Maria Teresa Matos da
Silva
(5.º ano)
ERA
à tardinha. No poente apenas se divisavam, a manchar o cetim azul
do céu, umas pinceladas róseas e avermelhadas que espreitavam por entre a ramagem do pinhal lá do outeiro. O sol já
adormecera decerto. A paisagem, envolvida por uma meiga claridade,
mergulhava também
numa sonolência calma e tranquila.
O pingue-pingue da fonte era mais lento. Dir-se-ia que cismava a
velha
pedra morena, donde brotava o veio de água cristalina.
Cismava ou sonhava. Sim, sonhava com a bela moura de longos cabelos
negros e olhos escuros qual noite de diabólica tempestade. E tanto
sonhou com esse olhar de fogo, que não deu pela aproximação do amor personificado. A que mais poderia Célia assemelhar-se, assim,
com o ouro dos seus cabelos a cair-lhe em graciosas madeixas,
ornando-lhe o rosto alvo e fino? E quanta pureza no azul húmido
daqueles olhos! Nela se reunia toda a beleza e fragilidade do
irreal, dum sonho maravilhoso. Parou perto da fonte e sentou-se na
pedra musgosa, com os olhos fixos num ponto distante e indefinido,
enquanto
os seus dedos esguios acariciavam as pétalas duma rosa silvestre.
Assim permaneceu, apática, indiferente a tudo; ,até mesmo à noite
que se fazia anunciar.
O luar fundira-se com a luz suave do entardecer e vestia tudo com a
pureza das suas vestes. A lua mirava a bochechuda face, lá em baixo,
no ribeiro,
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que se assemelhava a uma fita prateada a serpentear por entre os
entroncados álamos. As velas do moinho moviam-se, retalhando o luar que as
abraçava. Ouviam-se quiméricos sussurros que bailavam no ar morno.
Dançavam, estonteantes, cheios de magia, rodopiando levemente ao
som duma música suave e misteriosa. Eram as vozes da noite, as vozes
fantásticas que enchem os espíritos de sonho e poesia.
Os olhos azuis de Célia deslumbravam-se ante esse bailar sem fim e a
sua alma cândida bebia toda aquela beleza. Sentia vibrarem dentro de
si os acordes melodiosos daquela música estranha. Era como se toda
ela se transformasse! Não via nem ouvia nada que não fosse aquela dança e aquela
música. Por mais que a fonte a chamasse, não conseguia arrancá-la ao
mundo dos seus sonhos. Enquanto não se sentisse completamente
vencida pelo frio e pelo
cansaço, não se retirava.
Mas um dia Célia não
veio ver a dança fantástica das vozes da
noite.
E então a Lua envolveu-se num manto de nuvens cinzentas para jamais
se desembrulhar. A música etérea emudeceu para sempre e a fonte, a
velha fonte, chorava a perda da amiga, que tinha partido, rumo à
Pátria da Pureza, levando consigo o suave perfume das rosas brancas.
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