| DISCURSO SOBRE O PROJETO DE LEI DE
                          SUSPENSÃO DAS GARANTIAS
                          
                                 
                          
                           SESSÃO DE 12 DE AGOSTO DE 1840  
                          
                           Sr. presidente, entrou o préstito
                          lúgubre, e traz debaixo das togas o decreto da morte.
                          Poucos momentos de vida restam à vítima, e em poucos
                          momentos, sobre o cadáver dela, levantara seu trono a
                          tirania - mas tirania que há de ser funesta a quem a
                          proteger, funesta a quem a lembrou, funesta aos que
                          tem de a exercitar!
                          
                           Sr. presidente, quando eu esperava
                          que o poder se penetrasse da delicadeza da sua posição
                          e se elevasse à gravidade dos acontecimentos; quando
                          eu esperava que das Cadeiras do governo só se
                          levantasse a linguagem da moderação e da prudência,
                          que as circunstâncias recomendavam, estrugiram-me os
                          ouvidos os uivos da vingança, os silvos da tirania!
                          
                           O Sr. Presidente do Conselho (com
                          veemência): - Peço a palavra!
                          
                           O ORADOR: - Quando eu esperava
                          ouvir da boca dos conselheiros de sua majestade, a
                          face do parlamento e da constituição do país,
                          conselhos de benevolência, frases de paz, ponderações
                          de estadistas, escandalizaram-me as declamações frenéticas
                          de Marat e as lamentações fementidas de Robespierre!
                          
                           Sr. presidente, a câmara ouviu os
                          Srs. ministros, e a câmara há de ouvir-me, se não
                          declarar suspensa a última das garantias
                          constitucionais, a última das garantias do homem, a
                          liberdade de falar, de cuja duração eu não concebo
                          muitas esperanças!
                          
                           Sr. presidente, quando os partidos
                          vêem assim ao campo dos factos, quando eles,
                          prescindindo dos meios, denunciam tão claramente os
                          fins, - eu sei que a palavra é um crime e o raciocínio
                          um escândalo! Mas, apesar disto, quero ainda, por um
                          esforço imaginativo, esquecer-me a situação em que
                          nos achamos, quero por alguns momentos aproveitar-me
                          das imunidades desta cadeira, usando do direito de
                          falar perante uma assembleia, que tem obrigação de
                          me ouvir.
                          
                           Sr. presidente, o Sr. ministro dos
                          negócios da guerra declarou que a espada da justiça
                          cairia inexoravelmente sobre esses homens iludidos,
                          infelizes ou altamente criminosos, como os trata a
                          caprichosa jurisprudência do governo, sobre esses
                          homens que foram despojos do seu miserável triunfo! Já
                          nós sabemos qual é a espada da lei que há de cair
                          sobre estes desgraçados: é a espada de uma lei
                          facciosa, e a espada da lei do arbítrio, não
                          manejada pelos exercitadores naturais das leis, mas
                          pela mão dos próprios ministros! E quem são esses
                          inimigos, triste despojo, miseráveis vítimas de
                          nossos arrogantes senhores? Alguns são oficiais beneméritos,
                          cujos peitos se ornam com cicatrizes recebidas em
                          batalhas pelejadas pela rainha e pela liberdade,
                          cicatrizes, que se querem abrir pelas balas dos
                          granadeiros em nome desta mesma rainha e dessa
                          liberdade outros são homens de vida honesta, que não
                          importunam o poder, que não embaraçam as escadas das
                          secretarias, homens que vivem dos seus mesteres, e
                          cuja independência é para o governo um crime imperdoável,
                          que só com o suplício pode expiar-se!
                          
                           Os Srs. ministros, querendo dar ao
                          assunto o uma consideração que ele não merece,
                          esgotaram-se em esforços de eloquência e denunciaram
                          a sua impotência amplificativa. Que é esta história
                          de homens presos, de oficiais encontrados, uns que se
                          aprisionaram, outros que foram soltos, de guardas que
                          foram envolvidas, de guardas que foram respeitadas, de
                          marchas e contra marchas, de vestimenta, de correame,
                          de ruídos de armas? Que são estas ocorrências, Sr.
                          presidente, senão factos ordinários, senão episódios
                          saídos de uma insurreição? (Sinais de desaprovação
                          do centro e do lado direito.) 
                          Sr. presidente, tudo isto são, repilo, factos
                          ordinários de uma tentativa insurreccional: e bem o
                          sabem os Srs. ministros, porque eles, graças ao seu
                          amor pela ordem pública, possuem em alto grão a
                          teoria e a prática das insurreições - se
                          exceptuarmos o Sr. ministro da fazenda, que, pela sua
                          compleição e génio, não me parece muito alo para
                          esse trabalho.
                          
