PRENSA DE PARAFUSO
Dos muitos tipos de prensas
de parafuso que encontrámos, iremos ocupar-nos agora do chamado
cincho, a que já fizemos referência no capítulo I. Tal como aí
referimos, estabelecemos uma distinção entre prensa de cincho e
prensa de cinchos, com base na noção de que o próprio povo tem
consciência.
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Embora a prensa de cincho,
ou simplesmente cincho, como é mais conhecida, seja um elemento
secundário do lagar, pelas razões também já apontadas no referido
capítulo, será dela que nos iremos ocupar, dadas as suas invulgares
características.
Muito parecida com a usada para o vinho, ocupa uma área muito restrita.
Encontrámo-la apenas em quatro lagares do distrito do Porto,
respectivamente em Casal, P. 56, Fundo de Vila, P. 57, Pedregal, P. 51,
e Sequeiros de Cima, P. 52, e em um lagar do distrito de Braga, na Ponte
do Feixe, P. 34. Em todas as povoações era conhecida por
cincho.
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Figura 87:
Aspecto de uma prensa de cincho (Sequeiros, P. 52, freg. Ancede,
conc. Baião, dist. Porto). |
Relacionada com
cincho
está a palavra cinchada, ouvida com frequência no lagar de Fundo
de Vila, P. 57. Com ela o informador e restante pessoal que aí
trabalhava pretendia indicar a 'quantidade de bagaço apertado de cada
vez no cincho' e da qual sai, quando muito, dois litros de azeite:
«(...)
em cada cinchada, qu'eles dizem, pode sair o muito
dois litros
(...)».
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Figuras 88 e 89: Prensa de
cincho em pleno funcionamento (Pedregal, P. 51, freg. Mesquinhata,
conc. Baião, dist. Porto). Terminado o aperto, o bagaço é retirado
do cincho em torrões. |
Mais concretamente, o cincho é uma prensa de parafuso de dimensões muito
reduzidas – não ultrapassa o tamanho de um homem normal –, construída
quase sempre inteiramente de ferro e utilizada para aperto do bagaço.
Colocada a um canto do lagar, mais raramente em sala própria de pequenas
dimensões, como é o caso do lagar de Sequeiros, P. 52, de que se
reproduz a planta na figura 1, a prensa de cincho está assente sobre uma
base circular de pedra, tendo a circundá-la um rego, por onde corre o
azeite. A esta base é dado o nome de sertã (Porto, P. 52, 56,
57). Num dos lados apresenta uma ponta saliente ou um cano por onde sai
o azeite, que cai dentro de um pote.
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Figura 90: Aspecto do que resta do cincho do lagar da Ponte
do Feixe, P. 34, freg. Infesta, conc. Celorico de Basto, dist.
Braga. |
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Essencialmente, o cincho é
constituído por duas placas semi-circulares e por uma prensa de tipo
Mabille. Esta, que é a parte principal de todo o conjunto e está
esquematicamente representada na figura 91, trabalha num parafuso
vertical (fig. 91, nº 1), solidamente cravado no centro da base de
pedra. É constituída pelas seguintes peças: um disco dotado de orifícios
no rebordo (nº 2), que enrosca no parafuso e dá o aperto à prensa; uma
peça de base quadrada ou circular (nº 3), fixa na parte inferior do
disco de maneira a permitir que este gire livremente; uma peça sobre o
comprido (nº 4), que trabalha num eixo existente no braço da peça nº 3;
duas pequena bielas (nº 5), fixas na caixa nº 4 e munidas cada uma de
uma ranhura, onde correm duas cunhas de aço (nº 7), conhecidas em
Sequeiros de Cima, P. 52, por macacos e cortadas em forma de
bisel; um esticador (nº 6), que contribui para uma maior
segurança de todo o conjunto; finalmente, uma alavanca (nº 8),
introduzida na extremidade da caixa das bielas (nº 4), que,
mediante movimento de vaivém, faz accionar a prensa, como daqui a pouco
veremos.
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Figura 91: Elementos da prensa Mabille, cuja explicação é
feita no texto. |
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As duas placas
semi-circulares são geralmente feitas de ferro, com múltiplos crivos ou
ranhuras (figura 87). No caso do lagar de Pedregal, P. 51, estas placas
são formadas por ripas verticais de madeira, suportadas por quatro
fortes arcos de ferro, que as circundam (figura 88).
Feita a descrição do cincho, vejamos como funciona.
O bagaço, saído da prensa de vara ou de parafuso, é levado para o cincho,
onde é metido e bem acamado com o auxílio de um
mascoto
(Braga, P. 34). Introduzido todo o bagaço, colocam-lhe por cima
alguns tacos semi-circulares de madeira – os chamados malhais –,
para lhe darem altura. Depois de metida a alavanca na peça que trabalha
sobre o biolão(34), dois ou três homens (veja-se a
figura 88, que documenta a actividade que estamos a referir) começam a
tocá-la de um lado para o outro. Com o movimento de vaivém, as duas
bielas, vulgarmente conhecidas por braços, avançam e recuam
sucessivamente, obrigando as cunhas a entrarem alternadamente nos
orifícios do disco ou roda de tocar, ao qual imprimem um
movimento lento de rotação à roda do parafuso. Deste modo, a prensa vai
descendo e apertando o bagaço.
O pouco azeite que escorre vai para dentro de uns potes pequenos, feitos
de aduelas e não raras vezes enterrados no chão.
Concluído o aperto e
aliviada a pressão, abrem as duas placas; e o bagaço é retirado em
grande torrões (figura 89), que servirão para alimentar a caldeira.
Especial referência temos
de fazer ao cincho que encontrámos no acidentado lagar da Ponte do
Feixe, P. 34, no distrito de Braga. Embora de estrutura aparentemente
igual às restantes, esta prensa caracterizava-se pelo facto de ser
accionada não mediante um movimento de vaivém, mas por meio de um
parafuso sem-fim, movimentado por duas grandes rodas de madeira. Estas,
aplicadas aos raios da prensa, apresentavam a intervalos
regulares tornos salientes de madeira, de que se vêem ainda
alguns na fotografia reproduzida na
figura 90.
O funcionamento do cincho deste lagar era aproximadamente igual aos
restantes, apenas com pequenas diferenças que passaremos a ver.
Depois de os
imprenseiros
terem enchido a prensa de baga, que eles traziam por meio de
cestos, comprimiam-na também com um mascoto, pesado maço de
madeira que, no dizer do informador, era «um bocado de pau furado cum
bocuado de pau p'ra cima, qu'era p'ra eles poderem dar com
aquela moca no bagaço, para apertar de baixo p'ra cima».
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Figura 92:
Reconstituição da maneira como era accionado o cincho do lagar da
Ponte do Feixe, P. 34, documentado na figura 90. |
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Depois de terem comprimido o bagaço, punham-lhe também alguns malhais e
começavam a apertar manualmente a prensa. Alcançado o máximo de aperto,
dois homens subiam ao primeiro andar do edifício e introduziam-se numas
ranhuras do
soalhado;
e, apoiados sobre os tornos das rodas (veja-se a figura 92) iam-nas
fazendo girar, à semelhança do que se fazia nos antigos engenhos de
açúcar.
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