Joaquim
Filipe recebe-nos no seu atelier com a mais natural das hospitalidades e
uma modéstia tão genuína, que só atestam o que pouco depois se confirma
– entrámos num espaço de criação autêntico onde a troca de ideias se
despoleta espontaneamente, sem dúvida motivada pela variedade do
trabalho que nos é dado a observar...
O forte
cunho paisagístico dos quadros de Joaquim Filipe nunca será redutor dos
ambientes que sugere, nem consignará sequer a sua criatividade num
registo puramente contemplativo. A interacção dos elementos figurativos
é intensa: representação de motivos barrocos, essencialmente conotados
com a composição do vegetal (que o autor relaciona com a influência da
arte de azulejaria nacional), a omnipresença do elemento marítimo como
contraponto imagético da terra e floresta e, discretamente, o elo humano
de ligação entre esses dois universos físicos que assim passam a ter uma
pluridimensionalidade psicológica.
Voltamos
à troca de ideias — as telas de Joaquim Filipe transpiram emoções — a
intimidade da percepção e memória é o espaço onde se movem. Memórias da
infância entre o verde-bosque e azul-mar, vivência de
Ílhavo-cais-marítimo recôndito de marinheiros e pescadores, entre posto
da actividade agrícola, náutica e comercial. Um interseccionismo que tem
na técnica plástica uma materialização que se divide pelo uso do óleo,
do pastel seco, da colagem, com a exploração cromática de tons fortes e
por vezes romanticamente sombrios. Com ele, Joaquim Filipe alcança o
efeito da profundidade e do movimento, com a habilidade de captar o
pormenor e o geral, num "zoom" como que incrustado, enraizado na tela.
Mas essa
sobreposição conceptual vai mais longe, ao assumir na conjugação
colectiva da obra uma dimensão cronológica, que abarca simultaneamente o
Ontem e o Agora. Os motivos tradicionais e regionais coadunam-se num
enunciado que remete para um conhecimento das tecnologias passadas e
modernas — é como assistir-se à confirmação dum substrato tecnológico
actual ao serviço da revelação do que quase se perdeu no tempo.
Da Vida
à sua volta, Joaquim Filipe captou o movimento da partida e a estática
da permanência – embarcações de saída perante o olhar englobante duma
sensibilidade que as retrata quase sempre ainda ligadas ao elemento
Terra-viva e verde mesmo ao crepúsculo.
João Carlos Silva - 1995 |