                           Ministros da coroa! Que fizestes vós,
                          quando aconselhastes, quando promovestes as insurreições
                          em que tendes figurado, e a que deveis riquezas e
                          honras? Como juntastes vós a força, como iludistes
                          os incautos, que lugares designastes, para se irem
                          procurar armas? Não cingistes os vossos cúmplices de
                          fuzis e correames? Ministros da coroa! Não eclipseis
                          a vossa história, não escondais as vossas
                          heroicidades, e, mestres que sois no ofício de
                          ordeiros, não trateis agora tão mal uns poucos de
                          aprendizes da vossa profissão!.... E que alentados se
                          cometeram no meio de todas estas violências que se
                          nos relatam?  Foram
                          presos alguns indivíduos conspícuos do partido
                          odiado, alguns indivíduos que se assentam nesta câmara;
                          e eles foram bem tratados e logo soltos: a revolta
                          poupou-lhes as vidas, deu-lhes a Liberdade. E hão de
                          esses indultados de ontem votar hoje uma Lei sanguinária,
                          em paga da generosidade com que foram
                          respeitados?!....
                          
                           Se os seus corações não estão
                          podres; se as suas almas não estão corrompidas, hão
                          de estremecer de horror, hão de recuar de vergonha,
                          quando tiverem de levantar a voz ingrata, que tiver de
                          sancionar essa bárbara lei, esta lei que levanta o
                          patíbulo contra os seus benfeitores!...
                          
                           Sr. presidente, o governo
                          declarou-se sabedor dos projectos dos conspiradores,
                          declarou-se sabedor do dia para que eles tinham
                          destinado o seu primeiro rompimento e dos seus
                          sucessivos adiamentos, declarou-se sabedor dos seus
                          meios, dos seus recursos, do lugar em que deviam
                          desenvolver a sua tentativa. E, com isto, o Sr.
                          ministro do reino provou que tinha tirado todo o
                          proveito das grossas somas que agora se despendem com
                          certo género de serviço, que eu não quero aqui
                          devidamente qualificar. Mas por que motivo o governo,
                          conhecedor de tudo, e com tantos meios, com tanta
                          fortuna, não sufocou a insurreição no seu começo?
                          Porque consentiu que um punhado de revoltosos desses
                          gritos sediciosos, e ao som de instrumentos de guerra
                          descessem do Largo da Estrela até a Fundição?
                          Porque sofreu que esses perigosos conspiradores
                          tivessem por quatro horas levantada a bandeira da
                          anarquia, e se conservassem em risco por tanto tempo o
                          trono e o altar?
                          
                           O Sr. ministro da guerra, em uma
                          inspiração de inocência, revelou o verdadeiro
                          pensamento desta tardança de providências: era o
                          desejo, a precisão que ele tinha de factos que o
                          habilitassem a propor esta lei! Tal foi a própria
                          frase do Sr. ministro da guerra, que eu recolhi com
                          cuidado, porque era muito verdadeira.
                          
                           Está, pois, confessado que o
                          governo deixou progredir a revolta para armar aos
                          incautos, para aumentar a lista dos criminosos, e que
                          do seu mirante policial espreitou a maré em que devia
                          recolher as redes, para que trouxessem maior e mais
                          abundante pesca!
                          
                           Se são verdadeiras as declarações
                          de força e previsão que e governo aqui nos tem
                          feito, a insurreição devia ter durado menos, e
                          ter-se-ia poupado o inútil incómodo de toda a guarnição
                          da capital, a vista de cuja vigília a cidade acordou
                          entre os aparatos de uma bela parada, com marchas e
                          contramarchas, colunas sobre colunas, a testa das
                          quais eu, da minha janela, vi, encapotados, alguns dos
                          Srs. ministros.
                          
