Arlindo de Sousa, Lancóbriga I, Vol. VIII, pp. 129-152.

ANTIGUIDADES DO CONCELHO DA FEIRA

LANGÓBRIGA I

LANGÓBRIGA ou Langóbrica é nome gaulês, de Lango, antropónimo, e briga «fortaleza, cidade fortificada».

Diz D' ARBOIS DE JUBAINVILLE, ilustre professor de língua e literatura céltica: «...nom de lieu gaulois est Langoratum, probablement «forteresse de Langos». Langos est un nom d'homme gaulois écrit Lagge au vocatif dans une inscription de Narbonne CC.I.L., XII, 9438). Dans Lango-ratum on peut reconnaître un synonyme de Langobriga, nom d'une station romaine d'Espagne sur la route de Lisbonne à Braga (ltinéraire d'Antonin, 521,7) écrit Lango-brica par le Géographe de Ravenne (307,3), On trouve le premier terme, lango, dans Laggobritai, nom d'un peuple d'Espagne mentionné par PLUTARQUE, «Vie de Sertorius, § 13». Revue Celtique, tome XVI, Paris, 1895».

Acerca do elemento briga, v. I. C. ZEUSS − H. EBEL, Grammatica Celtica e Monumentis Vetustis, pág. 86. Berolini MDCCCLXXI; A. HOLDER, Alt-Celt. Sprachschatz, paI. briga. Leipzig 1911. Da etimologia de Langóbriga trataram RODRIGO MENDEZ SILVA, Población General de España..., pág. 156, Madrid 1645. HENRIQUE FLOREZ, España Sagrada, voI. XIV, pág. 220. Madrid, Año de M.DCCLXXXVI., P.e JOAQUIM R. ESPANCA, As Lacobrigas da Lusitania, in Revista Archeologica, voI. II, págs. 173-177, Lisboa 1888; A. STRECHT DE VASCONCELOS, Velharias do Distrito de Aveiro − Talabriga, in "Correio do Vouga", ano de 1934 (de 3 de Março a 26 de Maio), pág. 8-9, etc.

D'ARBOIS DE JUBAINVILLE fala-nos de outra cidade, de origem céltica, Laccóbriga: «Ptolémée donne aux Celtici qui habitaient entre le Guadiana et le Tage treize villes, parmi lesquelles quatre portent des noms celtiques, Laccobriga, Mirobriga, Arcobriga, / 130 / Meribriga. De ces quatre villes, la première était située sur l'Océan, à peu de distance à l'est du cap Saint-Vincent, qui est l'angle sudouest de la péninsule ibérique en Portugal: Laccobriga ou Lacobriga est aujourd'hui Lagos, province d'Algarve. Revue Celtique, tome XIV, pág. 392-393.

De PTOLOMEU, apenas encontrei a forma Lancóbriga, cidade que vem situada, não, onde hoje é Lagos, mas entre o Tagus (Tejo) e o Calipus (Sado), não muito distante do Oceano.

PTOLOMEU começa por referir-se aos Turdetanos:

Turdetani occupant:

ln quibus vrbes in Lusitanioe Mediterraneoe hoe:

«Os Turdetanos possuem na Lusitânia as seguintes cidades»:

Pax lulia e Iulia Myrtilis

Fala depois dos Celtas:

lnteriora his habitant Celtici.

ln quibus vrbes in Lusitania hoe:

«Mais para o interior destes (= Turdetanos) habitam os Celtas que têm as cidades de:

Lancobriga, Piana, Bretoloeum, Mirobriga e Arcobriga.»

Refere-se em seguida aos Lusitanos:

Quoe supra hoec sunt tenent Lusitani in quibus vrbes Mediterraneoe hoe:

«Os Lusitanos habitam a região superior, e as suas cidades são:

Aeminium, Chretina, Arabriga, Scalabiscus, Toecubis, Concordia, Talabriga, Rusticana, Mendeculia, Caurium, Turmogum, Burdua, Colarnum, Sallecus e Ammoea.»

(CLAUDIUS PTOLEMAEUS, Geographiae Vniversal... Tabula Secunda Europae. «Liber Secundus. Ioan. Antonio M. Patavino. Anno 1608»).

No Theatrvm Geographiae Veteris, «edente Petro Bertio Bevero. Amstelodami Anno 1618» − vem escrito Cepiana e não Piana, Mendiculeia, em vez de Mendeculia, Tacubis e não Toecubis, lsalaecus em lugar de Scalabiscus. Lancóbriga vem situada junto do Tagus, ficando-lhe ao norte, Arabriga; a leste, Concordia (ao norte do Tagus) e Mendeculeia (ao sul do Tagus); ao sul, Bretoleum e Arcobriga; ao ocidente Cepiana. Talábriga / 131 / está ao sul do Monda (Mondego). Entre o Dorias (Douro) e o Vacus (Vouga), vêm situadas Aritium e Lauara, em território que foi da Terra de Santa Maria. O P.e JOÃO BAPTISTA DE CASTRO localiza Aritium, entre o concelho da Feira e o de Arouca, Mappa de Portugal Antigo e Moderno, Tomo I, pág. 8. Arezo, Arez, Ariz, são vozes que podem representar actualmente o étimo latino Aritium. Não conheço nenhum topónimo assim designado no concelho da Feira. O que mais se aparenta com Aritium é Arilhe, povoação da freguesia do Vale. Terá sido Aritium o nome primitivo da «cividade» da Portela, da freguesia de Romariz? Adiante voltaremos a falar deste topónimo.

De Lavara (o mesmo que Lauara) ou Labara diz RODRIGO MENDEZ SILVA: «Sobre la fundación (de Aveiro) ay dos opiniones: Vnos dizen ser de Griegos Lacones, y Celtas, anos 365. antes de nuestra Redempcion, los mismos q. a Lamego, en su Capitulo referidos, nombrandola Talabriga, como a Talauera, y Tauira. Pero Florian quiere la cimentassen Turdulos, y Celtas, sessenta anos despues, a que me inclino, con apellido Labara, corruto en Aueyro.», Poblacion General de España, pág. 177. Madrid 1645.

MANUEL FARIA E SOUSA escreve: «De Lavara, ciudad notable por differentes memorias; mas falta la deI sitio que occupava: el nombre permanece en una Aldea que junto a la marina dista dos leguas de la ciudad deI Porto.» Evropa Portuguesa. Tomo I, pág. 95. Lisboa 1675.

O P.e JOÃO BAPTISTA DE CASTRO é da mesma opinião de FARIA E SOUSA. Para ele Labara era «um logar pequeno sobre o mar no termo do Porto.», Mappa de Portugal Antigo e Moderno. Tomo I, pág. 27. Lisboa, MDCC.LX III.

Também a respeito de Lavara informa o P.e FRANCISCO DO NASCIMENTO SILVEIRA: «PTOLOMEO na II Taboa da Europa, põe esta Povoação em 41 graus entre as Cidades dos Lusitanos; e BRITO diz que Lavãos ainda lhe conserva a memoria, que é um Lugar nas vizinhanças de Buarcos, o que padece dúvida, por estarem os Povos Labaros, segundo FLORIÃO, perto de Aveiro.», Mappa Breve da Lusitanía Antiga. Tom. I. p. 232. Lisboa. M. DCCCIV.

PLÍNIO refere-se a um povo com o etnónimo de Lacobrícenses: «sicut in Vaccaeorum XVIII civitatibus, lntercatienses, Pallantini, Lacobrícenses, Caucenses.» Hístoría Naturalis. Liber III. cap. IV. Estes Lacobrícenses habitavam na região da cidade de Lacóbríca, situada ao sul dos montes Cantábricos e ao norte das cidades de lntercatia, Pallantia e Cauca. Em outro sítio, escreve: «Durio / 132 / Lusitania incipit: Turduli veteres, Paesuri: flumen Vacca. Oppidum Talabrica.» Liber IV, cap. XXXV. Tradução:« No Douro começa a Lusitãnia: os Turdulos antigos, os Pesuros, o rio Vouga, a cidade de Talábriga». Estranhamos que não se refira à cidade de Langóbriga, ao norte de Talábriga, citando os Turduli veteres, seus antigos habitantes. Nomeia os Paesuri, povo da região do Ur (hoje UI). Parece considerar o Antuã como início do Vouga e cita Talábriga ao sul, com relação ao Antuã.

