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Fabrico Tradicional do Azeite em Portugal (Estudo Linguístico-Etnográfico), Aveiro, 2014, XIV+504 pp. ©

 

VIII

SISTEMAS DE DECANTAÇÃO

 

TIPOS DE TAREFAS

Para a análise dos diferentes tipos de tarefas que observámos e fotografámos nos muitos lagares visitados, seria aparentemente lógico efectuar o seu estudo tendo em conta as classificações tipológicas anteriormente elaboradas, quer não só quanto aos tipos de moinho, quer quanto aos tipos de prensa existentes. Todavia, iríamos deparar com dificuldades. Por vezes, os modelos de tarefas que encontramos não estão de acordo com aquilo que seria de esperar, coexistindo, frequentemente, mais do que um tipo no mesmo lagar. Pondo de lado todas as classificações tipológicas elaboradas relativamente aos lagares de azeite, preferimos, para uma maior facilidade de estudo, tomar apenas em consideração os materiais de que são feitos os recipientes de decantação dos líquidos provenientes das diferentes prensagens. Assim, uma análise de todos os inquéritos permitiu-nos concluir que, tendo em conta os materiais utilizados, as tarefas podem ser divididas em quatro tipos:

 

a) - tarefas de pedra (geralmente granito);
b) - tarefas de barro;
c) - tarefas de madeira;
d) - tarefas de metal

Feita a triagem de todos os inquéritos e eliminados aqueles que suscitam dúvidas quanto ao material de que são feitas as tarefas, ou que não apresentam elementos com interesse para este campo do nosso trabalho, ficámos apenas com um total de 56 inquéritos, distribuindo-se deste modo os totais de lagares, tendo em conta o material dos recipientes de decantação: pedra-17 lagares; barro-21 lagares; madeira-3 lagares; metal-15 lagares.

 

A) – TAREFAS DE PEDRA

Dos muitos lagares visitados, apenas 17 apresentavam as tarefas feitas de pedra, sendo designadas pelos vocábulos indicados no quadro da figura 115. Da análise deste quadro, verificamos que, nos casos por nós observados, 12 pertenciam a lagares de vara, 4 a lagares de parafuso e apenas um era misto, ou seja, tratava-se de um lagar onde coexistiam, lado a lado, prensas de vara e de parafuso. Em lagares de prensa hidráulica não encontrámos tarefas construídas de pedra, o que parece indicar que este tipo de material, geralmente o granito, anda associado aos lagares mais antigos, conservando-se, todavia, ainda que em reduzido número, em lagares onde a prensa de vara terá sido substituída por prensas manuais de parafuso.

Deixando de lado o aspecto estatístico, passaremos à apresentação e análise dos casos mais significativos, recorrendo simultaneamente às imagens por nós obtidas e aos registos magnéticos das entrevistas realizadas durante as visitas aos lagares. Para uma análise mais rigorosa e metódica, esta far-se-á seguindo a ordem dos distritos indicados no quadro da figura 115.

 


DISTRITO
 

TIPO DE PRENSA


DESIGNAÇÃO

Vara

Parafuso

Misto

Hidráulica

AVEIRO

2

-

-

-

pote

BRAGA

5

-

-

-

pilão, pilhão, tanha

BRAGANÇA

1

1

-

-

tanha, tesouro

COIMBRA

-

-

-

-

----------------

GUARDA

-

1

1

-

pote

PORTO

2

1

-

-

tesouro, talha

VILA REAL

2

1

-

-

talha

TOTAL

12

4

1

-

 

 
 

Figura 115: Distribuição das tarefas de pedra encontradas em 17 lagares tradicionais portugueses, tipos de prensa e designações dadas pelos informadores.

 

Dos dois lagares visitados no distrito de Aveiro, Espiunca, P. 117, e Vila Viçosa, P. 116, ambos no conc. de Arouca, apenas iremos referir o segundo, por ser o que maior interesse apresenta(21).

 

Figura 116: Prensa de vara do lagar de Vila Viçosa, P. 116, conc. de Arouca. A meio da prensa, abaixo da sertã, o pote para decantação.

