Apresentados os nomes pelos quais é
conhecido o alguerbe ou sertã e indicados os diversos sentidos
registados para essas palavras, importa agora saber como se procede para
fazer
o enseiramento.
|
|
|
|
Figura 102: A massa é deitada nas seiras empilhadas no
alguerbe (Mata, P. 297, freg. Vila Nova do Ceira, conc. Góis, dist.
Coimbra). |
|
Colocada a primeira seira
no alguerbe e despejada a massa no seu interior, o mestre espalha-a
uniformemente com as mãos, de maneira a preencher toda a superfície do
recipiente de fibra. Para designar o trabalho de despejar a massa no
interior das seiras, que vemos documentado na figura 102, foi por nós
registada a expressão brocar a massa. Ao conjunto de massa
enseirada é dado o nome de madura, no distrito da Guarda,
concelho de Pinhel(27).
Cheia a primeira seira, é colocada
segunda e terceira, formando o conjunto o chamado enseiramento(28),
moinho(29) ou prensada. O número de seiras,
habitualmente de três, varia de lagar para lagar, podendo oscilar entre
duas e sete.
Concluído o enchimento da seira
cimeira (Coimbra, P. 255), usa-se em
alguns lagares – embora raramente – tapar a boca da seira com outra
vazia e já gasta pelo tempo. O mais normal, todavia, consiste em colocar
sobre o conjunto ou pilha de seiras apenas uma prancha circular de
madeira, com diâmetro um pouco maior que o das seiras, conhecida pelas
designações de adufa, porta e trincho.
O primeiro termo, apresentado em 1933 por Guilherme
Felgueiras(30) e por
ele definido como «peça de madeira, movediça, usada nas prensas
espremedoras dos lagares de vinho e de azeite, sobre a qual assentam os
malhais», foi por nós registado especialmente na área de Coimbra, P.
253, 255, 256, 258, 261, 262, 286, 297, 300, 302, surgindo-nos ainda
isoladamente nos distritos de Castelo Branco, concelho da Covilhã,
Guarda e Vila Real, P. 78.
O segundo termo, recolhido em Izeda por Guilherme
Felgueiras(31) e por
ele apresentado na mesma revista com o sentido de «adufa, que assenta
directamente sobre as seiras, nos lagares de azeite e sobre a qual se
colocam os malhais e a trave da prensa», foi por nós registado numa
ampla área, que abrange os distritos de Aveiro, P. 116, 117, 120, Braga,
P. 28, 29, 31, 32, Guarda, P. 206, 207, Porto, P. 51, 52, 54a, 56, 57, e
Vila Real, P. 76a.
O vocábulo
trincho foi por nós registado apenas no distrito de Aveiro, P. 118.
Maria Margarida Furtado Martins(32)
apresenta ainda o vocábulo tampa para designar a «peça de
madeira com que se tapam as seiras na ocasião em que a massa da azeitona
é espremida».
A função essencial da
adufa ou porta é a de
distribuir uniformemente por toda a superfície das seiras a pressão
exercida pela vara.
|
|
|
|
Figura 103: Por sobre a pilha de seiras é colocada uma adufa
e alguns malhais (Mata, P. 297, freg. Vila Nova do Ceira, conc.
Góis, dist. Coimbra). |
|
Para dar maior altura à coluna de seiras, são colocados
sobre a adufa grossas rodelas, vigas ou barrotes curtos de madeira,
documentados na figura 103, conhecidos habitualmente pela designação de
malhais(33) ou
ainda, embora mais raramente, por tabuões (Aveiro, P. 118) ou
tacos (Aveiro, P. 120).
De maneira idêntica ao que
se passa entre nós, em Espanha a massa é retirada do moinho com pás de
madeira ou de ferro para dentro de cubos de metal, que são
vertidos sobre as seiras. Estas, em número de catorze, são empilhadas
com a boca para cima, constituindo o conjunto a chamada carga ou
pie da prensa. A boca da última seira é coberta com outra vazia,
sobre a qual assenta uma pesada tábua circular – a chamada compuerta
–, que distribui uniformemente a pressão da vara(34).
