DEFINIÇÃO
O dicionário de Bluteau(1)
dá-nos a seguinte definição de seira: «(...) Seiras de lagar de
azeite. São umas rodas de esparto, cerradas por baixo, com as bocas em
cima; nelas se bota a massa da azeitona e se espreme o azeite, e se
sustentam abertas, para se lhes botar a massa, com uns pauzinhos de um
palmo a que chamam frades, que se lhes tiram depois de estarem
cheias; e se lhes põem por cima capachos, para a dita massa não sair».
Seiras e capachos são objectos importantes dos lagares, sem os quais se
tornará difícil, se não impossível, a prensagem da massa para a
extracção do azeite nos lagares tradicionais. Apenas o sistema «Sima» e
outros mais modernos dispensam os tradicionais utensílios dos lagares(2).
Tendo funções idênticas, seiras e capachos são, no entanto,
completamente diferentes.
A seira pode ser feita de esparto, juta, ráfia e outras fibras vegetais.
Caracteriza-se fundamentalmente pela sua construção em forma de saca
larga e circular, constituindo a parte superior aquilo a que o povo
chama as
abas
e terminando por uma abertura chamada a boca da seira.
O capacho, que pode ser feito do mesmo material da seira, caracteriza-se
por apresentar unicamente a forma de um disco plano e delgado.
Ao contrário de Portugal, que conhece os termos
seira
e capacho para designar dois tipos diferentes de objectos com
idêntica utilidade, em Espanha empregam o vocábulo capacho no
sentido de 'seira', ao lado de outros, como se pode ver no seguinte
passo, transcrito do trabalho de Tomás Buesa(3):
«La
pasta se echa en la capaza 'seroncillo de esparto apretado,
compuesto de dos piezas redondas, cosidas por el canto, que se llena de
aceituna molida, para prensarla'
(...). También en Agüero, Concílio, Biscarrués, Piedramorrera,
Murillo de Gállego y Losanglis se dice capaceta (...). En esp.
capacho (...)».
Indicação semelhante, relativamente ao país vizinho, nos dá A. Klemm, no
seu interessante artigo
La cultura popular de la província de Ávila(4).
Segundo oAutor, «(...) estos capachos(5) son
recipientes circulares de tejido de cáñamo, con um diámetro de 80 cm. y
una boca en la parte superior de 40 cm. de diámetro (...)».
Em Itália, os nomes das seiras variam de região para região. No trabalho
de Scheuermeier são registados nada menos do que cerca de vinte termos(6).
Relativamente a Portugal, podemos afirmar seguramente que o vocábulo
seira
é comum a todas as regiões. Há apenas a registar o facto de se ter
alargado o seu campo semântico, à semelhança do que aconteceu com outras
palavras. Assim, além do sentido normal – 'recipiente achatado em forma
de bolsa, feito de corda de esparto e de outras fibras' –, passou também
a ser usado pela classe popular aplicado ao capacho. Para o povo, quer
se trate de um, quer se trate do outro, é tudo seira.
Exemplos do emprego do vocábulo
seira
aplicado aos capachos encontrámo-los, entre outros sítios,
em Bragança, P. 100, e Vila Real,
P. 78.
CONSERVAÇÃO DAS SEIRAS
Acabada a
safra
ou lagaragem, actividade designada no século XVIII pela expressão
lavrar azeite(7), as seiras usadas são lavadas com água
quente e, em seguida, dispostas em fila, ao ar livre. Não nos
surpreendemos quando, pouco tempo depois das férias do Verão, numa
visita ao extinto lagar das Três Aldeias, P. 303, deparámos com todas as
seiras fora do edifício, sobre as pedras do rudimentar muro que ladeava
o caminho. O aspecto por elas apresentado era desolador. O seu estado de
conservação não podia ser pior, algumas delas completamente
esbandalhadas, devido a terem rebentado durante o aperto da vara.
Não nos surpreende, pois, a crítica de Dalla Bella(8),
infelizmente ainda válida em nossos dias:
«Estas
– as seiras – são feitas de esparto muito bem fabricadas, mas
tão mal conservadas, que posto que se lavem, fedem ainda ao ranço; e com
as mesmas colocadas sobre uma pedra preparada para este fim, espremem
aquela massa, e usam delas indiferentemente, seja a massa de azeitonas
boas e bem conservadas, ou de azeitonas podres e que cheiram mal».