PLÍNIO faz outra referência ao actual concelho da Feira no seguinte passo: «Durius amnis ex maximis Hispaniae, ortus in Pelendonibus, et juxta Numantiam lapsus dein per Arevacos Vaccaeosque, disterminatis ab Asturia Vettonibus, a Lusitania GalIaecis, ibi quoque Turdulos a Bracaris arcens. Omnisque dicta regio a Pyrenaeo metalIis referta auri, argenti, ferri, plumbi nigri albique.» Liber IV, cap. XXXIV. «O rio Douro, dos maiores rios da Espanha, nasce no país dos Pelendões, passa perto de Numância, atravessa a região dos Arevacos e Vaceus, separa os Vetões, da Astúria, os Galecos, da Lusitânia e os Túrdulos dos Brácaros. Toda esta região, a partir dos Pirenéus, está cheia de minas de ouro, de prata, de ferro, de chumbo negro e branco.»

POMPÓNIO MELA refere-se apenas a Lacóbriga, do AIgarve (hoje Lagos): «ln Cuneo sunt Myrtili, Balsa, Ossonoba: in Sacro Lacobriga, et portus Annibalis. De situ orbis, in «ColIection des Auteurs Latins publiés sous la direction de M. Nisard», Lib. IlI, cap. I., Paris, 1854.

PLUTARCO descreve um feito militar de Sertório, cujo teatro de operações foi a cidade de Langóbriga, de entre o Douro e o Vouga, segundo a opinião de alguns historiadores, em território que pertence, actualmente, ao concelho da Feira:

«Cum vero animadvertisset MetelIus Lacobritas, qui non parvam opem Sertorio afferebant, siti faciliter expugnare posse (unum enim duntaxat puteum intra urbem habebant) suburbanas vero et circummoenianas obsessor aquas poterat auferre aggrediebat urbem ea spe, ut duorum spatio dierum ablatis a aquis ea potiturus esset. ltaque militibus edixerat ut quinque dierum cibaria secum deferrent. At Sertorius celeriter cognita re auxiliatus, duo millia utrium impleri aqua jubet, polIicitusque pro quoque utre certa argenti pondera. Multis ex lberis, multis etiam ex Maurusiis negocium suscipientibus, delectis viris robustis acuelo cibus mandat, ut cum aquam inferant, tum inutilem belIo turbam, ut diutius potus sufficiat reliquis educant. Quod cum intelIexisset MetelIus, et jam deerant cibaria, Aquilium cum sex millibus militum frumentatum mittit. Huic vero redeunti Sertorius insidias tendit in eumque redeuntem tria milIia militum / 133 / a tergo ex quadam valle excitat ipse a fronte obviam factus vertit Aquilium profligatque. Ex militibus qui cum Aquilio erant partim capti sunt, partim necati. Aquilius amisso equo armisque solus effugit. Quo facto confestim obsidionem relinquere Metellus ac turpiter nimium a Sertorianis, de risus abire coactus est.»

PLVTARCHI CHERONEI Graecorvm Romanorvmque, illustrium vitae, e Graeco in Latinum versae. Lvgdvni, 1548.

Tradução: «Metelo sabendo que os Lacobritas prestavam grandes auxílios a Sertório, e, parecendo-lhe empresa fácil vencê-los pela sede, pois não havia senão um poço na cidade, que eles habitavam, e os ribeiros e as fontes dos subúrbios e arredores ficariam em poder daqueles que a sitiassem, resolveu fazer-lhe um cerco, com a esperança, de que, no espaço de dois dias, faltando-lhe a água, se apoderaria dela. Mandou preparar às suas tropas víveres para cinco dias e pôs-se a caminho da cidade. Mas Sertório pensou logo na maneira de a socorrer. Ordenou que se enchesse de água dois mil odres e prometeu, por cada um, determinada quantia de dinheiro. Apresentaram-se para executar a empresa muitos Iberos e Maurúsios. Sertório escolheu os mais robustos e ágeis e enviou-os pelo monte, onde estava situada a cidade, com ordem de distribuir os odres pelos habitantes e de obrigar a sair todos os homens inúteis, afim de não faltar água aqueles que haviam de defendê-la.

Metelo ficou muito arreliado com este estratagema, pois as provisões, que tinha mandado arranjar, começavam a escassear. Enviou Aquino com seis mil homens buscar mais mantimentos.

Sertório soube disso, e, logo que Aquino passou, armou-lhe uma cilada: quando ele regressava com um comboio de víveres, mandou sair de um vale espesso três mil homens que aí tinha escondido, que o atacaram pela retaguarda. Sertório surgiu pela frente com outras tropas. Corre para Aquino. Parte dos seus soldados foi aniquilada, parte ficou prisioneira. Aquino perdeu na refrega o cavalo e as armas, e salvou-se correndo para o campo de Metelo, que, com esta derrota, foi obrigado a levantar vergonhosamente o cerco, pesando-lhe muito ver-se apupado pelos soldados de Sertório.»

Fr. BERNARDO DE BRITO procura localizar em Lagos o feito de Sertório, Monarchia Lvsytana, tomo I, p. 266-278. Lisboa. Anno Dñi I 609.

Fr. HENRIQUE FLOREZ diz: «En PLUTARCO sobre Sertorio (aI medio) leemos à los Laggobrítas que parecen ser los vecinos de Langobriga, pueblo que dice no tenia dentro de los muros mas agua que la de un pozo: y aunque esto pudo convenir à los vecinos deI Sacro Promontorio (que segun Strabon carecia de agua) me inclino mas aI Langobriga de Antonino.», España Sagrada, voL. XIV, p. 220. / 134 /

o P.e FRANCISCO DO NASCIMENTO SILVEIRA escreve: «Lacobriga. Povoação das mais antigas desta Costa, (do Algarve), teve a sua primeira situação no distrito do Paul, ou Lagoa, distante pouco mais de uma milha de onde hoje vemos a Cidade de Lagos... Crê-se fundação de Brigo, quando outros lhe dão por Fundadores aos Lacoós: mas nada disto podemos verificar, senão que já nos tempos de Sertório se distinguiu belicosa. Este grande General lhe meteu de socorro «dous mil odres de água, estando ela cercada por Metelo.», Mappa Breve da Lusitania Antiga. Tomo I. p. 295.

AEMILIUS HUBNER, fazendo referência aos Laggobritai, de PLUTARCO, é com incerteza que os localiza na Lusitânia. Monvmenta Lingvae Ibericae. Berolini MDCCCLXXXXIII.

Diz o professor LEITE DE VASCONCELOS: «Acrescenta PLUTARCO que Sertório mandara aos Langobritas socorros de água que foram levados em odres por gente robusta e ágil através da região montanhosa: do que poderá concluir-se que a cidade estava situada em uma montanha». Religiões da Lusitânia, vol. III, p. 139. E a seguir: «A palavra Langobritas lembra Langobriga e Laccóbriga; mas Langóbriga ficava ao N. do Tejo, e por isso longe do campo de operações de Metelo; Laccóbriga ficava no território dos Cuneos onde Metelo andava, e conviria com o texto não tomando muito à letra a expressão «região montanhosa.» Religiões da Lusitânia, vol. III, p. 139, nota I.

GABRIEL PEREIRA na sua Vida de Sertório, menciona as notas de uma versão de Talbot da Vita Sertorii. Vemos por elas que Talbot situa Langóbriga, próximo do rio Douro.

O feito de Sertório parece não poder localizar-se na Lacóbriga, de POMPÓNIO MELA, no Algarve ou na Lancóbriga, de CLÁUDIO PTOLOMEU, de entre o Tejo e o Sado, a mesma, incontestavelmente, de POMPÓNIO, pois o território, sendo de planície, não pode convir com o texto, que se refere a uma «região montanhosa». A topografia do local que parece ter sido o leito da Langóbriga do Itinerário, de ANTONINO: o Monte-Redondo ou de Santa Maria, na freguesia de Fiães, do concelho da Feira, coaduna-se, perfeitamente, com a descrição de PLUTARCO: uma colina elevada, em alguns pontos de acesso um pouco difícil.

Defronte ergue-se o outeiro das Pedreiras. Entre as duas elevações, corre o rio Às Avessas, afluente do Uíma. A leste, desdobra-se uma extensa planície, abundante de água e muito fértil. / 135 /

II

O Itinerário de ANTONINO é o mais valioso trabalho geográfico que o mundo antigo nos transmitiu. Nele se faz referência às vias romanas, compreendidas, entre o Minho e o Guadiana.

Interessa-nos, neste momento, apenas a via de Lisboa a Braga, por junto dela ficar a cidade de Langóbriga.

Servimo-nos da edição de Parthey et Pinder, Berlim 1848, p. 97-98.

