SESSÃO
DE 17 DE JANEIRO DE 1843
(Pedido
pelo gabinete Terceira-Costa Cabral para ditatoriais
de 1842)
Sr.
Presidente, venho arrastado pelo meu dever tomar parte
neste debate, não para discutir, porque as discussões
acabaram nesta casa, mas para livrar-me da
cumplicidade nos agravos feitos ao sistema
representativo.
Sr.
presidente, ontem, estando ocupadas todas as cadeiras
dos ministros, apresentando-se os membros do conselho
com um ar de solenidade, tomando igualmente a discussão
um tom solene, foram dirigidas aos Srs. ministros
acusações graves, tais como a de violadores da
constituição e das leis. A mudez, o silêncio foi a
única resposta que tiveram acusações tão
importantes.
Essa
mudez, esse silêncio, são o funeral do sistema
representativo. o acto material da votação é o
holocausto da inteligência a um novo despotismo. Será
a jornada de Vila Franca, partindo-se para ela das
cadeiras do parlamento.
Sr.
Presidente, eu vivo em dois mundos, tenho a consciência
de duas existências. Vivo no mundo mortal da
realidade, onde tenho companheiros, mundo donde
desapareceu o sistema representativo, onde os
ministros imolaram a lei e onde o povo foi ludibriado.
Tenho a consciência desse mundo, sei que esse mundo
existe. Mas, por um esforço da minha imaginação,
por um impulso do meu próprio dever, ascendi ao mundo
do puro sistema representativo, ressuscitei nele,
nesse mundo da Carta, nesse mundo da legalidade, da
publicidade, do pundonor, da honra e do brio políticos.
E é desse mundo fictício que eu falo!
Sr.
presidente, podem os ministros da coroa, por não
terem força de resistir a uma tentação mil vezes
desculpável, violar uma lei que marca os quadros duma
repartição, e despachar um afilhado. Podem os
ministros, temendo pela Constituição, cuja guarda
lhes está confiada, em circunstâncias que não
carecem de medidas extraordinárias, tomá-las
todavia. Podem os ministros, levados duma paixão vil,
pôr mãos sacrílegas sobre os dinheiros públicos.
Tudo isto são grandes crimes, dignos de castigo. Mas
pior do que isto, porque ainda é menos decoroso, é
responder com a mudez ou com um riso sardónico a
acusações tão graves como as que ontem se lhes
fizeram!
Eu
cuidei que uma discussão era um acto querido e
desejado pelo governo, que era uma consequência do
sistema representativo; cuidei que uma discussão era
para os ministros o ensejo de darem um testemunho das
suas consciências. Mas agora vejo que uma discussão
é um martírio para os ministros, é um tormento de
que eles nos pedem, embora com fanfarronice, que os
livremos.
Sr.
presidente, não é bastante ter uma maioria. É muito
importante tê-la, mas é preciso agradecer-lhe os
votos e não contribuir para o seu descrédito. Nos
bancos dos ministros sobram talentos para sustentar as
suas medidas. Cumpria-lhes sustentá-las, para não
desacreditarem a sua maioria. Não o fizeram. A
maioria corre perigo de perder o seu crédito
e a culpa é dos seus chefes.
Nem
o comedimento dos oradores, nem a sua autoridade
pessoal, nem uma certa filiação de partido, que
aquele lado da câmara devia respeitar
nada disto pôde fazer quebrar o silêncio do
governo! Este exemplo autoriza a violência na
tribuna, justifica o fogo das paixões, porque o
ministério está suficientemente endurecido para não
sair, senão com incentivos desta ordem.
Eu
desejava mil vezes não ter que proferir nesta câmara
uma oração verrinária. E, todavia, nunca foi tão lícito,
tão necessário, tão moral, o emprego duma oratória
violenta, como na presente ocasião.
Ela seria um serviço feito à verdade e ao
sistema representativo.
Sr.
presidente, nós discutimos hoje um assunto, que está
discutido, que está, pelo menos, moralmente
discutido, e aprovado. Entretanto, é forçoso que
cumpramos esta formalidade,
porque este debate não é senão uma
formalidade desde que o ministério se recusou a
discutir. A questão é complexa e deve examinar-se, não
só pela razão intrínseca, mas por toda a ordem de
razões que possam advir no mesmo sentido.
Pede
o governo um bill de indemnidade por ter
infringido a Carta. Precisa-se, pois, examinar a
importância das medidas ditatoriais, a sua influência
sobre o bem público, a facilidade ou a dificuldade de
as fazer passar no corpo legislativo; precisa-se
considerar este objecto em todas as suas diferentes
relações.
Sr.
Presidente, foi já aqui dito, e é um princípio
fundamental consignado na Carta e em todas as
constituições, que a divisão dos poderes políticos
é a base do sistema representativo. Ora, Sr.
presidente, quando um desses poderes se atribui mais
direitos do que aqueles que lhe estão estabelecidos
na Carta Constitucional, dá-se uma violação da
mesma Carta, comete esse poder um abuso.
Logo o ministério abusou, violou a Carta
Constitucional, segundo ele mesmo confessa, porque
exerceu mais poderes do que lhe competia. O ministério
tornou-se, por conseguinte, um poder de facto.
E não cuidem os Srs. deputados que eu levo, na exposição
destas doutrinas, vistas partidárias: eu falo
geralmente de todos os poderes do estado. Se o poder
legislativo absorver poderes que pertençam ao
executivo, o poder legislativo tornar-se-á igualmente
um poder de facto; o mesmo aconteceria quanto
ao judiciário. Todas essas usurpações de direito são
atentatórias da Carta Constitucional. Mas o poder
que, neste caso, cometeu essa usurpação foi o
executivo, que, legislando, usurpou atribuições do
poder legislativo, tomou para si mais direitos do que
aqueles que lhe estão consignados na lei fundamental
do estado. Portanto, repito, o ministério, agente
desse poder, converteu-se num poder de facto.
Mas, convertido em poder de facto, o ministério pode
ainda exercer sobre o poder legislativo o direito de
dissolução, que lhe é dado pela Carta
Constitucional. E o que pode resultar daqui? Que o
poder executivo, convertido em poder de facto, se
apresente a pedir um bill de indemnidade. Se a
câmara lho recusa, ele dissolve-a:
dissolve, sendo um poder de facto, um
poder legítimo. E, desta sorte, livra-se de que
esse poder legítimo lhe tome as devidas
contas. Depois, com um plano premeditado, apresenta-se
aos colégios eleitorais; cansa a energia do país: e,
de dissolução em dissolução, sempre poder de
facto, consegue finalmente, pelo repetido uso
desse direito, (direito anticonstitucional, por isso
que esse governo não é verdadeiramente senão um poder
de facto) uma câmara que o apoie em tudo e por
tudo.
Apesar
disto, nós reconhecemos a necessidade das ditaduras
mas não as desejamos. Reconhecemos a sua
necessidade, porque reconhecemos que a Carta
Constitucional, que devia resolver todos os problemas
sociais, é para isso ineficaz.
Sr.
Presidente, nas sociedades ainda bárbaras, se assim
lhes posso chamar, as constituições são acanhadas,
ineficazes, pelo receio de enfraquecer as instituições.
Nas sociedades verdadeiramente educadas e bem constituídas,
a constituição tem toda a eficácia para resolver os
problemas da liberdade, da ordem e da acção do
governo. Nas sociedades corrompidas, a constituição
não tem força para resolver nenhum destes problemas:
serve só de instrumento aos ministros
É preciso, portanto, que o governo, segundo o
seu procedimento, qualifique a sociedade em que vive.
Sr.
presidente, o procedimento do governo não podia
desculpar-se senão por três causas: ou pela
incapacidade do parlamento, ou pela impossibilidade de
o reunir, ou pela necessidade inadiável de tomar
aquelas medidas. Incapacidade do parlamento, não é o
ministério que pode decidir dela: são os colégios
eleitorais. Impossibilidade de o reunir, não a havia:
ele estava reunido, e o ministério adiou-o. Resta,
portanto, a necessidade urgente destas medidas
não uma necessidade vaga, indeterminada, mas
uma necessidade estrita, demonstrada, com as suas
causas e os seus resultados bem expressos.