Em outros lagares, as seiras são suspensas por meio de arames às traves
das azenhas, as chamadas
linhas d'armação d'àzenha,
como se pode observar na figura 46, ou por meio de ganchos próprios,
pendurados quer a um ferro que atravessa a parte superior do lagar de um
lado ao outro, quer em cavilhas pregadas nas paredes, como é o caso do
lagar da Moura Morta, P. 294, documentado na figura 56.
Não é raro, também, encontrarem-se as seiras metidas entre o forro e o
telhado, ou dispostas ao longo das paredes das tulhas e sobre as rodas
horizontais de madeira
– as dobadoiras –dos moinhos tocados a água.
Em um ou outro caso, embora mais raramente, as seiras da última
prensagem da safra são abandonadas no próprio local onde foram
prensadas, não lhes sendo sequer retirada a baganha ou bagaço
da azeitona. Foi o que se nos deparou na Ribeira de Lorvão, P. 253, e no
Dianteiro, P. 256. Neste último, quando o informador pretendeu mostrar
como eram feitas as seiras e exemplificar como espalhavam a massa no seu
interior, viu-se em grandes dificuldades para lhes levantar as abas. A
baganha havia endurecido de tal modo, que se tornara autêntica
pedra, colando as seiras umas às outras. Daí a atrapalhação do
informador, bem visível na sua fala, quando, ao pretender meter-lhes os
frades, não as conseguiu deslocar:
«–
Pois, p'à gente enfiar a massa, que não consegue... Tá ver? Olhe.
Faz-se outro daqui, com...!! Essa está agarrada, isto está tudo
trabalhado!!! (...)», ou seja, as seiras estavam todas
inutilizadas.
FABRICO DOS CAPACHOS
Ao contrário do que poderíamos pensar, o acelerado progresso e
industrialização dos nossos dias não conseguiu ainda acabar com muitas
das indústrias caseiras. Se algumas soçobraram com extrema rapidez e
facilidade, outras conservam-se de tal modo inabaláveis, que continuarão
por bastante tempo em actividade.
No domínio olivícola, do mesmo modo que a mecanização e progresso não
extinguiram ainda completamente os primitivos lagares, que continuarão
talvez a trabalhar por mais alguns anos, também a pequena indústria
caseira ligada à extracção do azeite não foi ainda inteiramente
absorvida e eliminada pela grande indústria.
Na pequena localidade de Valbom, P. 204, no concelho de
Pinhel, distrito
da Guarda, encontrámos em pleno labor uma pequena indústria caseira(9)
de fabrico de seiras e capachos. Operários, no sentido a que estamos
habituados, não existem. Todo o trabalho é feito por um casal ainda
jovem, ajudado por uma rapariga amiga lá da terra. E sendo
essencialmente manual, é feito com elevada perfeição, competindo
eficientemente com o realizado pelas máquinas.
O negócio vai de vento em popa. Os pedidos, que por vezes têm de ser
recusados, são feitos com muita antecedência, dada a enorme freguesia
que não lhes dá mãos a medir, mantendo ocupada esta pequena comunidade
durante todo o ano.
Dois dias foram passados nesta localidade. No primeiro pouco se fez. Era
o dia da matança do porco. Ninguém trabalhava. Enquanto assistimos a
este ritual, correntíssimo nas nossas aldeias, exótico e invulgar para
quem nunca saiu do reboliço da cidade, fomos procurando saber alguma
coisa sobre como eram feitos os capachos. Foi o que se pode chamar uma
lição teórica. No dia seguinte, passámos da teoria à prática, e pudemos
assistir a todas as fases do trabalho, que documentámos com desenhos e
fotografias.
O fabrico de um capacho compreende três fases distintas: 1º - fabrico
das cordas necessárias para o esqueleto dos capachos, quando o freguês
os pretende integralmente de corda; quando a estrutura é de fio de
nylon, esta primeira fase torna-se desnecessária; 2º - armação do
esqueleto do capacho; 3º - entrançamento dos fios de cairo.
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Figura 66:
Aparelho para fabrico da corda utilizada na construção de seiras e
capachos (ver descrição no texto). |
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1º -
fabrico das cordas:
As cordas são feitas num aparelho chamado roda de fazer corda,
que se encontra documentado nas figuras 66 e 69. É uma maquineta
constituída por um trapézio (ver figura 66, nº 4), construção
rectangular formada por quatro barras horizontais paralelas, com 200
centímetros de comprimento, e quatro suportes verticais, de 50
centímetros de altura. Sobre as barras superiores, a 66 centímetros de
distância da extremidade direita, assenta o eixo de uma roda (fig. 66,
nº 1) com o diâmetro de 104 centímetros. Na extremidade esquerda, está
pregada, ao alto, uma tábua (nº 3) com 104 centímetros de comprimento,
que suporta outra, colocada horizontalmente, na qual giram cinco
carris (nº 2) com 7 centímetros de diâmetro cada.
