Baptismo e morte
Manuel Coelho de Magalhães, natural da vila da Feira, veio, no último
quartel do século XVIII, residir na vila de Eixo, hoje
extinta, para exercer o cargo de escrivão do almoxarifado
da Casa de Bragança.
Aqui casou com D. Maria Angélica Ferreira de Abreu natural desta
vila, e tiveram dois filhos e três filhas todos lá
nascidos.
O primogénito foi Luís Cipriano Coelho de Magalhães, nascido em
16 de Setembro de 1774, a quem o pai destinou a carreira de
médico. E de facto, formou-se em medicina na Universidade
de Coimbra em 1802: e iniciou a sua profissão em Eixo.
Pouco tempo depois faleceu seu pai, e então o Dr. Luís
Cipriano, em 1804, veio estabelecer a sua residência em
Aveiro, e aqui a manteve até à data da sua morte, dia 17
de Março de
1857.
Exerceu a medicina com competência e dignidade, e tratou com notável
desinteresse e carinho os pobres e crianças. Era estimado
por toda a gente.
Algum tempo depois de ter fixado a sua residência em Aveiro, o Dr.
Luís Cipriano aqui realizou o seu matrimónio com a
aveirense Srª. D. Clara Miquelina de Azevedo, filha de
Manuel da Costa Guimarães e de D. Ana Joaquina Rosa,
considerados negociantes da praça de Aveiro.
Deste casamento nasceu em Aveiro, na freguesia da Senhora da
Apresentação, no dia 26 de Dezembro de 1809, José Estêvão
Coelho de Magalhães, que viria a ser um dos Grandes de
Portugal: grande na heroicidade, no patriotismo, no talento,
no saber, na política, no parlamento, na eloquência.
Só não foi grande na riqueza.
Honrou e fez progredir a sua terra natal e o seu país.
O primeiro documento oficial referente a José Estêvão é o
assento do seu baptismo que se realizou em Aveiro no dia 1
de Janeiro de 1810, na igreja matriz da freguesia da Senhora
da Apresentação, conhecida por igreja de S. Gonçalo.
Foram padrinhos José Ribeiro de Azevedo Leitão e Luísa Teresa,
tios maternos do baptizado. Foi celebrante o vigário Manuel
Rodrigues Tavares de Araújo Taborda.
O assento do baptismo de José Estêvão encontra-se no Livro de
Baptizados da freguesia da Senhora da Apresentação de 1765
até 1818, a pág. 235 verso, e está redigido nos seguintes
termos que transcrevemos textualmente:
Em o 1.º de Janeiro de 1810 baptisei solemnemente e pús os Santos
Óleos a José nascido a 26 de Dezembro de 1809 - filho de
Luis Cipriano Coêlho de Mag.es
e de sua m.er Clara Miquelina de Azevedo; neto paterno de M.el
Coêlho de Mag.es,
natural da Freg.ª de S. Nicolao, da Vila da Feira, e de sua
m.er M.ª Angélica
Ferr.ª de Abreu, n.al
da Freg.ª de S. Isidóro da villa d'Eixo: e materno de M.el da Costa Guim.es, n.al
da Freg.ª de S. Eulalia de Armil, Arcebispádo de Braga, e
de sua m.er Anna
Joaquina Rosa, n.al
da Freg.ª de S. Miguel, desta cidade. P. P. José Ribr.º
de Azevedo Leitão, e Luísa Theresa, tios maternos do m.mo
baptisado; de que fiz este assento.
Aveiro.
O Vigr.º Manuel R.oiz
Tav.es de Arj.º Tab.da
O apelido Estêvão ligado ao nome José provém do nome do santo
que se celebrava no dia deste baptismo: Santo Estevão,
protomártir da Igreja.
Esta freguesia foi incorporada na da Vera Cruz em 1835.
Nasceu José Estêvão numa casa da Rua dos Mercadores, que
pertencia a seus avós maternos e nela moravam. Na fachada
desta casa mandou colocar a Câmara Municipal de Aveiro, no
dia 15 de Julho de 1889, uma lápide comemorativa do
nascimento de José Estêvão, contendo a seguinte inscrição:
Casa onde nasceu aos 26 de Dezembro de 1809 o grande tribuno
parlamentar e benemerito cidadão portuguez José Estevão
Coelho de Magalhães.
Em honra de tão querida memoria mandou a Camara Municipal d'Aveiro
fazer e collocar esta lapida, por deliberação tomada em
sua sessão de 10 de Fevereiro de 1887.
De pouca idade ficou José Estêvão órfão de mãe, pois esta
faleceu em Junho de 1822.
José Estêvão casou no Porto, em 7 de Junho de 1858, com a srª
D. Rita de Moura Miranda, filha do notável médico Custódio
Luís de Miranda e de D. Margarida Miranda de Moura.
A 13 de Setembro de 1859 nasceu-lhes o primeiro filho ao qual
puseram o nome de Luís Cipriano, e que veio a ser homem notável
com o nome de Luís de Magalhães. Faleceu no Porto em 14 de
Dezembro de 1935.
Após uma vida de luta e canseira em prol do bem comum, José Estêvão
faleceu inesperadamente em Lisboa, próximo da uma hora da
madrugada do dia quatro de Novembro do ano de 1862, uma Terça-feira.
Esta triste ocorrência foi imediatamente comunicada por José
Pedro de Barros Lima para a cidade do Porto a António
Rodrigues Nunes, em telegrama, com o seguinte texto, que
copiamos do original:
Estação Telegráphica de Porto
Dia 4 de Nov.º de 1862
Correspondencia p.ar
Recepção N.° 18692
(Princípio da recepção às 3h 36m.
Fim às 3h 46m.
Enviado ao seu destinatário às 3h 56m)...
Telegraphia Electrica N.º 16706
Lx.ª 4 do corrente ás 2h 15' da N.
Ill.mo Sñr António Roiz Nunes
Porto
Texto
José Estevão acaba de falecer d'um ataque cerebral. Foi uma
grande desgraça. A Snr.a D. Ritta ainda o ignora por
algumas horas. Custa-me muito ser eu quem lhe dê esta
tristissima noticia e faço-o por dever d'amigo. Uma hora da
madrugada.
José
Pedro de Barros Lima
Diz MARQUES GOMES na sua obra José Estêvão - Apontamentos
para a sua biografia, Porto, 1889, que a notícia da
morte de José Estêvão foi transmitida pelo telégrafo
para Aveiro por Rodrigues Sampaio, e acrescenta: - «A
cidade ficara como fulminada, ao receber tão triste como
inesperada nova. A dor divisava-se em todos os rostos e as lágrimas
borbulhavam de muitos olhos. Os que politicamente o haviam
combatido em vida eram os primeiros a pranteá-lo agora.»
José Estêvão tinha declarado em vida que desejava que o seu cadáver
fosse sepultado em Aveiro junto do de seu pai.
Sua esposa satisfaz-lhe este desejo, e por isso o corpo do grande
tribuno chegou a Aveiro no dia 16 de Maio de 1864 em um
comboio especial, e foi sepultado no cemitério desta
cidade.
FRANCISCO FERREIRA NEVES |