O anónimo RAVENATE cita Langóbrica: «Item super fretum septem sunt civitates id est Bepsioon, Merifabion, Caditana, Portum, Asta, Serpa, Pace Julia, Mirtilin, Besurín, Balsa, Statio Sacra, Ossonoba, Arani, Salatia, Ebora, Malabista, Celiana, Cetobricca, Abona, Olisipona, Terebrica, Langobrica, Ceno opido, Calo, Augusta Bracaria». RAVENNATIS ANONYMI, Cosmographia et Guidonis Geographica, ed. de M. Pinder et G. Parthey, p. 305-307. Berolini 1860.

RAVENATE escreve Terebrica, em vez de Talabriga e Langobrica por Langobriga e coloca entre esta cidade e Calem, que ele escreve Calo, uma nova cidade Ceno opido, não referida por ANTONINO. Pode ser que Ceno opido ficasse situada no monte do Murado, ou de N. Senhora da Saúde, no lugar dos Carvalhos, da freguesia de Pedroso, a oito quilómetros de Gaia, onde foram encontrados alguns objectos do neolítico e da época romana.

AEMILIUS HUBNER é de opinião que a estação Ceno opido ficava onde hoje é Vila Nova de Gaia, na margem esquerda do Douro, e Calem, do outro lado do rio, Noticias Archeologicas de Portugal, ed. da Academia das Ciências de Lisboa, pág. 67. Lisboa 1871. / 136 /

Para o estudo das vias militares romanas, consulte-se, ainda: GASPAR BARREIROS, chorographia de alguns Lugares «que stam em hum caminho, que fez GASPAR DE BARREIROS ó anno de M. D. XXXXVJ. começãdo na cidade de Badajoz em Castella, te á de Milam em Italia, cõ algũas outras obras...; LUClUS ANDREA RESENDlUS, Libri Quatuor de Antiquitatibvs Lusitaniae, foI. 146 e segs. Eborae anno 1593; IACOBI MENOETH VASCONCELLI, Scholia, «in quatuor libros Resendii», foI. 251 e segs.; GASPAR ESTAÇO, Varias Antiguidades de Portugal. Lisboa 1625, in «Colleçam das Antiguidades de Evora», pág. 305 e segs. Lisboa Anno M.DCC.LXXXV; ltenerarivm Antonini, in «Theatrum Geographiae Veteris», edente PETRO B. BEVERO; JERONYMO CONTADOR DE ARGOTE, Memorias para a Historia Ecclesiastica do Arcebispado de Braga. Tomo lI, págs. 521-644 e 707-753. Lisboa M.DCC.XXXIV, e De Antiquitatibus Conventus Bracaraugustani. «Liber quinque», pág. 182-184. Ulyssipone... M.DCC.XXXVIII; P.e JOÃO BAUTISTA DE CASTRO, Mappa de Portugal Antigo e Moderno. Tomo III, no «Roteiro Terrestre de Portugal», pág. II, § IV. Lisboa, MDCC.LXIII; Fr. HENRIQUE FLOREZ, España Sagrada, voI. XIV, pág. 220; Fr. JOAQUIM DE SANTA ROSA VITERBO, Elucidario... s. v. «Estrada». Lisboa. M.DCC.XCVIII; P.e FRANCISCO DO NASCIMENTO SILVEIRA, Mappa Breve da Lusitania Antiga. Tomo I, págs. 107-128. Lisboa. M.DCCClV; HIERONYMUS SUARESIUS BARBOSA, Epitome Lusitanae Historiae, pág. 279. Conimbricae. An. C???????; BORGES DE FIGUEIREDO, Oppida Restituta, in «Boletim da Sociedade de Geografia», 5.ª série, pág. 67 e segs. Lisboa 1885; CHRlSTOVAM AYRES DE MAGALHãES SEPULVEdA, Historia Organica da Exercito Portuguez, voI. lI, cap. VIII, pág. 148-238. Lisboa 1886; AEMILlUS HUBNER, lnscriptionvm Hispaniae Latinarvm, Supplementum. Berolini MDCCCXCII, com um mapa da parte ocidenta da península ibérica; «Archeologo Portugues», voI. XII, pág. 129-158; Annaes do Municipio de Oliveira de Azemeis, pág. 11. Porto − 1909; VERGÍLIO CORREIA, O Domínio Romano, in «História de Portugal», Portucalense Editora Lda Barcelos; ARMANDO DE MATOS, As Estradas Romanas no Concelho de Gaia...; JOÃO DOMINGUES AREDE, Estradas Romanas no Distrito, in «Arquivo do Distrito de Aveiro», voI. IV. Aveiro 1938.


III

O leito da antiga cidade de Langóbriga parece ter sido, como dissemos, falando da acção de Sertório a favor dos Lacobritas, no outeiro, conhecido por Monte-Redondo ou de Santa Maria, da freguesia de Fiães. Em dois factos importantes nos baseamos: nas distâncias indicadas por ANTONINO de Calem a Langóbriga e deste opido a Talábriga, e no despojo arqueológico / 137 / encontrado, inventariado, com muita atenção e carinho, pelo sábio Professor Dr. MENDES CORREIA.

O Itinerário marca de Langóbriga a Calem, XIlI mp. (= 13.000 passos) e de Talábriga a Langóbriga, XVIII mp. O valor do passo, unidade das medidas itinerárias e geográficas, empregadas pelos Romanos, igual a cinco pés, é de 1,48 m. Vid. DAREMBERG ET SAGLIO, Dictionnaire des Antiquités Grecques et Romanes, voI. XI, «Met. − Part.», paI. «Milliarium», p. 1897 e voI. XII, «Par. Quo», paI. «Passus», pág. 339. Paris 1903.

A distância de Langóbriga a Calem era, pois, de 19235 metros. E de 20 quilómetros, aproximadamente, a distância do Monte-Redondo ou de Santa Maria a Calem (Gaia). A situação muito provável de Talábriga, na freguesia da Branca, do concelho de Albergaria-a-Velha, vem assegurar a jazida de Langóbriga, na freguesia de Fiães, pois a distância de uma estação a outra é, aproximadamente, a indicada no Itinerário, 26640 metros.

Relação dos despojos arqueológicos encontrados no Monte-Redondo ou de Santa Maria, da freguesia de Fiães − antiga Langóbriga?

«Objectos de pedra − mós manuais, afiadores, uma pequena «estela», com base trapezoidal alta e a extremidade superior perfurada no centro, arredondada e separada da base por um estrangulamento e por duas paralelas sinuosas, gravadas, havendo também linhas gravadas em torno do orifício;

«Objectos de cerâmica − «Tegulae», «imbrices», «lateres», «pondera», uma placa furada, asas, fundos, bordos, gargalos, dois fragmentos de «dolia», etc., havendo cerâmica micácia, cerâmica fumigada, louça de pasta amarela fina, «terra sigilata», louça pintada (branco em fundo vermelho), e louça esmaltada fina;

«Objectos de vidro − de tons avermelhado, esverdeado e azulado;

«Objectos de metal − uma fíbula de bronze, argolas de ferro e de bronze, algumas centenas de moedas (entre as quais muitas de imperadores do séc. IV), enxós, «govas», estoques, pregos e outros objectos de ferro e de bronze.

«Mais tarde apareceram mais objectos. Em alguns fragmentos de louça «arretina» encontraram-se gravados filetes paralelos, dispostos em torno dos vasos e, limitando de um lado ou de ambos, feixes de numerosas linhas, paralelas transversais, rectilíneas ou curvas enviezadas.

«A louça pintada fornece exemplares com ornatos espirais, outros com linhas onduladas entre paralelas, etc. / 138 /

«Na cerâmica com ornatos gravados aparecem ainda: pequenos traços oblíquos incisos dispostos em séries; traços entre cruzando-se de modo a formarem uma rede de malhas romboidais; ornatos incisos de aspecto peninervado ou ramiforme; círculos concêntricos rodados por um circuito de pequenas incisões oblíquas; ornatos pontuados em séries regulares, marginando filetes contínuos; uma linha fechada e sinuosa, de aspecto estrelado, regular, formando seis lobos, tendo uma circunferência inscrita, etc.

«Apareceram nos fundos das casas, conchas numerosas...

.............................................................................................................................................

«Por quase todo o alto do monte surgem vestígios de antiga ocupação humana: restos de muros e paredes, alguns fragmentos cerâmicos, etc.

«Na topografia havia as condições naturais para um velho castro. O acesso em alguns pontos não era fácil, e na base do monte, entre este e o monte da Pedreira, serpeia um riacho, designado pelo povo com o nome de Rio «Às Avessas», por se dirigir, não para O., para o lado do mar, mas para S. E., desaguando no rio Ima, afluente do Douro.

