Inicialmente
de tipo silvestre, a oliveira teria passado a produzir fruto depois de
convenientemente cultivada. É de salientar o facto de, ainda agora, em
muitos países da Ásia, Europa e Norte de África, ser possível
encontrá-la num estado selvagem. Neste aspecto, o nosso país não
constitui excepção, sendo vários os nomes por que é conhecida: azevim,
jambujo, zambujo, etc.
Com uma origem bastante obscura, têm-se formulado à sua volta as mais
diversas opiniões: segundo uns, teria surgido pela primeira vez no
continente europeu; segundo outros, no continente africano. Cremos, no
entanto, que a maior parte dos botânicos é de opinião que, à semelhança
do que ocorreu com a figueira, a que anda frequentemente ligada na
tradição popular portuguesa(1),
a oliveira será proveniente do sul da Ásia, donde terá passado para
outras regiões, designadamente a toda uma vasta zona do Mediterrâneo. Os
seus produtos, nomeadamente o azeite, são de há longa data conhecidos
dos povos semíticos, arménios, egípcios e, sobretudo, dos da Palestina.
A pouco e pouco, a sua importância foi aumentando, acabando por se
espalhar por toda a Europa.
Deixando de parte o problema das origens da árvore de Minerva, cujo
estudo compete essencialmente ao historiador, foquemos a nossa atenção
sobre a importância do azeite na nossa civilização, mais rigorosamente
na nossa comunidade.
Embora a legislação portuguesa tenha já considerado como alimentares os
óleos de bolota, de gérmen de milho, de grainha de uva, de semente de
tomate e de girassol e de óleo de amendoim e de algodão, e estes sejam
de elevado uso em vários países europeus, a verdade é que a Península, e
sobretudo Portugal, são dos maiores consumidores de azeite. Apesar de,
hoje em dia, serem já adoptados numerosos tipos de óleo, fruto em parte
da elevada publicidade por tão influente meio de comunicação como é a
televisão, a verdade é que a cozinha tradicional portuguesa não dispensa
ainda o dourado óleo de Minerva, base primordial de tanta e tão
requintada iguaria.
Ao contrário do que sucede, por exemplo, em França, onde a dona de casa
sente uma natural repugnância pelo azeite, como por mais de uma vez
tivemos oportunidade de constatar, a gente portuguesa, de modo muito
especial a das nossas aldeias, sente (ou sentia) igual repugnância por
todo e qualquer óleo que não seja o azeite. E dizem muitas pessoas com
quem falámos, por esse Portugal fora, que o azeite, para ser bom, para
ser realmente gostoso, não há-de ser inteiramente virgem; a sua
excessiva pureza torna-o insípido e desagradável ao paladar. Para que
ele seja realmente bom e ao gosto da nossa gente, há-de ter uma ligeira
percentagem de acidez, pois só assim a comida consegue adquirir-lhe o
paladar. E talvez não deixem de ter uma certa razão.
No meio citadino, onde os diversos óleos vêm adquirindo um mercado cada
vez maior, entrando cada vez mais nas nossas casas, nem por isso o
azeite perdeu por completo a sua importância. Acaso haverá algum
português que o dispense para temperar o tradicional bacalhau com
batatas, na consoada do Natal?
Nem a consoada seria consoada, nem o bacalhau com batatas seria bacalhau
com batatas, se não fosse regado com bastante e bom azeite.
Não é, pois, de admirar que, num país tão pequeno como é o nosso, se
consumam, anualmente, cerca de 90 milhões de litros de azeite,
quantidade para a qual é frequentemente insuficiente a nossa produção,
como foi o caso, por exemplo, da campanha de 1969/70, segundo as
indicações fornecidas pelo “Boletim da Junta Nacional do Azeite”(2).
Sendo o nosso País tão grande consumidor de azeite, não é também de
admirar que, nos capítulos que vão seguir-se, procuremos saber como ele
é (ou era) tradicionalmente feito em Portugal. |
(1)
–
Em Portugal, a oliveira e a figueira encontram-se frequentemente
ligadas na tradição popular, especialmente no que respeita a certas
crenças. Uma e outra árvore surgem-nos, não raras vezes, em certas
composições de cunho popular, recitadas por pessoas da nossa terra em
alturas de tormenta, quer como forma preventiva contra a trovoada, quer
para afastá-la para bem longe, sempre que esta faça sentir as suas
nefastas consequências. Em muitos casos, as duas árvores são
apresentadas simultaneamente numa mesma composição, o que nos revela o
valor que lhes é atribuído. Como exemplo, veja-se o texto que passamos a
transcrever, recolhido em Casal dos Foitos, no conc. de Pombal, dist. de
Leiria, num inquérito do ILB em 1960:
«Santa
Brábara s'alebantou,
Suas
santas mãos labou
E o seu
manto prantou;
Nossa
Sinhora incontrou:
– P'ra
donde bais, Santa Brábara?
– Bou
‘spalhar a trabuada,
[que]
Sobre nós anda armada.
– Tão
‘spalha p'ra bem longi,
P'ra
dondi nã haja nem era nem bera,
Nem pé
de figuêra,
Nem
raminho d'olibêra,
Nem
galo que cante,
Nem
galinha que cacareje,
Nem
coisa que de Deus seje.»
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