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Artes - Letras - Ciências
Suplemento do n.º 261 do "Litoral"
Outubro de 1959, Ano I, n.º 2
págs. 17 e 18

 
12 unidades sobre

o PAÍS de GALES

 

por ILÍDIO SARDOEIRA

Se houvesse mister de encontrar epígrafe para nota introdutória desta índole, sem dúvida optaria pela seguinte: — Doze unidades sobre o País de Gales.

Mau grado o formal charadismo que a estrutura — e até por isso! —, a sua raiz determinante é bem do nosso tempo, e tão-só deste.


E isso porque doze unidades sobre o País de Gales significa, muito dramaticamente, que o ar que se vem acumulando sobre as pradarias da tão conhecida região britânica ultrapassou o limite, teoricamente tolerável, em estrôncio radioactivo!

Ora, sabendo os cientistas mais autorizados, e, graças aos meios de divulgação existentes, não ignorando tantos de nós que o estrôncio é um elemento de desintegração atómica que tende a substituir, na substância intersticial dos ossos, o lugar que, por determinação fisiológica normal, compete ao cálcio, facilmente se compreende até que ponto, já para as gerações dos nossos dias, se incuba no tecido ósseo uma ameaça de real significado — a leucemia ou o cancro do sangue.

Muito recentemente, em relatório da responsabilidade da Autoridade da Energia Atómica de Harwell (Grã-Bretanha), se confirmava que a percentagem dos ossos humanos, em estrôncio 90, nula antes de 1945, se elevara regularmente desde aquela data!

Alterando o meio ambiente, o homem modifica as condições em que decorrem os processos biológicos e logo cai sob a alçada das inovações que nele introduziu.

Todavia, é tempo de solicitar novo esclarecimento: — porquê doze unidades sobre o País de Gales? Donde a particular predilecção do rádio-estrôncio por tão bucólica paisagem?

Ninguém pode, em nossos dias, vangloriar-se de possuir todos os dados informativos necessários ao conhecimento integral dum processo natural.

Há os macro e os micro-factores, acrescidos e fecundados por uma inextrincável e maravilhosa fluência dialéctica que os inclui e excede. O imprevisto vive paredes meias com o visto; e, se o homem dos nossos dias pode pôr em prática empreendimentos à escala do globo, não está ainda em condições de arredar todas as possibilidades de surpresa.

Poderá, por exemplo, fazer uma distribuição equitativa dos elementos radioactivos pela atmosfera terrestre, mas não evitará que a natureza diga que não aos seus cálculos e concentre aqueles em determinadas áreas.

Não evitará, por exemplo, que, /página 18/ mercê das orientações das altas correntes atmosféricas, se detenham no hemisfério norte, pertinentemente na zona temperada, desde o Japão às costas da Grã-Bretanha.

O Dr. Willard Libby que, na companhia de onze sábios americanos, formulou a referida conclusão, será de louvar quando alude aos efeitos positivos de pílulas de cálcio para atenuar ou combater a fixação do estrôncio (de momento, nos ossos dos ratos). Resta, no entanto, saber se, uma vez admitida a eficácia relativa das pílulas vindouras, as teremos em quantidade suficiente todos nós e se vale a pena viver sob uma ameaça permanente só porque três países do mundo não encontram fórmula mais avisada e humana com que garantam a defesa mútua.

Mas será só por aqui, pela penetração do rádio-estrôncio no organismo humano, que está aberta a porta para a degenerescência biológica da nossa espécie?

Sabe-se que, desde há milhões de anos, os moluscos, ou digamos, a saborosa ostra das águas portuguesas, concentram o cobre que há no mar até valores insuspeitados para edificar as moléculas orgânicas que transportam o oxigénio através dos seus tecidos, a chamada hemocianina.

Como é possível tal enriquecimento a partir dum meio relativamente escasso em cobre? Ignoramo-lo.

Como se opera a concentração do iodo nos tecidos de certas algas ou da nossa tiroideia? Ignoramo-lo.

Como se apropriam certos organismos do cobalto e do tão raro e estranho vanádio? Ignoramo-lo.

Qualquer que venha a ser o processo fisiológico que se haja de invocar, sabe-se já, de fonte limpa, que animais e plantas, colocados em águas levemente contaminadas de substâncias radioactivas, as concentram para além de limites inacreditáveis.

Tendo em conta as relações de interdependência que nesta obra se apontam entre todas as espécies vivas e a condição de elo da cadeia alimentar, que cada uma representa, e sabendo nós que o homem não pode prescindir delas, fáceis são de prever as consequências deste novo estado de coisas se não se tomam todas as cautelas necessárias. Com cada fruto ou peixe que se ingira teremos ou terão as novas gerações tragado o sabor duma morte deliberadamente preparada ou consentida pelos povos civilizados.

Pela primeira vez na história da humanidade, três povos estão em condições, não só de aniquilarem um possível inimigo, mas de alterarem as constantes físicas da biosfera de forma praticamente irreversível!

Mas, talvez também pela primeira vez, ocorre circunstância bem curiosa, pois que, até aquele homem temente de toda a qualidade de humanismo e refluído para a concha do seu cómodo egoísmo, sob o pretexto aleatório de que os males acontecem sempre aos outros, até esse parece dar-se conta deste perigo invisível que se respira com o ar que nos entra nos pulmões ou que bebemos com a água aparentemente mais saudável.

Uma concepção humanista, cada vez menos limitada ao escol intelectual, parece na forja com cada bomba termonuclear que explode por amor da paz!

Cada homem, mesmo o mais dobrado sobre as subtilezas do cordão umbilical do seu egoísmo, começa a dar-se conta de que é parte dum todo coeso e a compreender que é tão condenável aquele que contribui, pelos actos, para a viciação do meio terrestre quanto o que, pelo silêncio, cala a sua palavra de protesto — essa pedra ou cimento invisível que poderá erguer uma barreira decisiva contra uma das ameaças mais dramáticas que espera o homem do nosso tempo.

Doze unidades sobre o País de Gales, eis o inimigo que bate à porta de cada um de nós e entra em nossa casa sem requerer permissão.

Ilídio Sardoeira


Igor Oïstrakh

É absolutamente necessário possuir os dons magní­icos de Igor Oïstrakh para ousar tocar violino sob o mesmo nome de seu célebre pai, David. Igor é modesto, e esta modéstia é recompen­sada no sentido de que nem sequer pensamos comparar os dois violinistas, tal a diferença das suas próprias naturezas.

 

A serenidade e a pureza do pai são substituídas, no filho, por um romantismo jovem, muito emotivo. Igor, hipersensível, tem, sobretudo, reacções melancólicas e o seu encanto atrai-nos.

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Para além dos seus acordes, que subjugam, Igor Oïstrakh nunca mostra dureza no ataque nem atitudes espectaculares. É um puro!

HeIène Jourdan-Morhange

 

 

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