NOMES DO LAGAR
É o azeite, também conhecido pelas expressões
óleo d'azeitona
(distr. Beja),
sumo d'oliva,
P. 202,
óleo de oliveira,
p. 113, e
óleo d'olípio
(distr. Évora), um dos óleos mais utilizados em Portugal. A sua
extracção, e não fabrico como incorrectamente se diz, é feita em lugares
próprios, genericamente designados por
lagares de azeite
ou, muito simplesmente,
lagares.
Embora seja este termo comum a todo o país, não é o único dado à casa
onde o azeite é extraído.
Nos distritos de Castelo Branco, P. 313, e Guarda, P.
197, surge-nos o termo
atafona(1)
com uma significação mais restrita do que
lagar. Efectivamente, refere-se ao lagar antigo, movido pela força de
bovinos. O termo está registado em vários dicionários, que nos dão
sentidos um pouco diferentes.
Segundo António de Morais Silva(2),
atafona
é um «engenho ou máquina de moer grão, posta em movimento à mão,
ou por
bestas», equivalendo a moinho.
Para Augusto Moreno(3),
atafona
é um «moinho manual ou movido por cavalgaduras», equivalendo também a
azenha.
A este respeito, informação mais completa é-nos dada por
Frei Domingos Vieira(4),
que nos descreve os elementos de que se compõe a atafona. Embora
referindo-se ao moinho de trigo, será vantajoso transcrever parte do que
se diz neste dicionário, visto apresentar elevado número de peças
semelhantes às que iremos encontrar nos lagares de azeite:
«(Do árabe
atahuna;
do verbo
tahana,
moer). Moinho de mão ou movido por uma besta. Consta este engenho de uma
trave atravessada em que está pregada uma porca, que tem um ferrão com
uma viga que anda à roda, a que se chama
pião.
A
almanjarra,
que é uma espécie de viga torta, apertada por um pau, a que chamam
arrojadura, com um torno no cabo, e com o rabo da própria almanjarra que
serve de outro torno, faz andar a pedra ou mó, a qual está entre tábuas
largas, que chamam emparamentos, assentados em dois dormentes, que são
dois paus; e nos emparamentos tem mão um barrote, a que chamam mesa do
engenho.
Para a pedra moer, tem um encaixe com um pau largo e comprido, chamado
segurelha;
levanta-se e abaixa-se a pedra com um pau chamado alevadouro, e o
carrete, que consta de seis fuselos, que são uns pauzinhos redondos e
direitos, anda por meio de um ferro comprido em baixo, a que se chama
veio, e o pau em que anda o
veio
chama-se taco. A
moega
tem a boca larga para receber o trigo, que pouco a pouco cai na calha
(...)».
Da mesma família de atafona são os termos
atafoneira,
para indicar «a (pessoa ?) que mói na atafona», e
atafoneiro,
que se aplica ao que está empregado em uma atafona, que dirige a moagem
e faz a maquiação. O facto de nunca os termos ouvido faz-nos crer que
estes dois termos perderam completamente a vitalidade.
Nos distritos de Aveiro (P. 116, 117, 118, 122, 164, 166,
167), Bragança (P. 86), Porto (P. 51, 53, 54, 56), Vila Real (P. 73, 82,
83) e Viseu (P. 169, 171, 173), surge-nos o termo
azenha,
que se aplica sobretudo a moinhos tocados a água, mas também aos que são
puxados por animais. Segundo a noção que grande número de sujeitos
falantes tem em relação a azenha, esta é uma casa bastante antiga, por
oposição aos modernos lagares de azeite. Uma noção inversa à apontada
surge-nos no concelho de Amarante, P. 56, onde o mais antigo é designado
por
engenho.
Dissemos que o termo azenha se aplica sobretudo a moinhos
tocados a água, mas também aos que são puxados por animais. Esta é uma
das noções existentes actualmente. Segundo o já citado dicionário de
Frei Domingos Vieira, p. 632, 1ª e 2ª col., não foi a única existente.
Diz-nos o A., depois de haver apontado como étimo da palavra o árabe
assanha,
que a azenha é uma «espécie de moinho movido por uma corrente de água,
que lhe cai perpendicularmente sobre a roda». E apresenta-a como
sinónimo de moinho, acrescentando: «a azenha é como o moinho, movida por
água, com a diferença que aquela mói com roda, e este com rodízio; na
azenha a roda está fora da água que lhe cai em cima; o moinho é nas
margens de rio e a azenha anda com qualquer riacho. Hoje a palavra
moinho tem um sentido vastíssimo, e azenha está cada vez mais restrita».
Esta última afirmação condiz com o que se passa em nossos dias.
Consultando o mapa nº 2, verificamos que o termo azenha se circunscreve
a uma área relativamente pequena. Com efeito, encontramo-lo apenas nos
distritos de Aveiro, Porto, Viseu, Vila Real e Bragança, em zonas muito
próximas umas das outras, quase sempre a distância relativamente pequena
da bacia do Douro. Exceptua-se o distrito de Vila Real, onde o
encontramos até mesmo perto de Chaves, junto à fronteira.
O termo
engenho,
por vezes pronunciado
ingenho,
é corrente nos distritos de Aveiro (P. 164, 165, 166, 167), Braga (P.
22, 23, 31, 32, 33, 34), Porto (P. 56, 57, 58, 60) e surge-nos
isoladamente no distrito de Coimbra (P. 256).
É esta uma daquelas palavras que poderão ser apontadas
como exemplo das grandes alterações semânticas que sofrem muitos
vocábulos dentro da nossa língua(5).
