BOLETIM   CULTURAL   E   RECREATIVO   DO   S.E.U.C.  -   J.  ESTÊVÃO


PÁGINA 1
Editorial
Alcino Carvalho
PÁGINA 2
Um presépio humano
Bartolomeu Conde
PÁGINA 3
Contos tradicionais portugueses
PÁGINA 4
A reforma do
SEUC
João Paulo
PÁGINA 5
Isto de Tradi-
ções e...
Henrique Oliveira
PÁGINA 6
Cenários de
Violência
Isabel Bernardino
PÁGINA 7
Plantas carní-
voras
João Paulo
PÁGINA 8
Receitas para
o fígado
H.J.C.O.
PÁGINA 9
Sebastião da
Gama
Paula Tribuzi
PÁGINA 10
Aveiro, de vila
a cidade
Claudete Albino
PÁGINA 11
Hora do
Recreio
PÁGINA 12
Fac-símile da 1ª página
 

UM PRESÉPIO HUMANO
...e o Menino-Jesus a mamar no biberão!

                                                                                   Bartolomeu Conde

Dos muitos passeios que dei com o saudoso Dr. João Soares, um houve que, pelo insólito, nunca mais o esqueço.

Fomos de abalada, noite de gelo, até ao Convento de Salzedas, perto de Lamego, mastodonte de pedra, fundado pela viúva de Egas Moniz, a mesma senhora que foi aia dos cinco filhos do nosso primeiro Rei.

Este Mosteiro albergou os frades da Ordem de Cister, mas D. Afonso III, por razões de ética, mandou-os pregar moral para outro lado. Mais tarde ainda se tentou restituir-lhe as funções para que foi construído, mas em 1834 foi definitivamente encerrado, excepto a parte destinada ao culto.

Aos olhos de um estranho, como eu, o Convento de Salzedas, tal como o vi naquela noite em inesperada aparição, alumiado por altas labaredas de fogueiras que se projectavam pelos claustros como infernos a arder, era um antro de fantasmas a gerar medos apocalípticos!

Pois foi ai, nessa Noite de Festa Natalícia, que vi pela primeira vez um presépio humano, montado com esmero no rés-do-chão duma arcada: lá estavam os três reis, empertigados nas suas vestes meio - orientais - meio - romanas, o “S. José” enrolado num cobertor de papa, a ‘Nossa Senhora” representada por uma moçoila de boas cores e fartos peitos, ao colo de quem, a espernear, estava um rechonchudo e morenaço bebé, já com uns quatro ou cinco meses de idade, a representar o Menino-Jesus.

A completar o cenário via-se um pacifico e sonolento jumento, que se entretinha a mordiscar a palha, e um vitelito desgarrado, que se desunhava a mugir pela mãe. Ao fundo, meio encoberto pelo restolho daquele improvisado palheiro, a portuguesíssima presença de um volumoso cesto e o gargalo arroxeado de um garrafão!

Roçava pelo sublime a dignidade artística de todos estes actores, embora se notasse que os costumes e o calçado estavam longe de se submeterem ao rigor histórico ~ exigido pelo Nascimento de Jesus Cristo.

Depois destas reflexões, demos umas voltas pelo arraial, comemos umas castanhas assadas e bebericámos um copito de vinho, fraco e frio naquela noite de neve.

Às tantas a festa estava vista e participada. A madrugada trazia agulhas de gelo, embora o povo se acomodasse, a comer e a beber, à volta das fogueiras.

Antes do regresso ainda passámos pelo presépio. A cena era tão insólita que não evitei um rotundo Oh!... de espanto! Os três Reis mai-lo São José, sentados no chão em roda fechada, a comer castanhas e a fazer gorgolejar o garrafão de boca em boca! E a Nossa Senhora e o Menino, um pouco afastados do grupo; ela sentada nos tornozelos, com o menino enrolado numa meia manta, a chegar-lhe à boca uma valente garrafa de leite, que o miúdo chupava com «ímpos» de sofreguidão!...Era a hora da ceia!

Eu nunca tinha visto um presépio tão bem constituído e representado. Ou melhor, eu nunca tinha pensado que o Deus-Menino também precisasse de mamar como um qualquer dos mamíferos!

Bartolomeu Conde


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