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farol n.º 15 - mil novecentos e sessenta e quatro ♦ sessenta e cinco, págs. 14 a 16.

 
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também é Portugal

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NOTA DA REDACÇÃO – Sob esta epígrafe iniciamos hoje uma série de artigos escritos por alunos do nosso Liceu que nas férias grandes se deslocaram a algumas das nossas Províncias Ultramarinas, e nos quais eles nos dirão, em breves linhas, alguma coisa do muito que por lá viram.

Por terras de Moçambique

Nesta monótona, mas sempre emocionante passagem das horas e dos dias, há momentos que a acção do tempo não consegue apagar. São esses momentos que constituem a alegria ou a tristeza do passado e mesmo do presente. Assim, num esforço de memória, trouxe à zona clara da consciência uma passagem da minha vida ainda bastante recente: a minha visita a Moçambique.

Ainda não convencido daquela realidade, que para mim parecia um sonho, encontrei-me numa das parcelas da África Portuguesa, mundo que para alguns portugueses se resume a uma tela mais ou menos colorida com uma cubata, uma palmeira, alguns indígenas e pouco mais. Não! A África Portuguesa, e neste caso especial Moçambique, é formada por regiões em pleno progresso e por uma população animada do desejo de fazer mais e melhor. Este desejo, comum aos brancos e negros, é fruto da confraternização social, onde a cor é um factor secundário; todos, acima de tudo, são homens.

Desde a cosmopolita Lourenço Marques até à ilha de Moçambique ou / 16 / à Gorongosa foi um desfilar ininterrupto de horizontes que, para nós, constituíam a revelação dum mundo que nunca sonháramos. Habituados à estreiteza territorial em que vivíamos, sentimo-nos amarfanhados pela grandeza do território Português. Nós só vemos a grandeza do nosso Ultramar, estando nele e olhando para a Metrópole. Então, meditando um pouco, não compreendemos como um «naco» de território situado no Ocidente da Península consegue sustentar o nosso portentoso Ultramar. Talvez o consigamos compreender, se virmos a fé, a força e a determinação dos Portugueses que, embora com muito sacrifício, conseguem manter arvorada nestes territórios a Bandeira Nacional.

Em Moçambique vi muita coisa. Podia ter visto mais, mas aquilo que observei bastou-me para avaliar o grau de progresso em que se encontra a Província. Rasgam-se estradas, erguem-se fábricas, cultivam-se campos, missiona-se, educa-se, enfim, luta-se para construir um Portugal maior. Só quem vê é que pode avaliar bem o estado actual de Moçambique. No entanto não me julguem demasiado optimista, pois lá, além desse belo quadro pintado com as tintas da marcha irresistível do progresso, existe aquele constituído pelas aldeias e Povos indígenas mais atrasados e pelo mundo maravilhoso dos seus feitiços.

Destacar factos ou passagens que me impressionaram mais é-me difícil. No entanto, com um pouco de esforço, consegue-se destrinçar alguns factos no meio da sua grande quantidade e complexidade.

Há um que, embora pareça insignificante aos leitores, constituiu, assim como para os meus colegas, um profundo mergulho no mundo nostálgico das noites africanas. Era noite. Chegáramos ao rio Limpopo. Embora já exista uma moderna ponte para a sua travessia, ela ainda não está aberta ao trânsito. Atravessámos, então, num batelão. Só quem ouviu aquele puxar rítmico do cabo e o cantar dolente dos três autóctones que disso estavam encarregados, pôde apreciar a sua tristeza. Analisando a letra daquela melodia simples, mas penetrante, vemos nela o espelho da dor por algo que o progresso lhes roubava.

Aproveito a ocasião para falar de mais duas passagens da minha visita: a presença numa missa celebrada na Igreja duma missão e a ida à ilha de Moçambique.

A presença naquela missa revelou-nos a existência dum espírito cristão naqueles indígenas que lá estavam. Esse espírito não transluzia como muitas vezes cá acontece, um qualquer sentimento de vaidade ou de simples formalismo. Isto constituiu para nós uma «prédica» muda que nos fez sair «descontentes com nós próprios». É esta uma parte da vasta obra que devemos às missões.

A ilha de Moçambique constituiu, por outro lado, o cruzamento do real e do fantástico. Calcar as pedras da sua fortaleza foi o reviver de belas páginas patrióticas, escritas com o sangue daqueles que lá lutaram e morreram. E o resto da ilha? É um contraste do continente. Aqui precisamente, ao / 16 / contrário do resto da província, a mulher «escraviza» o homem; Elas não trabalham e andam geralmente com a cara pintada com uma pasta branca.

Nesta breve autópsia a Moçambique não procurei fazer um largo relato de todas as suas realidades materiais, que são já do conhecimento de todos, mas sim penetrar nas entranhas dos seus habitantes, cuja maneira de ser e hábitos constituem uma incógnita ainda não totalmente revelada.

Carlos Manuel Reis Mendonça
(7.º ano – Letras)

 

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08-06-2018