| SESSÃO
                          DE 7 DE JUNHO DE 1843  
                          
                           (Em
                          resposta ao ministro do reino, Costa Cabral)
                          
                            
                          
                           Sr.
                          presidente, eu rio da cólera do homem que se sente
                          pilhado nas próprias ciladas, nas ciladas que tinha
                          querido armar aos homens de boa fé deste parlamento!
                          Eu rio de ser apodado de cobarde pelo célebre e notório
                          trânsfuga da batalha do Chão da Feira, pelo homem
                          que tem acobertado a sua cobardia sob a sua importância
                          política, pelo homem que se tem escusado a todas as
                          satisfações de cavalheiro, brandindo como nunca arma
                          o Digesto, em que é tão forte como na espada!
                          
                           O
                          SR. MINISTRO DO REINO: - Ah!... Ah!... Está rico!
                          
                           O
                          ORADOR: - Sr. presidente, a corrupção chega ao ponto
                          de se prezar com riso a honestidade, a coragem, o brio
                          e a honra...
                          
                           O
                          SR. MINISTRO DO REINO : - Onde está a coragem, diga lá?...
                          
                           O
                          ORADOR: - Sr. presidente, a quem assim me interpela
                          pela minha coragem, a resposta é impossível. Porque,
                          quando eu me aprontasse a responder-lhe pelo único
                          modo por que se responde a perguntas daquelas, S. Ex.a
                          escondia-se atrás da sua posição oficial, pois o
                          zelo pela própria existência há de ser o último
                          sentimento que há de acabar naquele coração!
                          
                           O
                          SR. MINISTRO DO REINO: - É um miserável!
                          
                           O
                          ORADOR: - S. Ex.a não morrerá assim! Com S. Ex.a e
                          impossível discutir com raciocínios, porque S. Ex.a
                          lia-o raciocina; é impossível discutir com a ironia,
                          porque responde com injúrias; e à injúria não sabe
                          dar a última resposta, que é o duelo, que é uma
                          bala, que é uma espada...
                          
                           O
                          SR. PRESIDENTE: - Posso interromper o Sr. deputado?
                          
                           O
                          ORADOR: - V. Ex.a pode interromper-me e ver
                          interromper-me. Mas V. Ex.a deve reconhecer que é
                          indispensável transcender os limites da discussão
                          nesta casa, quando as provocações são tão
                          directas, tão manifestas, tão insólitas, tão mal
                          cabidas; quando o homem, que se diz honrado com a
                          confiança do trono, vem falar da soberana, que
                          representa dentro desta casa, por uma forma que
                          repugna ao augusto daquelas funções e à decência
                          daquele lugar. Os ministros não podem ser
                          espadachins, não podem ser oradores de tripeça! Têm
                          de ser homens nobres, decentes em seu porte, maneiras
                          e linguagem. Sr. presidente, a V. Ex.a dou toda a
                          licença para me interromper. 
                          Nem tenho que lhe dar licença, porque V. Ex.a
                          falia com o direito do regimento e com o direito da
                          sua posição, da sua educação e da sua urbanidade.
                          
                           O
                          SR. PRESIDENTE: - Como o Sr. deputado reconhece qual
                          é o meu dever, eu rogo-lhe que não saia da disposição
                          do artigo 32.º do regimento.
                          
                           O
                          ORADOR: - Sr. presidente, um ilustre deputado, que
                          nesta discussão não viu mais que um interesse de
                          partido, e que, pela voz tremula com que pronunciou o
                          seu discurso, parecia ver-me já de posse duma pasta e
                          a expedir-lhe pelo correio da secretaria o decreto da
                          sua demissão (e ainda que tal caso se desse, creia
                          que nunca de minha mão a receberia) - esse deputado,
                          Sr. presidente, com a inocência que caracteriza os
                          poucos anos, denunciou completamente todo este trama
                          ridículo. E o ilustre ministro que agradeça ao seu
                          colega e amigo, o ter mostrado como é apropriadíssima
                          esta qualificação.
                          
                           Sr.
                          presidente, já um aparte doutro deputado, que, por
                          ser arrebatado e de paixões fortes, é muitas vezes
                          sincero já esse aparte tinha anunciado todo este
                          trama sórdido, cujo desfecho a câmara acaba de
                          presenciar; já se tinha dito em apartes: «A moção
                          de lá vem.» Sim, Sr. presidente, todas as diligências
                          do governo tinham sido para que esta moção se
                          levantasse deste lado da câmara... (Vozes do banco
                          dos ministros: - É falso.) para que se
                          apresentasse a coroa como obrigada a passar sob as forças
                          caudinas, para que se lhe dissesse: «Ou agora, com
                          decência e honra, para sustentar um partido,
                          verdadeiro zelador das prerrogativas da coroa, ou
                          depois, com violência e perigo, para dar força aos
                          nossos e vossos inimigos!»
                          