                           E tal é a sede de aprovações e
                          maiorias que devora o ministério, que o Sr. ministro
                          da guerra, na narrativa que nos fez dos sucessos da
                          noite, declarou ter visto pintado em todos os rostos o
                          horror pelos acontecimentos que se estavam passando. 
                          Ora esses acontecimentos passaram-se desde as
                          onze até as três horas da noite; e em tal tempo S.
                          Ex.a só poderia ver os seus horrores pintados com
                          o auxílio de alguma lanterna. De manhã S. Ex.a só
                          poderia ver sinais de satisfação e interesse nos que
                          presenciavam a bela disciplina, asseio e galhardia com
                          que as tropas marchavam e contramarchavam,
                          representando nas ruas de Lisboa as cenas do Campo
                          Grande!
                          
                           Também o Sr. ministro do reino
                          disse que o governo estava prevendo 
                          que sabia de todos os planos dos conspiradores;
                          e o Sr. ministro da guerra lastimou que a insurreição
                          rebentasse, quando menos se esperava. E daqui é forçoso
                          inferir que, ou todas as revelações da polícia estão
                          monopolizadas no ministério do reino, ou que um dos
                          Srs. ministros quis ostentar a sua previdência, e
                          outro quis alardear a sua fortuna!
                          
                           Sr. presidente, com estes
                          fundamentos, com estas considerações se apresentou a
                          esta câmara uma lei, que não tem exemplo nem
                          paralelo em Lei alguma saída dos nossos corpos
                          legislativos; uma lei que, tomada como lei de represália,
                          vai muito além das ofensas que a inspiraram; uma lei
                          que, considerada como medida de cautela, é superior
                          as exigências que o estado do país reclama; uma lei
                          que, encarada em relação as nossas circunstâncias,
                          as tendências do governo, e as apreensões públicas,
                          é a declaração mais formal e arrogante de que os
                          princípios, que nos vão reger, são os do despotismo
                          puro!
                          
                           Suprime-se a liberdade de imprensa,
                          estabelece-se a retroactividade no julgamento para
                          todos os crimes políticos, suspendem-se todas as
                          garantias, e depois disto que nos fica de liberdade,
                          que direitos nos restam? Fica apenas esta voz, que os
                          frenéticos economizadores de tempo em breve sufocarão,
                          ou com algum novo regimento, ou com a introdução da
                          tirânica ampulheta prescrita em uma assembleia
                          francesa. Que nos resta, Sr. presidente, depois de
                          tantas perdas? Apenas uma ficção de liberdade,
                          quatro ministros com o séquito da sua maioria, o
                          absolutismo com criados parlamentares, o absolutismo
                          arrancado do segredo dos gabinetes para o melo desta
                          sala, o absolutismo discutido, sancionado e aprovado
                          na presença de centenares de testemunhas - o
                          absolutismo com escândalo! (Profunda sensação na
                          câmara).
                          
                           Sr. presidente, e exigirão as
                          circunstâncias do país a lei que se nos pede? É
                          para o facto consumado que o governo a quer? Se a câmara
                          ousa votá-la para satisfazer esta indicação, bastam
                          a retroactividade e os tribunais especiais, mas não
                          é precisa a suspensão das garantias para todos os
                          cidadãos e em todo o reino. É para factos futuros?
                          Oh! Sr. presidente, pois hão de suspender-se as
                          garantias só pela possibilidade de revoluções, só
                          pela possibilidade de ataques a ordem pública? Se se
                          entroniza tal princípio, a liberdade fica um receio
                          constante, o despotismo uma prevenção permanente, o
                          arbítrio o direito comum, a lei a excepção!
                          