 

Figura 117: Pormenor da sertã e do pote onde se efectua a decantação, no lagar de Vila Viçosa, P. 116, conc. Arouca, dist. Aveiro.

De formato cilíndrico, a tarefa de decantação do lagar de Vila Viçosa é conhecida por pote. Embora se torne difícil identificar rigorosamente o material de que é feita, a sua textura parece indicar tratar-se de granito, sendo formada, segundo se infere da análise da fotografia, por dois blocos, um superior, no qual foi escavado todo o recipiente, e uma base cilíndrica do mesmo material. O pote fica situado aproximadamente a meio da vara, encostado aos prumos verticais que impedem que a vara decline para um ou outro lado, e imediatamente a seguir à sertã, como se pode verificar pela observação da figura 117. Azeite e água quente das caldas correm directamente para o pote (nº 6) e, por decantação, separa-se o azeite da água, vindo à superfície. À medida que vai enchendo, o azeite limpo vai sendo retirado para dentro de latas ou latões. No caso de chegar à superfície do pote, um cano colocado no «gargalo» permite que o azeite corra para dentro de um latão (nº 7) de folha, colocado ao lado do pote. Quando o recipiente de decantação está demasiada­mente cheio de água-churra, é aberto um orifício situado na base, permitin­do o seu escoamento.

«– Isto chama-se pote. É um pote em pedra.

– O feitio é cilíndrico, só com uma boca, mais apertado, género de garrafa.

É, porqu'aqui im baixo é largo. [E tem isto em metal] para botar isto... pa sair a água-ruça. (...)

– Isto de tirar a água não tem nome nenhum?

Não, aqui chamam-l'áugua, áugua, no geral até é água-churra, água-churra, mas o nome é água-ruça (...)».

 Pretendíamos com o nosso diálogo obter o nome, já ouvido noutros lagares, para a actividade de extracção da água-ruça do pote, designado habitualmente por sangrar as tarefas; mas não conseguimos obter outras informações com interesse para o assunto em questão, pelo que passaremos para os lagares visitados no distrito de Braga.

 

Figura 118: Tarefas do lagar de Fundo de Vila, P. 31, Ribas, conc. Celorico de Basto, dist. Braga.    Figura 119: Tarefas do lagar de Pinhel, P. 28, freg. Outeiro, conc. Cabeceiras de Basto, dist. Braga.

Designados pelos vocábulos pilão e pilhão, o segundo resultando seguramente do primeiro mediante um fenómeno fonético de palatalização, as tarefas encontradas no distrito de Braga(22) apresentam grandes semelhanças, quer relativamente ao material de que são feitas (granito), quer quanto à estrutura. No entanto, as de Fundo de Vila distinguem-se das restantes, denotando um maior rigor geométrico na sua construção. Em qualquer dos lagares, as tarefas são constituídas por dois depósitos, situados entre a zona de enseiramento e a caldeira de aquecimento da água. O azeite e as águas com que se efectua o escaldão das seiras correm por um rego escavado na superfície da pedra para o primeiro depósito, situado num plano inferior ao da zona de enseiramento. Neste primeiro depósito, efectua-se a separação do azeite e da água. A partir do momento em que o azeite atinge o nível superior, começa a correr para um segundo depósito, do mesmo material do primeiro, encostado à parede onde se situa a fornalha, dela recebendo o calor. No lagar de Fundo de Vila este segundo depósito encontra-se num nível alguns centímetros abaixo do primeiro. O informador distinguiu os dois depósitos, atribuindo-lhes nomes diferentes. Segundo ele, o primeiro é o pilhão, sendo o segundo uma talha onde apenas existe azeite.

No lagar de Pinhel, P. 28, o informador considerou o primeiro depósito como sendo também o pilhão, designando o segundo por tarefa. E, perante a nossa estranheza, confirmou o que anteriormente dissera. Perante o nosso receio de que houvesse o perigo de extravasar o azeite para fora do pilhão, forneceu-nos uma explicação mais pormenorizada, que passamos a reproduzir tal como a transcrevemos do registo magnético: «Tem aqui o... isto, que também é uma parte do pilhão. Ele começa a encher e daqui [da zona do sangradoiro] eles tiram o tufo do ingenho do pilhão e s'ela começar a intcher muito eles tiram aqui e parte da água sai por aqui para fora...»