Designando inicialmente o aparelho para moer a azeitona, acepção ainda
hoje com bastante vitalidade em muitas regiões do país, pelo menos a
parte Norte, o seu valor semântico alargou-se consideravelmente,
passando a referir-se a todo o edifício. Exemplos da sua primitiva
acepção puderam ainda ser registados nos distritos do Porto, P. 58, 67,
Coimbra, P. 256, e Leiria, P. 353, 360. É o que se depreende do seguinte
fragmento, extraído de uma conversa com um mestre de lagar: «...se
por acaso a gente não encontra caroço, está pronto. Bois fora, parou o
ingenho, parou esta construção...».
Sentido idêntico a este já o encontrámos, quando vimos a transcrição de
Frei Domingos Vieira, relativamente a atafona.
Engenho
aplica-se também ao moinho de água onde o linho é moído. É por este
motivo que, em alguns casos, o povo emprega a expressão
ingenho d'azeiti,
como pôde ser ouvido no concelho de Amarante, P. 58, 60, para o
distinguir dos restantes.
Curiosamente, são designados por
engenheiros
ou
ingenheiros
os indivíduos que trabalham nos lagares, originando episódios curiosos e
quase anedóticos, como oportunamente veremos. Este emprego da palavra
engenheiro
pode ser encontrado nos distritos de Braga (P. 32, 33) e Porto
(P. 56,
57).
Designação que, hoje em dia, começa a ter um emprego cada
vez mais frequente, quer não só entre a camada popular, como também já
entre as classes elevadas da sociedade, é a de
fábrica de azeite,
para o local onde o precioso e dourado óleo é extraído. Facto de
interesse a registar é o de nos surgir não só no nosso país, distritos
de Braga (P. 28, 29), Bragança (P. 100), Porto (P. 56) e Coimbra,
mas
também em Espanha, ao lado de
molino
e
molino d'aceite.
Veja-se o que diz Tomás Buesa Oliver(6):
«Durante mi último viaje – enero de 1952 –, vi como la
arcaica maquinaria de la mayoría de los molinos habia sido sustituída
por otra más moderna. De esta forma, el modesto y antiguo molino
aceitero se había transformado en
Fábrica de Aceite.»
Tomás Buesa emprega a expressão «fábrica de aceite» na mesma acepção que
se verifica em Portugal, isto é, na de lagar moderno apetrechado com
maquinaria do nosso tempo.
No distrito de Coimbra, no lugar da Alegria, freguesia de
Góis, concelho de Góis, encontramos mesmo a expressão FÁBRICA DE AZEITE
escrita nas paredes de um lagar. Os dizeres estão em letras de tal modo
grandes, que, quem vai na estrada da Lousã para Pampilhosa da Serra,
infalivelmente terá que ver tal inscrição ao aproximar-se da localidade.
Moinho,
à semelhança do que se passa em Espanha, pode aplicar-se também ao lagar
de azeite. Todavia, o seu verdadeiro significado reporta-se ao aparelho
de moer a azeitona. Mediante um alargamento do seu campo semântico,
passou a designar a quantidade de azeitona que o moinho pode laborar de
cada vez, que varia de acordo com a sua capacidade, e o conjunto de
seiras ou capachos dispostos uns em cima dos outros para a prensagem.
A expressão
lagar de vara,
de uso tão frequente, aplica-se unicamente àquele tipo de lagar onde as
prensas são enormes troncos de árvore, actuando segundo o princípio de
uma alavanca inter-resistente.
O período de tempo compreendido entre a abertura e o
encerramento do lagar é designado por
laboração,
distrito de Vila Real (P. 78),
lagaragem,
distrito de Braga (P. 29), e
safra,
distrito de Coimbra (P. 242, 257), que também se emprega para indicar a
produção de azeitona e azeite de um ano.
À quantidade de óleo produzido é dado o nome de
funda,
distritos de Bragança (P. 32) e Coimbra (P. 245, 262, 285). Deste modo,
é usado o verbo
fundir,
que significa 'produzir azeite', e foi registado no distrito de Coimbra
(P. 256, 262, 285, 303).
A actividade que consiste em produzir azeite é indicada
pelo nome de
feitoria,
registado nos distritos de Guarda (P. 206) e Vila Real (P. 69).
Segundo Tavares da Silva(7),
existe no Alentejo o termo
mastuga
para designar a «moenda da azeitona; o trabalho do lagar do azeite».
A funda, isto é, a produção do azeite, varia de acordo com determinados
factores. Na Quinta do Esporão, P. 245, freguesia de Midões, concelho de
Tábua, foi-nos dada a seguinte explicação, que passamos a transcrever:
«Num òlival virado ò sol, a funda dá mais azeite; e, por exemplo, num
òlival que não está ao sol, que é sombrio, já dá menos, ou que seja
regadio, também dá menos». E mais adiante: «A funda é, por exemplo, por
cem quilos dá x, mas uma dá mais ou menos.»
Segundo outro informador, na Vila do Mato (P. 245), na mesma freguesia e
concelho, a azeitona «miúda dá mais funda d'azeite que a graúda (...). A
funda é dar mais litros consoante os quilos.»
Daqui se conclui, portanto, que a maior ou menor produção de azeite
dependerá de vários factores, tais como: situação do olival,
características do terreno, tamanho e qualidade da azeitona, etc.
A afirmação de que o azeite se faz em lagares não é totalmente rigorosa.
Primeiro, porque o azeite não é feito, mas sim extraído; segundo, porque
há processos caseiros de o extrair, como veremos em capítulo próprio.
Embora o verbo fazer não deva ser empregue relativamente à produção de
azeite, o seu uso está de tal modo generalizado e enraizado que
dificilmente se ouvirá dizer «extrair ou extracção de azeite», em vez de
expressões como «fabricar azeite», «fazer azeite» ou «fabrico do
azeite". Por isso, aqui mesmo se encontrará o emprego frequente de
expressões como estas últimas. |