Colocado o último malhal, o mestre
ou um dos ajudantes enfia no ouvido ou buraco do fuso a chamada
panca, torteiral ou tranca, vara comprida e
cilíndrica de madeira, com a qual toca o fuso, obrigando a prensa a
descer. E está iniciada a primeira prensagem, que se efectua sempre a
frio e segundo as fases já descritas no capítulo anterior, quando
tratámos do funcionamento da vara peninsular.
Terminado ao fim de certo tempo a primeira prensagem, a
vara volta a ser erguida, a fim de se proceder ao chamado
escaldão (Coimbra, P. 284), mais
conhecido entre o povo por caldar (Aveiro, P. 162; Coimbra, P.
277, 280b, 283, 284, 286, 289b, 302; Guarda, P. 211; Leiria, P. 341a;
Vila Real, P. 75), calda ou caldas (Aveiro, P. 117, 118;
Braga, P. 28, 29; Bragança, P. 92; Coimbra, P. 261, 284, 300, 303;
Guarda, P. 206; Porto, P. 51, 57; Vila Real, P. 76a), caldeação
(Coimbra, P. 303), caldeamento (Coimbra, P. 238, 257; Guarda, P.
216), caldear (Aveiro, P. 120, 158; Braga, P. 34; Bragança, P.
86; Castelo Branco; Coimbra, P. 261, 297; Guarda, P. 207, 209, 211, 216,
227; Leiria P. 355; Porto, P. 52, 54a, 54b, 56, 57, 60; Vila Real, P.
78), dar as caldas (Braga, P. 32; Coimbra, P. 254, 256, 262,
284), escalda (Santarém, P. 334), escaldar (Aveiro, P.
121; Coimbra, P. 255, 294), escaldar a massa (Bragança, P. 86),
escaldear (Coimbra, P. 262; Guarda, P. 207) e escalfiar
(Aveiro, P. 118).
|
|
|
|
Figura 104:
As caldas (ou escaldão) são dadas com água a ferver, retirada da
caldeira com um cocho ou coco (Casal, P. 56, freg. Ansiães, conc.
Amarante, dist. Porto). |
|
Além dos termos apresentados e por nós recolhidos, quer
através de inquéritos directos, quer através dos valiosos elementos do I.L.B., António Ladislau Piçarra(35),
relativamente ao concelho de Serpa (distrito de Beja), apresenta-nos com
o mesmo sentido os vocábulos desembagaçar, desmoiçar e
migar; Maria Margarida Furtado Martins(36) regista ainda os
termos descoalhar e remigar, que designam operações que
consistem, para sermos mais rigorosos, em 'tornar líquida a massa da
azeitona' e 'esboroar ou desfazer a massa'. No fundo, estão relacionados
muito de perto com a operação de caldear ou caldar a massa.
Operação já descrita por Dalla Bella(37)
e outros autores, o escaldão – para nos servirmos de um termo
pertencente mais ao domínio técnico do que ao popular – é normalmente
composto por duas caldas seguidas de duas prensagens, aplicando-se o
termo calda à primeira operação de caldeamento e
rescalda(38) à segunda. Em alguns lagares, embora mais
raramente, é ainda efectuada uma terceira prensagem, ou seja, contando
com a primeira, uma quarta prensagem. Esta, realizada a seco, é
conhecida pelo nome de revolta seca. Sem dúvida extremamente
rara, encontrámos a revolta seca apenas no lagar do Remungão, P. 261, no
distrito de Coimbra, pouco tempo antes de ele ter sido transformado em
fábrica de azeite; segundo nos explicou o dono, era efectuada
somente em determinadas circunstâncias, quando se pretendia obter um
maior enxugamento da massa.
No lagar de Assafarge, P. 284, no distrito de Coimbra,
chamam à segunda calda
quebra seca. A expressão é curiosa e dever-se-á provavelmente ao
facto de na povoação visitada os homens com quem conversámos empregarem
o verbo quebrar no sentido de 'acabar com'. Assim sendo,
quebra seca indica-nos a operação que consiste, para empregarmos uma
expressão corrente, em acabar com a secura da massa.
Quer a calda,
quer a rescalda são efectuadas de maneira idêntica e que passamos
a descrever.
Depois de a pilha de seiras ter sido apertada durante uma
ou duas horas, é levantada a prensa de vara. As seiras são puxadas de
azorro (Coimbra, P.
