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Fabrico Tradicional do Azeite em Portugal (Estudo Linguístico-Etnográfico), Aveiro, 2014, XIV+504 pp. ©

 

IV

A MOAGEM

 

 NOMES PARA AZEITONA MIÚDA E OUTROS VOCÁBULOS

Dissemos, algumas linhas atrás, que a azeitona miúda se escapava do sem-fim caindo no chão. O nome por que essa azeitona é conhecida varia muito de região para região, sendo inúmeros os vocábulos usados. Assim, quer em inquéritos directos, quer através do I.L.B. e do I.L.C., encontrámos um total de 29 designações, embora algumas não sejam mais do que variantes das mesmas palavras. Na listagem seguinte indicamos o número de vezes que foram registados.

 

arredolho – 1
azambújia – 1
azambujeiro – 2
azambujo – 1
azebinhada – 1
azebim – 1
azeitoninho – 1
azevim – 1
azevinho – 3
azinha – 1
bafordo – 5
bafurro – 1
esminhão – 1
fedolha – 1
jambuja – 1
jambujeira – 1
jambujeiro – 5

 

jambujo – 3
jamujeiro – 3
lentrisca – 1
mertunço – 1
mertunho – 2
morrinha – 1
mortunho – 1
rebolo – 3
rebolho – 1
redolho – 3
zambuja – 4
zambuje – 3
zambujeira – 1
zambujeiro – 8
zambujo – 7
zambulha – 1
zimbro – 1

 


Arredolho
(Santarém, P. 33), rebolo (Leiria, P. 359, 361, 362), rebolho (Leiria, P. 360a) e redolho (Aveiro, P. 154, 155; Leiria, P. 363) são palavras cognatas cuja origem é incerta. Segundo Corominas(17), derivam provavelmente do latim PULLUS 'rebento de qualquer árvore' e, seguramente, do latim vulgar *REPULLUS.

A evolução sofrida pelos vocábulos terá sido:

*REPULLU ─ > rebôlo > rebôlho > redôlho

A forma arredolho é o resultado de um fenómeno de prótese, isto é, de acrescentamento de um fonema no começo da palavra.

Da mesma família são os vocábulos azambújia (Vila Real, P. 70), azambujeiro (Coimbra, P. 291a; Leiria, P. 361), azambujo (Leiria, P. 339), jambuja (Viseu, P. 178), jambujeira (Aveiro, P. 159), jambujeiro (Coimbra, P. 262, 294; Leiria, P. 360a, 365; Viseu, P. 188), jambujo (Aveiro, P. 121; Coimbra, P. 277, 294), jamujeiro (Aveiro, P. 156; Castelo Branco, P. 320; Coimbra, P. 299a), zambuja (Aveiro, P. 130; Leiria, P. 338, 346; Vila Real, P. 76a), zambuje (Leiria, P. 344; Santarém, P. 333; Vila Real, P. 68), zambujeira (Coimbra, P. 258), zambujeiro (Coimbra, P. 249, 261, 266, 274, 278, 286; Leiria, P. 359, 363), zambujo (Coimbra, P. 245a, 250, 258, 266, 274, 281; Leiria, P. 340) e zambulha (Vila Real, P. 65). Todas estas palavras assentam no árabe zanbûz(18).

Azambujeiro ou zambujeiro surgem-nos no dicionário de Bluteau(19) com a seguinte definição: «Oliveira brava. Dá uma azeitona comprida e delgada, cujo azeite é bom para muitas mezinhas, e se come também, como as azeitonas, botado em calda. O pau desta árvore é muito rijo; dele se fazem as entrosgas e varandas dos lagares e moinhos. É a única árvore em que se enxertam oliveiras (...)».

O vocábulo azambujeiro, segundo Bluteau, refere-se a uma oliveira brava e não ao fruto. Em inquéritos directos e por correspondência, os vocábulos azambujeiro, azambujo,  jambujeiro,  jamujeiro,  zambuja e outros surgem-nos ora aplicados às árvores, ora ao fruto. Não é raro o mesmo inquérito apresentar um destes vocábulos nas duas acepções.

J. Almeida Costa e A. Sampaio e Melo(20) apresentam o vocábulo zambujeiro, que definem como «oliveira brava, espontânea nos sítios incultos do centro e sul de Portugal, e também conhecida por azambujeira, azambujeiro, azambuja, azambujo, oleastro e oliveira brava (do ár. ocidental za (n) buj,».

De uma maneira geral, os dicionários apresentam estes termos como referindo-se unicamente às árvores, Esquecem quase sempre o facto de que, na linguagem corrente, o povo os emprega aplicando-os quer às árvores, quer ao fruto.