«A extensa planura a leste do monte é alagadiça e fértil, e nela brotam a cerca de 300 metros, a E. N. E. da referida colina, águas sulfurosas. O aspecto do local e a sonoridade do solo ao choque, permitem suspeitar de qualquer velha construção relacionada com a nascente...», Dr. MENDES CORREIA, Nótulas Archeológicas, in Revista de Estudos Históricos, 2.º Ano − N.º 2, 1925.

*

O problema da localização do antigo ópido de Langóbriga tem interessado muito os nossos arqueólogos, desde o século XVI até aos nossos dias.

DIOGO MENDES DE VASCONCELOS:
Este autor localiza Langóbriga, na Feira, Scholia... foI. 254.

Fr. BERNARDO DE BRITO:
Cita este historiador uma inscrição encontrada no vale de Ossela, nas margens do rio de Cambra, a três léguas de Arouca, que faz referência à cidade de Langóbriga: «se em Roma se fizeram custosas cerimónias em seu enterramento (do Imperador Octaviano Augusto), não foram em sua proporção menores as que em Portugal lhe celebrou a gente de guerra, como consta de uma pedra que está no vale de Ossela três léguas de Arouca, trazida para tapar um campo com outras muitas, de umas grandes ruínas de povoação, que ainda hoje parecem, em um 
/ 139 / sitio alto sobre o rio de Cambra, que corre pelo mesmo vale, da qual (ainda que mal distintas) se coligem algumas antiguidades dignas de ponderação, diz pois a pedra deste modo.

«Sua significação contem o seguinte: As Capitanias da Legião décima, chamada Fretense, que estavam de presídio em Vouga, em OsseIa, na Feira, no Porto, e em Águeda, por voto particular celebraram espectáculos, e jogos de Gladiadores à divindade (falando como gentios) do Imperador César Augusto, contado já no número dos Deuses, e as cidades de Lusitânia acima nomeadas fizeram os gastos destas festas, e celebraram Hecatombes com grande liberalidade.», Monarchia Lusytana. Livro Quinto, pág. 4.

Fala a seguir da situação da cidade de Vacca ou Vouga, de OsseIa e de Langóbriga «que alguns dizem que foi a Feira, ou outra povoação mui junto a ela, ainda que vistas algumas conjecturas, me parece que esteve no alto de um monte que fica entre os lugares de Albergaria, e Bemposta, em fronte de outro chamado Pinheiro, no cume do qual se vêem ainda claramente os sinais de muros antigos, que cercam grande parte da coroa do monte, e perguntando eu o nome que tinha no tempo de agora, me disseram se chamava o castelo de S. Gião...», ob. cit., pág. 4.

MANUEL FARIA E SOUSA transcreve a inscrição lapidar de Brito do vale de OsseIa(1) de que faz a seguinte leitura: «Las Cohortes, o Compañias de la Legion decima, llamada Fretense, que alojavan, o presidian en Vouga, Oscela, Lanco, Cale, y Águeda, offrecieron Espectaculos, y juegos de Gladiatores aI Emperador Cesar, Divo Augusto, ya relatado en el numero de los Dioses: y estas ciudades de Lusitania hizieron el dispendio', y dedicaron Hecatombes.», Europa Portuguesa, tomo I, págs. 250-251.

Langóbriga é localizada na Vila da Feira: «Lancobrica, que a la parte deI Austro dista poco de la ciudad deI Porto, y de que oy se ven ruinas en la extremidad de un monte, a que sucedió la Villa de Feyra notorio Titulo de Condado posseido de la ilustre Familia de Pereyras.», ob. cit., pág. 251. / 140 /

 

P.e JOÃO BAPTISTA DE CASTRO:
«Lacobriga. Em tempo dos Romanos foy Cidade muy famosa, e lembra-se della Baptista Mantuano, «Dicitur Ardiburí posuisse Lacobriga septem, victori toties statuas, totiesque, totiesque per illum, Eruta Wandalicis bello in surgente procellis», in Agelaric. ... Das suas ruinas se edificou a Cidade de Lagos no AIgarve, e neste sitio vemos collocada a sua arrumação no Mappa de Ortelio e de Pomponio MeIa, com quem se conforma Vasconcelos, donde parece receber engano Vasco Moutinho de Quevedo, equivocando Lagos com Lamego, e a mesma equivocação encontro em Gabriel Pereira, porque une os povos da Serra da Estrella com os de Lacobriga, que sendo Lagos, erão Províncias muy distantes. Talvez que tudo proceda de se equivocarem com outra povoação
(2) que ficava junto de Lamego, porém mais encostada para o mar, a que Ortelio chama Lancobriga, que Vasconcellos tem pella Villa da Feira, Mappa de Portugal, tomo I, pág. 21-22.»


Fr. HENRIQUE FLOREZ:
«...Talabrica y Lancobrica, expresadas en el Itillerario alegado, las quales tienen reducidos los Autores à Aveiro y Feira...», España Sagrada. Tomo XIV, pág. 73. E adiante: «Pero acerca deI que algunas ediciones de PTOLOMEO nombran en los Celticos Laccobriga, advierto, que en el texto griego es Langobriga, y asi la nombra Antonino junto à Cale, a la banda meridional deI Duero...» ob. cit., pág. 220.

Na «Memoria II sôbre o estado civil da Lusitania, no tempo em que esteve sujeita aos Romanos, Memorias de Litteratura Portugueza, publicadas pela Academia Real das Sciencias de Lisboa». Tomo lI, pág. 313-353. Lisboa Anno M.DCC.XCII − há  / 141 / referência aos Lacobrigensibus e Talabrigensibus. O autor envia-nos para GRUTE'R, lnscriptionvm Romanarvm Corpus Absolvtissimum. A obra é muito extensa e de difícil consulta. Não encontramos quaisquer inscrições com respeito aos povos designados, habitantes, respectivamente, de Lacobriga e Talabriga, mas é natural que apareçam.


Fr. JOAQUIM DE SANTA ROSA DE VITERBO :
«Nos Doc. de Grijó se faz larga menção de propriedades, e fazendas, humas que ficavão da parte de cima, e outras da parte debaixo da Estrada Mourisca. No de 1148 Tructesindo Mendes doou a Grijó o que tinha em Brantães, e em S. Feliz: «Subter illam Stratam Mauriscam, discurrente rivulo Cerzedo.»

Chamou-se Estrada Mourisca, porque os Mouros a rompêrão, deixando, talvez já por invadeavel naquele tempo a Estrada Romana, ou Via Militar, que sahindo de Condeixa, a Velha, atravessava o Mondego entre Pereira, e Coimbra; e sem passar o Eminio, ou Rio Agueda, cortava o Vouga não longe de Talabriga, (sobre cujas ruinas, ou perto dellas, se levantou Aveiro) e daqui por entre Lancobriga, e o mar se dirigia a Cale...», Elucidario, pal. Estrada, págs. 417-418.


P.e FRANCISCO DO NASCIMENTO SILVEIRA:
«Lancobriga. Crê o P. BRITO, que esta antiga Cidade esteve situada entre os Lugares de Albergaria, e Bemposta, fronteira ao que chamam Pinheiro, no qual ele subindo a um outeiro a fim de examinar o terreno, achou claros sinais de muros, que coroavam o cabeço, a que os Aldeãos chamam Castelo de S. Gião.. », Mappa Breve da Lusitania Antiga, págs. 230-231.


JERÓNIMO SOARES BARBOSA:
«Inde enim prisca multa oppidorum nomina ut Cetobrica, (Setuval), Lancobriga (a Feira), Talabrica, (Aveiro)... », Epitome Lusitanae Historiae, pág. 178.


AUGUSTO DE PINHO LEAL:
«Pelos annos 390 antes de Jesus Christo, uma colonia de gallos-celtas fundou esta povoação, (Vila-da-Feira), a que deu o nome de Lancobriga.»
(3). «Querem alguns que o chefe d'esta colonia se chamasse / 142 / Lanco, e que d'elle tomou o nome a povoação, Na verdade, em celta, Lancobriga significa povoação (ou cidade de Lanco).» «Foi cidade de muita importancia no dominio romano e por aqui proximo passava a via militar que de Merida (então capital da Lusitania) vinha a Conimbrica (Condeixa a Velha), Talabrica (Aveiro), Lancobrica e Cale (Gaia) onde terminava.», Portugal Antigo e Moderno..., vol. III, pág, 154, Pal. Feira. Lisboa 1874. Cfr. com ESTEVES PEREIRA e GUILHERME RODRIGUES, Portugal vol. III, − D − K, paI. Feira pág. 328. Lisboa 1907; e MAXIMIANO LEMOS, Encyclopedia Portuguesa..., vol. IV, Di − Fa, paI. Feira, pág. 691. Porto.