Levantou-se
aqui uma discussão para saber se a sessão passada
era ordinária ou extraordinária. Discussão
impertinente, que não vem nada para o caso. Aquela
sessão não pode deixar de ser considerada ordinária,
porque todos os requisitos duma sessão ordinária se
deram nela: apresentaram-se os orçamentos, todas as
leis promulgadas referiam-se no seu preâmbulo às «cortes
gerais da nação», não houve nenhum acto anterior,
que declarasse essas cortes extraordinárias. Como é,
pois, possível classificar de extraordinárias essas
cortes ordinárias? Argumentou-se que na resposta ao
discurso do trono se disse serem essas cortes chamadas
para darem um voto sobre uma questão particular. Esta
declaração póstuma não basta para classificar uma
sessão em ordinária ou extraordinária. Passando tal
doutrina, o governo poderia, com um parágrafo da
resposta ao discurso do trono, converter todas as sessões
ordinárias em extraordinárias. Seria um caos! A
Carta Constitucional determina que a sessão dure três
meses cada ano. A razão deste preceito é óbvia.
Todas as constituições modernas foram feitas para
revalidar as representações antigas, que tinham
deixado olvidar-se. Tanto se pode obliterar a
representação nacional, deixando de a reunir um ano,
como encurtando pouco a pouco o tempo dessa reunião.
É este um meio paulatino de destruir uma garantia
constitucional e indispensável, e de atacar o
desenvolvimento que ela tem tido.
Os
defensores da restauração sempre disseram que o
grande movimento de 27 de Janeiro separara do quadro
da nossa história contemporânea todos os tempos que
medeiam da revolução de Setembro até essa data. E,
nesta ordem de ideias, afirmava-se que as cortes
actuais deviam reatar-se com as que foram
interrompidas pela revolução de Setembro, e de que
eram apenas a continuação.
Sr.
presidente, parece que o apresentar-se o governo a
pedir um bill de indemnidade o ressalva
completamente de todos os escrúpulos constitucionais.
Mas esta doutrina importaria, na ordem criminal, o
absurdo de que quem confessa o crime não o comete; na
ordem doutrinal, o de reduzir o corpo legislativo à
triste perspectiva de se deserdar dos poderes que lhe
são confiados pela Carta, e de vê-los usurpar
tranquilamente por outro poder; e, na ordem
constitucional, o de debilitar pouco a pouco as
garantias constitucionais e convertê-las em excepção,
quando elas são a regra!
A
omnipotência parlamentar pôde invocar-se para todos
os assuntos; mas essa omnipotência, que é uma teoria
muito racional e muito lógica, daria os mais tristes
resultados aplicada ao nosso país. Num país
adiantado constitucionalmente, a omnipotência
parlamentar não significa senão a liberdade de
discussão e de votação dada a um corpo que se
entende que nunca exorbitará das suas atribuições.
Mas, num país com meia educação
constitucional, é preciso que a omnipotência da lei
seja superior à do parlamento e à de todos os
poderes do estado.
Mas
a questão está reduzida a termos muito claros: não
é se a sessão é ordinária, se extraordinária, se
durou três meses ou dois. A própria maioria não pôs
assim a questão; e eu não tratei deste objecto senão
por o terem aqui trazido
A comissão não diz que o governo infringiu o
artigo da Carta Constitucional que determina que as
sessões sejam de três meses, que se abram em 2 de
Janeiro, etc., mas que ofendeu o artigo que assigna
especialmente às cortes o poder de legislar. Mas,
visto o governo, como razão atenuante do seu delito,
citar as vantagens das medidas que tomou, é forçoso
que eu percorra, não todas essas medidas, porque nem
isso cabe na discussão geral, nem mo permitem às
apoucadas noções que tenho sobre os assuntos do
estado, mas algumas delas, de que passo a tratar.
A
razão genérica por que o governo justifica esta
medida é a economia, a necessidade de ocorrer aos
apuros do tesouro, de fazer cortes nas despesas públicas
Vamos, portanto, examinar se nessas medidas se
realizam estas promessas de economia.
Dessas
economias, de que o governo tem feito tanto alarde,
umas são recomendáveis, e ele devia prontamente
executá-las; outras, completamente falsas; outras,
frustradas; outras, adiadas sabe Deus para quando! Uma
delas foi a extinção da repartição das obras
militares. Efectivamente este ramo do serviço público
tinha vícios importantes, e o governo entendeu que os
destruía, dividindo-o por duas repartições!
Entretanto foi tão bem pensada esta medida, tão bem
organizada esta divisão do trabalho, que alguns dias
depois o governo teve de recuar diante da sua própria
obra, e de chamar em segredo o chefe da repartição
extinta, pedindo-lhe que misericordiosamente
continuasse na gerência daquela repartição! Não há
muito tempo que esta medida se executou. Assim, estas
economias foram das adiadas para quando o ministério
souber fazer um projecto...
O
governo organizou o exército. Dispensar-me-ei das
considerações de táctica, que se podiam fazer sobre
essa nova organização. Mas, Sr. presidente, este
assunto é fértil em considerações; e, nesta imensa
mistura de partidos hoje existente, ainda me não
separei da antiga bandeira sob que me alistei, se bem.
que isso possa vir a dar-se um dia, em virtude das
novas alianças dos diversos grupos partidários. Sr.
presidente, organizou-se o exército e fizeram-se
grandes economias. A câmara sabe que este lado foi
sempre acusado de estar em oposição constante ao exército,
por não votar a força precisa para manter a ordem pública.
E depois de tanto tempo em que a administração tem
estado nas mãos dos actuais ministros, que não podem
ser suspeitos a essa classe, aparece na nova organização
do exército uma diminuição de duzentos e tantos
homens! Que é dessa gloria do exército? Que é dessa
necessidade de. manter a ordem pública? Que é dessa
teima, tão criticada, com que nos opúnhamos ao
desenvolvimento da força militar?...
Sr.
presidente, fizeram-se muitas economias na reforma do
exército; mas fizeram-se economias nas praças de
pret., nos cabos, nos sargentos e nos subalternos. o
que se economizou, porém, aí, foi para consumir com
um maior numero de oficiais superiores, que depois
foram promovidos!
Apresentou-se
um novo regulamento para fardar o exército. Toda a
administração militar demandava reforma; entendiam
todos que deviam ser estabelecidos os conselhos
militares. Os conselhos militares estabeleceram-se,
mas não integralmente. Ficou, assim, a reforma
militar partida: os diversos objectos do fardamento são
comprados pelos conselhos militares, com excepção do
pano, que é fornecido pelo arsenal do exército! E
quer V. Ex.a saber em que consistem aqui as economias?
Em vez de darem uma farda a um soldado de três em três
anos, dão-lha de cinco em cinco anos; em vez de lhe
darem uma camisa de linho, que lhe durava mais tempo,
dão-lhe uma de algodão; e tiram-lhe as meias!... (Riso).
Há ainda uma economia, que honraria qualquer das
nossas velhas mulheres do campo, a mais prudente
economizadora de sua pouca fortuna: (riso) até
aqui dava-se aos soldados o pano molhado, agora dá-se-lhes
sem ser molhado! De modo que, depois de todos os serviços
do exército, o soldado da restauração simboliza-se
num pobre homem encolhido, que não pôde mover-se
porque lho não permite a sua apertada farda, e que
anda completamente despalmilhado!... (Riso).
Eu
não posso deixar passar este assunto sem tocar noutro
ponto relativo ao ministério da guerra. Apareceu uma
portaria ou ordem para os militares da 3.a secção
darem o seu nome a fim de serem empregados, e
tomarem-se medidas a respeito daqueles que se
recusassem a aceitar esses empregos. Estas medidas
reduzem-se a tirar-lhes o soldo. Ora a patente militar
é uma propriedade, e uma propriedade a que estão
unidos direitos, gozos e interesses; e o governo não
pôde, por um acto seu, derrogar as leis em que está
assente essa propriedade. Manda-se um militar, por
princípios políticos, para a 3.a secção; depois o
governo, pretendendo dar um testemunho de
generosidade, inuma-o a que vá para tal emprego. Ele
não quer. Fica sem soldo!... (Uma voz: - Não é
exacto.) Eu podia trazer testemunhas à barra:
ainda ontem falei com uns poucos de indivíduos que
estavam debaixo desta cominação e que me perguntavam
como haviam de sair de semelhante apuro. É melhor metê-los
em conselho de guerra, e depois demiti-los! Por princípios
políticos e por um grande alarde de tolerância,
manda-se um capitão para um corpo, como agregado a
uma companhia comandada por um oficial que lhe é
subalterno, e o oficial subalterno continua no comando
da companhia recebendo a gratificação! Sr.
presidente, isto só se fazia no tempo do marechal por
se terem cometido graves faltas militares!