Melhores explicações foram-nos fornecidas nos lagares de Ponte do Feixe, P. 34, e de Garceira, P. 34. Qualquer delas nos fornece elementos com interesse, levando-nos ao seu registo quase integral.

Ouçamos primeiro o Senhor José Gonçalves Monteiro, do lagar de Garceira:

«Aqui é o pilhão. E depois daqui o azeite cumo é lebe vem à tona da água e a água fica no fundo. De maneira que quando isto enche p'ra cima tem aqui um buraco de saída que bem lá do fundo, isto bem lá do fundo, qu'é o sifão, chamado o sifão. De maneira que eles tapam aqui, isto enche e o azeite passa p'r'àcolá, para a tanha. De maneira que quando o azeite bai indo, bai indo, bai indo, e a água bai empurrando sempre o azeite p'ra cima. (...) Quando a água bem aqui,  cheg'àqui à beira, já não tem azeite, eles tiram isto.» E destapando o buraco – o sangradoiro – a água-ruça sai, esvaziando o tesouro até à altura aconselhável.

O informador do lagar de Ponte do Feixe, cujo nome lamentavelmente não ficou no registo magnético,  forneceu-nos elementos novos, apenas ouvidos neste local. Ouçamos as suas palavras, que passamos a transcrever:

«– (...) E depois antão dali binha p'r'àqui p'ra este pilão.

– O que é o pilão?

É este pote im pedra.

– Para onde escorre o azeite da sertã.

Portanto, do pilão binha por este frisozinho, este friso aqui, e ia p'r'àli o azeite, par' esta parte qu'é outro pilãozinho qu'está ali. Ora, aqui... tinham umas bassoirinhas de picadeira, chamamos cá, ou gibardeira(23).

– Isso o que é?

É umas coisas que há no monte, umas coisas que são repoulhudas com picos, com uma folhinha miudinha. Aquase como loureiro. E depois as folhas são bicudas e cheias de picos. De maneiras que picabom, o azeite binha por ali e o que fosse água ficab'àqui; depois corria por este lado, ia pó rio (...)»

No distrito de Bragança, nos dois lagares em que encontrámos tarefas de granito, estas, conhecidas pelos termos tesouro e tanha, têm a particularidade de estarem embutidas num bloco de granito, de formato rectangular, fazendo-nos evocar as antigas arcas de madeira de pinho, carvalho ou castanheiro, em que os nossos antepassados costumavam guardar os cereais e onde, não raras vezes, tinham a salgadeira, bem recheada de carne de porco e de presuntos para o ano inteiro. As tarefas do lagar de Milhão, P. 103, em estado já de ruína, diferem das do lagar de Fonte Longa, P. 86, unicamente pelo facto de, no primeiro lagar, existir um pio rectangular (vd. fig. 120) para onde corriam o azeite e as águas do caldeamento durante as prensagens, antes de entrarem na primeira tarefa.

No lagar de Fonte Longa, o azeite e as águas escorrem directamente da zona de enseiramento e prensagem para dentro do primeiro tesouro, como verificámos em plena operação de «fabrico do azeite». De facto, tivemos a sorte de visitar este lagar em pleno funcionamento, o que nos permitiu acompanhar e fotografar as diferentes fases da extracção do óleo, minuciosamente explicadas pelas várias pessoas que trabalhavam no lagar, pelo menos umas cinco: uma para acompanhar a moedura e o andamento da junta de bois (veja-se a figura 59, apresentada no capítulo IV); duas para a operação de enseiramento na prensa de parafuso e caldeamento da massa, que também registámos fotograficamente; um mestre, que nos explicou o funcionamento das tarefas e a quem fotografámos, quando tirava o azeite do segundo tesouro e o media, deitando-o numa vasilha que designou por almude, com a capacidade de vinte e cinco litros; um ajudante, encarregado de levar a massa do farneiro para a prensa; etc. Deixemos a enumeração e passemos a ouvir as sábias explicações do mestre do lagar:

«... [O azeite dali – da prensa – escorre] p'ró tesouro. O tesouro é esta pedra qu'est'àqui, como o senhor bê, prontos, um buraco, prontos. Leba, leb'àí d quê... de 8 almudes d'água e d'azei­te, bá, e despois daí bem p'r'àqui p'ra este [segundo] tesouro.