                           Por outro lado, não declarou o
                          governo que no momento de perigo se viu cercado dos
                          homens notáveis de todos os partidos? Não declarou
                          que fora ajudado de uma grande soma de influências
                          morais, que concorreram para obviar aos efeitos dos
                          acontecimentos da noite? Pois o governo, com o auxílio
                          destas influências, de que tirou tantas vantagens,
                          auxílio que reputa devido aos seus princípios e aos
                          seus projectos, sendo esses princípios e esses
                          projectos abraçados com mais sinceridade nas províncias,
                          não deve contar aí com mais apoio, com mais serviços,
                          com mais auxílios, que o induzam a não vir exigir
                          uma lei, que, requerida por acontecimentos passados na
                          capital, e já consumados, vai contudo estender os
                          seus efeitos a todo o país, ora tranquilo e inocente?
                          o governo ostenta segurança; alardeia que o seu
                          sistema é abraçado geralmente, e apresenta-nos uma
                          lei que desmente essas asserções; uma lei que
                          denuncia os receios que o inquietam, os perigos que o
                          cercam, a fraqueza que o consome! E onde esteve essa
                          numerosa corte da honestidade e ordem? Quem eram os
                          seus grandes dignitários? Que títulos possuía cada
                          um deles? Por que serviços foram divididos?
                          
                           Alguns dos Srs. ministros vi eu a
                          frente das colunas, e bem pequeno era o seu estado
                          maior. Onde estavam pois essas falanges de homens
                          honrados de todos os partidos que, graças aos princípios
                          e aos programas do governo, o ajudaram a debelar essa
                          grande revolta de que há frequentes exemplos em todos
                          os distritos do reino? Em todos os distritos, digo eu,
                          porque os acontecimentos da capital nada diferem
                          destas rixas de feiras, em que o povo de duas vilas ou
                          aldeias se apresenta em campo, e vitoriando cada um a
                          terra do seu nascimento, por exemplo, um: Viva a
                          Mourisca! outro: Viva Águeda! Levantam os
                          cajados e derreiam-se uns aos outros de pancadas. Esta
                          noite também uns diziam Abaixo a ministério!
                          Outros: Fique o ministério! 
                          Viva a Mourisca! Viva Águeda! Daqui não
                          passaram! (Hilaridade).
                          
                           Sr. presidente, isto não foi
                          revolta, isto não foi rebelião: foi uma émeute,
                          um motim, e estes motins sucedem frequentes vezes nos
                          países constitucionais, onde a ordem pública tem
                          fiadores maiores para tais aparatos e para tais
                          solenidades - o desprezo público, o ridículo. O escárnio
                          cobriria os ministros que tal importância lhes
                          dessem, e as câmaras que apoiassem tais ministros.
                          
                           Sr. presidente, tudo o que se tem
                          passado nesta câmara com os sucessos desta noite é
                          uma verdadeira farsa: o governo tomou esse
                          acontecimento como um pretexto para satisfazer os seus
                          fins políticos; para estabelecer seus planos com
                          menos embaraço. E eu sinto, magoa-me profundamente
                          que o ilustre relator da comissão, cuja cabeça eu
                          julgava superior a estas pequenas considerações de
                          partidos, cujo espírito elevado me parecia estar ao nível
                          dos acontecimentos e da moralidade desta forma de
                          governo, sinto muito, digo, que essa cabeça lhe
                          inspirasse e que a mão escrevesse um relatório mil
                          vezes mais fulminante, mil vezes mais inexacto, mil
                          vezes mais faccioso que o do próprio governo.
                          
                           Sr. presidente, os jornais são
                          também suspensos!!! E o governo priva-se desse
                          primeiro veículo de confiança pública, do primeiro
                          censor das calúnias, da primeira vigia contra os
                          conspiradores: o governo quer estender no país um silêncio
                          de morte, e por ao abrigo da censura os seus actos
                          administrativos e o espírito da sua gestão.
                          
                           O governo, Sr. presidente, que em
                          circunstâncias tais toma semelhantes medidas, descrê
                          completamente das forças morais, não compreende o
                          que é a razão e a justiça, só reconhece a religião
                          dos factos.
                          
                           Sr. presidente, os jornais têm
                          incendiado as paixões, têm chamado a anarquia, os
                          jornais concorreram para os acontecimentos da última
                          noite: tal foi a acusação sobre eles lançada pelo
                          Sr. ministro do reino! Ah! Sr. presidente, quanto é
                          belo ver num grande homem um arrependimento tão
                          solene, e ouvir, da boca de quem talvez entre nós
                          desse os primeiros e mais flagrantes exemplos de
                          conspirar pela imprensa, uma protestação tão franca
                          contra os seus erros passados! O Examinador e o
                          antigo Correio foram os mestres da
                          licenciosidade da imprensa, e o Sr. ministro do reino
                          tem a honra de ser suspeito de ter parte nesses
                          jornais. (Sensação).
                          
