Maria Teresa Ramalho
Cruz
(7.º ano)
Uma outra
parte da produção vicentina – constituída pelas Tragicomédias – reflecte
as preocupações e os gostos de uma sociedade heróica
e aristocrática. Na «Exortação da Guerra», tragicomédia representado em 1514, perante
D. Manuel, nas vésperas da partida para Azamor de uma expedição
militar, enaltece-se o
espírito de cruzada contra os infiéis. O «Auto da Fama» (1521)
celebra os Descobrimentos marítimos e as conquistas em África.
A preocupação mitológica e cortesã da matéria para «As Cortes
de Júpiter», peça concebida para a despedida da Infanta D. Beatriz,
filha de D. Manuel, e representada nos Paços da Ribeira, em
1521. Nesta tragicomédia, que constitui a base do drama «Um Auto
de Gil Vicente», de Garrett, vemos a Providência, enviada por Deus,
ordenar a Júpiter, rei dos elementos, que reúna boas condições para
a viagem marítima que a Infanta vai realizar, a fim de
se unir a seu marido, D. Carlos, duque de Sabóia.
As histórias de amor e de cavalaria, muito
apreciadas na época, constituem o assunto das tragicomédias «D. Duardos»
(1522) e «Amadis de Gaula» (1533). Na primeira, assistimos ao idílio do protagonista, príncipe de Inglaterra, com Flérida,
filha do
Imperador de Constantinopla: o contraste entre a vida da corte e
o campesino é dado por D. Duardos que se torna hortelão por amor de Flérida. O «Amadis de Gaula», cujo assunto foi extraído
da novela com o mesmo nome, é uma peça que exprime os ideais cavalheirescos da sociedade
aristocrática de quinhentos.
O protagonista é, como se depreende, apresentado como
um modelo de honra, de cortesia e de perfeita fidelidade no amor.
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Nas Comédias e nas Farsas, atinge talvez Gil Vicente o grau mais
elevado das suas possibilidades dramáticas. Reunindo propósitos
satíricos, particularmente as farsas, têm o valor de flagrantes e
bem caracterizadas evocações da vida real – ambientes cujas tintas o
tempo pouco esbateu, onde se agitam, autênticos e actuais, os tipos
mais representativos da sociedade portuguesa.
Na farsa chamada «Auto da
Índia» (1509), apresenta-se com vincado
traço satírico, um quadro denunciador de certa dissolução de
costumes: a peça «foi fundada sobre que uma mulher, estando já
embarcado para a Índia seu marido, lhe vieram dizer que estava desaviado, e que já não
ia; e ela de pesar está chorando».
Um outro quadro de costumes nacionais se esboça na farsa «Quem tem
farelos» (1515) onde encontramos uma moça romântica e namoradeira
que se quer afidalgar» e um escudeiro famélico, pobretão, mas
ostentoso e galanteador. Esta mesma situação existe na «Farsa de
Inês Pereira» (1523). A peça apresenta, com
um diálogo ágil e gracioso, uma série de figuras genialmente retratadas: Brás da Mata, o escudeiro
gabarola e tiranete; Inês, a
moça fantasiosa e pouco amiga do trabalho; a Mãe, calculista e
interesseira; Pêro Marques, o apaixonado simplório; Lianor Vaz,
a comadre casamenteira que é a representação fiel da alcoviteira.
A farsa do «Velho da Horta»
(1512) trata dos amores tardios de um velho
rico, que comicamente se apaixona por uma rapariga que vai à sua
horta; o «Juiz da Beira» é a crítica galhofeira
dos juízes populares.
A arte vicentina soube animar
e graciosamente colorir uma vasta galeria
de figuras: camponeses e serranas, rudes pastores e cómicos vilões,
fidalgos cheios de prosápia e escudeiros pelintras, freiras
untuosas e frades folgazões, mães e pais, moços e moças, judeus e
alcoviteiras, soldados e marinheiros, médicos, feiticeiras, negros e
aldeões ingénuos...
Toda esta multidão fala e
actua, agita-se ruidosamente, ao som de
pandeiros e de violas, nas danças e cantares das Romarias e das
Feiras do alegre Portugal de há mais de quatrocentos anos.
O variado vocabulário de Gil Vicente é extraordinariamente rico. As
suas personagens, tão diferenciadas, vindas dos mais remotos
lugares oriundos de todos as classes sociais, usam a linguagem
adaptada à sua condição e à mentalidade que lhes é
própria.
Aparecem-nos os cantares populares, os rifões, as máximas...
Tudo
Gil Vicente aproveita no seu Teatro e este pode-se
considerar o Teatro de todos os tempos, através dos séculos.
Jamais se apagará!... |