Sr.
presidente, a classe militar, classe da maior importância,
classe cujos serviços são os mais necessários e que
figura em todos os acontecimentos públicos, é
contudo a classe mais odiada e a mais desvalida;
porque essa classe tem sido entre nós um instrumento
de todos os partidos, que, depois de servidos por ela,
lhe cospem na cara!
A
classe militar também tem tido os seus tribunos - e
esses tribunos são mil vezes mais ingratos do que os
tribunos populares, porque, tendo-a explorado para os
seus fins, viram-lhe com facilidade as costas, e
desprezam-na. Indivíduos com quem tive relações de
camaradagem, não dos postos, nem das condecorações,
mas dos perigos, das privações e da fome, têm-me
arguido de eu me abster de tomar a palavra em assuntos
militares. Eu tenho-lhes dito que era necessário que
a classe militar seguisse o caminho do seu verdadeiro
interesse, que desprezasse sugestões de todos os
partidos, que afastasse de si todos aqueles que nela
quisessem introduzir a cizânia da política, e que se
apresentasse no parlamento como classe do estado com
direitos, e que nele os fizesse valer. Quando a classe
militar se apresentasse assim, (a última paixão que
em mim há de morrer é a paixão da glória
militar!...) eu daria de mão, não a todos os meus
princípios políticos, mas a todas as minhas ligações
políticas, e por algum tempo havia de ser só
militar, e advogar essa causa. Enquanto isto não
fizer, a classe militar há de ser sempre escarnecida
e ludibriada pelos seus tribunos, que são, repito,
mil vezes mais ingratos que os tribunos populares.
Sr.
presidente, o ministério dissolveu as guardas de
segurança, porque estava obrigado a dissolvê-las;
mas dissolveu-as tendo-as reunidas mais tempo do que
devia, gastando durante esse tempo somas que não
estavam votadas para elas. De modo que o governo, ao
mesmo tempo que alardeia uma economia, acusa um
desperdício; ao mesmo tempo que apresenta um
testemunho do seu zelo pelo bom regimen dos serviços
do estado, pratica uma infracção das leis!... Mas,
Sr. presidente, as guardas de segurança foram
conservadas, como toda a câmara sabe, para auxiliarem
as novas e
bárbaras teorias eleitorais, proclamadas pelo Sr.
ministro do reino; e depois que as guardas de segurança
espancaram os cidadãos, arrombaram as urnas, tiraram
os criminosos dentre as mãos da justiça, então é
que o Sr. ministro do reino pôde entrar no caminho
das leis e fazer uma economia!
A
economia, porém, que mais ilustra, que dá um nome
histórico ao Sr. ministro do reino foi uma executada
na academia do Porto, onde S. Ex.a, pelo seu espírito
verdadeiramente reformador, pela sua cabeça
essencialmente organizadora, teve o arrojo de deixar
de dar um conto de réis porque esse conto de réis
era aplicado... a obras já feitas e utensílios já
comprados!... Sr. presidente, por este modo podemos pôr
uma legenda em cada uma das obras que se fizerem no
nosso país, durante a administração dos diversos
ministérios, em que se diga: «Esta obra foi feita
pelo muito económico e ilustre ministro Tal,
que se atreveu a não gastar mais dinheiro com ela,
depois que se acabou.» (Riso.) Ao menos nesta
obra especial, era necessária esta legenda para ficar
gravado para a posteridade o nome S. Ex.a.
Sr.
presidente, o governo reformou as contadorias. Todo o
país reconhecia que o sistema das contadorias era
defeituoso. A sua reforma era um voto popular. E o
governo vasculhando numa pasta velha, que encontrou na
secretaria da fazenda, achou lá um projecto, e
publicou-o para ver se assim alcançava alguma
popularidade. O voto do país sobre as contadorias era
unânime: sabia-se que o país achava inconvenientes
no sistema das contadorias, mas era preciso examinar
em que consistiam esses inconvenientes. O ministério,
porém, obrou, num assunto de tanta gravidade, da
maneira mais imprevidente.
Sr.
presidente, nós destruímos todas as instituições
antigas e plantamos outras cujo modelo fomos buscar
aos países estrangeiros.
Mas, desgraçadamente as cabeças do
plantadores não tinham o menor conhecimento do estado
anterior ao das suas inovações. Era já difícil
achar uma cabeça de certo número de anos, que
conhecesse praticamente todos os métodos e processos
do regimen antigo e que tivesse aprendido todos os
princípios e métodos das reformas modernas. Só
desta cabeça é que sairia uma reforma útil; mas
encontrai-a não era fácil. Os velhos
desembargadores, uns pela sua idade, outros por aferro
aos seus princípios políticos, julgam que é para
eles um desaire o comunicar com os inovadores do seu
país. (E, a falar a verdade, estes também não têm
dado de si testemunhos e provas, que os tornem dignos
de recomendação...)
Daqui resulta que todas as inovações são
feitas por quem não conhece o estado antigo da nossa
administração; e como estas inovações se não tem
executado e cumprido, como se não tem podido
normalizar um regimen pelos novos princípios
implantados, apela-se outra vez para o sistema antigo.
Mas essas esperanças serão, do mesmo modo,
frustradas, porque quem não sabe aplicar os princípios
modernos muito menos sabe aplicar os princípios
antigos.
Sr.
presidente, há ainda aqui um engano que a câmara
deve pesar. Os elementos do regimen antigo
extinguiram-se. Já não há esse elemento de ordem, a
que os Srs. deputados se querem acolher; já não há
esse espírito de obediência; já, na memória do
povo, estão olvidados todos esses velhos processos de
administração. Os Srs. deputados, com os seus princípios
de retrogradação, estão simplesmente a invocar um
fantasma, sem vida e sem força!
Sr.
presidente, as reformas não deviam ser feitas senão
à luz do passado e à luz do espírito moderno,
combinadas uma com a outra. A reforma, de que o país
carece, tem de ser o resultado desta combinação.
Nos
outros países, sempre que se trata duma questão
dalguma gravidade, apesar do grande desenvolvimento da
instrução e da cultura literária, apesar da extensão
da literatura a todos os assuntos de administração e
de política, apesar de lá haver imprensa com ideias,
nos outros países, com parlamentos cheios de
especialistas, entende-se que toda esta conversão de
luzes para os assuntos públicos não é ainda
bastante, e por meio de inquéritos vão-se procurar
as indicações da experiência e dos factos, o
testemunho de homens práticos, de cabeça bem
organizada, mesmo desses que nós chamamos espertalhões
da aldeia. Colhem-se todos esses testemunhos,
organizam-se todos esses dados - e faz-se uma lei.
Alguém há
aí que se riu, e que depois de ter cursado tantas
academias, depois de ter lido tantos livros, daria
tudo para ter aquela razão clara, que às vezes se
acha nos espertalhões da aldeia! Sr.
presidente, como escritor, o Sr. deputado não teria
levado a palma a um destes homens de lógica
natural...
Digo,
pois, Sr. presidente, que para bem regularizar as
contadorias, é necessário, assim Colho noutros
pontos de administração, proceder a um inquérito de
boa fé, que abranja o assunto em todas as suas relações,
que ouça todos os práticos e estude os métodos
antigos e modernos. Mas o governo meteu-se num charco
de ciência, dentro das secretárias, e deu solução
a todos estes problemas com
um velho
trabalho que lá achou. Isto, Sr. presidente, com dois
dos mais exímios financeiros que temos tido no nosso
país!!
A
reforma das contadorias, segundo os elementos colhidos
e os cálculos feitos. representa, algarismo por
algarismo, uma economia de 20 contos de réis. Mas,
dessa economia, é preciso tirarmos as despesas de
expediente, e as despesas, muito consideráveis, de
grande numero de empregados. Sr. presidente, é
preciso que a câmara saiba, e os Srs. administradores
gerais que se acham presentes com certeza o sabem, que
sempre houve junto às suas repartições uma repartição
especial, que tratava de liquidar as dívidas antigas.
