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Fabrico Tradicional do Azeite em Portugal (Estudo Linguístico-Etnográfico), Aveiro, 2014, XIV+504 pp. ©

 

III

O moinho

 

TERMINOLOGIA

Durante a descrição dos tipos de moinho encontrados, procurámos empregar os termos próprios de cada região para cada uma das diversas partes que os compõem. Agora, além de considerações de vária natureza, iremos ver os diversos nomes aplicados a objectos idênticos, a que ainda não tenhamos feito referência. À medida que esta análise for sendo feita, será apresentada a distribuição geográfica de cada vocábulo, o que aliás temos vindo sempre a fazer, quando efectuamos qualquer referência a algum lagar ou indicamos os nomes dados aos seus constituintes.

Dissemos que a azeitona é deitada num recipiente próprio para ser moída. Os seus nomes são variados. Na metade norte do País, foram registados os seguintes: alfarja, balsão, basa/vasa, base, baso, farneiro, lagariça, moega, penago e pio.  

Alfarja, cujo étimo é o árabe hazar, que deu também o espanhol alfarge, com o sentido de 'pedra inferior do moinho de azeite', é efectivamente, como indica Steiger(16), um vocábulo transmontano, registado no distrito de Bragança, P. 92. É apresentado na "Revista Lusitana", vol. V, pág. 25, com a seguinte definição: «pio ou vaso de pedra em forma de alguidar, dentro do qual se deita a azeitona, e onde giram as rodas (Trás-os-Montes)». A Mesma revista, vol. XIX, pág. 182, aponta-nos a variante alfurja.

Vocábulos como algarbe e algrabe, registados na "Revista Lusitana", vol. XIX, pág. 182, não nos parecem de considerar com a significação apresentada ─ o mesmo que alfarja. Da elevada quantidade de abonações em nosso poder, relativamente a este termo, podemos concluir que o seu sentido normal é o de 'zona circular debaixo da vara onde são colocadas as seiras, a fim de serem espremidas'.

Balsão, termo isolado recolhido em Fornos do Pinhal, P. 78, no concelho de Valpaços, distrito de Bragança, foi usado pelo informador para designar o prato de ferro do moinho onde a azeitona é deitada para ser moída pelas galgas.

Basa/vasa, base e baso, este último termo pronunciado [bajo] em algumas regiões, apresentam relativa difusão. O primeiro ocupa uma área que abrange os distritos de Coimbra (P. 251, 254, 255, 257, 258, 261, 262, 280c, 288, 289b, 293b) e Leiria (P. 340,341a, 346, 354).

Segundo Tavares da Silva(17), vasa é um termo da Beira Baixa, que ele define da seguinte maneira: «pio ou tanque do moinho da azeitona que é limitado por um bordo (saia) inclinado, dando-lhe o aspecto de um tronco de cone invertido, no qual a azeitona cai para ser submetida à pressão das galgas, cujo rasto assenta mais ou menos no lastro desse tanque».

Base surge nos distrito de Braga P. 28, 29) e, sobretudo, no de Coimbra (P. 249, 256, 257, 273, 284, 285b, 286, 294, 297, 302).

Baso, variante fonética de vaso, aparece nos distritos de Aveiro (P. 116, 117, 118, 120) e Porto (P. 51, 52).

No concelho de Carrazeda de Ansiães, P. 85, 86, distrito de Bragança, encontramos o termo farneiro.

Lagariça surge nos inquéritos efectuados no distrito da Guarda, P. 221, 223, e Santarém, P. 334, aplicado ao moinho do lagar de azeite, embora a sua significação se reporte, normalmente, ao lagar de vinho. Segundo Bluteau(18), lagariça é uma «espécie de tanque pequeno, de muitas ou uma só pedra, com uma bica, por onde escorre o vinho espremido com o fuso».

Frei Domingos Vieira(19) dá-nos um sentido diferente: «pequeno poço junto do lagar, que recebe o vinho que ressume da uva espremida pelo lagar, e onde existe uma vasilha, que recebe também o mosto da mesma uva».

Os dicionários modernos apresentam o termo sem especificarem se se aplica ao lagar de azeite se ao de vinho. De uma maneira geral, indicam-nos como forma diminutiva de lagar.

Moega, que se aplica também ao aparelho de moer, surge-nos com o sentido de 'recipiente onde se mete a azeitona' nos distritos de Aveiro, P. 148,149, e Leiria, P. 363. Está registado nos dicionários com o sentido de 'vasilha de madeira, com a forma de pirâmide invertida e furada no vértice, por onde sai o grão para ser moído'.

Penago foi registado nos distritos de Guarda, P. 216, 217, e Viseu, P. 188.

Pia, apenas encontrado em Viseu, P. 188, é o termo usado por Dalla Bella, como já vimos num passo transcrito a propósito dos moinhos de bois, quando falámos dos lagares de Canelas, no concelho de Arouca.

O vocábulo mais frequente para indicar o recipiente onde se deita a azeitona a fim de ser moída é pio. Encontramo-lo praticamente em toda a metade norte de Portugal. O seu significado nem sempre é o mesmo. Casos há, embora esporádicos, em que nos surge para designar o alguerbe, isto é, a 'zona circular onde se colocam as seiras para serem espremidas pela vara', 'a parte inferior da vasa sobre a qual giram as galgas' e, finalmente, o 'aparelho de moer' na sua totalidade.