– São dois tesouros?

São dois tesouros, sim. Aí é qu'aparta o azeite, nué? [ou seja, o azeite é separado por decantação no primeiro tesouro – vd. fig. 121]. Aqui [no segundo tesouro] já fic'àí limpo.

– E como é que ele passa de um lado para o outro?

 Passa, passa por aqui por este frisozinho.

Resposta de outra pessoa, que vinha a acompanhar a conversa: «Bem p'r'àqui [para o segundo tesouro].

P'r'àquela [para o primeiro tesouro] bem junto, quer dizer, com sangra e água.

– Existe aqui um orifício?

É p'ra sair, quer dizer, o Senhor, eu explico-le. Isto, por exemplo, bai, entche aqui, nué? Mas a gente non quer qu'ele benha p'r'àqui, porque tem alturas qu'o azeite não aparta, não é? Não apartando a gente dá-le aqui a espera e ele salta aqui a sangra, qu'isto nasce de baixo p'ra cima e desce aqui p'ra baixo e bai par'à rua.

– Tem portanto uma saída no fundo, em forma de sifão (vd. fig. 122). O azeite está em cima e por baixo a água. Tirar-lhe essa sangra não tem nome?

Sangrar. Isto é o sangradoiro, nué? (...)»

Muitas outras perguntas foram feitas sobre as actividades relacionadas com as tarefas ou tesouros do lagar de Fonte Longa. Mas deixamos as respostas obtidas, talvez para quando nos ocuparmos especificamente da actividade de sangrar as tarefas. Agora é mais importante o resumo do que aprendemos com o diálogo, aproveitando, para isso, os esquemas das figuras 121 e 122.

 

Figura 121: Esquema das tarefas do lagar de Fonte Longa, P. 86,
                       conc. Carrazeda de Ansiães, dist. Bragança.
  Figura 122: Corte do tesouro do lagar de Fonte Longa, P. 86, conc. Carrazeda de Ansiães, dist. Bragança.

O azeite e as águas com que se efectua o caldeamento das seiras escorrem do prato da prensa de parafuso directamente para o primeiro tesouro. Aqui, mediante um processo físico de decantação, azeite e água separam-se, ao fim de algum tempo, fican­do a água no fundo. Tal como se pode observar na figura 122, a partir do momento em que o azeite atinge um nível superior ao da saída do sangradoiro, a água-ruça vai sendo empurrada pela coluna de azeite e saindo pelo tubo de escoamento do sangradoiro. Todavia, a partir de certa altura, se não se obstruísse a saída do sangradoiro, em vez de água começaria a sair azeite. A partir do momento em que começa a haver uma maior percentagem de azeite do que de água, a saída do sangradoiro é tapada. E, atingido o nível da boca do tesouro, o azeite começa a fluir pelo canal, escavado na superfície da tarefa, para o segundo tesouro, onde, em regra, predomina azeite limpo de impurezas. Ao fim de algum tempo, a percentagem de água começa a ser muito superior à do azeite. Então, para evitar que esta possa correr para o segundo tesouro, é destapada a saída do sangradoiro, para que a água comece a ser novamente expulsa pela coluna de azeite que se vai acumulando no primeiro tesouro. Apesar desta actividade corresponder, no fundo, à operação de sangrar as tarefas, processa-se de maneira diferente do que ocorre com as tarefas tradicionais de barro, que referiremos mais adiante. No caso deste lagar, a existência do sifão permite que o sangramento das tarefas se processe de maneira quase automática, bastando para isso o controlo de um só homem. No caso das tarefas de barro, esta operação tem de ser feita cuidadosamente pelo mestre, coadjuvado por um ajudante, como veremos quando nos ocuparmos deste assunto.