BORGES DE FIGUEIREDO:
Falando do «Iter ab Olisipone Bracaram Augustam» diz o autor das Oppida Restituta: «Destas oito cidades intermediárias apenas duas foram de longe data sem contestação identificadas com povoações modernas. São elas: Scalabin: a que corresponde Santarém; e Conimbriga, localizada em Condeixa-a-Velha. Quanto às outras, ou têm divergido as opiniões acerca do seu local, como lerabriga e Selium; ou todos lhes têm assinado uma posição presuntiva, como Langobriga e Talabriga», «Boletim da Sociedade de Geografia de Lisboa, 5.ª série, pág. 67 e segs. A pág. 71, localiza Langóbriga na Feira.


O P.e JOAQUIM R. ESPANCA considera três as povoações notáveis com o nome de Lacóbriga, Lancóbriga ou Langóbriga: uma no Algarve, no território dos Cúneos, outra no Alentejo (a Lancóbriga a que se refere PTOLOMEU), e outra na margem esquerda do rio Douro, entre Talábriga e Calem, onde habitaram os Túrdulos Velhos.

«Temos pois três Lacobrigas, distintas em número e diferentes na situação geográfica e na gente que as povoava: a 1.ª junto do Promontório Sacro ou no AIgarve, habitada por Cúneos; a 2.ª no interior do Alentejo ou entre Tejo e Guadiana, habitada por Celticos; e a 3.ª no Douro, povoada por Turdulos Velhos. Sendo pois diversas em lugares e pessoas, não pode uma confundir-se com a outra...», As Lacobrigas da Lusitania, in Revista Archeologica, vol. lI, pág. 177.

É uma tentativa infrutífera para EMÍLIO HUBNER procurar localizar as cidades de Langóbriga e Talábriga quando ainda então se desconhecia onde era o leito de Aeminium, «...da Beira, isto é, do espaço compreendido entre, Coimbra e Porto, pouco há que dizer. Desta região só conheço a inscrição de uma lápide sepulcral de Tentúgal. É portanto empenho inútil querer determinar a situação das estações do Itinerário, denominadas Talábriga e Langóbriga, de acordo com as distâncias, quando nem sequer a estação de Aeminium se pode fixar definitivamente...», / 143 /  Noticias Archeologicas de Portugal, ed. da Academia das Ciências de Lisboa, pág. 67.

Professor Dr. LEITE DE VASCONCELOS:
«Langobriga, segundo o Itinerário de ANTONINO ficava entre o Aeminium e Cale, localização a que não se opõe o Ravenate, que a situa entre Olisipo e Cale. Nenhuma destas localizações implica que Langobriga estivesse numa linha recta tirada de Olisipo ou de Aeminium para Cale, pois também o Itinerário cita, por ex., Serpa entre Ebora e Pax Iulia, etc. Ora, numa região arqueologicamente bem definida, entre Marialva e Freixo-de-Numão, onde se tem encontrado lápides romanas (vid. Corp. lnscr. I at., II, 428-462), fica, no concelho da Meda, uma aldeia chamada hoje Langroiva, em doc. medievais Longobria (séc. X: Port. Mon. Hist., Dipl. et Ch., n.º LXXXI) e Longrovia (séc. XII: VITERBO, Elucidario, S. V. «Bemquerença », voI. I, 1.ª ed., pág. 188). Foneticamente, Langrovia pode vir de Langobriga (isto está de acordo com as leis da língua portuguesa). A geografia antiga não contradiz que Langroiva esteja no território de Langobriga, pois essa aldeia ocupa o vértice de um triângulo cujos outros vértices são − indo de Pax lulia para o Norte −, Aeminium e CaleReligiões da Lusitânia, voI. lI, pág. 34, nota 3
(4).


PEDRO A. DE AZEVEDO: Notícia-extracto arqueológico das Memorias Paroquiais, de 1758, publicada no «Archeologo Portugues», voI. VI, pág. 67-68:
«No lugar de Laçoens (Oliveira de Azeméis) foi a decantada Cidade de Lancobriga, de que ficou o nome corrupto ao Lugar na caducidade dos annos: o que se comprova das vias Militares, de que faz menção o Itinerario do Emperador Antonino que, aqui perfeitamente se ajustão, não na Villa da Feira, ou na da Bemposta, distantes Legoa desta freguezia, como quizerão, adivinhando sem outro melhor fundamento, alguns Authores, como Brito no tom. I da Monarq. Lusit., etc. (Tomo XXVI, fl. 193)». FÉLIX ALVES PEREIRA, referindo-se a esta Memória, é de opinião que, em Lações, existiu um castro e não uma cidade.


FÉLIX ALVES PEREIRA:
«Eu não me ocupo especialmente de Langobriga do Itinerário, mas é fácil ver que idênticos raciocínios lhe são aplicáveis e em consequência, a situação deste ópido deveria ser na faixa de terreno vagamente indicada pela curva LL, um pouco ao norte
/ 144 / da Feira..., Archeologo Portugues, voI. XII, págs. 142-143, nota 1. A curva LL, indicada no mapa, que acompanha o seu estudo, sobre a situação conjectural de Talábriga, passa por Esmoriz (onde foi situado o castro de Ovil), Fiães, e um pouco ao sul de Mozelos (onde fica o monte Murado).


«Dr. AGUIAR CARDOSO:
«Lancobriga ou Langobriga, de fundação céltica, engrandecida pelos romanos que lhe chamaram Lancobriga, e depois arrasada pelos bárbaros do norte; Civitas Sanctae Mariae, de fundação gótica, depois assolada pelos mouros, e mais tarde reconstituída pelos neo-godos; por fim Vila da Feira.»
«Não se discute que o leito das três povoações seja precisamente o mesmo; mas a sucessão, quanto à hegemonia ou predomínio na região, é insofismáveI.»
«Bem se concebe que, se entre Talabriga, perto do Vouga, e Cale, junto ao Douro, ficava Lancobriga, esta povoação predominava nesta região de entre Douro e Vouga; tal como depois ficou predominando a Civitas Sanctae Mariae, autêntica sucessora, por isso mesmo de Lancobriga.»
E transcrevendo a nota: «Talvez que o leito de Lancobriga fõsse junto a Fiães, 8 a 10 quilómetros a nordeste da Vila da Feira, no monte chamado também de Santa Maria, onde ultimamente têm aparecido ruínas de construções soterradas, moedas romanas, tégulas, lucernas, fíbulas, etc. De resto este local foi previsto pelo Sr. Félix Alves Pereira, no Arqueólogo Português, como sendo possivelmente o leito de Lancobriga.» Terra de Santa Maria..., pág. 22. Coimbra, 1929.


Tenente-Coronel A. STRECHT DE VASCONCELOS:
Ver Velharias do Distrito de Aveiro - - Talabriga, no Correio do Vouga, ano de 1934 (de 3 de Março a 26 de Maio), págs. 8-9.


JOÃO DOMINGUES AREDE:
«Há os que argumentam com o texto de PLÍNIO: A Durio Lusitania incipit Turduli Veteres, Paesuri: Flumen Vacca. Oppidum Talabriga» para localizarem esta cidade na margem esquerda do Vouga.»
«Sedutora hipótese que encaixava à maravilha Talábriga na estação arqueológica do Cabeço do Vouga, a «civitas Marnelae» do Portug. M. Hist. perto da antiga estrada e velhíssima ponte, para cuja fábrica ou reconstrução contribuiu D. Sancho Pires, Bispo do Porto, como já fica referido, e Langóbriga, arrastada por Talábriga, desceria para o «castelo» ou crasto de Lações, sonho obsidiante do velho abade de Oliveira de Azeméis − Dr. Oliveira Ferreira.»
« Mas de Lações (paróquia de Azeméis) a Caia vai o dobro da distância, que no Itinerário separa Langóbriga de Cale, e do
/ 145 / [Vol. VIII - N.º 30 - 1942] MarneI a Coimbra deve apurar-se menos 10 milhas que as contadas por ANTONINO entre Emínio e Talábriga.»
«E com os números, que têm a inflexível rigidez das matemáticas, não se brinca...», Estradas Romanas no Distrito in Arqvivo do Distrito de Aveiro, voI. IV, págs. 30-31.
Para DOMINGUES AREDE Langóbriga tem de se buscar ao norte da Vila da Feira, entre São João de Ver e Lourosa, ob. cit.


