizer,
com sangra e água.
– Existe aqui um orifício?
– É p'ra sair, quer dizer, o Senhor, eu explico-le. Isto, por
exemplo, bai, entche aqui, nué? Mas a gente non quer qu'ele benha
p'r'àqui, porque tem alturas qu'o azeite não aparta, não é? Não
apartando a gente dá-le aqui a espera e ele salta aqui a sangra,
qu'isto nasce de baixo p'ra cima e desce aqui p'ra baixo e bai par'à rua.
– Tem portanto uma saída no fundo, em forma de sifão (vd. fig. 122). O
azeite está em cima e por baixo a água. Tirar-lhe essa sangra não
tem nome?
– Sangrar. Isto é o sangradoiro, nué? (...)»
Muitas outras perguntas foram feitas sobre as actividades relacionadas
com as tarefas ou tesouros do lagar de Fonte Longa. Mas deixamos as
respostas obtidas, talvez para quando nos ocuparmos especificamente da
actividade de sangrar as tarefas. Agora é mais importante o resumo do
que aprendemos com o diálogo, aproveitando, para isso, os esquemas das
figuras 121 e 122.
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Figura 121:
Esquema das tarefas do lagar de Fonte Longa, P. 86,
conc. Carrazeda de Ansiães, dist. Bragança. |
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Figura 122: Corte
do tesouro do lagar de Fonte Longa, P. 86, conc. Carrazeda de
Ansiães, dist. Bragança. |
O azeite e as águas com que se efectua o caldeamento das seiras escorrem
do prato da prensa de parafuso directamente para o primeiro
tesouro. Aqui, mediante um processo físico de decantação, azeite e
água separam-se, ao fim de algum tempo, ficando a água no fundo. Tal
como se pode observar na figura 122, a partir do momento em que o azeite
atinge um nível superior ao da saída do sangradoiro, a água-ruça
vai sendo empurrada pela coluna de azeite e saindo pelo tubo de
escoamento do sangradoiro. Todavia, a partir de certa altura, se
não se obstruísse a saída do sangradoiro, em vez de água
começaria a sair azeite. A partir do momento em que começa a haver uma
maior percentagem de azeite do que de água, a saída do sangradoiro
é tapada. E, atingido o nível da boca do tesouro, o azeite começa a
fluir pelo canal, escavado na superfície da tarefa, para o segundo
tesouro, onde, em regra, predomina azeite limpo de impurezas. Ao fim
de algum tempo, a percentagem de água começa a ser muito superior à do
azeite. Então, para evitar que esta possa correr para o segundo
tesouro, é destapada a saída do sangradoiro, para que a água
comece a ser novamente expulsa pela coluna de azeite que se vai
acumulando no primeiro tesouro. Apesar desta actividade
corresponder, no fundo, à operação de sangrar as tarefas, processa-se de
maneira diferente do que ocorre com as tarefas tradicionais de barro,
que referiremos mais adiante. No caso deste lagar, a existência do sifão
permite que o sangramento das tarefas se processe de maneira
quase automática, bastando para isso o controlo de um só homem. No caso
das tarefas de barro, esta operação tem de ser feita cuidadosamente pelo
mestre, coadjuvado por um ajudante, como veremos quando nos ocuparmos
deste assunto.
No distrito da Guarda, encontrámos tarefas de pedra apenas num lagar de
parafuso e num lagar misto, tendo sido designadas pelo vocábulo pote.
A estrutura é idêntica ao que vimos relativamente ao distrito de
Bragança. Importa apenas referir que, em relação ao lagar misto da
Quinta da Romeira, P. 206, freg. de Lageosa do Mondego, conc. de
Celorico da Beira, a primeira tarefa era designada por pote da aziaga,
por nela se juntar o azeite com as águas-ruças, escorrendo o azeite
limpo para um segundo depósito, bastante maior e com uma boca quadrada
coberta por uma tampa de madeira, a que o informador – o dono do lagar –
deu a designação de arca do azeite. Sobre ela encontravam-se
diversas medidas e recipientes de folha de Flandres.
As tarefas que encontrámos nos lagares dos distritos do Porto e Vila
Real, designadas por tesouro e talha, no primeiro, e
apenas talha no segundo distrito, embora construídas de granito,
distinguem-se das que encontrámos noutros lagares pelo facto de
constituírem um único recipiente, encostado à sertã (dist. Porto)
ou ao inseiradoiro (dist. Vila Real), construído de granito e
formando um bloco independente. No lagar de Casal, P. 56, o tesouro
ou tarefa é formado por um recipiente escavado em dois blocos de granito
sobrepostos, de secção quadrada. Na parte superior (vd. fig.
123▼),
existe uma bica do mesmo material, por onde escorre o azeite para
dentro de um almude de 24 litros, segundo o informador. Na metade
inferior, um torno de madeira obstrui o orifício por onde se efectua o
sangramento do tesouro. Na imagem pode-se ver que o mestre do
lagar se encontra a controlar a operação de decantação.
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Figura 123:
Tesouro de granito do lagar de Casal, P. 56, freg. Ansiães, conc.