No distrito da Guarda, encontrámos tarefas de pedra apenas num lagar de parafuso e num lagar misto, tendo sido designadas pelo vocábulo pote. A estrutura é idêntica ao que vimos relativamente ao distrito de Bragança. Importa apenas referir que, em relação ao lagar misto da Quinta da Romeira, P. 206, freg. de Lageosa do Mondego, conc. de Celorico da Beira, a primeira tarefa era designada por pote da aziaga, por nela se juntar o azeite com as águas-ruças, escorrendo o azeite limpo para um segundo depósito, bastante maior e com uma boca quadrada coberta por uma tampa de madeira, a que o informador – o dono do lagar – deu a designação de arca do azeite. Sobre ela encontravam-se diversas medidas e recipientes de folha de Flandres.

As tarefas que encontrámos nos lagares dos distritos do Porto e Vila Real, designadas por tesouro e talha, no primeiro, e apenas talha no segundo distrito, embora construídas de granito, distinguem-se das que encontrámos noutros lagares pelo facto de constituírem um único recipiente, encostado à sertã (dist. Porto) ou ao inseiradoiro (dist. Vila Real), construído de granito e formando um bloco independente. No lagar de Casal, P. 56, o tesouro ou tarefa é formado por um recipiente escavado em dois blocos de granito sobrepostos, de secção quadrada. Na parte superior (vd. fig. 123), existe uma bica do mesmo material, por onde escorre o azeite para dentro de um almude de 24 litros, segundo o informador. Na metade inferior, um torno de madeira obstrui o orifício por onde se efectua o sangramento do tesouro. Na imagem pode-se ver que o mestre do lagar se encontra a controlar a operação de decantação.

 
Figura 123: Tesouro de granito do lagar de Casal, P. 56, freg. Ansiães, conc. Amarante, dist. Porto.  

Figura 124: Desenho e esquema do "tisoirinho" encontrado no lagar de Casal, P. 56.

Neste mesmo lagar encontrámos um objecto de folha de Flandres, que não fotografámos, mas do qual elaborámos o esquema presente na figura 124. Disse-nos o informador que «é uma espécie dum tisoirinho da prensa». Um segundo informador veio em ajuda do primeiro e deles passamos a transcrever a explicação, identificando os dois informadores respectivamente por I.1 e I.2:

«I.1 – Isto faz espécie dum tisouro. É um cânt'ro, a gente chamal'um cânt'ro, mas faz à espécie do tisoiro.

I.2 – Depois de sair o azeite que sai aqui do bagaço [refere-se o informador ao azeite que escorre da prensa­gem do bagaço numa prensa de cincho] eles tapam aqui este buraquinho (fig. 124, nº 5) (...) E por aqui sai a sangra. E depois estando este buraquinho cum rolhinho (nº 6), e deita aqui água (nº 4) e a água bai ò fundo, e o azeite bem aqui ò cimo e sai aqui (nº 1) p'ra uma basilha. E quando não tiver azeite, eles tiram o rolho aqui (nº6) e ficà sair a sangra por ali (nº5).»

O cano onde está o «rolho» forma um ângulo recto com o cano que tem o funil, pelo qual é deitada água bem quente para facilitar a operação de decantação. O azeite que se extrai com este aparelho de lata é logicamente de qualidade inferior, uma vez que é o que se obtém da prensagem dos bagaços na prensa de cincho, de que se apresentam alguns exemplares nas figuras 87, 88, 89, 90 e 92.

 

 
  Figura 125: Tarefas do lagar de Fundo de Vila, P. 57, freg. Jazente, conc. Amarante, dist. Porto.  

 Nos lagares de Fundo de Vila, P. 57 (dist. Porto) e de Faiões, P. 75 (dist. Vila Real), as tarefas constituem um bloco independente, com um recipiente de pedra colocado a seguir à sertã. No primeiro lagar, entre a tarefa e a sertã, existe ainda o pio, que comunica com o tesouro, num nível ligeiramente inferior, por meio de uma conduta feita de cimento aplicado sobre o granito. À direita, entre o tesouro e a caldeira (vd. fig. 125) e num plano inferior, fica a talha, feita de metal e embutida numa plataforma de tijolo e cimento. A talha comunica com o tesouro por meio de um cano de metal, que atravessa as paredes graníticas do tesouro. Junto do bordo do tesouro é visível a ranhura correspondente ao sangradouro, que o informador designou por sinfon.