Aqui, em Lisboa, creio que havia, nessa repartição,
só dois empregados: no meu distrito julgo, porém,
que havia uns cinco ou seis. Ora. Sr. presidente,
passando agora este serviço para as administrações
gerais, nada economiza a fazenda, nem há eliminação
de qualquer lugar. Tem de fazer-se aí a recepção e
escrituração de todos os impostos, e é impossível
que isto se execute com três empregados.
Sr.
presidente, esta reforma não tem carácter: não é
um sistema desenvolvido de crédito. que é o que são
as contadoras, ainda que nunca realizassem o seu
verdadeiro espírito, nem é um sistema de confiança
e de intervenção do governo municipal, como era o
sistema antigo. Não é senão um pleonasmo do sistema
directo do governo, que já estava estabelecido. Pois
que é o delegado do tesouro? Que era o recebedor? Não
era um empregado do tesouro? Quem o nomeava? Quem o
demitia? o governo. Cria-se um delegado do tesouro
agora. Como? Quais são as atribuições dele? É um
instrutor de escrituração?!... Ora, Sr. presidente!
Pois o governo não podia escolher contadores, que
soubessem escrituração, que dispensassem esta
entidade? o resultado disto, Sr. presidente, é que se
aglomeram e confundem a acção de fiscalizar, a acção
de arrecadar, a acção de lançar é que tudo se confunde, e não temos ordem, e não
temos finanças!
Sr.
presidente, os contadores de fazenda prestavam fiança
perante o tesouro público. Quer a câmara saber em
quanto, segundo me consta, estão empenhadas as
recebedorias gerais? Em 300 contos de réis! Mas por
este sistema de recepção. em lugar de dezassete
contadores teremos quatrocentos e treze, porque todos
os recebedores de concelho vêm a ser nomeados pelo
governo e ficam debaixo da imediata fiscalização do
tesouro. E, se estes delapidarem na proporção do que
delapidaram os outros, a quantos contos de réis
montará isso? Salvo se houver nisto uma influencia de
localidade, que faça com que um homem na cabeça do
distrito roube, e na do concelho não roube...
Sr.
presidente, os meios de fiscalização, segundo o
decreto das contadorias, nunca foram empregados.
Existia o que se chama o direito de controle,
havia todos esses meios rigorosamente estabelecidos.
Mas nunca se executaram, absolutamente nunca! E com o
mesmo governo, e com os mesmos princípios, porque não
há de haver a mesma relaxação, porque não hão de
redobrar os inconvenientes da má execução da lei,
que desde o seu princípio foi má?...
Sr.
presidente, as economias!... Economias!... E fala o
governo em economias!! Pois o que se aproveitará
dessas economias todas? o que se aproveitará disto? A
maior parte destes decretos dizem: «Tendo
considerado, etc. (as palavras tabelioas do
costume...) o governo determina que se faça a supressão
de tal e tal emprego. «E depois: «Terá plena execução
esta medida quando tiverem falecido os actuais funcionários,
os quais ficam percebendo os mesmos ordenados». Oh!
Sr. presidente, S. Ex.a parece que acredita na
eternidade do seu poder, que supõe ter o privilegio
de governar sempre este país! Pois julgará S. Ex.a
que os seus quadros hão de ser sempre respeitados?
Pode conceber-se que nunca haverá um ministério, tão
infractor das leis como este, que, como ele, há de
deixar de respeitar os quadros? Para que fazer leis,
para que impor quadros se é o governo mesmo que
infringe as próprias regras, se é ele mesmo que
nomeia empregados, que não está autorizado a
nomear?! Pois não havia quadro na alfândega? E o Sr.
ministro da fazenda não nomeou para lá um eleitor?
um eleitor, que esta é a primeira qualidade...
O
SR. MINISTRO DA FAZENDA: - Para qual alfândega?
O
ORADOR: - Para a de S. Martinho.
O
SR. MINISTRO DA FAZENDA: - É verdade. (Riso.)
O
ORADOR: - Pois há quadros, e o Sr. ministro da guerra
nomeia tenente-rei para a praça de S. Julião?! Sr.
presidente, a lei classificou as praças de guerra e o
estado-maior que pertence a cada uma delas. Depois
vieram duas portarias que elevaram à categoria de praça
de primeira classe a Serra do Pilar, que segundo ouvi
dizer esta. arrendada, (Riso) e a torre de S.
Julião. Mas, Sr. presidente, nos decretos que
elevaram essas praças àquela categoria, designou se
o estado maior que deviam ter - e não está lá
tenente-rei!
É
que o governo há de infringir quantas leis quiser e
todas as leis que tiver feito, porque a sua missão,
os seus intentos, os seus interesses consistem em não
respeitar regra nenhuma, nem escrita, nem tradicional.
Sr.
presidente, o governo fala em economias! Economias!!
Que economias, pobre e lamentável governo?! Onde se
acham os oráculos do crédito público, que depois de
por tanto tempo terem anunciado a este país uma
aurora de prosperidade, viram-se, pela série dos
acontecimentos, condenados a assistir ao ocaso das
nossas finanças?... Crédito público, economias -
onde está isso?! Em andar o governo batendo a todas
as portas, abaixando-se à mais ínfima classe de
negociadores, arrombando as caixas das repartições públicas,
pondo outra vez em circulação papéis que estavam em
monte para queimar, tirando, com grande usura,
dinheiro em pequenas quantias, em grandes quantias - e
isto para quê, Sr. presidente? para sustentar a
maravilhosa e nunca vista operação dos exchequer-bills,
que tem dado ao governo um crédito de dias, porque
ninguém tem um papelinho daqueles em seu poder, nem
uma hora, nem um minuto! (Riso). E diz-se que
esta operação é excelente, é incomparável, mas
que a oposição a não deixa vingar porque a
desacredita!
O
crédito, Sr. presidente, é um facto, e não se
restabelece com artigos de jornais nem com declamações.
O crédito é a confiança. Mas a desconfiança é o
descrédito: e a desconfiança tanto examina o estado
dos particulares como a situação do governo. E ninguém
será tolo que confie em situações incertas, porque
todos prezam o bem dos seus interesses.
Sr.
presidente, que crédito maravilhoso, que maravilhosa
troca de bilhetes se está realizando nas repartições!
Na junção é possível deixar de reconhecer a
insuficiência dos actos do ministério neste assunto,
como quer que ele seja encarado.
Não
é possível deixar de reconhecer a insuficiência dos
actos do ministério neste assunto, como quer que ele
seja encarado.
O
governo denunciou as suas circunstâncias económicas
em documentos oficiais. Fizeram-se dois orçamentos
depois que este ministério está no poder: num
achamos um déficit de 1.500 contos, e no
outro, que há poucos dias nos apresentou o Sr.
ministro da fazenda, aparece um déficit muito
maior. Donde vem isto? Aumentaram-se as despesas? Não
pôde ser, visto que os ministros fizeram economias.
Diminuiu a receita? Quais foram então as causas dessa
diminuição? É preciso que o país saiba o estado
das suas forças receptivas é preciso que o país
saiba o resultado das leis que se votaram no
parlamento, com esperança de acrescentar as suas
rendas. É indispensável. Os orçamentos dão um déficit:
ora esse déficit provém ou de maior despesa,
o que não é compatível com as protestações de
economias, que os ministros têm feito, e com os
trabalhos que, neste sentido, devem ter realizado, ou
da diminuição da receita, e a diminuição da
receita em um país é um caso económico de tal
importância, que demanda uma explicação séria e
categórica da parte do governo.
A
questão da fazenda, Sr. presidente, é hoje muito
clara. Já não há mistérios neste assunto: os
factos são conhecidos, as contas têm-se publicado.
Acabou-se o seu breve de interdição! A questão de
fazenda reduz-se a termos muito simples. Eram precisos
mil e tantos contos de impostos ou de economias. Mil e
tantos contos de impostos é um impossível para todos
os partidos. (Apoiados). Mil e tantos contos de
economias é um impossível para este governo. (Riso).
