MOINHOS DE BOIS
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É este um dos tipos de
moinho com maior interesse linguístico e etnográfico. As suas
origens perdem-se na sombra dos tempos. Será praticamente
desnecessário dizer o que se entende por moinho de bois, pois toda a
gente sabe que a expressão aqui usada se refere a um tipo de
lagar cujo moinho é tocado a sangue(7), isto é, movido por meio de força animal. |
Figura 39: Moinho de Dalla Bella. |
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É um sistema de
accionamento comum a todos os países produtores de azeite, hoje
praticamente caído em desuso, dado o seu pouco rendimento de
trabalho. Os poucos que subsistem ainda em Portugal não devem ter
longa vida à sua frente. Apenas as regiões mais recônditas, onde o
progresso a custo consegue chegar, deverão conservar sistemas
primitivos como este. |
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Figura 40: Moinho de Dalla Bella. |
Em 1784, procurou Dalla Bella(8) mostrar os inconvenientes
deste sistema, dando não só indicações de vária ordem para que tão
rudimentar processo pudesse ser aperfeiçoado, como citando mesmo um tipo
de moinho de bois que parece não existir actualmente, pelo menos na
metade norte do País. Segundo ele, «a máquina portuguesa move-se
por meio de duas rodas dentadas, das quais a maior, posta em movimento
pelos animais por meio de uma vara comprida, comunica o movimento à
outra menor que conduz a mó: e estas duas rodas são feitas com tão pouca
indústria, sem regra certa na divisão e figura dos dentes, que não só
produzem entre si um grande atrito, mas causam frequentemente um
movimento irregular na mó». E põe em paralelo o moinho genovês, no
qual «o animal move imediatamente a mó genovesa (tal como se
representa nas figuras II e VII, por nós reproduzidas nas figuras 39 e
40) com uma velocidade igual à do seu passo com movimento uniforme,
sem encontrar tanta resistência de atrito.» E, conhecendo bem as
vantagens que há em se usar no moinho a desmultiplicação de forças por
meio de um sistema de rodas dentadas, de tal modo que «em cada giro
do animal possa fazer a mó três e quatro giros», dá uma série de
conselhos bem fundamentados, indicando a construção de um tipo de lagar,
no parágrafo LXXVII, páginas 69 a 70:
«É porém fácil obter o intento desejado, quando os animais caminham
em um plano superior ao da mó, imitando nisto algum moinho que se
observa em Aix, e em algumas partes da Itália. Este moinho
(figura VI, reproduzido na
figura 41) requer uma casa composta de um
plano térreo, e de outro plano DD em sobrado. O fuso EE sustentado com
uma ponta de aço sobre uma base escavada de bronze G, passa pelo sobrado
DD, e acaba em F numa trave do tecto. O animal H, que entra no sobrado,
está atado a uma vara L unida ao fuso em M. Com o movimento do animal
move-se o fuso à roda do seu eixo, e gira a roda BB fortemente unida com
o mesmo. Suposto que esta tenha só 36 dentes, encontrando-se eles com os
da segunda roda A, que são 12, uma só volta da roda BB faz girar três
vezes a outra A, e consequentemente o outro fuso Z, e a mó C que mói as
azeitonas posta na pia N. Por isso em uma hora de tempo se obtém na
moedura quase o mesmo efeito, para que se requer o tempo de três horas
na obra de um moinho simples (...)»
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Figura 41:
Tipo de moinho preconizado e explicado por Dalla Bella. |
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É interessante notar o facto de que os moinhos tocados por animais, que
encontramos com frequência, correspondem, em certa medida, àquele tipo
que Dalla Bella considera genuinamente genovês, isto é, o nosso lagar de
bois é movido à semelhança do que se passa
– ou passava
– em Génova, pois cá, como lá,
a mó é accionada imediatamente pelo animal «com uma velocidade igual
à do seu passo com movimento uniforme», embora talvez com mais
atrito, pois cá, ao contrário de lá, o moinho apresenta frequentemente
mais de uma galga, de grandes dimensões e largura, chegando a perfazer
um total de quatro, como veremos quando tratarmos das diversas espécies
de moinhos de bois existentes na metade norte de Portugal.
