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Fabrico Tradicional do Azeite em Portugal (Estudo Linguístico-Etnográfico), Aveiro, 2014, XIV+504 pp. ©

 

VI

PRENSAS DE AZEITE

 

PRENSA DE PARAFUSO

Dos muitos tipos de prensas de parafuso que encontrámos, iremos ocupar-nos agora do chamado cincho, a que já fizemos referência no capítulo I. Tal como aí referimos, estabelecemos uma distinção entre prensa de cincho e prensa de cinchos, com base na noção de que o próprio povo tem consciência.

Embora a prensa de cincho, ou simplesmente cincho, como é mais conhecida, seja um elemento secundário do lagar, pelas razões também já apontadas no referido capítulo, será dela que nos iremos ocupar, dadas as suas invulgares características.

Muito parecida com a usada para o vinho, ocupa uma área muito restrita. Encontrámo-la apenas em quatro lagares do distrito do Porto, respectivamente em Casal, P. 56, Fundo de Vila, P. 57, Pedregal, P. 51, e Sequeiros de Cima, P. 52, e em um lagar do distrito de Braga, na Ponte do Feixe, P. 34. Em todas as povoações era conhecida por cincho.

Figura 87: Aspecto de uma prensa de cincho (Sequeiros, P. 52, freg. Ancede, conc. Baião, dist. Porto).

Relacionada com cincho está a palavra cinchada, ouvida com frequência no lagar de Fundo de Vila, P. 57. Com ela o informador e restante pessoal que aí trabalhava pretendia indicar a 'quantidade de bagaço apertado de cada vez no cincho' e da qual sai, quando muito, dois litros de azeite:

«(...) em cada cinchada, qu'eles dizem, pode sair o muito dois litros (...)».

 

Figuras 88 e 89: Prensa de cincho em pleno funcionamento (Pedregal, P. 51, freg. Mesquinhata, conc. Baião, dist. Porto). Terminado o aperto, o bagaço é retirado do cincho em torrões.

Mais concretamente, o cincho é uma prensa de parafuso de dimensões muito reduzidas – não ultrapassa o tamanho de um homem normal –, construída quase sempre inteiramente de ferro e utilizada para aperto do bagaço. Colocada a um canto do lagar, mais raramente em sala própria de pequenas dimensões, como é o caso do lagar de Sequeiros, P. 52, de que se reproduz a planta na figura 1, a prensa de cincho está assente sobre uma base circular de pedra, tendo a circundá-la um rego, por onde corre o azeite. A esta base é dado o nome de sertã (Porto, P. 52, 56, 57). Num dos lados apresenta uma ponta saliente ou um cano por onde sai o azeite, que cai dentro de um pote.

 

 
  Figura 90: Aspecto do que resta do cincho do lagar da Ponte do Feixe, P. 34, freg. Infesta, conc. Celorico de Basto, dist. Braga.  

Essencialmente, o cincho é constituído por duas placas semi-circulares e por uma prensa de tipo Mabille. Esta, que é a parte principal de todo o conjunto e está esquematicamente representada na figura 91, trabalha num parafuso vertical (fig. 91, nº 1), solidamente cravado no centro da base de pedra. É constituída pelas seguintes peças: um disco dotado de orifícios no rebordo (nº 2), que enrosca no parafuso e dá o aperto à prensa; uma peça de base quadrada ou circular (nº 3), fixa na parte inferior do disco de maneira a permitir que este gire livremente; uma peça sobre o comprido (nº 4), que trabalha num eixo existente no braço da peça nº 3; duas pequena bielas (nº 5), fixas na caixa nº 4 e munidas cada uma de uma ranhura, onde correm duas cunhas de aço (nº 7), conhecidas em Sequeiros de Cima, P. 52, por macacos e cortadas em forma de bisel; um esticador (nº 6), que contribui para uma maior segurança de todo o conjunto; finalmente, uma alavanca (nº 8), introduzida na extremidade da caixa das bielas (nº 4), que, mediante movimento de vaivém, faz accionar a prensa, como daqui a pouco veremos.

 

 
  Figura 91: Elementos da prensa Mabille, cuja explicação é feita no texto.  

As duas placas semi-circulares são geralmente feitas de ferro, com múltiplos crivos ou ranhuras (figura 87). No caso do lagar de Pedregal, P. 51, estas placas são formadas por ripas verticais de madeira, suportadas por quatro fortes arcos de ferro, que as circundam (figura 88).

Feita a descrição do cincho, vejamos como funciona.

O bagaço, saído da prensa de vara ou de parafuso, é levado para o cincho, onde é metido e bem acamado com o auxílio de um mascoto (Braga, P. 34). Introduzido todo o bagaço,  colocam-lhe  por  cima  alguns  tacos semi-circulares de madeira – os chamados malhais –, para lhe darem altura. Depois de metida a alavanca na peça que trabalha sobre o biolão(34), dois ou três homens (veja-se a figura 88, que documenta a actividade que estamos a referir) começam a tocá-la de um lado para o outro. Com o movimento de vaivém, as duas bielas, vulgarmente conhecidas por braços, avançam e recuam sucessivamente, obrigando as cunhas a entrarem alternadamente nos orifícios do disco ou roda de tocar, ao qual imprimem um movimento lento de rotação à roda do parafuso. Deste modo, a prensa vai descendo e apertando o bagaço.

O pouco azeite que escorre vai para dentro de uns potes pequenos, feitos de aduelas e não raras vezes enterrados no chão.

Concluído o aperto e aliviada a pressão, abrem as duas placas; e o bagaço é retirado em grande torrões (figura 89), que servirão para alimentar a caldeira.

Especial referência temos de fazer ao cincho que encontrámos no acidentado lagar da Ponte do Feixe, P. 34, no distrito de Braga. Embora de estrutura aparentemente igual às restantes, esta prensa caracterizava-se pelo facto de ser accionada não mediante um movimento de vaivém, mas por meio de um parafuso sem-fim, movimentado por duas grandes rodas de madeira. Estas, aplicadas aos raios da prensa, apresentavam a intervalos regulares tornos salientes de madeira, de que se vêem ainda alguns na fotografia reproduzida na figura 90.

O funcionamento do cincho deste lagar era aproximadamente igual aos restantes, apenas com pequenas diferenças que passaremos a ver.

Depois de os imprenseiros terem enchido a prensa de baga, que eles traziam por meio de cestos, comprimiam-na também com um mascoto, pesado maço de madeira que, no dizer do informador, era «um bocado de pau furado cum bocuado de pau p'ra cima, qu'era p'ra eles poderem dar com aquela moca no bagaço, para apertar de baixo p'ra cima».

 

 
 

Figura 92: Reconstituição da maneira como era accionado o cincho do lagar da Ponte do Feixe, P. 34, documentado na figura 90.

 

Depois de terem comprimido o bagaço, punham-lhe também alguns malhais e começavam a apertar manualmente a prensa. Alcançado o máximo de aperto, dois homens subiam ao primeiro andar do edifício e introduziam-se numas ranhuras do soalhado; e, apoiados sobre os tornos das rodas (veja-se a figura 92) iam-nas fazendo girar, à semelhança do que se fazia nos antigos engenhos de açúcar.

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(34) – Biolão é o nome dado pelo povo à peça nº 3 da figura 91, em virtude de ela se assemelhar ou, pelo menos, fazer lembrar o instrumento donde tirou o nome.

 

 

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