IV

Langóbriga não teve a grandeza histórica de Talabriga(5), sua vizinha. PLÍNIO, POMPÓNlO, PTOLOMEU, nada dizem a seu respeito. APlANO também não lhe faz referência e narra um episódio muito curioso acerca das frequentes revoltas de Talabriga, contra o domínio romano:

LXXllI. «Inter alia Talabriga oppidum fuit, quae, saepius rebellarat. Eo veniens Brutus, supplicantes oppidanos, et sese ejus arbítrio permittentes, primum transfugas Romanorum et captivos armaque omnia, adhaec obsides, tradere jussit: deinde, ut cum uxoribus ac liberis urbe migrarent, imperavit. Quod et ipsum ubi facere sustinuerunt, circumfusis copiis eos includens orationem habuit, qua quoties defecissent, quoties quanto conatu bellum renovassent, edisseruit. Ita metu illis injecto, atque opinione, quasi gravius in eos animadversurus esset, tamen intra objurgationes istas iram terminavit. Equis et commeatu et pecuniis publicis, cum reliquo publico apparatu, ademtis, oppidum illis praeter spem, habitandum reddidit.», APPIANI ALEXANDRINI Romanarum Historiarum quac supersunt graece et latine cum indicibus, De Rebus Hispaniensibus. Liv. VI. Editore Ambrosio Firmin Didot. Parisiis MDCCCXL.

«Entre outras, foi a cidade de Tálabriga a que mais vezes se revoltara. Bruto marchou contra ela, e, tendo os seus habitantes implorado clemência e oferecido submissão, impôs a entrega dos trânsfugas, dos cativos, de todas as armas, e exigiu reféns. Ordenou, em seguida, que os Talabrigenses abandonassem a cidade com as mulheres e os filhos. Quando todos se preparavam para obedecer, Bruto cercou-os de tropas e lembrou-lhes que todas as vezes que se revoltassem viria submetê-los duramente. Tendo-lhes insuflado, deste modo, o temor, dando-lhes a perceber que outra rebelião levá-lo-ia a recorrer /  146 / à violência, restringiu a sua ira a estas objurgatórias. Apoderou-se dos cavalos, dos mantimentos, dos dinheiros públicos e outros valores, mas permitiu, finalmente, que os Talabrigenses continuassem a viver na sua cidade. »(6)


V

EUTRÓPIO pôde dizer acerca da grande acção militar de Décimo Júnio Bruto, desde o Tejo à Galiza: «Decimus Junius Brutus de Gallaecis et Lusitanis triumphavit magna gloria», Breviarium Historiae Romanae. L. V, cap. XIX. «Décimo Júnio Bruto cobriu-se de glória na conquista da Galiza e da Lusitânia». E SEXTO FLORO: «Rebellantes Lusitanos in Hispania per Decimum Brutum obtinuimus», Breviarium de Victoriis et Provinciis Populi Romani, cap. V. «Submetemos, por intermédio de Décimo Bruto, os Lusitanos que se tinham revoltado». Roma recebeu em grande triunfo o valoroso capitão. Mas passados vinte e oito anos a luta prossegue. E EUTRÓPIO que nos informa: «a Servilio Caepione in Hispania Lusitani victi sunt», Breviarium Historiae Romanae, «liber» IV, cap. XXVII. «Os Lusitanos foram vencidos na Espanha por Servílio Cepião». São passados vinte e oito anos, depois da partida de Décimo Bruto para Roma.

Em SEXTO RUFO vem: «Postea ad Hispanos tumultuantes Decius Junius Silanus cum exercitu missus eos vicit...» «Depois (de Décimo Bruto), Décio Júnio Silano foi enviado com um exército contra os Espanhóis que se tinham sublevado, e venceu-os...», Breviarium de Victoriis et Provinciis Populi Romani, cap. V. E a seguir: «Celtiberi in Hispania saepe rebellavere» «os Celtiberos revoltavam-se muitas vezes na Espanha.», «idem» capo V.

Durante os oito anos dos consulados de P. Rutílio e Cn. Manílio, e de C. Mário e Q. Lutácio (anos de 105 a 98) são notáveis, pela sua violência, as guerrilhas dos Lusitanos, JULIUS OBSEQUENS, De Prodigiis,. cap. CII: «A Lusitanis exercitus romanus caesus», «O exército romano foi derrotado pelos Lusitanos»; cap. CIV: «Lusitanis devictis», «Os Lusitanos foram vencidos»; / 147 / cap. CVI: «Lusitani rebellantes subacti», «Os Lusitanos, que se tinham revoltado, foram submetidos».

A empresa de Bruto foi apenas o prelúdio da grande vitória de Roma.

*

Soou a hora fatal da ruína da maior parte das cidades lusitanas, mesmo daquelas de que Júlio César foi obrigado a confessar quão difícil se tornava a sua conquista, pelos seus privilégios de defesa natural...: «oppidorum magna pars ejus provinciae (=provinciae ulterioris) montibus fere munita, et natura excellentibus locis est constituta, ut simul aditus adscensusque habeat difficiles. Ita ab oppugnationibus natura loci distinentur, ut civitates Hispaniae non facile ab hoste capiantur», De Bello Hispaniensi Comentarii, cap. VIlI. E em César o furor e o delírio do saque vencia todas as fraquezas:... «et Lusitanorum quaedam oppida, quamquam nec imperata detrectarent, et advenienti portas patefacerent, diripuit hostiliter, SUETONlUS TRANQUILLIUS», Duodecim Caesares, Caesar, cap. LIV. «César saqueou várias cidades da Lusitânia apesar de não terem oferecido resistência e de terem aberto as portas à sua chegada».

Surgia um obstáculo? Surgiam logo os meios de os anular... Era fértil a imaginação romana. O engenho militar suplanta a criação poética do direito. V. FLAVIUS VEGETlUS, Institutiones Militares. Lib. IV, cap. XIII e segs., sobre o emprego das testudines, arietes, falces, vineas, plutei, rnusculi, turres, ballistae, onagri, scorpiones, etc.


*

L. ANNAEUS FLORUS escreveu: «Plus est provinciam retinēre quam facere, «mais fácil é conquistar uma província, do que conservá-la». História Romana, cap. VII. OS Romanos, desde que iniciaram a conquista da Península (195 a. c.), viram-se obrigados a vingar com crueldade os frequentes assomos de independência: «Gracchus, pater ille Gracchorum, eosdem centum et quinquaginta urbium eversione multavit;» «idem», História Romana, cap. VII. «Graco, pai dos Gracos castigou os mesmos povos (= povos da península ibérica) pela destruição de 150 das suas cidades»... E a seguir: «Tum illis ad populationem agrorum, his ad urbium excidia conversis», «Uns inclinam-se a devastar os campos; outros a destruir as cidades».

Povos insubmissos aos Romanos fatigavam com incursões frequentes os povos submetidos: «Sub Occasu pacata fere omnis Hispania, nisi quam Pyrenaei desinentis scopulis inhaerentem citerior alluebat Oceanus. Hic duae validissimae gentes, Cantabri et Astures immunes imperii agitabant. Cantabrorum et pejor et altior et magis pertinax in rebellando animus fuit: qui non contenti libertatem suam defendere, proximis etiam imperitare / 148 / tentabant, Vaccaeosque, et Curgionios et Autrigonas crebis incursionibus fatigabant», L. A. FLORUS, História Romana, L. IV, cap. XII. «Ao Ocidente quase toda a Espanha estava pacificada: faltava apenas submeter a parte que toca o extremo dos Pirenéus que banha o Oceano citerior. Ali viviam dois povos poderosos, independentes do império romano: os Cantabros e os Astures. Os Cantabros foram os mais temíveis, altivos e teimosos na sua insubordinação. Não satisfeitos em defender a sua liberdade, tentavam ainda sujeitar os seus vizinhos, e fatigavam, com frequentes incursões, os Vaceus, Curgiões e Autrigonas».

E ESTRABÃO, referindo-se apenas à destruição de grande parte das cidades lusitanas, escreve: «o país era muito abundante de frutos, gado e metais preciosos, mas a maior parte destes povos (para ESTRABÃO, 36 povos diferentes; para PLÍNlO, 46) deixou de aproveitar as riquezas naturais afim de se entregarem ao latrocínio. Viviam quase sempre em guerra uns com os outros, ou com os povos de além do Tejo, seus vizinhos. Tinham nos altos dos montes cidades fortificadas, mas os Romanos, vencendo estes povos, «maIo isti finem imposuerunt, in planum delatis plerisque, eorum urbibus et in pagos mutatis nonnullis etiam melius conditis», puseram termo a este estado de coisas, obrigando os montanheses a descer à planície, e transformando grande parte das suas cidades em aldeias, edificando, todavia, melhor outras».