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Figura 69: Aparelho de fazer corda (Valbom, P. 204, conc.
Pinhel, dist. Guarda). |
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Assente sobre tacos de madeira, junto ao muro e na rua em frente à casa,
a maquineta está protegida por uma armação de madeira, documentada na
figura 69, tendo a cobri-la sacos de serapilheira cosidos entre si.
Feita a apresentação do aparelho, vamos seguir com atenção o trabalho
dos nossos informadores
– marido e mulher –, se quisermos ficar a saber como são feitas as
cordas.
Lá de casa, o Senhor Albino do Nascimento – assim se chama o dono desta
pequena indústria – trouxe um objecto semelhante às dobadoiras para o
linho, que colocou ao lado da maquineta já descrita (veja-se a figura
70). É o chamado argadilho, que temos representado no desenho da
figura 68 e que se pode também ver nas figuras 70 e 73. Trata-se de um
aparelho giratório de madeira, de grandes dimensões, apoiado num suporte
do mesmo material, com cerca de um metro de altura. Foi nele que a
mulher colocou a meada de fio, que o homem agora desenrola por quatro
vezes, ao longo da ruela junto à casa, numa extensão de aproximadamente
cinquenta metros.
Ao cimo da ruela, o Senhor Nascimento segura as quatro pontas do fio; as
outras são presas às argolas metálicas existentes em cada
carril,
tal como se pode ver na figura 70.
Junto ao aparelho, a mulher faz accionar a roda grande, dando à
manivela, que lhe serve também de eixo. Simultaneamente, os carris
entram em movimento, graças às cordas que fazem de correias de
transmissão.
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Figura 70: Aspecto do fabrico da corda. À direita, o
argadilho. |
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Os fios dançam e retorcem-se, num rodopio frenético, como que
enlouquecidos por tanta volta. À medida que giram, vão-se enrolando uns
nos outros, formando um todo compacto e resistente. Mais umas
maniveladas e o ponto de enrolamento aproxima-se de nós, até que os
fios, outrora em número de quatro e extremamente finos, ficam reduzidos
a uma única corda, grossa e resistente.
Desprendidas as pontas dos carris, dão-lhes um nó; e termina uma
operação que durou, quando muito, uns cinco a dez minutos. Cobrem o
aparelho, agarram no argadilho, e voltam para casa, onde iniciam a
segunda fase.
2º - armação do esqueleto:
Para a segunda fase do fabrico dos capachos, são necessários uma
forma,
um cavalete, um martelo e, evidentemente, o fio,
que servirá de esqueleto ao capacho.
A forma (vejam-se as figuras 67 e 71) é uma peça circular de
madeira com 95 centímetros de diâmetro. Existem outras com dimensões
superiores, mas são actualmente menos usadas. É constituída por seis
arcos ligados entre si, possuindo o conjunto quatro séries de orifícios
dispostos concentricamente. É nestes orifícios que são introduzidos os
tornos, pequenos paus cilíndricos e iguais com cerca de 8
centímetros, indispensáveis para se poder «armar o escaleto». A
ligar os seis arcos, que internamente formam um polígono hexagonal
regular, são colocadas duas tábuas largas em cruz, também com orifícios
concêntricos, importantes para, mediante a introdução de quatro tornos,
se poder formar o quadrado central do capacho. O orifício central é
igualmente importante: é graças a ele que se torna possível suspender a
forma num eixo existente quer no cavalete, quer no trapézio.
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Figura 71: Forma para armar os esqueletos dos capachos (à
esquerda) e um modelo de capacho já pronto (à direita). |
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O cavalete é um suporte de madeira com um metro de altura para se
armarem as formas. É formado por quatro pés em V invertido, que
sustentam uma barra grossa com um torno ao meio, que serve de
eixo às
formas.
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«Armar as formas» é uma expressão
muito usada pelo informador, equivalente à apresentada no início
desta segunda etapa da descrição.
