b) - Nos lagares hidráulicos
No lagar de varas da Mata, P. 297, que vimos já possuir a
particularidade invulgar de apresentar o moinho entre as duas varas
(vejam-se as figuras 18 e 19), as sacas de azeitona são acumuladas numa
sala acrescentada posteriormente ao edifício, sobre o chamado
assentador.
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Figura 60: O mestre (à esquerda) e o ajudante (à direita)
despejam a azeitona no moinho através do chamado botadoiro
(Mata, P. 297, Vila Nova do Ceira, Góis, dist. Coimbra). |
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Quando chega a altura de laborar, quer o mestre, quer o ajudante, pegam
em três a cinco sacas e despejam-nas na
base,
através do botadoiro (ver a figura 60), conduta de madeira que
comunica directamente com o moinho.
Sistema idêntico encontramo-lo no distrito de Bragança, no lagar da
Ponte da Arranca, P. 100. Também aqui existe uma conduta de madeira, a
que dão o nome de
tremóia,
que liga o moinho à casa das tulhas, e através da qual vazam as sacas. A
casa das tulhas (H da
◄
figura 3), neste lagar, fica num plano mais
elevado em relação à outra sala, com a qual comunica por uma porta com
três ou quatro degraus.
Voltemos ao lagar da Mata. Depois que a
base
está cheia de azeitona, o ajudante puxa uma alavanca existente ao canto
do lagar e que está ligada à caleira. Esta desliza para junto da
parede, começando a água a cair sobre a roda e a encher-lhe os
cubos.
Ao princípio, as galgas deslocam-se muito lentamente, com extrema
dificuldade, como quem tem de escalar alta montanha. A custo, muito a
custo, vencem a resistência oposta pelas azeitonas que, sob a enorme
pressão, vão rebentando e fugindo para os lados, como que abrindo alas à
passagem dos dois pesados cilindros.
Devido à enorme altura ocupada pela azeitona, as galgas vêem-se
obrigadas a subir. Para isso o eixo horizontal está solto, podendo
deslocar-se no sentido vertical dentro do espaço compreendido pelas
ranhuras, existentes na caixa com que termina o eixo vertical.
À medida que a azeitona vai sendo esmagada pelas duas pedras
assimétricas, que apanham toda a base do moinho, a velocidade aumenta.
Ao fim de alguns minutos, rodam com certa velocidade, provocando um
ruído surdo de pedra sobre pedra, acompanhado pelo esparrinhar sonoro da
massa.
De
vez em quando, vai o mestre dar uma olhadela pelo interior do moinho,
iluminado por pequena candeia de azeite, colocada sobre o bordo, visível
na fotografia da figura 19
►.
Agarra num bocado de massa, apalpa-a e fá-la escorregar por entre os
dedos. Assim que verifica estar uniformemente moída e sem nenhum caroço,
dá uma ordem ao ajudante. Este obedece prontamente e empurra a alavanca,
obrigando-a a sumir-se pela parede.
Ouve-se a água cair sobre as pedras. As galgas perdem velocidade, dão
ainda meia dúzia de voltas, imobilizam-se. E segue-se nova fase de
trabalho.
O ajudante retira a massa com uma pá, despeja-a numa gamela, bacia
redonda de lata, e leva-a ao mestre, que a despeja na bocarra aberta das
seiras. E começa aqui a fase do enseiramento.
O que se passa neste lagar, passa-se praticamente em quase todos os
outros movidos por água, com pequenas alterações.
No lagar do Remungão, a azeitona ficava amontoada num recipiente térreo,
protegido por tábuas, colocado ao lado do moinho, enterrado no chão e
forrado de aduelas. À medida que ia sendo moída, era deitada pelo
ajudante no interior do moinho. Agora que o reconstruíram, tudo se
modificou. De lagar hidráulico e de vara passou à categoria de moderno,
não lhe faltando um bom moinho de ferro, uma termo-batedeira de tipo
horizontal e duas poderosas prensas hidráulicas, acabadas de montar. A
renovação foi de tal ordem que, nos primeiros dias, o velhote, a quem
pertence o lagar, andava louco de alegria. Em pouco mais de uma semana
havia extraído mais azeite do que durante uma série de anos pelo
anterior sistema, com grande pesar dos donos de outros lagares dos
arredores.
No lagar de Anterronde, P. 120, de que já temos falado por mais de uma
vez, a azeitona é trazida para a azenha à medida que vai sendo
feita.
Antes de a deitarem no
baso
do moinho, os ajudantes medem-na aos alqueires, numa medida de madeira
com um formato parecido com as gamelas da massa. Ao contrário dos
cereais, que são medidos com a ajuda da rasoira, a azeitona é deitada de
cagulo, isto é, deitada até trasbordar.
O termo
cagulo
não é mais do que uma variante de cogulo, proveniente do latim
CUCULLU–. Muito próximo do étimo latino está a forma recolhida em
Chaves. Aqui ouvimos dizer coculo, em vez da forma cogulo,
esta última resultante de uma evolução normal do latim para o português.
Em vez da oclusiva surda inter-vocálica se ter sonorizado, como seria de
esperar, conservou-se no vocábulo ouvido nesta região. De CUCULLU– a
cagulo a evolução é fácil:
LAT. CUCULLU –
> cogulo > cagulo
No lagar de Vilhagre, P. 211, no distrito da Guarda, os ajudantes
retiram a azeitona das tulhas ou despejam-na das sacas para umas gamelas
de lata (veja-se a figura 61), nas quais a transportam para o moinho.
Uma vez cheio, põem a
roda de peso
ou o motor a trabalhar – embora misto, ultimamente o lagar tem
trabalhado exclusivamente por meio de motor diesel –, começando
as duas galgas, muito irregulares e de formato a tender já para o
tronco-cónico, tal o seu desgaste, a esmagar a azeitona, até que esteja
reduzida a massa, ao fim de duas horas.
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Figura 61: Gamelas de lata com que se transporta a azeitona
para o pio (Vilhagre, P. 211, conc. Celorico da Beira, dist.
Guarda). |
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Em lagares mais modernos, como é o caso do da Ponte Nova, P. 209, no
mesmo distrito, a azeitona é retirada das tulhas à pá e despejada num
funil metálico, de feitio quadrangular, existente na mesma sala, ao
lado da de moagem(15).
O trabalho é feito por um catraio dos seus catorze anos. Despejada no
funil, o chamado lavadouro (sic), a azeitona cai numa correia que
a eleva até ao funil do moinho, que a espalha sobre o rasto das galgas,
ficando esmagada.
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