Desenvolve-se, intensamente, a agricultura, pode dizer-se, desde o alvorecer das conquistas romanas. Denota este facto, diz LEITE DE VASCONCELOS, «os benefícios da pacificação», Religiões da Lusitânia..., voI. I, pág. 171.

No começo do grande império romano, diz ANTÓNIO CAETANO DO AMARAL: «nada acharam os seus Fundadores mais próprio para lhe assegurar a liberdade, e estender os domínios, que mandar como os sobejos dos Cidadãos, que fossem reproduzir a sua Cidade pelo terreno, que iam conquistando. Com esta providencia ao mesmo passo que limpavam a Cidade da mais vil escória, e tiravam o fomento ás sedições, iam refrear ao longe os Povos novamente sujeitos, ou reprimir os que o não estavam ainda, ou premiar com estabelecimento pacifico os Soldados veteranos; e em todo o caso propagavam a geração Romana. Ora estes como pedaços que se despegava da Cidade, forçosamente haviam de levar consigo alguma parte dos direitos de que nela gozavam: porém estes direitos só por si serviram depois aos Romanos para com uma doação de nome adquirirem Colónias novas», Memoria II «sobre o estado civil da Lusitania»... in Memorias de Litteratura Portugueza, Tomo lI, pág. 32I. Lisboa Anno M.DCC.XCII. Ver ainda, AULUS GELIUS, Noctes Atticae, L. XVI, cap. XIII; A. APPIANNUS, De Bello Civile L. I; VARRO, De Lingua Latina, L. IV. / 149 /

 

VI

Começa o desmantelamento do grande império romano. Hordas de bárbaros, incultos, arrogantes, formigueiro infernal, invadem a Península (409). Chegam até aos lugares mais afastados e escusos. De espírito nómada, habituados a diferentes climas, sóbrios na alimentação e vestuário, contentam-se em viver ao ar livre e com os recursos da natureza não trabalhada. Vivem principalmente da caça. A primeira grande fase da decadência das povoações romanas e romanizadas.

A Península esteve trezentos anos sob o seu domínio: período muito longo que deu tempo suficiente para que esses povos rudes fossem fundindo a sua raça com a ibero-romana. Dos Alanos (409-41I) quase nada sabemos da sua passagem pelo nosso território, mas os Suevos (412-585) e os Visigodos (586-711), assimilando com fanatismo o que Roma produziu de melhor, transmitiram-nos características profundas da sua civilização.

A alma destes bárbaros, simples, humilde, incendeia-se de amor cristão. As pregações de S. Martinho de Dume, prendendo pelo seu fulgor e emoção, operam o milagre de levar os Suevos ao Cristianismo. Data desta época a fundação de muitos mosteiros, entre os quais o de Dúmio, Tibães e Lorvão.

Em 586, Leovigildo venceu os Suevos e incorporou-os no reino visigótico. Recaredo, seu filho e sucessor, declarou religião oficial o catolicismo.

Segue-se o domínio árabe:

Em 711, Tarique invade a Espanha, seguindo-o Muça com novo exército, em 712. A marcha foi rápida até às montanhas das Astúrias. Só aqui Pelágio conseguiu alcançar a primeira batalha cristã, de Cangas de Onis (entre os anos de 721 a 725). Diz ALEXANDRE HERCULANO, Hist. de Portugal, t. I. pág. 132:

«A batalha de Cangas de Onis, em que os infiéis ficaram desbaratados, foi o primeiro anel de uma cadeia contínua de combates que nos fins do XV século veio soldar-se na campa dos derradeiros defensores de Granada, quando Fernando e Isabel, os Católicos, conquistaram a capital do último reino mourisco da Península».

Afonso I (737-757), genro do grande herói asturiano, avança vitorioso até além de Viseu, apoderando-se, de Braga, Porto e Viseu. Diz o Chronicon Albeldense (séc. XI) que o Rei «campos usque ad flumen dorium eremavit», «tornou desertos os campos até ao Douro». Vid., também, España Sagrada. Tomo XIII, pág. 451, e História da Administração Pública, voI. II. pág. 2, de GAMA BARROS.

Quando Afonso I morreu, em 757, deixou todo o noroeste e parte do centro da Península livre de muçulmanos. / 150 /

No reinado de Afonso II (− 847) reacende-se furiosamente a luta. Afonso III (860-910) reconquistou, entre outras cidades, Coimbra, Lamego e Viseu e repovoou muitas terras entre o Douro e o Mondego.

Todo o reinado de Ordonho II (914-924) se passou em lutas. Durante o governo de Fruela Il, de Afonso IV, e parte do reinado de Ramiro II, não houve incursões muçulmanas.

Em 997, iniciou Almançor urna violenta campanha, por terra e por mar, contra Compostela que foi conquistada e destruída. O furioso árabe avança a seguir contra Leão que teve a mesma sorte, devastando tudo que encontrou no seu caminho. Escreve HERCULANO:

«O terrível hadjeb parecia ter jurado apagar o nome cristão na Península... ermou Castela, tornando e derribando as povoações mais notáveis, e o mesmo fez à Galiza, cujas fronteiras, provavelmente, desde a invasão de Ordonho III, na antiga Lusitânia, se estendiam até o Mondego. Coimbra (a Medina Colimria dos árabes) caiu, em 987, em poder d'EI-Mansur, que
a destruiu, repovoando-a de sarracenos, passados sete anos, durante os quais esteve deserta», História de Portugal, Tomo I, pág. 153. Lisboa MDCCCXLVI.

E referindo-se ao seu avanço sobre Compostela «Reunidas aí (na foz do Douro) todas as forças do hadjeb, ele atravessou aquela parte da antiga Galiza, chamada hoje província de Entre Douro e Minho, e, vencendo os obstáculos, que lhe opunham os homens e a natureza naquelas regiões montanhosas, chegou aos muros de Compostela. Estava desamparada a cidade de seus habitantes: entraram sem resistência os sarracenos: derribaram os muros, o castelo, e a igreja de Santiago, a que pela sua celebridade os escritores árabes chamavam a «Kaaba» dos nazarenos...», História de Portugal, vol. I. pág. 154.

Escrevendo acerca da cidade do Porto, saqueada e destruída por Muça e Almançor, diz D. RODRIGO DA CUNHA:

«No anno de Christo de 716 entraram nesta cidade do Porto e a roubaram, e saquearam, deixãdo a em miseravel estado, quasi dospouoada, e erma, ao q se ajuntou a entrada q depoes fez neIla Almançor, grande capitam de Cordoua, que acabou de aruinar tudo o q ficara de pé...», Catalogo e Historia dos Bispos do Porto. No Porto. Anno 1623.

Esta arrogância de extermínio ficou célebre na história, mas marca o paroxismo da dominação árabe. Começa a reconquista cristã. Bermudo III (1028-1038?) ganha na vila de Cesari, na terra do Castelo de Santa Maria uma importante batalha contra os Mouros, o «Rex domnus Vermudo habuit victoriano de mauris, pugnauit cum eis, et cepit ibi regem eorum Cemia in uilla Cesari in territorio castelli S. Marie». Chronica Gothorum, pág. 9. Na Brevis Historia Gothorum, « Rex D. Vermudus vicit mauros, cepitque Regem eorum Cuner in territorio Castelli / 151 / S. Marie in villa Cesari». Fernando Magno (1038-1065) pôde levar, a seguir, os seus exércitos vitoriosos até ao Mondego e assistir, comovido, à reconstrução das cidades e povoações importantes, destruídas pelo furor dos sarracenos.

Surge uma era de paz e de progresso. A Terra de Santa Maria, integrada no Condado de Coimbra, que Fernando Magno fundou e ofereceu a Sesnando, em recompensa dos grandes serviços: «ego consul sisnandus accepi ab illo potestatem colimbrie et omnium ciuitatum siue castellorum que sunt in omni circuitu eius scilicet ex lameco usque ad mare per aquam fluminis durii usque ad omnes terminos quos christiani ad austrum possident» ano de 1088, Dip. et Ch., doc. n.º 699 − vive dos benefícios da vitória definitiva da Cruz contra o Crescente. E o entusiasmo e o fervor católicos continua a encher de igrejas, de ermidas e de mosteiros, o cerro dos montes e a concavidade dos vales. A agricultura, decadente, desde as invasões germânicas, prospera com afã, servindo, em grande parte, de estímulo, a necessidade de sustentar os monges dos numerosos conventos: de S João de Ver, de Prozelha (que deu o nome à freguesia de Mosteirô), de S. Julião (que deu o nome à povoação de S. Gião, da freguesia do Souto), de Canedo, de... (que deu o nome ao lugar de Mosteirô, da freguesia de Canedo), de Azevedo (freguesia de S. Jorge), de S. Cristóvão (freguesia de Sanguedo), de Grijó, de Pedroso, de que abundam os mais preciosos documentos medievais, de Crestuma, de Vila-Cova (freguesia de Canedo ou de Sandim?), de S. Martinho (freguesia de Anta).