Além dos vocábulos apontados, o citado dicionário de Almeida e Costa e Sampaio e Melo regista ainda, na página 1582, o vocábulo zambulheira, definido da seguinte maneira: «(prov.) Diz-se de uma variedade de azeitona pequena proveniente de uma oliveira cultivada em Portugal (de zambujo)».

Em edições posteriores, o mesmo dicionário(21) apresenta outros vocábulos, tais como zambujal e zambujo, que define respectivamente como «mata de zambujeiros» e «o mesmo que zambujeiro», introduzindo uma ligeira alteração no texto relativamente à origem da palavra zambujeiro: «...(do árabe berbere zabbuj, «id.»)».

Esquematicamente, estes vocábulos apresentam a seguinte distribuição:

 

Azebinhada (Aveiro, P. 165), azebim/azevim (Coimbra, P. 303; Leiria, P. 338), azevinho (Coimbra, P. 303; Leiria, P. 344, 345b) e azinha (Leiria, P. 340) são formas provenientes de azevo, do latim vulgar ACIFOLIU-, palavra que se compõe de FOLIUM 'folha' e o radical AC- de ACUERE 'ser agudo'(22).

Azevinho é um tipo de arbusto ou árvore pequena, da família das aquifoliáceas, espontâneo e também cultivado. É conhecido por outros nomes, como pica-folha e visqueira, provavelmente da mesma família de outro arbusto muito parecido com este, a que no norte dão o nome de gibardeira. É muito utilizado na quadra do Natal como elemento decorativo. As pequenas bagas vermelhas que apresenta, contrastando com o verde das folhas, conferem-lhe certa beleza(23).

Curiosamente, o povo passou a empregar o termo azevinho e seus derivados para indicar a azeitona miudinha, certamente pela forma arredondada muito semelhante à das bagas do arbusto.

Aparece-nos ainda o verbo azevinhar (Aveiro, P. 165; Leiria, P. 338, 345b) para indicar que a oliveira não deu fruto ou que este não se desenvolveu.

O vocábulo azevim foi também registado por Tavares da Silva(24) com o sentido de azeitona miúda.

Segundo um informador, o azevinho é a azeitona que a oliveira dá no ano seguinte àquele em que produziu as gradas: «a azeitona pequenina é azevinho. Um ano a oliveira dá as gradas, outro ano dá-las miúdas, qu'é a azevinho» (Coimbra, P. 303).

 

Azeitoninho como diminutivo de azeitona surgiu no distrito de Leiria, P. 346. Para evitar qualquer dúvida que o termo pudesse suscitar, o informador foi acrescentando: «azeitoninho da oliveira brava».

 

Bafordo aparece registado no dicionário de Frei Domingos Vieira(25) como termo de cavalaria do século XV. O dicionário de Morais(26), 10ª ed., regista-o com o mesmo sentido e ainda como termo próprio da Botânica, no sentido de 'azeitona atrofiada, que atinge o tamanho dum confeito'. Este mesmo sentido, apresentado no dicionário de Morais e por nós registado, encontra-se também no Grande Dicionário da Língua Portuguesa(27). O citado dicionário de Sampaio e Melo(28), na sua 6ª edição, apresenta também o vocábulo bafordo com o sentido de 'sapal; terreno alagadiço'.

Ao lado de bafordo, encontramos o verbo embafordar (Leiria, P. 345b, 351a) com o sentido de 'oliveira que não produz fruto ou cuja azeitona não se desenvolve'.

 

Esminhão foi indicado, ao lado de morrinha, numa resposta ao I.L.C. proveniente do distrito de Aveiro, P. 166. No mesmo distrito apareceu a forma fedolha.

Lentrisca e lenterisca (Leiria, P. 365) são duas variantes fonéticas de lentisca, vocábulo registado no dicionário já citado de Almeida Costa e Sampaio e Melo, com o sentido de 'variedade de oliveira', ao lado de durázia e salgueiro, com o mesmo sentido.

Mertunço, mertunho e mortunho surgem no distrito de Coimbra, respectivamente P. 247; 242 e 294; 249. Segundo um informador, em inquérito directo, «a oliveira dá uma azeitona pequenina, redondinha, que é imprópria para azeite. Essa azeitona chama-se mertunho e é tão pequena que nem se servem dela, ficando no chão» (Vendas de Galizes, P. 242).

Morrinha, vocábulo indicado num exemplar do I.L.C. proveniente de Aveiro, P. 166, surge no dicionário de Frei Domingos Vieira, op. cit., vol. IV, pág. 321, com o sentido de «doença apizoótica e muito destrutiva do gado» e, figuradamente, como «enfermidade pouco incómoda e perigosa que ataca as pessoas».