A questão da fazenda é isto; não há operações
mistas nem simples, não há contracto com companhias,
não há empréstimos em Londres. A este respeito,
posso talvez comparar os nossos financeiros com os
militares teóricos a quem se confiam forças em
campanha, que, deixando relaxar a disciplina, se
ocupam a fazer grandes planos e desenvolver sabias
teorias, e, quando chega o momento do combate, ou
fogem eles, ou deixam fugir os soldados, ou fogem
todos! Eis aqui os nossos financeiros! Em finanças, o
crédito estriba-se na emissão dos valores: eles
destruíram os valores: e agora começam a dar-nos lições
de táctica. Sr. presidente, hão de ser batidos!
Fugir, não fogem, porque o quartel general sempre tem
uma boa bagagem...
O
ministério quer regularizar as finanças.
Não pôde! Se o chegasse a conseguir,
ver-se-ia num país que não conhecia; ficaria
admirado da sua própria obra; renegaria os seus próprios
esforços; e retomava o caminho da perdição! Para um
governo realmente ordeiro, para um governo que
sinceramente quer ordem, nem há na verdade maior
desejo do que estabelecer a regularidade nas finanças.
Sem ela não é possível governar-se. Mas para um
governo que se quer sustentar à custa de todos os
princípios, é preciso não haver regra nem lei que o
impeçam de satisfazer as necessidades da sua política.
Se o governo organizasse as finanças, era um governo
morto. Porque este ministério fora da desordem - é o
peixe fora da água.
Sr.
presidente, entretanto o ministério tem estado a
fazer leis, e quem sabe o código de leis que ele terá
feito?... Tem-nas feito de todos os feitios, magras e
gordas, gazetães e não gazetães,
(porque algumas há que ainda estão nas secretarias e
não foram publicadas); enfim, uma imensa variedade de
leis. E as dimensões colossais desta obra concordam
com a sua solidez. Isto é uma ditadura, grande,
enorme pelas suas próprias obras, mas pigmeia nos
seus resultados. Se esta ditadura fosse para alguma
coisa, se ela mudasse as condições do país,
resultando dessa mudança o livrá-lo dos embaraços
que lhe estão iminentes - ainda teria desculpa. Mas
este ministério, sempre forte, está a cada momento a
dar provas da sua fraqueza, a sair para fora da lei, a
saltar por cima de todos os princípios. Para algum
grande fim de utilidade pública, ainda mesmo que
fosse para algum grande crime, tinha desculpa. Mas nem
isso!
O
que deixo dito, Sr. presidente, exprime a situação
do ministério com referencia às suas próprias leis.
Mas estas considerações não serão bastantes para
decidir a consciência do país a reconhecer se se
obra com justiça ou injustiça, quando se nega ou se
concede o bill que o ministério pede. Por isso
carece-se de examinar o assunto debaixo doutros pontos
de vista.
O
ministério, com relação à sua origem, é
essencialmente anti-parlamentar; como elemento de
ordem, é contraproducente; como zelador dos nossos
interesses económicos, é inteiramente injusto; como
instrumento de gestão administrativa, é
completamente nulo como promotor dos interesses duma
classe ou dum partido, é acanhado; e, finalmente,
como representante duma revolução, representa todos
os seus males, sem representar o seu princípio, que
é o que o país deseja, - e que é a Carta
Constitucional.
Sr.
presidente, não é numa questão democrática, não
é numa questão de partido, que está a origem do
ministério o ministério tem partido, por ser
sustentado pela sua maioria. Mas não tem partido para
ser ministério da direita, da esquerda, da soberana,
do país. Qual foi a origem deste ministério? A
origem deste ministério foi um acto sub-reptício.
Aberto o parlamento, deu-se uma crise ministerial. Nas
crises ministeriais fecha-se o parlamento, não para o
ministério deixar de ouvir os conselhos da sua
maioria, mas para se livrar das impertinências da
oposição. Mas o ministério actual fechou o
parlamento para se livrar tanto das importunações da
oposição como das da sua maioria. Essa maioria,
depois de tantos serviços a este ministério, depois
de tantas provas de confiança, não mereceu ser
ouvida numa recomposição ministerial!
Pode
a maioria duma câmara ter renegado dos princípios de
moralidade política, que lhe são necessários. Mas,
boa ou má, com esses princípios ou sem eles, é um
facto que a maioria é um instrumento deste sistema e
que não pôde deixar de considerar-se a sua acção
nestas questões do regimen constitucional. Temos,
portanto, que este governo é um governo
anti-parlamentar.
O
governo, como promotor dos interesses duma classe é
injusto; como instrumento administrativo, nem se pôde
conceber, porque quem legisla não administra: como
zelador dos interesses económicos, pode ter feito
muitos serviços ao país, pôde ser credor da gratidão
pública, mas é de lamentar que não tenha publicado
os actos por que julga merecer esse reconhecimento,
quando tem publicado os que lhe tem merecido a
animadversão geral.
É
sabido que o ministério negociou, ou está
negociando, um tratado comercial com a Inglaterra.
Este facto é conhecido tanto pela imprensa do país,
como pela de fora. Diz-se que o governo tem sido
apertado pelas exigências inglesas para fazer um
tratado segundo as suas vistas especiais, e que a elas
tem sido oposta por parte do governo, e especialmente
do negociador, uma certa resistência. Se essa resistência
fosse sincera, como se devia supor, qual era o
primeiro dever dum governo que tivesse tenção firme
de resistir a essas exigências, pugnando assim pelos
interesses do país? Era fortificar-se dentro do mesmo
país, era cercar-se do apoio desses mesmos interesses
contra os interesses estrangeiros. Devia expedir as
suas ordens para este caso, como as expediu para o das
contadorias, mas debaixo doutro ponto de vista. Devia
promover um inquérito geral a todas as indústrias
que tivessem relação com essas negociações, esforçar-se
por fazer uma estatística exacta dos valores que eram
sacrificados; mostrar, enfim, a importância do
holocausto que uma potência estrangeira exige de nós,
para ver se assim lhe desarmava o braço, para ver se
ela se detinha ao descarregar-nos um golpe tão
profundo. Mas o governo não fez isto. Diz que quer
resistir; e apresenta-se para opor essa resistência
apenas armado da sua força e da sua vontade. Ainda não
houve governo em parte alguma e em quadra alguma da
civilização, ainda não houve partido assaz forte,
que, só com a sua vontade, com a sua influencia própria,
pudesse, em assuntos desta gravidade, resistir
seriamente. Mas o nosso governo apresenta-se só, como
um grande atleta, para resistir e, depois de vencido,
há de fazer grande alarde, dizendo que quis resistir!
E o país sem tomar, neste assunto, a posição que
devia!...
Sr.
presidente, isto não tem nada com a Carta
Constitucional, com a democracia, com a aristocracia,
com o trono, com o 27 de janeiro, com o 9 de Setembro
nem com coisa alguma! Em toda a parte onde há homens
inteligentes e independentes a governar, e homens
inteligentes e independentes a serem governados, se
reconhece isto.
Eu
não sei como o governo entende a nossa questão económica.
Não é ocasião oportuna para a tratar como ela deve
ser tratada. Mas sei que, se o governo ceder de barato
os interesses de toda a nossa indústria, as esperanças
presumidas do maior consumo dum produto que abunda no
nosso país hão de ser frustradas completamente; o
consumo há de ser o mesmo, e as indústrias nascentes
hão de ser sacrificadas. Eu emprazo, não o ministro,
mas o homem de ciência, a que negue esta profecia!
Sr.
presidente, eu sei que uma grande nação faz guerra
exterminadora às outras, naquilo que é o património
mais respeitável do homem o trabalho; e sei que nós,
nesse campo de batalha, não podemos oferecer-lhe
grande resistência. Mas podemos, sim, sustentar e
defender alguns dos nossos interesses, ressalvar mesmo
a maioria deles. Não é possível, porém, Sr.
Presidente, obrigar uma potência orgulhosa e poderosa
a fazer concessões desta ordem, sem que o governo se
lhe apresente com mais alguma coisa do que a sua
pessoa, a sua ciência e a sua importância.