O trabalho de armar as formas, isto é, de fazer o esqueleto do
capacho, é executado exclusivamente pelo Senhor Nascimento e
constitui quase um segredo profissional. Pode ser usada corda de
cairo, a cujo fabrico já assistimos, ou fio de nylon. Geralmente,
quase todos os clientes preferem os capachos com esqueleto de nylon
pois, segundo o nosso informador, a sua duração é maior. |
Figura 72:
Servindo-se de um martelo, o informador arma o esqueleto de um
capacho (Valbom, P. 204, conc. Pinhel, dist. Guarda). |
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O nylon é retirado da bobina à medida que é distribuído pelos
tornos (observe-se a figura 72). O trabalho exige certa perícia, uma vez
que o fio deve ficar bem esticado e passar por entre os quatro tornos
centrais, onde é engenhosamente entrançado e apertado com a ajuda de um
pequeno martelo. Este, ao contrário dos habituais. não possui orelhas;
em contrapartida, tem a zona oposta à usada para pregar lisa e afilada,
assemelhando-se a uma pequena cunha.
À medida que o fio vai sendo distribuído pelos tornos periféricos, a
pessoa que executa o trabalho vai rodando a forma, evitando ter de andar
à volta do cavalete. Depois de terminado, o esqueleto apresenta, ao
centro, um quadrado perfeito, visível no capacho que fotografámos ao
lado da forma e que se encontra representado na figura 71.
3º - entrançamento do cairo:
Do cavalete a forma vai para o trapézio, iniciando-se a terceira e
última etapa do fabrico de capachos.
Trapézio
é o nome dado às tábuas encostadas às paredes. Possuem um torno saliente
de madeira, que serve de suporte e eixo às formas, durante o
entrelaçamento do fio (veja-se a figura 73).
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Figura 73: Aspecto do fabrico de capachos (Valbom, P. 204, conc. Pinhel, dist.
Guarda). |
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Sentados em toscos bancos de três pés, as pessoas que trabalham neste
pequena indústria retiram do argadilho um bom bocado de fio e colocam-no
no chão, à sua direita. Arrancam um pedaço e começam a entrelaçá-lo,
partindo do quadrado central para o exterior. À medida que o fazem
passar, ora por um lado, ora pelo outro dos raios do esqueleto, vão
girando lentamente a forma, de modo a poderem executar o trabalho de
maneira mais cómoda, sempre em posição vertical.
Acabado o fio, arrematam-no muito bem e arrancam novo pedaço do que
conservam no chão, repetindo a operação. Atingida a periferia da forma,
retiram as argolas de
nylon
que ficaram nos tornos e entrelaçam-nas umas nas outras, ficando o
capacho protegido por um rebordo constituído pela resistente fibra
sintética.
Os capachos terminados vão para uma rima existente a um dos cantos da
casa onde, em lotes de dez, aguardam
que os clientes os venham procurar.
MODELOS DE CAPACHOS
Durante a nossa permanência em Valbom, encontrámos um modelo de capacho
que podia ser construído integral ou parcialmente com fio de cairo, isto
é, com esqueleto e entrelaçamento da mesma fibra ou, mais correntemente,
com esqueleto de fio de
nylon
e entrelaçamento de fibra vegetal. O centro dos capachos apresentava o
feitio de um quadrado perfeito.
Além deste modelo, encontramo-los feitos integralmente em
nylon,
apresentando a superfície do capacho sempre a mesma estrutura. Segundo
parece, este modelo apresenta consideráveis vantagens sobre o anterior,
em virtude do nylon não absorver o azeite e ser mais facilmente
lavado.
Modernamente, começam a ser adoptados capachos de
nylon
com uma abertura circular no centro. Tem esta o fim de permitir que, ao
serem empilhados no carro, possam ser enfiados numa agulha metálica
crivada, formada por três ou quatro secções, que se ajustam
perfeitamente entre si. Evita-se assim que, durante a prensagem, o
enseiramento fuja para os lados, tornando desnecessário o uso das
chamadas pancas, isto é, de alavancas de madeira com que
endireitam o enseiramento, com grave prejuízo das colunas da
prensa que, com o tempo, correm o risco de ficar torcidas e danificadas.
Existe um modelo de capacho com cerca de 30 a 40 centímetros de
diâmetro. Destina-se às chamadas prensas de cinchos, hoje quase postas
de parte. Segundo o informador de Valbom, eram muito procurados há anos
atrás. Actualmente, nunca mais recebeu encomendas para fabrico de tal
modelo de capacho, donde o concluir ter sido posto de lado – pelo menos
neste distrito – tal tipo de prensa. |