 

 Zimbro (Leiria, P. 349) é apresentado pelos dicionários com o sentido de 'arbusto cujo fruto é semelhante a bagas de hera'. Bluteau(29) dá uma extensa definição do termo, de que transcrevemos parte, dado o seu interesse e curiosidade:

«Arbusto cujo tronco é delgado e coberto de uma casca áspera. O pau é duro e tira a vermelho, principalmente quando está seco, e dá bom cheiro, quando o põem sobre o fogo. Deita muito ramo, vestido de folhas estreitas, agudas, duras, picantes e sempre verdes. O fruto é a modo de bagas de hera, redondas, verdes no princípio e negras depois de maduras(30); tem dentro uma matéria tirante a vermelho, viscosa, oleosa, aromática, de sabor resinoso e acre, mas algum tanto doce, e juntamente três ou quatro sementes triangulares. As bagas do zimbro são cefálicas, incisivas, aperitivas, solutivas; corroboram os nervos, o estômago, o coração, ajudam a digestão, provocam a urina. Há pessoas que sempre trazem alguns destes bagos na algibeira e mascam três ou quatro deles pela manhã, para preservativos do ar mau e para deixar bom cheiro na boca (...)».

O termo passou a aplicar-se à azeitona miúda, certamente pelo seu formato, tamanho e cor, muito parecida com o fruto do arbusto. As qualidades médico-terapêuticas são também muito semelhantes: o chamado azeite zimbro apresenta, segundo as diversas abonações recolhidas, aplicações um tanto ou quanto idênticas às bagas do arbusto.

 

DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA DE OUTROS TERMOS 

Local ou máquina onde é lavada a azeitona, antes de ser moída: lavadeira (Coimbra, P. 238); lavadoiro (Coimbra, P. 236); lavador (Guarda, P. 209; Leiria, P. 338); lavadouro (Coimbra, P. 236, 237; Leiria, P. 351b); lavaria (Porto, P. 53; Vila Real, P. 81).

Fazer àzeitona, no sentido de 'moê-la' Guarda, P. 206.

Sem-fim, 'aparelho de elevar a azeitona' Bragança, P. 98; Coimbra, P. 257, 280b, 288; Leiria, P. 344, 362. 

_________________________________

(17) – J. COROMINAS, Diccionário crítico etimológico de la lengua castellana, Madrid, vol. III, págs- 1031-1032.

(18) – Veja-se ARNALD STEIGER, op. cit., pág. 194.

(19) – RAFAEL BLUTEAU, Vocabulário português e latino, Coimbra, 1712, vol. I, pág. 689, 1ª e 2ª col.

(20) – J. ALMEIDA COSTA e A. SAMPAIO E MELO, Dicionário de português, 4ª ed., Porto, Porto Editora, pág. 1583, 1ª col.

(21) – J. ALMEIDA COSTA e A. SAMPAIO E MELO, Dicionário da Língua Portuguesa, 6ª ed., Porto, Porto Editora, 1992, pág. 1752, 2ª col.

(22) – Veja-se o dicionário de J. COROMINAS, Diccionário crítico etimológico de la lengua castellana, Madrid, vol. III, págs. 1031-1032.

(23) – Pela sua procura e pela sua existência só em alguns locais, é actualmente, em finais da década de 1990, uma espécie em vias de extinção, pelo que se trata de uma espécie protegida, sendo proibida a sua colheita.

(24) – TAVARES DA SILVA, Esboço dum vocabulário agrícola regional, Lisboa, 1944, pág. 73.

(25) – FREI DOMINGOS VIEIRA, Grande dicionário português ou tesouro da língua portuguesa, Porto, 1871, vol. I, pág. 703, 3ª col.: «s. m. ant. (Do italiano bagordo, lança, pica; no francês behourd, também do italiano bigordo). Lança sem ponta com que os cavaleiros se exercitavam; cana própria para correr em gineta. ─ Andar no bafordo, seguir a aprendizagem = Citado no Cancioneiro de Resende como usado no século XV».

(26) – ANTÓNIO DE MORAIS SILVA, Grande dicionário da língua portuguesa, 10ª ed., vol. II, pág. 316, 1ª col.

(27) – JOSÉ PEDRO MACHADO, Grande Dicionário da Língua Portuguesa, 1ª ed., Lisboa, Amigos do Livro Editores, 1981, tomo II, pág. 209.

(28) – J. ALMEIDA COSTA e A. SAMPAIO E MELO, Dicionário da Língua Portuguesa, 6ª ed., Porto, Porto Editora, 1992, pág. 198, 2ª col.

(29) – RAFAEL BLUTEAU, op. cit., vol. III, pág. 641, 1ªe 2ª col.

(30) – O sublinhado é nosso.

 

 

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