Se
querem governar, é preciso conhecerem o país, tomá-lo
como ele é. o país, em assuntos desta natureza, não
está devidamente instruído. Se ele fosse previdente,
devia ter organizado associações, devia ter enchido
de clamores os gabinetes dos ministros, devia ter
gasto dinheiro em sua defesa e fazer sentir, por todas
as formas, a força dos seus interesses. Mas não
acontece assim. Uns escondem-se porque temem o
governo; outros escondem-se porque não querem
desgostai-o; outros escondem-se porque se escondem de
tudo o que cheira a política; outros escondem-se
porque são desleixados. E todos se sacrificam a si próprios!
Sr.
presidente, o governo entende que, sacrificando o
património de todas as províncias, salva o património
duma, que é o Douro. O Douro está desgraçado, e não
muda de situação. Convençam-se disto os seus
deputados. Não muda, porque não pôde mudar. A sua
situação é filha duma revolução comercial, que se
não destrói com leis, porque leis não fazem que um
país gaste dum género mais do que pôde, e com leis
não se faz que a produção diminua, isto é exacto,
o que sucede no Douro não é privativo dele; em toda
a parte onde há produtos daquela espécie, acontece o
mesmo. Em França, o ano passado, foram cobrar a uma
província vinhateira os competentes tributos, e um
respeitável proprietário mandou umas poucas de pipas
de vinho para pagar a sua contribuição. Suscitou-se
uma questão de direito administrativo tratada pelos
jornais, a fim de saber-se se um produtor, que não
podia vender os seus géneros, podia pagar o imposto
com os mesmos géneros. Eis o que acontece em França.
E por que privilegio há de ser o Douro isento desta
mesma crise, se é uma condição essencial de todas
as crises comerciais propagarem-se a todos os países
de produção homogénea? De mais, o país seria muito
pobre, ajuda que o Douro fosse muito rico. o lavrador
do Douro tem uma boa colheita e faz uma boa venda: vai
para o Porto, veste-se muito bem, aumenta a sua
baixela com mais peças de prata, compra um cavalo que
lá mesmo estraga... Daí a três anos, vende pior o
vinho - e desfaz-se de tudo aquilo. E eis aqui a
circulação produtiva de toda a riqueza do Douro.
Com isto não quero ofender essa província;
mas o Douro, não mudando de hábitos, podia ser um
Potosi, e o resto do país muito pobre.
A
sessão passada, Sr. presidente, fechou-se por um
discurso histórico, histórico pela contradição de
doutrinas que nele se sustentaram e pela desenvoltura
com que foram apresentadas. Na sessão passada
sustentou-se que sua majestade, aceitando a Carta
Constitucional, não tinha direito de promulgar o
decreto que convertia as cortes em constituintes e que
lhes dava poderes para fazer essas reformas.
Sustentou-se que esse decreto era absurdo, contrario
à Carta Constitucional, porque sua majestade não
podia legislar.
Sr.
presidente, mas qual Carta?
A Carta do quartel-general de Coimbra, a Carta
do Sr. ministro do reino, Carta tão problemática que
desapareceria com mais dois dias de resistência, a
Carta do Palácio das Necessidades, a Carta de 11 de
Fevereiro, a Carta dada espontaneamente por sua
majestade? Ou a Carta que vigorava por um princípio
de outorga e dava todo o direito para estabelecer as
condições dessa outorga?... Pois tantos escrúpulos
de soberania para o doador da Carta, e tão pouca
consideração para a soberana?!
Sr.
presidente, aquele lado da câmara sustentou esta
teoria: «Temos a escolher: ou plebiscito, sem exame,
das turbas revolucionadas ou a outorga racional no palácio
dos nossos reis. «Qual de nós hesitará na escolha?
Eu não quero tal democracia, eu sou realista nestas
condições: não hesito!
Esta
opinião, que aqui se sustentou, Sr. presidente, ainda
que fosse constitucional, era eminentemente ingrata:
porque os Srs. deputados sabem que a Carta não seria
lei do país, se esse decreto que a outorgou com condições
não fosse promulgado pela soberana. Os Srs. deputados
podem dizer o que quiserem; podem dizer que tinham força
para subjugar o mundo inteiro! Eu acreditei que os
Srs. deputados seriam os primeiros a rectificar a sua
doutrina, a metê-la em princípios mais ortodoxos.
Mas como eles persistem na sua democracia - basta!
Aceito a revalidação que fazem. O que eu não
admito, porém, é uma alforria dada por um governo
irracional: e é governo irracional aquele que se
estabelece entre leis misteriosas, sem se declarar que
ministério foi que as fez.
Sr.
presidente, a soberana escreveu num decreto, como um
acto seu, um código de liberdade e de razão. As mãos
dum bárbaro apagaram essas palavras e escreveram
sobre elas outras de escravidão e aviltamento!
Entretanto, Sr. presidente, em tempo conveniente se
fará a reforma legal, justa e regular da Carta. (Apoiados).
Os reagentes para fazer aparecer as letras verdadeiras
desse código são as necessidades do século, é a acção
do espírito público, é o gemo e a vontade do país,
que perdoa muitas vezes aos seus adversários, mas não
esquece as suas injúrias! E posso eu votar um bill
de indemnidade a um governo que adopta tais
doutrinas, que as comunga na imprensa e na tribuna?
Nunca, absolutamente nunca!
Uma
revolução pode ser um desastre; mas depois de
consolidada, de reconhecida - é um facto. Continuar,
porém, uma revolução sem necessidade, isso é que não
merece desculpa alguma. Ora o que o governo fez foi
continuar a revolução até onde pôde, sustentando
no país, em vez dos delegados da autoridade,
verdadeiros Verres usurpando todos os poderes do
estado. E não se cuide que o governo, por sua
vontade, deixou de vingar-se atrozmente dos seus
inimigos. Foi porque não pode; foi porque a revolução
tinha poucas raízes; foi porque ela não penetrara
nas massas. Apagou-se essa pequena faísca das paixões
revolucionarias, e o governo achou-se sem esse auxílio
para satisfazer as suas vinganças.
No
tempo da usurpação, Sr. presidente, havia um governo
ilegítimo e um sistema revolucionário. Mas eram duas
coisas distintas. As revoluções desse tempo não
empregavam os comissários da autoridade... Hoje estas
duas coisas estão unidas: há um sistema revolucionário
e não há um governo legítimo.
Pois,
Sr. presidente, tendo-se cometido crimes tão atrozes,
tantas tiranias, tantas violências, ainda se nos não
dá notícia do estado em que se encontram os
processos dos contrabandistas de votos, dos roubadores
de urnas, dos espancadores políticos?! Pois actos tão
públicos, é possível que não tivessem
testemunhas?! No tempo da revolução francesa, cujas
maravilhas os nossos estadistas olham com saudade,
sem, felizmente, as poderem imitar, quando as suas
autoridades oprimiam cruelmente uma província, as
queixas públicas chegavam até esse poder sanguinário
- e eram ouvidas. Tomavam-se providências e muitas
vezes esses delegados do governo revolucionário eram
retirados dos seus postos. Agradecia-se aos distintos
patriotas os bons serviços que tinham prestado,
matando e roubando: mas ao mesmo tempo demitiam-se.
Entretanto o governo aqui, vê praticar toda a
dualidade de excessos, e ainda não houve um castigo,
nem um processo!
Nós
temos feito muitas revoluções, e não queremos que
se façam mais! Pela minha parte, declaro que não
farei mais nenhuma. Eu sou o mais cartista dos homens;
aderi completamente à Carta; sou incapaz de conspirar
contra ela. Sr. presidente, temos andado numa porfia
de revoluções. Os Srs. deputados fizeram a última.
Satisfizeram assim a sua maior ambição. A memória
de D. Pedro está vingada: a Carta rege o país - e,
por minha vontade, há de regê-lo eternamente. Alguém
havia de quebrar este círculo vicioso: quebramo-lo
nos, e parece-me que não ficamos desonrados por isso.
Nós temos feito muitas revoluções, mas todas
pequenas. Bom era que não tivéssemos feito nenhuma,
porque o resultado tem sido desmoralizador. Ninguém
tem aprendido a governar. porque não tem havido
ensejo para isso. Todos têm feito as suas revoluções,
e todos têm ficado, depois delas, tão pequenos como
eram.