VII

Indicamos como primeira grande fase do declínio das edificações romanas as incursões bárbaras. Outro grande motivo dessa decadência foi proveniente da invasão dos Árabes.

Muça e Almançor consideram que a vitória só é completa, destruindo todos os valores materiais e espirituais do inimigo. Deles pode dizer-se o que SÍLIO ITÁLICO disse a respeito do general Asdrúbal:

«Tristia corda ducis, simul immedicabilis ira,
Et fructus regni feritas erat: asper amore
Sanguinis, et metui demens credebat honorem; »

                                        (Bella Punica, Liber I. )


Por onde os seus exércitos passaram não ficou pedra sobre pedra: as povoações em ruínas, os templos incendiados, os campos desertos.

Temos no concelho da Feira (e a acção dos Muçulmanos foi muito reduzida na região das Terras de Santa Maria) algumas / 152 / tradições do seu furor implacável, que serão publicadas nos meus Subsídios para o Estudo da Etnografia do Concelho da Feira.

As populações dispersam-se, à procura de lugares seguros, onde a sua vida não corra perigo e os seus haveres estejam menos sujeitos às pilhagens. A Touça-do-Cuco, entre Lever e Sandim, num vale escavado, onde corre o ribeiro de Mourães, ficou célebre como esconderijo dos gados das povoações dos arredores, em tempo dos Mouros, e, no século passado, pela ocasião da segunda invasão dos Franceses.

Acaba de vez o domínio dos castros: fortalezas inúteis, que, passando, frequentemente, das mãos dos vencidos para os vencedores e destes para aqueles deixam de convir a uns e outros.

As que ainda resistiram ao ódio violento dos filhos de Agar, não escaparam às várias lutas fratricidas, de cristãos contra cristãos. Outras vezes os próprios reis visigodos, para proteger
o seu território das hordas sarracenas, criavam, à sua volta, faixas de desertos, transportando para terrenos mais seguros grande parte da população ameaçada. Assim procedeu Afonso I, que «ermou todos os campos até ao Douro». Em HERCULANO: «Passando à espada os muçulmanos, que não puderam evitar com a fuga o cair-lhe nas mãos, o rei asturiano (Afonso I) fez recolher aos territórios, onde a independência visigótica se havia salvado, a população cristã dessas devastadas províncias...», História de Portugal, voI. III, págs. 159-199.

Egas Erotis, nobre e rico Senhor da Terra de Santa Maria, refugiou-se em terras do Minho, pela ocasião da invasão de Almançor: «auitabit egas erotez in terram portugalensis cum gens sua in logo predicto inter doiro e uauga per plures annos et consurrexerunt filii ismaelidarum super christianos et exiuit domnus egas de sua terra ante ipsius gens ismaelitarum».

Em documentos medievais encontramos algumas referências a indivíduos que, obrigados a emigrar, perderam na ausência os seus bens, por outros se terem apoderado doles. Talvez por este motivo, para ficar assegurada a posse das terras aos que voltavam, mais tarde, do exílio, é que começa a aparecer, desta época em diante, grande número de topónimos, provenientes de antropónimos, na maior parte do genitivo, subentendido o nome da propriedade: villa, hereditas, quinta, etc. No concelho da Feira: Adoufe, Aldriz, Argoncilhe, Ariihe (?), Beire (alótropo de Valerii) que deu, além de Beire, Ver), Ermilhe, Escapães, Estoze, Fagilde, Fiães, Framil, Goim, Gondufe, Gualtar, Gueifar, Guilhadães, Gulfar, Manhoce, Moalde, Ordonhe, Prime, Ramil, Romariz, Sagufe, Sales, Silvalde, Tarei, Teobalde, Togilde; outros do acusativo: Aldão, Aldeiro, Balteiro, Espargo, Fafião, Merelo, Roligo, Sameiro, Sisto; do nominativo: Pigeiros; do locativo: Lever.

ARLINDO DE SOUSA
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(1)Em vez de IMP., FARIA E SOUSA transcreve IMPER.; COHORT. por COHOR:, intercala um D. entre CAES. e AUG..(1) Em vez de IMP., FARIA E SOUSA transcreve IMPER.; COHORT. por COHOR:, intercala um D. entre CAES. e AUG. .

(2) (1) Para o estudo da cidade de Lacóbriga, da região de Lagos, no Algarve, que não deve ser confundida com a Langóbriga do concelho da Feira, tem o leitor importantes elementos nos seguintes autores (do século XVI ao século XX), por ordem cronológica: LÚCIO ANDRÉ DE RESENDE, Libri Quatuor de Antiqvitatibvs Lvsitaniae, foI. 185; DIOGO MENDES DE VASCONCELOS, Scholia... foI. 256; FR. BERNARDO DE BRITO, Monarchia Lvsytana, Primeira parte, págs. 226-278; DUARTE NUNES DO LEÃO, Descrição do Reino de Portugal, págs. 14-15. P.e ANTÓNIO VASCONCELOS, Anacephalaeoses... p. 397; MANUEL FARIA E SOUSA, Evropa Portuguesa. Tomo I, pág, 96; D, LUÍS CAETANO DE LIMA, Geographia Historica... Tomo II, p. 296; FR. HENRIQUE FLOREZ, España Sagrada, vol. XIV, págs, 218-220; P.e FRANCISCO DO NASCIMENTO SILVEIR, Mappa Breve da Lusitania. Tom. I pág. 295; JERÓNIMO SOARES BARBOSA, Epitome Lusitanae Historiae, pág. 178; AUGUSTO DE PINHO LEAL, Portugal Antigo e Moderno, Vol. IV, paI. Lagos, pág. 20-28; P.e JOAQUIM R. ESPANCA, As Lacobrigas da Lusitania, in Revista Archeologica, vol. 11, pág. 177; D'ARBOIS DE JUBAINVILLE, Revue CrItique, tome XIV, pág. 392-393; DR. LEITE DE VASCONCELOS, Religiões da Lusitânia, vol. II, págs. 11 e 73, e vol. III, pág, 139; VERGÍLlO CORREIA, O Domínio Romano in História de Portugal... Portucalense Editora Ldª, Barcelos, vol. I, págs. 218-219; etc. 

(3) − PINHO LEAL foi um investigador incansável, de uma paciência beneditina, compilou muito, mas a maior parte dos materiais coligidos foram-lhe enviados, perdulariamente, por pessoas incultas, encapotadas de arqueólogos, firmadas em tradições inexactas. Inadvertidamente seguimos, com demasiada confiança, a respeito de Langóbriga, a opinião de PINHO LEAL no trabalho, Feira − Terra Sanctae Mariae. Não é a mesma opinião que temos hoje.

(4) PINHO LEAL escreve acerca de Santa Maria de Langroíva ou Longroíva, no concelho de Meda, a 70 quilómetros de Lamego e faz referência às ruínas, aí existentes, no seu tempo, de um castelo com a torre ainda bem conservada, Portugal Antigo e Moderno... vol. IV, paI. Langroiva ou Longroiva, pág. 44.

(5) É muito vasta a bibliografia sobre Talábriga. Nas obras referidas, a respeito de Langóbriga, pode o leitor encontrar informações preciosas acerca dessa estação. ABRAHAMUS ORTELIUS cita Talábriga ao sul do Douro entre apenas mais quatro cidades: Olysippo, Pax Augusta, Emerita Augusta e Aque Flavie. Geographiae veteris Tabvlae Aliquot.  

(6) Segundo o P.e MIGUEL DE OLIVEIRA houve duas cidades com o nome Talabriga: a de PLÍNIO e do Itinerarium, na região do Vouga; a de APlANO e da ara, na região do Lima; Arquivo do Distrito de Aveiro, vol. IV., Talabriga, pág. 117.
A ara, a que o P.e MIGUEL DE OLIVEIRA faz menção, apareceu na freguesia de Estorãos, a duas léguas de Ponte do Lima, onde se lê: CAMALA ARQUlFILIA TALABRIGENSIS GENIO TIAURANCEAICO VOTUM SOLVIT LIBENS MERITO. FÉLlX ALVES PEREIRA diz a seu respeito: «Temos pois, em região de Grovios, nova lápide com onomástico pessoal de tronco céltico; uma observação, porém, devo fazer: é que não eram oriundos dessa região os dedicantes nela residentes, senão da Lusitânia», Archeologo Portuguez, vol. XII, pág. 36 e segs
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