                           Mas o jornal O Tempo pôs em
                          dúvida os direitos da rainha a coroa portuguesa -
                          disse o Sr. ministro do reino. Deixo a consideração
                          de S. Ex.a o qualificar este procedimento de S. Ex.a,
                          quando, chamada ao júri a folha aludida, um ministro
                          da coroa vem aqui prevenir a sentença desse mesmo júri,
                          lançando na balança das opiniões a do governo, já
                          de si pesada, e hoje pesadíssima pelo acrescentado
                          peso das garantias e liberdades públicas, que em
                          poucos minutos vai ter na mão. E esse jornal, a que
                          S. Ex.a aludiu, pronunciou semelhante blasfémia? Não;
                          sustentou um princípio que eu adopto, um princípio a
                          que quero prestar solene homenagem, porque talvez não
                          esteja longe o tempo de o vermos desconhecido e
                          postergado. Esse jornal disse que sua majestade
                          nunca podia ser rainha absoluta de Portugal. Também
                          eu o digo, também deve dizê-lo a câmara, se é fiel
                          a seus juramentos, e deve dizê-lo o governo se é
                          constitucional! Sr. presidente, ou os direitos de sua
                          majestade a coroa portuguesa provenham duma abdicação,
                          ou de uma revolução, ou lhe fossem transmitidos por
                          seu pai ou dados pelo povo, esses direitos estão
                          unidos às liberdades escritas nos códigos, em que o
                          seu direito de governar esta marcado. Esquecidas,
                          rotas essas liberdades, o governo, que delas nasce,
                          morre, desaparece, e o trono de sua majestade, que
                          nelas se assenta, abale-se debaixo de seus pés!
                          
                           A opinião contrária injúria a
                          mesma augusta pessoa que se pretende lisonjear com tão
                          iníqua teoria; a opinião contrária faria cair da
                          sua cabeça a coroa que, com enfeites de liberdade,
                          lhe doou seu piedoso pai e meu bravo general; a opinião
                          contraria faria suar sangue as pedras da veneranda
                          sepultura do libertador do nosso país!
                          
                           Mas disse o Sr. ministro do reino:
                          «o júri não condena estas doutrinas, e se o júri não
                          condena, o governo é desairado, e o governo não quer
                          sofrer desaires!» E que ilação se tirou daqui? Que
                          não deve haver júri para a imprensa, que deve
                          suprimir-se a liberdade de escrever! Sr. presidente,
                          nunca os princípios absolutistas foram proclamados a
                          face de um país bárbaro de um modo mais rude! Para
                          que o governo não seja desairado caia a garantia da
                          liberdade individual, caia a garantia da propriedade,
                          caia todo o povo português, com as suas vidas, com as
                          suas cabeças, com a sua fazenda e com a sua honra,
                          aos pés de quatro homens, que não querem e não
                          podem ser desairados! Sr. presidente. boje em
                          Constantinopla não se ouve tal linguagem aos depositários
                          do poder!
                          
                           Um Sr. deputado uniu as suas
                          imprecações as do governo contra a imprensa; mas
                          permita-me S. Ex.a que lhe note que a sua nímia
                          sensibilidade o toma suspeito em tal questão, e que
                          se os seus conhecimentos de historia natural lhe
                          ensinaram a conhecer a vida e o carácter de uns
                          certos animais, que S. S.a diz que mudam frequentes
                          vezes de pele, também os seus conhecimentos de
                          higiene política o deviam ter aconselhado a usar de
                          alguns remédios, que tomem a sua cútis menos
                          melindrosa e menos sensível aos tiros da imprensa.
                          