Este
ministério tem usado de todos os poderes do governo,
e, entretanto, o país está no mesmo estado. A
consequência é que ou o país é bárbaro ou o
governo herético. O governo não há de prezar tanto
o seu crédito que queira lançar esta desonra sobre o
país...
Sr.
presidente, eu desconfio do ministério porque entendo
que não dá garantias à Carta. Eu vejo aí
representado um princípio de ultra-transacção com o
partido absolutista e vejo representado o princípio
revolucionário ambos
ligados, unidos, concatenados. E não é desarrazoado
temer que desta ligação resultem graves males.
Eu,
Sr. presidente, sempre professei princípios duma
grande tolerância política; mas entendo que, num
sistema dinástico, devem estes princípios sofrer uma
única excepção. Uma dinastia nova não chama ao seu
conselho homens que seguem o partido doutra dinastia.
Todos os homens importantes de França podem hoje ser
ministros; mas certamente Mr. de Chateaubriand e Mr.
de Neuville nunca serão ministros de Luís Filipe.
O
princípio revolucionário, representado pelo Sr.
ministro do reino, é o mais próprio para
desconfiarmos do ministério. S. Ex.a tem dito muitas
vezes que se risquem da sua história todas as páginas
do seu passado - e o seu passado, todavia, vem até à
hora em que formula tal exigência!... Sr. presidente,
em face de tais princípios, a coerência é uma ficção,
a lógica é um contraceno, a confiança seria uma
estultícia! o Sr. ministro tem declarado mil vezes:
«Vós examinais os meus precedentes. Então as minhas
teorias eram outras: eu sou um homem essencialmente
previdente, que mudo de conselho de hora a hora. Vós
increpais-me pelo que eu fiz ontem. Ontem era passado:
tomem conta dos meus actos de hoje em diante».
Estabelecido este princípio, que é da
responsabilidade?
Sr.
presidente, há ainda um elemento de confiança no
ministério. Eu ainda a tenho nele - e há muita gente
que igualmente a tem... Esse elemento de confiança é
o Sr. ministro da guerra. (Dos outros Srs. ministros não
me ocupo, não pelos seus talentos, mas pela sua situação
governativa). Seria uma grande nódoa na nossa história
que o capitão da Carta, que uma individualidade
favorecida com uma consideração talvez
ultra-condescendente da parte do país e cercado de
honras pela soberana, seria uma grande nódoa, digo,
que depois do sacrifício das suas antigas amizades,
sacrifício de camaradagem e de glória, e sacrifício
tanto maior quanto essa camaradagem e essa glória estão
de tal maneira ligadas que se não podem dividir;
seria lamentável, na verdade, que dito o Sr. ministro
da guerra, não digo conspirasse, mas deixasse
conspirar contra a Carta!... Mas, Sr. presidente, o
ministério da guerra, (permita-se-me que o diga,
porque é um facto) apesar da sua importância, tem
sido sempre subordinado a um quidam superior
aos homens e às coisas, a um quidam que tem
operado a organização e dissolução dos ministérios.
Sr.
presidente, todos sabemos que, por ocasião da crise
de que saiu o ministério de 9 de junho, a acusação
principal contra o governo anterior tinha por alvo o
ministro da guerra: e disse-se que o ministro fora
expulso do poder como delapidador da fazenda pública.
Mas a verdadeira cansa de tal facto foi o triunfo
desse quidam, cujas pretensões encontraram
resistência no ministro da guerra. Não digo que
alguns dos membros desse gabinete, que actualmente se
acham neste lado da câmara, fossem cúmplices nesse
plano; mas, Sr. presidente, a despeito deles, o facto
realizou-se. O ministério da guerra, apesar da sua
força e importância, está subordinado a esse quidam
oculto que nos rege!...
O
SR. RODRIGO DA FONSECA MAGALHÃES: - Eu peço a
palavra para uma explicação sobre uma expressão do
nobre deputado.
O
ORADOR: - Eu dou a explicação, e agradeço ao
ilustre deputado o facultar-me ocasião de a dar. Eu
disse que a sabida do Sr. conde do Bonfim do ministério,
pelos resultados que depois tivera, pareceu que tinha
um caracter essencialmente político e que, todavia,
se imputou esse facto a motivos administrativos. Mas
eu estou persuadido que os motivos da sua sabida não
foram administrativos, mas, sim políticos.
Sr.
presidente, todos os governos têm um princípio no
qual se baseia a sua influência sobre o país. Nós
nunca tivemos senão ou governos essencialmente
populares, ou governos que tiveram alguma coisa de
popular. Mas qual é a popularidade deste governo?
Funda ele a sua base sobre a conservação da independência
do país? Funda-a sobre os interesses da classe média?
Robustece-se apoiando-se na aristocracia? Qual é o
princípio vital deste governo? Sr. presidente, as
consequências deste sistema serão forçosamente o
absolutismo. Eu não faço esta profecia, nem com o
desejo de suscitar temores à câmara, porque a sua
força é superior a temores levantados por mim, nem
com o desejo de agravar a situação dos ministros. Faço-a
por descargo de minha consciência, como a última
conversa dum membro duma família, que comunga certos
princípios, e que dela se despede!
Um
princípio desarmado não pode triunfar. Ora como está
armado o princípio liberal no nosso país? O princípio
liberal não se sustenta senão pela força das convicções
e pela energia da nação: essa força de convicções
não existe, e a energia da nação não é tão
grande que o possa sustentar. A vontade e os desígnios
do poder são claros e manifestos. o princípio
liberal, portanto, há de morrer neste país - porque
está desarmado. Eu sei que se me vai responder, com
rasgos de eloquência mal cabidos, que eu não faço
justiça ao país, que eu insulto o país. Mas eu, Sr.
presidente, afirmo isto como uma convicção de que
estou absolutamente possuído. Esta parte do meu
discurso não é mais do que uma expansão de
franqueza!
A
passagem da liberdade para o despotismo é sempre
paulatina. Não pode deixar de o ser. Os governos
conspiradores ora adoptam um princípio, ora outro, e
em cada um deles fazem uma paragem. Mas os resultados
dessa conspiração aparecem finalmente, quando menos
se esperam. As formas e os costumes dos governos
livres são tão tenazes, que aparecem ainda restos
deles em regimens completamente opostos. Tácito ainda
achava vestígios da república no domínio dos
imperadores. Nós, depois do absolutismo estabelecido,
ainda havemos de achar, nele, vestígios desta curta e
acanhada liberdade.
Sr.
presidente, que marchamos para o absolutismo é um
facto! É a conclusão filosófica que se tira de
todos os acontecimentos recentes. É uma verdade que
ressalta da observação dum largo período da nossa
história contemporânea, e dos actos de muitos
caracteres públicos! Desde a revolução de 9 de
Setembro, nós observamos em todos os acontecimentos
políticos, uma certa ordem, uma progressão de
factos, que nos encaminha para o sistema absoluto. É
preciso examiná-los todos, e não um ou outro
isoladamente, porque é da sua confrontação que
resulta esta verdade. Comparando-os, o que se observa
é que se tem jogado sempre com as fracções de todos
os partidos o que se observa é que todos os ministérios,
uns depois dos outros, têm sucessivamente cortado as
prerrogativas populares, e que o último há de acabar
esta obra quando menos se pensar!
O
carro contra-revolucionário tem corrido com
vertiginosa velocidade, sempre no mesmo sentido. Em
diversas paragens dessa terrível jornada. muitos dos
passageiros têm-se lançado a terra. Falta um resto.
Ele lá vai! Mas quando o carro os levar ao termo
fatal, esses mesmos há de ficar despedaçados debaixo
das suas rodas!... (Apoiados). Quanto pode a
vaidade! Homens novos, homens que não tendes história
senão dentro do sistema liberal, caminhais para o
absolutismo, julgando que sereis os seus chefes e os
seus heróis? Para esse sistema requerem-se outra história,
outros pulsos, outras faculdades!
Sr.
presidente. este país é o país dos heróis - e nos
do que precisamos é de ministros que governem. De heróis,
estamos fartos!
Quem
não quer ver os acontecimentos assim, não os vê
como eles são. Todos os partidos, todas as fracções
de partidos, todos os ministérios de opiniões
moderadas - tudo tem sido esmagado. E porque é isto?
