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Artes - Letras - Ciências
Suplemento do n.º 261 do "Litoral"
Outubro de 1959, Ano I, n.º 2
págs.

 

Prolegómenos da

HISTÓRIA D’ARTE

por ANTÓNIO MANUEL GONÇALVES

 

A solidez e a validade de qualquer construção histórica assentam na existência de documentos ou monumentos, sabido axioma que a etimologia revela significativo: doceo (de documento) — tudo o que ensina — e moneo (de monumento) — tudo o que adverte.

O homem que faz a história, como agente, volta a fazê-la ou reconstitui-a como espectador que ajuíza o passado. O homem é a medida da história porque, sendo ele fautor do presente e produto do passado, possui a faculdade de recriar este em sucessivas sínteses históricas.


Pode, na verdade, atingir a história um extremo de metodologia científica — ao exercer-se pela investigação, construção e expressão — que acaba sempre por depender algo do historiador.

A história, firmada na objectividade dos factos evocados, não se limita a documentar os mesmos factos, dado que eles são seleccionados e interpretados pelo historiador. Este forçoso subjectivismo, que impede de considerar-se a história uma ciência exacta, torna-a um processo de conhecimento específico em que o recriador do passado é paradoxalmente o mais consciente, poderoso e responsável auxiliar da verdade.

E como a verdade histórica é uma aspiração, um ideal sempre a realizar, a intervenção do humano juiz é tão eficiente que dá o sentido à conjuntura dos acontecimentos reconstituídos. É o historiador quem dinamiza e desenvolve a história. Mais ainda: chaque époque se choisit un passé, como asseverou Raymond Aron; a precariedade das sínteses históricas reside mesmo na alternância ou sucessão das épocas e meios (acomodados a idiossincrasias) em que surgem os cultores da história.

Se a história universal ordena, estrutura e narra os acontecimentos humanos significativos, a história da arte, ao elaborar o processo geral da actividade artística, estuda um dos mais definidos contributos de humanização.

Arqueologia e história da arte respeitam aos testemunhos monumentais do passado: ocupam-se de documentos que permanecem como entidades vivas.

Enquanto a arqueologia analisa o monumento pelo que vale para a harmonização de tipos definidores duma cultura ou para reconstituir uma civilização, a história da arte — aproveitando este signum arqueológico — considera o monumento como artefacto, portador de beleza e duma inerente mensagem espiritual.

Ao arqueólogo interessam todos os monumentos, sem distinção de valor, enquanto ao historiador da arte interessam aqueles que selecciona como empreendimentos artísticos.

O historiador de arte encara o monumento como obra viva — estuda um testemunho mudo, mas sempre eloquente. O monumento artístico é um documento histórico primário que revela directamente o passado: é o testemunho autêntico per se, com linguagem de projecção intemporal; esta evidência, compreendida e relacionada, explica e pode estruturar a cultura que o gera. As épocas e os estilos definem-se pelo florescimento típico e sincrónico de certas formas de arte.

A história da arte é afinal a história das maneiras sucessivas de ver o mundo, isto é, a resenha dos modos de representação artística.

A espinha dorsal da história da arte — no consenso de Berenson — é a sucessão dos estilos, modos ou mudança de interesse, sentido e gosto e não os artistas individuais (por mais dotados que se revelem).

Como o interesse pelo passado depende tão intimamente dos problemas do presente que, se este muda também mudam os seus interesses específicos e a sua maneira de ver as obras de arte, deduz o mesmo Berenson ser esta a razão, mais do que a descoberta de novos documentos (por mais valiosos que possam ser), que obriga continuamente a reescrever a história da arte.

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«Introdução», à obra inédita, Historiografia da Arte em Portugal, comunicação apresentada no IV Colóquio Internacional de Estudos Luso-Brasileiros, de Salvador da Bahia, Brasil, no mês de Agosto de 1959.

 

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