                           Sr. presidente, eu sinto que a
                          impaciência da câmara me não deixe analisar, como
                          as circunstâncias requerem, o projecto modificado
                          pela comissão, e que foi mandado para a mesa; eu
                          sinto não ter a vista cada uma das suas disposições
                          para lhes fazer reflexões adequadas. Esse projecto põe
                          todos os crimes políticos debaixo da lei militar,
                          para serem julgados no tribunal militar 
                          E felizmente ainda a comissão encheu a tempo
                          uma lacuna importante: deve-se-lhe a graça de uma
                          declaração liberal: a comissão acaba de
                          propor que o processo de tais crimes seja o dos
                          conselhos de guerra! A comissão ainda prestou,
                          pois, homenagem a todos os bons princípios,
                          decretando que este país é um grande quartel, que
                          todos os portugueses são soldados, que o governo é o
                          coronel deste grande regimento, e que os prebostes serão
                          escolhidos a sua vontade! (Sensação e hilaridade.)
                          
                           Sr. presidente, sinto que os factos
                          me arrastem a convicção profunda de que o fim
                          principal desta lei é um fim apaixonado, é um fim de
                          partido, é um fim de vingança, a convicção de que
                          esta lei exprime um desejo de sangue, uma precisão de
                          cabeças. E não fora melhor e mais nobre reunir essas
                          cabeças num campo, juntar esses inimigos à ponta de
                          baionetas? Não fora melhor prescindir de todas as
                          formulas? Não fora melhor marcá-los com o ferrete de
                          desafectos, e entregá-los logo ao carrasco? Não fora
                          melhor tratá-los como obstáculos materiais, esmagá-los
                          debaixo do ferro, ou pisá-los aos pés?!!
                          
                           Em circunstâncias mais penosas,
                          quando assolava o país uma revolta que se não
                          intentava para uma mudança de ministério, mas para a
                          destruição da lei fundamental, revolta que tinha
                          todo o carácter de guerra, que teve todos os efeitos
                          dela, revolta que usurpou todas as prerrogativas da
                          coroa, constituindo autoridades, nomeando empregados,
                          estabelecendo-lhes ordenados, dispondo dos dinheiros públicos;
                          uma assembleia, que zelava com lealdade o princípio
                          governativo de então, a despeito dos embaraços que a
                          cercaram, não precisou fazer uma lei tão rígida e
                          sanguinária: declarou suspensas as garantias. Não
                          instituiu tribunais revolucionários, não autorizou
                          conselhos de guerra, nem pôs o país debaixo de uma
                          lei militar. Então votaram por essa lei, não a
                          pediram mais forte, muitos dos Srs. deputados, a quem
                          agora, em presença de tão pequenos acontecimentos, não
                          tremeu a mão quando assinaram cegamente todas as
                          indicações do governo!
                          
                           O SR. DERRAMADO (com velocidade):
                          - Peço a palavra.
                          
                           O ORADOR: - Sr. presidente, esta
                          lei, como lei de represália, desonra quem a faz, e
                          honra quem deu motivo a ela…
                          
                           O governo, Sr. presidente, deu
                          parabéns ao país porque não tiveram resultado os
                          acontecimentos da noite. O país rejeita tais parabéns.
                          Parabéns ao país? Porque? Pela honra de continuar a
                          ser governado por um ministério opressor? Pelas
                          fortunas e delícias da suspensão das garantias?
                          Parabéns aos ministros, porque só eles lucraram com
                          o desfecho da insurreição; parabéns aos ministros,
                          porque não estariam agora nessas cadeiras se a
                          fortuna tivesse favorecido o motim!
                          
                           Esses negros acontecimentos, esses
                          nefandos projectos, essa revolta espantosa, essa
                          rebelião armada, esse arrombamento criminoso e feito,
                          segundo o Sr. ministro do reino, as pancadas de um aríete
                          que S. Ex.a nos pintou deitado a porta do Arsenal,
                          com uma voz tão lúgubre, temerosa e arrebatada, que
                          julguei nos comunicava ter ficado morto no campo da
                          batalha algum elefante, que os revoltosos, seguindo a
                          táctica de Mitrídates, tivessem conduzido para
                          escalar os muros da Fundição, um arrombamento feito
                          as pancadas de um aríete a que na minha terra
                          se chama alavanca ou pé de cabra.... (Hilaridade.)
                          
                           O SR. MINISTRO DO REINO: - Nem uma,
                          nem outra cousa.
                          