É porque o carro contra-revolucionário e mais forte
que todas estas entidades, porque esse impulso vem do
homem que dentro do seu coração está persuadido,
que o não dirige, que se tem deixado ir nesta
corrente das revoluções, para ser a última vítima
delas! Isto não mostra senão muita ambição e pouca
coragem.
E
como se explicam todos estes acontecimentos? Será
porque este é o caminho da revolução? Mas quantas
revoluções se tem feito, e o espírito
contra-revolucionário predomina a despeito de todas
elas! Isto não é o resultado directo dum facto: é o
resultado directo de muitos factos, que,
contrariando-se, conspiram todos para este fim.
Não
cuide a câmara que eu quero lançar suspeitas sobre
entidades a quem a Carta, caindo, podia talvez deixar
sob o peso duma suspeição. Não, não suspeito
realmente delas, e estou mesmo persuadido que, entre
tantas vítimas, por tantos títulos respeitáveis,
essas entidades não serão menos vítimas na catástrofe
final.
Sr.
presidente, o partido cartista não vê isto em parte,
não o quer ver. Vê a meio, não ousa reconhecer esta
situação; mas não pôde deixar de suspeitá-la.
Vive numa alegria inocente por ver tremular uma
bandeira, que ele julga a sua própria bandeira. E,
enquanto tem os olhos fitos na haste que a sustenta,
minam-lhe o terreno em que ela se firma - e um dia em
que a procure com a vista, há de vê-la no chão n um
momento, num instante...
Um
governo conspirador nunca dá parte do resultado final
dos seus planos. Vai até à última. No momento
fatal, sai pela porta travessa, e quando o esperam na
sala grande, talvez para uma reunião política, tem
ele aclamado outra forma de governo. Deixai-o! serão
os primeiros proscritos aqueles que o tiveram
ajudado...
Sr.
presidente, o partido cartista tem perdido na sua posição.
O partido cartista, nesta série de acontecimentos, não
logrou senão transformar-se; e os partidos que se
transformam, morrem, acabam. O partido cartista está
transformado. O partido cartista, depois de tantos
protestos de ordem, começou a disputar-nos as nossas
práticas, os nossos fastos, até o nosso martirológio...
Quis ter a nossa praça de armas, o nosso Cais das
Colunas, os nossos homens da revolução! E depois
disto, Sr. presidente, esse partido que após tantos
anos de combates, discordando constantemente dos
nossos homens, das nossas práticas e das nossas leis,
os vem imitar e adoptar por fim, levanta-se contra nós,
perseguindo-nos com o maior encarniçamento e intolerância!
Mas
o partido cartista perde a sua existência política,
se não procurar cabeças que o dirijam. Não cuidem
que qualquer frase que eu haja pronunciado tenha sido
inspirada por interesses mesquinhos ligados a uma
organização de governo ou a uma composição de
maioria. Eu vejo as coisas do país como dias são e
como todos as vêem; sei o caminho que elas nos têm
aberto e por onde nós havemos de passar; e conheço-me
bastante para me vir à cabeça o ser ministro. Mas
digo, Sr. presidente, que o partido cartista carece de
chefes políticos, porque só tem à sua testa chefes
militares. E os meios de influência duns não são os
meios de influência dos outros.
Sim,
o partido cartista está sem cabeça é um partido
decapitado. Mas há de infalivelmente buscar os
elementos de direcção que lhe faltam. Tanto se há
de mexer, tanto se há de torcer, tanto se há de
voltar, neste resto da sua pouca vida, que há de, em
hora de aflição extrema, incorporar em si as cabeças
dos seus antigos chefes, aos quais não faltará,
nesse momento, a generosidade precisa para perdoar
tanta ingratidão!
A
sorte do partido cartista veio protrair a hora da
nossa elevação ao poder. Nós estamos longe de ser
chamados a dirigir a política do país. Mas, como
partido político, somos indispensáveis para a
auxiliar. E quanto mais se retardar esta conciliação,
mais indispensável será o nosso auxilio.
Tal
é, Sr. presidente, o futuro do país. Não há que
fugir a isto. Ou o partido cartista se organiza de
novo, ligando-se outra vez às suas cabeças, se
purifica das suas culpas e pecados, lança fora de si
esses filhos espúrios que vieram enjeitados de todos
os outros partidos, e alguns mesmo de não-partidos, (riso)
meter-se no seu grémio para especular em política;
ou ele faz isto, e se constitui como verdadeiro
partido, com aquelas condições de respeitabilidade,
que lhe podem dar os grandes serviços, uma longa
administração do país e as reminiscências dos
primeiros governos liberais do tempo da Carta... (Rumor).
Os primeiros governos da Carta foram liberais! Não
sei se ofendo ou não ofendo a oposição. Entendo que
os primeiros governos da Carta foram realmente
liberais: administraram mal, mas foram liberais.
Repito,
Sr. presidente, a situação do país está definida:
ou o partido cartista incorpora em si as suas cabeças,
e pôde apresentar-se na cena política na mesma situação
em que estava antigamente, ou a sua final transição
para o princípio absolutista se faz e se executa.
Sr.
presidente, talvez tenhamos de passar (e eu acredito
que sim; em minha consciência, acredito que sim!),
talvez tenhamos de passar por mais esta fase política!
Mas eu não creio que ela seja a morte da liberdade! Não,
eu creio que a liberdade há de renascer dela mais
sublime e forte; e fecho os olhos para não ver a série
de acontecimentos negros, que hão de preceder e
acompanhar essa transformação!
Isto
a que chamamos progresso, Sr. presidente, é um facto,
é uma lei social incontrastável. Não há que
resistir-lhe. Propaga-se de contínuo. Quando menos o
esperamos, batemos à porta. Não acreditar no
progresso, Sr. presidente, e um pirronismo miserável,
é não acreditar um axioma.
Sr.
presidente, pois que é a história contemporânea do
nosso país senão uma aspiração de progresso? Antes
da revolução de 1820, essa aspiração era um brado
geral composto de vozes de tons diversos, cada uma das
quais exprimia uma coisa, que todos cuidavam
significar liberdade. Uns queriam a comunidade com o
governo do Rio de Janeiro; outros a constituição
inglesa; outros umas novas cortes de Lamego. Este
grito, porém, tornou-se num só grito - o grito da
liberdade!
O
princípio liberal, pois, Sr. presidente, assim
confirmado, assim estabelecido, assim formulado, teve
de pôr-se em campo para resistir à reacção, para
impor prudência ao governo de D. João VI. E apesar
da força dessa reacção. e embora não tão rigoroso
como em 1820, ele mostrou-se tal que o libertador
reconheceu que tinha nesse princípio uma nova base
para nela firmar a dinastia.
E,
Sr. presidente, não se enganou! Porque esse princípio
foi tão forte que teve soldados, que teve generais,
que teve campos de batalha, que teve mártires que
expiraram no patíbulo ou sofreram nas cadeias, que
teve conselheiros, que teve representação, que teve
publicistas, que teve tudo quanto é indispensável à
constituição dum partido assaz forte para destruir
as instituições antigas e abalar um sistema velho.
Sim, Sr. presidente, este partido, formulado por um
princípio, foi engrossando e robustecendo-se até que
o respeitaram e transigiram com ele, e, depois de
conquistada toda esta importância, pôde destruir o
passado e constituir-se seguro com o governo da Carta.
Sr.
presidente, parou aqui o progresso das ideias
liberais?... Deixemos erros dos homens, erros das
coisas! o desenvolvimento do princípio liberal foi tão
forte, que se entendeu que a sua expansão ia
demasiado longe. Quiseram opor-se-lhe e subvertê-lo.
Ele, porém, tem resistido até hoje, Sr. presidente;
e é esta a consequência inevitável do progresso -
do progresso que esses estadistas pigmeus desconhecem,
do progresso que lhes está batendo à porta, que lhes
está abalando as cadeiras em que eles estão
assentados!
Sr.
presidente, tenho terminado o meu discurso. Os
sucessos estão marcados - e hão de cumprir-se. Não
me resta senão pedir à Providência, e a quantos
homens amigos do país aqui se encontram, que consinta
ela e que empreguem eles todos os seus esforços para
que a catástrofe seja o menos desastrosa possível.
Mas que ela vem, é uma verdade incontestável!
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