                           Sr.
                          presidente, esta medida parece ser a medida essencial
                          da organização das nossas finanças, parece ser a
                          grande inspiração financeira do movimento de 27 de
                          Janeiro! Porque logo depois dele, ouvindo o que se
                          espalhava pela capital, nesses conventículos políticos
                          que se formavam a todas as esquinas, eu vi, Sr.
                          presidente, que era coisa assente e decidida obrigar a
                          coroa a reconhecer a causa desse partido, que se
                          apresentava como monárquico, mas em que referviam
                          todas as paixões duma oligarquia desenfreada, duma
                          aristocracia tonta, dum monarquista sem missão, nem
                          fim, nem lei. Sr. presidente, então ouvi dizer muitas
                          vezes: «A rainha! a rainha!... Havemos de fazer um
                          corte na sua dotação. É impossível que a casa real
                          se sustente neste luxo. Se quer governar-nos, há de
                          sujeitar-se à pobreza do país. E se o não fizer por
                          bem, há de fazê-lo por mal: temos forças
                          suficientes para a obrigar.» E ainda me sussurra aos
                          ouvidos este argumento: «Oh! pois ela (vai o mesmo
                          pronome) cedeu generosamente diante das Cortes
                          Constituintes, que cerceavam as suas prerrogativas e
                          queriam destruir o trono, depôs aos pés desses repúblicos
                          parte da sua dotação, e há de recusar um benefício
                          desta ordem ao seu partido, ao partido que trabalha
                          pelos interesses da monarquia! Se o fizer, se for mal
                          aconselhada, nós lhe faremos entender os nossos
                          conselhos violentamente.»
                          
                           E
                          acaso, depois do que se tem passado, à vista deste tão
                          curioso incidente, não vemos nós bem clara a
                          duplicidade deste partido, que, ao mesmo tempo que se
                          apresenta nas salas do paço, umas vezes lisonjeiro e
                          bajulador, outras aterrador, senhor de revoluções,
                          dos segredos delas, com máquinas especiais para as
                          fazer mais ou menos fortes, mais ou menos
                          sanguinolentas, de manhã e à tarde, - vem depois
                          para os corrilhos políticos ostentar as suas paixões
                          anti-monárquicas, a sua independência, o seu
                          orgulho, afirmando-se como o único capaz de organizar
                          a administração do país, embaindo os ingénuos que
                          com sincera fé acreditam nessa virtude especial do
                          Sr. ministro do reino?!
                          
                           Sr.
                          presidente, que fazer nesta situação? Iríamos nós
                          ajudar com o nosso voto um trama ridículo e imbecil,
                          e com esse trama sustentar um governo obnóxio ao país?
                          Iríamos nós, para satisfazer uma indicação da
                          oposição, cometer um erro essencial de táctica? Iríamos
                          nós comprometer os interesses do país e os deste
                          lado da câmara, que com eles estão ligados, para
                          tios submetermos ao rigor dos princípios? Serei eu tão
                          fátuo, que, o deputado democrata e oposicionista,
                          atacasse como de obrigação a dotação da coroa,
                          para que o governo, repelindo essa agressão, ganhasse
                          mais força nesse débil apoio áulico que o sustenta,
                          apoio que em minha consciência entendo que é o único
                          que lhe resta, apoio que e sempre o último a
                          desenganar-se?!
                          
                           Sr.
                          presidente, se eu tal fizesse, cometeria um grande
                          erro desconheceria, repito, os interesses do país e
                          os deste lado da câmara.
                          
                           Mas,
                          Sr. presidente, a falta dum discurso não significa a
                          falta dum voto. Eu entendo que a dotação da coroa não
                          está ao nível dos recursos do país, que é necessário
                          que ela seja diminuída, não por um corte feito pelo
                          corpo legislativo, mas por meio duma mensagem, que é
                          o meio mais decente, eficaz e constitucional. E, se
                          unia moção nestes termos se apresentar à votação
                          da câmara, o meu voto há de unir-se aos dos Srs.
                          deputados que a apoiarem.
                          
                           Sr. presidente, eu entendo que a coroa é um
                          princípio essencial do sistema representativo, e que
                          a pessoa em quem está encarnado esse princípio, é
                          sagrada por ele e é sagrada pelo sexo. Assim não
                          compreendo que, numa Assembleia de homens
                          constitucionais, se venha falar das suas virtudes, da
                          sua fidelidade e do seu amor ao país. O assumpto e árduo,
                          e eu reputo-me pessoalmente incompetente para o
                          tratar, e reputo a câmara legalmente incompetente
                          para considerá-lo. E permita-me V. Ex.a que lhe
                          lembre que o primeiro esforço a empregar para trazer
                          esta discussão aos seus termos verdadeiramente
                          constitucionais, é tirar dela a pessoa da rainha,
                          porque é impossível que a nossa voz não emudeça,
                          que os nossos braços não se abatam, quando nos
                          lembramos que temos a discutir uma senhora, uma
                          rainha, filha e neta de príncipes. Eu assim o
                          entendo, porque sou de parecer que se deve respeitar
                          tudo o que é respeitável.
                          
                          
                          
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