Amarante, dist. Porto. |
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Figura 124: Desenho e
esquema do "tisoirinho" encontrado no lagar de Casal, P. 56. |
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Neste mesmo lagar encontrámos um objecto de folha de Flandres, que
não fotografámos, mas do qual elaborámos o esquema presente na figura
▲124. Disse-nos o informador que «é uma espécie dum tisoirinho
da prensa». Um segundo informador veio em ajuda do primeiro e deles
passamos a transcrever a explicação, identificando os dois informadores
respectivamente por I.1 e I.2:
«I.1 – Isto faz espécie dum tisouro. É um cânt'ro, a gente
chamal'um cânt'ro, mas faz à espécie do tisoiro.
I.2 – Depois de sair o azeite que sai aqui do bagaço [refere-se o
informador ao azeite que escorre da prensagem do bagaço numa
prensa de cincho] eles tapam aqui este buraquinho (fig. 124, nº
5) (...) E por aqui sai a sangra. E depois estando este
buraquinho cum rolhinho (nº 6), e deita aqui água (nº 4) e
a água bai ò fundo, e o azeite bem aqui ò cimo e sai aqui (nº 1)
p'ra uma basilha. E quando não tiver azeite, eles tiram o rolho
aqui (nº6) e ficà sair a sangra por ali (nº5).»
O cano onde está o «rolho» forma um ângulo recto com o cano que tem o
funil, pelo qual é deitada água bem quente para facilitar a operação de
decantação. O azeite que se extrai com este aparelho de lata é
logicamente de qualidade inferior, uma vez que é o que se obtém da
prensagem dos bagaços na prensa de cincho, de que se apresentam
alguns exemplares nas figuras 87, 88, 89, 90 e 92.
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Figura 125: Tarefas do lagar de Fundo de Vila, P. 57, freg.
Jazente, conc. Amarante, dist. Porto. |
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Nos lagares de Fundo de Vila, P. 57 (dist. Porto) e de Faiões, P. 75 (dist.
Vila Real), as tarefas constituem um bloco independente, com um
recipiente de pedra colocado a seguir à sertã. No primeiro lagar,
entre a tarefa e a sertã, existe ainda o pio, que comunica com o
tesouro, num nível ligeiramente inferior, por meio de uma conduta
feita de cimento aplicado sobre o granito. À direita, entre o tesouro
e a caldeira (vd. fig. 125) e num plano inferior, fica a talha,
feita de metal e embutida numa plataforma de tijolo e cimento. A
talha comunica com o tesouro por meio de um cano de metal,
que atravessa as paredes graníticas do tesouro. Junto do bordo do
tesouro é visível a ranhura correspondente ao sangradouro, que o
informador designou por sinfon.
No lagar de Fundo de Vila encontrámos um costume único, jamais
encontrado nas largas dezenas de lagares por nós visitadas e que mereceu
a nossa curiosidade e registo. A certa altura, no decurso das diversas
actividades do lagar, verificámos que o mestre colocou um ferro na
fornalha da caldeira, retirando-o alguns minutos depois em brasa e
enfiando-o no tesouro. Estranhando tal procedimento, que nunca havíamos
presenciado, travámos com ele o seguinte diálogo:
«– Para que é que o senhor pôs esse ferro em brasa dentro do tisoiro?
– O azeite ensardinhou – respondeu-nos um dos homens
presentes.
E o mestre confirmou, acrescentando que o azeite ensardinhara um
bocadinho.
– Mas o que vem a ser isso de ensardinhar?
– Entoldou, entoldou. A água aqui a cair entòlda um bocadinho. E isto
o ferro quenti faz ele alisar outra vez.
– Entoldar quer dizer que fica...
– ...Fica grosso.
– E porque é que ele ensardinhou? Isso é provocado por quê?
– Não sei. É debido à azeitona, é da massa.
–
O ferro está em brasa?
– Está sim. (...)»
Segundo pudemos observar, o ferro em brasa tem a vantagem de tornar o
azeite mais fluido. Com o frio, o azeite ensardinha ou
entolda-se, para empregarmos as palavras do nosso informador, ou
seja, fica coalhado, aumentando-lhe a densidade. Consequentemente, a
impulsão sofrida por impurezas que eventualmente escorram da massa é
feita com mais dificuldade. Com o aquecimento do azeite e sua maior
fluidez, as partículas de impurezas vêm mais facilmente à superfície,
podendo ser retiradas. Por outro lado, a decantação processa-se com
maior facilidade. Assim, tornando-se necessário que o azeite corra
liberto de impurezas do primeiro para o segundo tesouro ou talha,
aquecem-no com um ferro em brasa, tornando-o muito mais fluido. E eis
explicada a razão de um procedimento inédito, que o acaso nos permitiu
ficar a conhecer e ao qual foi dado o nome original de desensardinhar.
Apesar de, em lagares posteriormente visitados, termos procurado
averiguar se esta prática era conhecida e utilizada, acabámos por ter de
concluir que era desconhecida e exclusiva do lagar de Fundo de Vila do
concelho de Amarante, no distrito do Porto. E acrescentamos aqui o
concelho e distrito para que não haja qualquer eventual confusão com o
outro lagar com o mesmo nome, situado no concelho de Celorico de Basto,
no distrito de Braga.
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No lagar de Faiões, P. 75, ao lado da tarefa e independente desta fica
um pote de pedra, documentado na figura 126, coberto por uma tampa
circular de madeira, para o qual corre o azeite depurado. No bordo do
bloco que circunda a tarefa fica a abertura correspondente ao sangrador. |
Figura 126: Talha ou tarefa do lagar de Faiões, P. 775, conc.
Chaves, dist. Vila Real. |
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