                           O ORADOR: - Sr. presidente, onde
                          iriam os amotinados buscar um aríete para
                          baterem as muralhas do Arsenal?! Onde esta esse depósito
                          de máquinas de guerra da velha táctica? Onde estão
                          as catapultas, as balistas? O aríete do Sr
                          ministro do reino é um anacronismo militar, é uma
                          amplificação ridícula.
                          
                           Dizia eu, esses negros
                          acontecimentos, esses nefandos projectos, essa revolta
                          espantosa, essa rebelião armada, esse arrombamento
                          criminoso, deram ao governo força, glória, crédito,
                          vida e salvação, porque o livraram da morte, não a
                          mais tormentosa, mas a mais desonrosa para o poder 
                          a morte de inanição, que lhe estava iminente,
                          e que já tinha sido precógnita pela sua maioria, que
                          nas últimas sessões, por tal motivo, havia dado
                          exemplos de pouca subordinação e muita fraqueza.
                          
                           Os amotinados pois, por insofridos,
                          prejudicaram o facto que por qualquer modo estava a
                          consumar-se, e os Srs. ministros devem render muitas
                          graças a cegueira que os precipitou!
                          
                           Sr. presidente, eu respeito a
                          prerrogativa da coroa, rejeito estes meios de ascensão
                          ao poder, não me associo a eles, e no governo esta
                          quem sabe se estas são as minhas antigas opiniões.
                          Mas também reconheço que se as armas da lealdade
                          portuguesa se levantassem neste momento, e dentre elas
                          rebentasse um brado de indignação contra o ministério
                          que nos desonra, este procedimento, pouco
                          constitucional, limparia a coroa de uma nódoa negra,
                          que lhe lançou a diplomacia, quando levantou em seus
                          braços a administração de 26 de novembro!!.... Nódoa,
                          Sr. presidente, que esta denunciada a face da Europa e
                          nos seus parlamentos; nódoa que é já um facto histórico
                          e que nenhum dos Srs. ministros pode negar!
                          
                           O que destas observações se sente
                          é que o motim armado desta noite é filho do motim áulico
                          e diplomático de 26 de novembro; o que destas
                          observações se segue é que uma aberração
                          constitucional desafia outra aberração, e que é
                          preciso que todos os partidos, de uma vez para sempre,
                          prestem sincera homenagem aos princípios do sistema
                          representativo. Porque, se eu não quero ver escaladas
                          as prerrogativas da coroa pelas armas, também quero
                          que se fechem as trapeiras da diplomacia, que
                          para o poder são avenidas defesas aos homens de
                          talento e de probidade.
                          
                           Eu não sei quais são preferíveis,
                          se as vociferações apaixonadas de um dos Srs.
                          ministros se as lamentações fementidas do outro! o
                          Sr. ministro do reino lamentou que, em acontecimentos
                          de semelhante natureza, os autores fiquem sempre
                          ocultos, e que as vítimas de suas instigações, os
                          mais pequenos, os mais miseráveis, sofram o
                          castigo que pertencia aos outros. Pensamento honrado,
                          pensamento nobre!.... Sim, maldição ao homem que
                          desvaira a razão do outro para satisfazer os seus
                          interesses particulares! Maldição ao homem que leva
                          outro ao campo do perigo, e que fica em casa! Maldição
                          ao homem que vê outro vitimado por sua influência e
                          não o socorre com a sua voz e com a sua bolsa! Maldição....
                          Não! perdão, perdão ao homem que de cima do fastígio
                          do poder vê sem mágoa gemendo numa masmorra os seus
                          cúmplices, os seus companheiros! Perdão a esse
                          homem, mas não a mim, que nunca cometi, nem hei de
                          cometer tal crime!… (Sensação.)
                          
                           Sr. presidente, eu reconheço que a
                          resistência armada é em certas ocasiões, não digo
                          um direito, mas uma obrigação! (Sussurro.) Se
                          não me quereis conceder este princípio, se o
                          reputais criminoso, ponde todos as mãos sobre o cepo,
                          porque as mãos de todos hão de cair junto dele! Se a
                          minha doutrina é pecaminosa, todos tendes pecado 
                          Mas se o Sr. ministro do reino nas suas insinuações
                          teve o pensamento de se dirigir a minha pessoa, quero
                          desenganá-lo que Se eu fosse chefe de uma conspiração…
                          
                           O SR. MINISTRO DO REINO: - Dá
                          licença? Já me constou que o nobre deputado
                          desconfiava que eu fizesse uma insinuação a sua
                          pessoa: declaro-lhe que não a fiz.
                          