No lagar de Fundo de Vila encontrámos um costume único, jamais encontrado nas largas dezenas de lagares por nós visitadas e que mereceu a nossa curiosidade e registo. A certa altura, no decurso das diversas actividades do lagar, verificámos que o mestre colocou um ferro na fornalha da caldeira, retirando-o alguns minutos depois em brasa e enfiando-o no tesouro. Estranhando tal procedimento, que nunca havíamos presenciado, travámos com ele o seguinte diálogo:

«– Para que é que o senhor pôs esse ferro em brasa dentro do tisoiro?

O azeite ensardinhou – respondeu-nos um dos homens presentes.

E o mestre confirmou, acrescentando que o azeite ensardinhara um bocadinho.

– Mas o que vem a ser isso de ensardinhar?

Entoldou, entoldou. A água aqui a cair entòlda um bocadinho. E isto o ferro quenti faz ele alisar outra vez.

– Entoldar quer dizer que fica...

...Fica grosso.

– E porque é que ele ensardinhou? Isso é provocado por quê?

Não sei. É debido à azeitona, é da massa.

O ferro está em brasa?

Está sim. (...)»

Segundo pudemos observar, o ferro em brasa tem a vantagem de tornar o azeite mais fluido. Com o frio, o azeite ensardinha ou entolda-se, para empregarmos as palavras do nosso informador, ou seja, fica coalhado, aumentando-lhe a densidade. Consequentemente, a impulsão sofrida por impurezas que eventualmente escorram da massa é feita com mais dificuldade. Com o aquecimento do azeite e sua maior fluidez, as partículas de impurezas vêm mais facilmente à superfície, podendo ser retiradas. Por outro lado, a decantação processa-se  com maior facilidade.  Assim,  tornando-se necessário que o azeite corra liberto de impurezas do primeiro para o segundo tesouro ou talha, aquecem-no com um ferro em brasa, tornando-o muito mais fluido. E eis explicada a razão de um procedimento inédito, que o acaso nos permitiu ficar a conhecer e ao qual foi dado o nome original de desensardinhar. Apesar de, em lagares posteriormente visitados, termos procurado averiguar se esta prática era conhecida e utilizada, acabámos por ter de concluir que era desconhecida e exclusiva do lagar de Fundo de Vila do concelho de Amarante, no distrito do Porto. E acrescentamos aqui o concelho e distrito para que não haja qualquer eventual confusão com o outro lagar com o mesmo nome, situado no conce­lho de Celorico de Basto, no distrito de Braga.

 

No lagar de Faiões, P. 75, ao lado da tarefa e independente desta fica um pote de pedra, documentado na figura 126, coberto por uma tampa circular de madeira, para o qual corre o azeite depurado. No bordo do bloco que circunda a tarefa fica a abertura correspondente ao sangrador.

Figura 126: Talha ou tarefa do lagar de Faiões, P. 775, conc. Chaves, dist. Vila Real.  

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(21) – O lagar de Vila Viçosa foi um dos quatro lagares de vara por nós minuciosamente analisados no artigo Por terras de Arouca. Quatro antigas oficinas oleícolas, publicado entre 1980 e 1982 nos "Boletins da Associação para o Estudo e Defesa do Património Natural e Cultural da Região de Aveiro" (ADERAV) e reeditado em 1994 pela revista editada pela FEDRAVE, "Estudos Aveirenses", nº 2, págs. 83-128.

(22) – Os cinco lagares do distrito de Braga cujas tarefas são de granito ficam em Chacim, P. 29, e Pinhel, P.28, no concelho de Cabeceiras de Basto, e em Fundo de Vila, P. 31, Garceira, P. 32, e Ponte do Feixe, P. 34, no concelho de Celorico de Basto.

(23) – Encontrámos igualmente ramos destes, com que picam o azeite, no lagar de Fundo de Vila, P. 57, freg. de Jasente, conc. Amarante, dist. Porto.

 

 

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