Tirando o emprego do vocábulo com o sentido de alguerbe, registado nos distritos de Aveiro, P. 120, e de Coimbra, P. 297, apenas devemos considerar o sentido em que é habitualmente usado – o de recipiente onde é moída a azeitona. Nesta acepção, encontramo-lo nos distritos de Braga, P. 31, 32, Bragança, P. 99, 103, Castelo Branco, P. 305, 310, 321, Coimbra, P. 241, 245b, 300, 302, 303, 304, Guarda, P. 206, 207, 209, 211, 213, Porto, P. 53, 54a, 54b, 56, 57, 60, Vila Real, P. 73, 75, 76, 78, e Viseu, P. 171.

A base do pio sobre a qual assentam as galgas, além de mó de baixo, expressão jamais registada em conversas com informadores, apresenta os seguintes nomes: lastro, (Bragança, P. 92, 98), prato (Guarda, P. 212) e rasto (Coimbra, P. 245b).

As pedras de moer, conhecidas pelos leigos por mós, apresentam uma enorme unidade terminológica. Tirando um ou outro caso raríssimo em que o informador lhes chamou mós, são vulgarmente conhecidas pela designação de galgas. Os elementos recolhidos fazem crer que o termo galga é estritamente olivícola, estendendo-se se não a todo o País, pelo menos à metade norte. Dado o elevadíssimo número de povoações em que o vocábulo foi registado, praticamente em todos os pontos marcados no mapa «A oliveira e o fabrico do azeite», não é apresentada a sua distribuição geográfica. Sobre o formato das mós já Dalla Bella se pronunciou. Segundo este Autor(20), «a mó portuguesa (...) não tem ordinariamente senão cinco, e quando muito seis palmos de diâmetro; tem a mesma grossura assim no centro como na circunferência, a qual é de oito polegadas, que valem o mesmo que um palmo».

Efectivamente, tirando as galgas do moinho tronco-cónico, a mó que vulgarmente encontramos está mais ou menos de acordo com as palavras de Dalla Bella, diferindo substancialmente da mó genovesa(21) pela sua elevada largura, algumas vezes mais se parecendo com um rolo cilíndrico de pedra, como no caso dos lagares de Fundo de Vila e Fonte Longa (vejam-se as figuras 53 e 57).

Ao contrário das mós de trigo, que podem ser feitas de bocados de pedra – normalmente três arcos de pedra cimentados e reforçados por dois aros de ferro – as galgas têm de ser construídas com um bloco único de granito. São, na maioria dos casos, talhadas no próprio local onde a pedra é extraída, sendo as suas dimensões variáveis, atingindo um metro e quarenta de diâmetro.

A figura 58, que nos mostra um campo repleto de mós, onde estas são feitas, permite-nos distinguir os diferentes tipos usados. As que apresentam dois aros de ferro destinam-se a moinhos de trigo. As apresentadas respectivamente no primeiro plano e no segundo à esquerda, são galgas para lagares de azeite. No primeiro plano, à esquerda, vemos uma vara comprida deitada no chão, É com ela que deslocam as mós de um para outro lado, depois de a terem introduzido no orifício central.

Figura 58: Aspecto de um campo de mós em Olho Marinho, P. 293a, freg. S. Miguel, conc. Poiares, dist. Coimbra.

Vimos já que em alguns moinhos existe uma pá de ferro ou de madeira para fazer cair a massa que se agarra às paredes do pio, e que, em Canelas de Baixo, essa pá tinha o nome de raspa. Os termos mais usados para este objecto, raro nos moinhos antigos, vulgaríssimo nos modernos, são raspadeira (Coimbra, P. 262, 277,284, 285b, 304; Guarda, P. 209; Santarém, P. 334) e raspador (Bragança, P. 90, 100; Coimbra, P. 245b; Leiria, P. 340; Vila Real, P. 76).

Nos moinhos modernos, há a considerar normalmente dois tipos de raspadeira: uma fixa, cuja finalidade é empurrar a massa para debaixo das galgas; outra móvel, que só funciona quando a fazem baixar por meio de uma alavanca, a fim de expulsar a massa do pio.

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(16) – ARNALD STEIGER, op. cit., pág. 256.

(17) – D. A. TAVARES DA SILVA, op. cit., pág. 448.

(18)RAFAEL BLUTEAU, Vocabulário português e latino, Lisboa, 1741, vol. V, pág. 20, 1ª col.

(19) – FREI DOMINGOS VIEIRA, Grande dicionário português ou tesouro da língua portuguesa, Porto, 1873, vol. III, pág. 1249, 1ª col.

(20) – JOÃO ANTÓNIO DALLA BELLA, op. cit., parágrafo LXXI, pág. 64.

(21)Segundo Dalla Bella, a mó genovesa caracteriza-se por ser mais grossa junto do eixo e estreitar à medida que se aproxima da circunferência, apresentando por isso a vantagem de oferecer menor atrito. O seu grande diâmetro permite-lhe dar menos voltas, reduzindo o atrito. A sua pouca largura permite vencer com maior facilidade a resistência oposta pelas azeitonas que se moem.

 

 

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