297), isto é, retiradas uma a uma pelo mestre e ajudante, que as colocam
ao lado do círculo de enseiramento. Apenas é conservada no lugar a
última, a que no lagar da Mata, P. 297, no distrito de Coimbra, dão o
nome de fundeira.
As seiras são em seguida
partidas (Guarda, P. 211) ou
cobradas (Aveiro, P. 118), isto é, dobradas ao meio e muito bem
remexidas, para destorroar o bagaço, uma vez que, no fim de cada
prensada, a massa fica intijulada(39), isto é, dura como
tijolo. Depois de solta, as abas da seira são levantadas com o auxílio
de pequenos tornos de madeira com 15 a 20 centímetros de comprimento,
que colocam no interior do recipiente em número de três ou quatro. A
estes pequenos tornos são dados os nomes de cachorros (Bragança,
P. 86; Porto, P. 51, 54a, 57), escantilhões (Aveiro, P. 116),
frades (Aveiro, P. 118; Braga, P. 29; Coimbra, P. 256, 258, 261,
262, 297, 300; Guarda, P. 211; Porto, P. 51; Vila Real, P. 75, 76a),
franqueletes (Guarda, P. 206), e moços (Guarda, P. 211;
Porto, P. 52). Além destes vocábulos, Maria Margarida Furtado Martins(40)
apresenta-nos ainda o termo sapo com idêntico sentido.
Aberta a boca da seira com a ajuda dos
frades, o ajudante retira da caldeira
água a ferver, que despeja no interior das seiras, tal como se documenta
na figura 104. Entretanto o mestre, com um frade ou uma colher
comprida de madeira, mexe muito bem a massa, até ficar transformada num
caldo líquido e homogéneo. É a isto que se chama dar a calda ou
caldas, operação idêntica à de rescalda e que é efectuada,
como vimos, com o auxílio de dois objectos de grande utilidade.
O primeiro é um recipiente cilíndrico de folha de
Flandres, munido de comprido cabo de madeira colocado obliquamente e que
o pode ou não atravessar de um lado ao outro. Com dimensões muito
variáveis, este objecto é conhecido por
àgueiro (Coimbra, P. 294), cabaço
(Guarda, P. 206), cace (Beja, conc. de Aljustrel, lugar de
Jungeiros), caço (Vila Real, P. 70, 76a), cocho (Braga, P.
22, 23, 28, 29, 31, 32, 34; Castelo Branco, conc. da Covilhã, lugar de
S. Jorge da Beira), coco [côco] (Aveiro, P. 116, 118; Porto, P.
51, 52, 54a, 56) copo (Porto, P. 57), garabano, grabano ou
gravano (Bragança, P. 86, 92, 100, 103; Guarda, P. 197; Vila
Real, P. 75).
Maria Margarida Furtado Martins(41)
regista também os vocábulos panela com o sentido de «copo
grande que serve para deitar água quente na massa ao ser caldeada»
(Alentejo) e trolho, que define como «regador de forma
especial, composto de uma vasilha, atravessado por um cabo comprido,
usado para deitar água na massa».
O segundo objecto para efectuar o caldeamento da massa é
uma colher comprida de madeira, com 60 a 80 centímetros de comprimento e
com uma das extremidades espalmadas, fazendo lembrar as vulgares
colheres de pau. Além do nome de
colher, registado nos distritos de
Aveiro, P. 118, 120, Braga, P. 29, Bragança, P. 86, 92, Coimbra, P. 255,
256, 258, 294, e Guarda, P. 211, encontrámos ainda a designação invulgar
e única de meixão, no distrito do Porto, P. 54.
Efectuada a calda da primeira seira, mestre e ajudante
vão-lhe colocando por cima as restantes e repetindo as mesmas operações.
Caldada a cimeira, isto
é, escaldada a seira que fica no cimo da pilha, são novamente colocados
adufa e malhais e realizada segunda prensagem.
Concluídas as duas caldas habituais e
três apertos, é dado por terminada a extracção do azeite, seguindo-se
nova fase no fabrico do azeite.
O bagaço é retirado das seiras e colocado num monte,
podendo ainda ser prensado num
cincho. Poderá depois servir de
combustível para a fornalha ou ser destinado a outros fins, a que não
nos referiremos por estarem já fora do âmbito deste capítulo.
|