António Cardoso de Menezes(9) apresenta vários modelos de
moinho, dos quais dois accionados por animais: um puxado por cavalo e
com a mó vertical, tendo por eixo a vara de tracção; outro, o chamado
moinho de Paget. À parte o moinho de Dalla Bella, que o Autor considera
mais vulgarizado em Portugal, não parece existir, pelo menos na metade
norte do País, nenhum dos dois tipos apontados. Apenas um muito parecido
foi fotografado em tempos no lagar da Quinta da Ínsua (Castendo), no
concelho de Penalva do Castelo, no distrito de Viseu. O moinho deste
lagar assemelha-se em muitos aspectos ao moinho de Paget, descrito por
António Cardoso de Menezes(10), e tudo nos leva a fazer crer
que se trata do mesmo, embora mais aperfeiçoado e posto em movimento por
meio de motor.
Os moinhos de bois observados na metade norte compõem-se, de uma maneira
geral, de um recipiente onde é deitada a azeitona, de um pastor ou pião,
de um moirão, de um cambão, almanjarra ou manjarra e, por vezes, de um
raspador.
A fim de podermos fazer um estudo metódico deste tipo de moinho, teremos
de o distribuir por diversos grupos, sem os quais se tornaria difícil
fazer uma análise sistemática e minuciosa das diferentes espécies que
apresenta. Para esta classificação, que não pretende mais do que servir
de um simples esquema de desenvolvimento, entramos em linha de conta com
dois factores: material de construção do vaso
– pedra ou madeira
– e número de galgas. Assim, obtemos a seguinte distribuição:
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uma
galga: P. 118 |
1º -
moinho de aduelas |
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duas
galgas: P. 118a |
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uma galga: P. 75, 103
duas galgas: P. 52, 54,
56, 86, 116
três galgas: P. 51,
286
quatro galgas: P. 256 |
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2º -
moinho com vasa de pedra |
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Em Canelas, no concelho de Arouca, tivemos a oportunidade de encontrar
dois moinhos cujos vasos são formados por aduelas de madeira.
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Figura 42:
Elementos que compõem o moinho de aduelas de Canelas de Cima, P.
118a, freg. Canelas, conc. de Arouca, dist. Aveiro. |
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O moinho de Canelas de Cima, P. 118a, documentado nas figuras 42 e
45,
caracteriza-se por apresentar duas galgas. O fundo é constituído por uma
larga placa circular de pedra (nº 1), sobre a qual giram as galgas (nº
4). O chamado vaso é formado por várias aduelas (nº 3) de
madeira, muito irregulares, pregadas a dois arcos periféricos também de
madeira (nº 2), dos quais o superior constitui o chamado bordo do
vaso. Estes dois aros estão firmes por pequenos paus de secção circular
(nº 5), colocados ao alto e a distâncias mais ou menos iguais. As galgas
(nº 4), que giram num eixo horizontal de ferro, estão presas a um eixo
vertical, também de ferro, preso por sua vez a uma coluna circular de
madeira (nº 6), pregada a uma das traves do telhado. Ligada aos eixos
das pedras, a almanjarra (nº 7), enorme vara de madeira, à qual atrelam
os bois que fazem mover o moinho.
O moinho de Canelas de Baixo, P. 118, que as figuras 43
(=►)
e 46 ilustram, é
um pouco mais rudimentar que o anterior e apresenta uma só galga.
Assente sobre várias pedras, de feitio e tamanho muito irregular, o
vaso é feito de aduelas (nº 1) pregadas a uma cercadura de
madeira, apoiada sobre colunas (nº 2). O moirão (nº 3), ao qual
está preso o eixo horizontal da galga, é uma peça vertical de madeira
que serve de eixo. Está preso a uma trave do telhado, a uma das chamadas
trabes d'àzenha ou linhas d'armação d'àzenha, visíveis na
figura 45. É no moirão que está enfiada a almanjarra (nº 4). Para
que esta não saia, metem-lhe, na extremidade oposta àquela onde atrelam
os animais, um torno de madeira.
No interior do vaso e fixo ao moirão, um pouco abaixo do eixo horizontal
da galga (◄=
ver figura 44), está pregada uma peça de madeira com o formato
aproximado de uma régua em T. É o chamado raspa, cuja utilidade é
a de fazer cair a massa que se agarra às paredes do vaso. Servindo-nos
das palavras do informador: «... e depois este raspa, c'o andamento
da mó, bai andando sempr'im bòlta e jogando ela [a massa] abaixo».