                           O ORADOR: - Bem: e todos assim
                          devem fazer; porque, Sr. presidente, se eu fosse chefe
                          de uma conspiração, se eu entendesse que os meus
                          deveres de honra, que as necessidades do meu país,
                          exigiam que eu renunciasse a minha procuração para
                          tomar uma arma, que eu largasse esta cadeira para ir
                          para o campo, os meus adversários, os chefes do
                          poder, os Srs. ministros que combatessem essa conspiração,
                          haviam de certo ver-me no meio dos conspiradores, e a
                          vitória não lhes seria tão fácil como a de ontem,
                          porque desgraçadamente tinha de ser mais
                          sanguinolenta! (Sensação).
                          
                           Seja-me permitido citar dois
                          factos, que não são estranhos à questão.
                          
                           O secretário da administração do
                          concelho de Tondela foi demitido pelo administrador
                          geral de Viseu. Aquele pobre empregado veio à corte e
                          trouxe carta de recomendação para o Sr. ministro do
                          reino, e S. Ex.a prometeu-Ihe que havia de ser
                          reintegrado escreveu ao administrador geral para este
                          fim…
                          
                           UMA VOZ: - Ordem!
                          
                           O ORADOR: - Isto é ordem, e eu o
                          vou provar. o administrador geral respondeu que não
                          podia anuir as instâncias de S. Ex.a. 
                          Agora o administrador geral mandou prender por
                          vadio o empregado que demitiu, e ele, depois de
                          esgotar todos os meios legais, se quis escapar à
                          perseguição que lhe faziam, teve de fugir para
                          Lisboa! E aqui se acha!!
                          
                           Ao administrador geral de Vila Real
                          queixou-se um morgado, um potentado, ou um homem que
                          tinha foros a cobrar, que os seus foreiros lhos não
                          pagavam, e pediu para este fim ao administrador geral
                          alguma força armada. E foi com efeito uma força
                          militar incumbida da missão de obrigar os povos a
                          pagar os foros ao Sr. senhorio!!
                          
                           Sr. presidente, se com as leis
                          constitucionais que ainda temos, se com as garantias
                          que ainda possuímos, os empregados do governo
                          desconhecem todos os princípios de moralidade, e se
                          arrojam a estes arbítrios, que será quando esse arbítrio
                          for declarado lei, e a obediência a ele a primeira
                          virtude cívica?
                          
                           Sr. presidente, vou terminar. Julgo
                          ter falado com bastante sinceridade; aos Srs.
                          ministros é baldo todo o trabalho para descobrir em
                          mim pensamentos que julguem ocultos; se quiserem saber
                          mais do meu coração e da minha cabeça, dirijam-se a
                          mim por interpelações directas, porque os satisfarei
                          com respostas curtas.
                          
                           Reputo esta lei uma especulação
                          feita sobre os acontecimentos da noite, cuja gravidade
                          é muito pequena, e de nenhum modo própria para
                          fundamentar tais medidas. Reputo que esta lei dará
                          frutos de tirania, ainda mais amargos que os da usurpação!
                          E pela minha parte termino o meu discurso, e talvez a
                          minha carreira pública, e de certo as minhas orações
                          nesta sessão, porque em breve tenho de me retirar
                          daqui por motivos de moléstia, declarando, Sr.
                          presidente, que tenho a profundíssima convicção de
                          que, se o ministério actual continuar por dois anos
                          na gerência dos negócios públicos, ficaremos sem os
                          menores vestígios da honra, do nome, da liberdade e
                          da fazenda da nação! (Sensação, agitação).
                          São estas as minhas profundas, desgraçadas e penosas
                          convicções, a que eu não posso resistir, assim como
                          não posso resistir ao dever de as exprimir nesta hora
                          extrema, nesta hora soleníssima, nesta hora a mais
                          negra da nossa vida política!.... (Silêncio
                          profundo.)
                          
                          
                          
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