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Figura 45:
Aspecto do moinho de aduelas de Canelas de Cima, P. 118a, freg.
Canelas, conc. de Arouca, dist. Aveiro. |
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É a moinhos do género dos de Canelas que Dalla Bella(11) se
refere, ao falar das pias que os compõem. Segundo ele, «esta
pia tem o fundo redondo de pedra do diâmetro de 6 palmos. Na
circunferência do mesmo se levantam as bordas inclinadas para fora na
altura de perto de três palmos, de maneira que o diâmetro da boca
superior é de quase 9 palmos, e os lados da mesma são interiormente
cobertos ao redor de tábuas mal conexas entre si, as quais antes de
principiar-se o trabalho no lagar se lavam quando muito só com água
quente.» |
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Figura 46:
Aspecto do moinho do lagar de Canelas de Baixo, P. 118, freg.
Canelas, conc. de Arouca, dist. Aveiro. Penduradas, seiras velhas. |
Os moinhos de Milhão e Faiões, respectivamente nos distritos de
Bragança, P. 103, e Vila Real, P. 75, apresentam um pio de pedra
com uma só galga.
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Figura 47:
Aspecto do interior do moinho, no lagar de Milhão, P. 103, conc. e
dist. de Bragança. |
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Figura 48:
Corte do moinho do lagar de Milhão, P. 103. |
O primeiro (vejam-se as figuras 47 e 48), parado há vários anos,
pertence a um antigo lagar de vara, agora meio arruinado. Apresenta um
pio com fundo e paredes de pedra, de formato semelhante ao de uma
taça. Liso pelo lado de fora, tem as paredes internas facetadas, isto é,
divididas em duas zonas com inclinações diferentes: a superior, mais
deitada; a inferior, quase perpendicular ao plano da base (observe-se o
corte do moinho apresentado na figura 48). O moirão, no qual está
embutida a vara da almanjarra, segura por meio de uma pequena
cavilha de madeira que lhe atravessa a extremidade, de secção
rectangular, possui um feitio singular, formado por uma enorme peça de
madeira, mais larga na zona onde encaixa o eixo da
galga.
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Figura 49
e 50:
Aspecto do moinho do lagar de Faiões, P. 75, vendo-se na imagem da
direita um pormenor do pastor do moinho. |
O moinho de Faiões, P. 75, documentado na figura 49, pertencente a um
lagar de parafuso, fica, ao contrário do anterior, numa sala própria, de
plano quadrado, que comunica por uma porta com a sala onde é espremido o
azeite.
Com um diâmetro de pouco mais de dois metros, apresenta o bordo do pio
coberto de madeira, a fim de diminuir o desgaste do baldão (nome
dado na terra à almanjarra ou cambão) que, durante o funcionamento, se
desloca apoiado ao bordo. A galga, de grandes dimensões, é atravessada
pelo próprio cambão, que lhe serve de eixo. Está segura com uma chaveta
de ferro e gira à volta de um pilar cilíndrico de pedra – o chamado
pastor (figura 50) – protegido, em cima, por um disco metálico.
Na extremidade pela qual está fixo ao pastor, o cambão é reforçado por
duas placas de ferro e atravessado por uma cavilha do mesmo material com
a função de eixo.
O moinho acabado de descrever apresenta grande semelhança com o apontado
por Dalla Bella, representado na figura 40. Num e noutro, é o próprio
cambão que serve de eixo à mó. Há, no entanto, uma grande diferença
entre os dois: no moinho genovês, a mó é extremamente delgada; no moinho
português, é desmesuradamente larga.
O lagar de Vila Viçosa, P. 116, possui um moinho de duas galgas e
baso de pedra, com o bordo largo e quase de um metro de altura.
Merece ser aqui citado apenas pelo facto de apresentar uma pequena
curiosidade que o individualiza: na extremidade superior do eixo
vertical de ferro, de pouca altura, existe um disco circular em forma de
prato. O informador não soube dizer o nome por que é conhecido. Disse,
todavia, servir «p'ra pôr o gasómetro», a fim de alumiar o
interior do baso, para que o mestre possa ver se a azeitona já está bem
esmagada.
De uma maneira geral, todos os moinhos de duas galgas encontrados nos
distritos de Bragança e Porto apresentam um pio de pedra de considerável
diâmetro.
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Figura
51
e 52: Aspecto da moagem da azeitona no lagar de Sequeiros, P.
52, em Baião. À direita, pormenor do interior do pio,
mostrando como a manjarra está fixa ao eixo das galgas. |
No lagar de Sequeiros, P. 52 (concelho de Baião, no distrito do Porto),
a parte superior do bordo do moinho é revestido de madeira, diminuindo
assim o desgaste da manjarra (vejam-se as figuras 51 e 52). As
mós giram num eixo assimétrico de ferro, com secção quadrada,
apanhando
uma o lado de fora do rasto, a outra o lado de dentro, junto ao pion(12).
Neste, existe um veio de ferro espetado verticalmente com a função de
eixo. A manjarra está fixa a um aro circular de ferro, soldado ao
eixo horizontal das mós, e a dez centímetros do eixo vertical, tal como
se documenta na figura 52. Sistema exactamente igual a este
encontramo-lo na azenha de Cadeado, P. 54, no mesmo concelho.
Quer o moinho de Sequeiros, pertencente a um lagar de parafuso, quer o
de Cadeado, ocupam uma sala própria para a moagem, ligada por uma porta
àquela onde se efectua o enseiramento e prensagem.
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Figura
53: Pormenor do moinho de Fonte Longa, P. 86. |
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No lagar da Fonte Longa, P. 86, o moinho apresenta um farneiro
com paredes de pouca altura, semi-enterrado no chão. As pedras –
nome pelo qual designam as mós, ao lado de galgas –, colocadas
assimetricamente num eixo de madeira, fixo a um pião de pedra
por meio de um beio de ferro, apresentam um diâmetro muito
pequeno e larguras diferentes. A que gira junto ao pião tem quase o
dobro da outra que gira junto ao bordo exterior. As paredes internas do
farneiro são quase perpendiculares. O baldão, atravessado pelo
veio vertical, forma ângulo recto com o veio horizontal das galgas. Para
maior segurança, uma placa de ferro liga o baldão ao eixo horizontal,
formando como que uma hipotenusa. Tal como em outros moinhos, o baldão
desloca-se quase apoiado ao bordo do farneiro. Por este não ser
revestido, o desgaste que apresenta, visível na figura 53, é
considerável.
Um ou outro lagar apresenta uma peça de madeira que, durante o movimento
do moinho, desprende a massa que se agarra às paredes do recipiente. No
caso do moinho de Izei, P. 76, o raspador de madeira está preso
não ao moirão ou ao eixo das galgas, mas sim ao próprio baldão,
como se pode verificar na
◄
figura 54.
Dos vários moinhos de três galgas, de que encontrámos exemplares
nas Carvalhosas (concelho de Coimbra, P. 286), Simantorta (concelho de
Pampilhosa da Serra), e Pedregal (concelho de Baião, P. 51), referiremos
apenas o primeiro.
O moinho do lagar das Carvalhosas, P. 286, do qual infelizmente não
possuímos qualquer gravura, caracterizava-se pela sua base de
grande diâmetro, com um bordo de cerca de 50 centímetros de altura. As
galgas giravam à volta de um eixo vertical de ferro, preso ao centro de
um larguíssimo pião cilíndrico. Os eixos horizontais assimétricos
eram reforçados por uma armação de ferro de feitio triangular. O enorme
cambão obrigava os animais a fazer quilómetros de marcha à volta
do moinho, tal o seu desconforme comprimento, tão contrário aos
preceitos indicados por Dalla Bella(13). A circundar as paredes
da base, existia uma plataforma de pedra, espécie de passeio para
o boieiro que conduzia os animais.
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Figura
55:
Moinho
de 4 galgas do lagar do Dianteiro, P. 256, freg. Torres do Mondego,
conc. e dist. de Coimbra. |
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O moinho do lagar do Dianteiro, P. 256, nos arredores de Coimbra, é dos
poucos que apresentam quatro galgas, tal como se pode ver na figura 55.
Com mais de três metros de diâmetro, possui uma base com pouca altura.
As galgas giram em eixos assimétricos, ligados entre si por uma armação
de ferro de formato quadrado, que apanha toda a zona compreendida entre
o larguíssimo pião – pedra circular do meio, onde encaixa o eixo
vertical de madeira – e as paredes internas da base. O cambão,
preso ao eixo vertical, faz deslocar as mós por meio de uma corrente que
o liga à extremidade do eixo de uma delas. Para não se desgastar com a
fricção, possui um carreto cilíndrico de madeira, graças ao qual
desliza quase suavemente pelo bordo.
Ao canto direito do lagar, bem visível na figura 55, fica a manjedoura,
constituída por várias pedras delimitadas por uma barra de madeira presa
à parede.
Analisámos até agora as diversas espécies de moinho de bois, encontradas
na metade norte do País. Resta-nos, pois, saber como são atrelados os
animais às varas de tracção, o que faremos depois de apresentar os
diversos nomes para estas mesmas varas.
Almanjarra
é uma palavra de origem árabe, sendo o seu étimo mazarra. Steiger(14)
apresenta também como vestígio do árabe no português o vocábulo
manjorra, que se nos afigura como lapso do Autor, que assim o
transcreveu em vez do termo corrente e por nós frequentemente registado:
manjarra. Define-o como o 'pau a que se atrela o animal que faz
andar a atafona ou a nora'. Do árabe subsistiu também o siciliano
minciarru, definido como 'braccio della macina da olio, della
senia e di altre macchinne mosse da cavali' (SGI, III, pág. 241).
O vocábulo almanjarra é corrente no distrito de Aveiro, P. 116,
118; manjarra, com maior representação, surge nos distritos de
Aveiro, P. 117, Porto, 51, 52, 54a, 56, 59, e Vila Real, P. 73.
Baldão,
com o sentido de 'vara a que se atrelam os animais para puxar as
galgas', foi registado nos distritos de Bragança, P. 89, 91, 92, e Vila
real, P. 76, 78, 81.
Balurdo
é um termo isolado e duvidoso, apenas registado no distrito da Guarda,
P. 197.
Cambão,
ao lado de cangão (Coimbra, P. 256), encontra-se documentado em
inquéritos por nós efectuados nos distritos de Coimbra, P. 256, 286,
Guarda, P. 216, 217, Porto, P. 56, e Vila Real, P. 75.
Os animais usados são geralmente bois, que, no dizer dos informadores,
aguentam melhor o trabalho; além de não entontecerem facilmente,
conseguem moer um moinho de azeitona durante duas e mais horas.
Sobre o cachaço dos bois, põem primeiramente umas almofadas de couro, de
formato arredondado, na região entre as hastes dos animais (observem-se
as figuras 8 e 51), conhecidas pelos termos meleias (Bragança, P.
86), molhelhas (Porto, P. 51, 52, 54a, 56), molhilhas
(Vila Real, P. 75) ou molidas (Vila Real, P. 73, 75, 76). As
molhelhas têm como finalidade evitar que o jugo fira os animais. Apoiado
o jugo sobre estas almofadas, atam-no aos chifres por meio de umas tiras
de cabedal chamadas sogas: «o jugo põe-se nas molidas im
cima
da cabeça dos animais; e depois com as sougas(15)
prendem-se lá òs còrnos dos bois c'o jugo» (Fonte Longa, P. 86).
O jugo é ligado ao baldão por meio de um cadeado (Porto, P. 51;
Vila Real, P. 78) ou de uma vara chamada tamonzela (Vila Real, P.
76), tamuão (Porto, P. 56), tamucela (Vila Real, P. 78) ou
temunzela (Vila Real, P. 73). Esta vara é ligada ao jugo por meio
de correias – os chamados tamoeiros (Bragança, P. 92; Porto, P.
54b; Vila Real, P. 73, 76). A extremidade posterior da tamonzela possui
normalmente um gancho, com o qual a engatam ao baldão ou manjarra, que
para isso possui um orifício na extremidade.
Segundo os informadores, o cadeado é mais eficaz do que a tamucela,
pois, conforme um deles diz, «o cadeado dá-se melhor à bolta; a
tamoncela é mais em linha recta e, portanto, o cadeado dá-se melhor à
bolta» (Vila Real, P. 78).
Em alguns casos, existe ainda uma corda que vai do veio vertical à
extremidade do jugo voltada para o moinho. É o chamado tirante
(Bragança, P. 86) que, no caso do moinho de Sequeiros (veja-se a figura
51), está ligado não ao eixo vertical, mas a uma haste de ferro
existente na extremidade do eixo horizontal da galga exterior,
servindo-lhe simultaneamente de chabêlha, para impedir que a mó
salte fora do eixo.
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