SESSÃO DE 23 DE MAIO DE 1857
Triste, doloroso transe, Sr.
presidente, deixar o túmulo de meu pai para vir
visitar o túmulo do meu partido!... Sim, o túmulo do
meu partido! Porque qualquer que seja a gloria das
batalhas; a firmeza das lutas civis, a coragem
parlamentar; qualquer que seja o esplendor da nossa
história e o brilho dos nossos feitos, - tudo isso
desaparece diante deste cego abandono dos princípios,
diante desta subserviência a influências políticas
obnóxias e rigorosas!
Peço desculpa a câmara de ter
levantado a minha voz, sem lhe dizer donde falo.
Sr. presidente, eu falo à câmara
da minha antiga cadeira de deputado da extrema
esquerda. (Desci um pouco abaixo, porque o meu lugar não
era este, (indicando a sua cadeira) em razão
de umas benfeitorias que fiz aqui e que não quero
perder.) (Hilaridade.) Eu falo à câmara da
minha cadeira de antigo deputado da extrema esquerda;
e falar-lhe-ei poupando as tradições deste partido,
mas não vergando, por considerações escusadas de
política, a força e vigor dos seus princípios. Eu
falo à câmara deste terreno, hoje deserto pelo
desamparo dos meus antigos e nobres colegas. Eu falo a
câmara em nome da liberdade eleitoral infringida e
desconhecida. Eu falo a câmara em nome da santidade
dos concursos nos contractos de utilidade e obras públicas.
Eu falo a câmara em defesa da união recta, justa e
necessária da família progressista. Eu falo à câmara dentre tantos postos tão nobremente
defendidos, e agora tão tristemente abandonados. Mas
o que eu diligencio é traçar, levantar de novo a
cerca do meu partido, a cerca do partido progressista
enobrecida por tantas lutas heróicas e tantos
exemplos de abnegação, esta cerca hoje rota e
obliterada nos seus limites pelo perpassar de
pensamentos e actos puramente facciosos!
Sr. presidente, que foi a regeneração?
A regeneração foi uma correcção utilitária à política
demasiadamente teórica de todas as administrações
passadas; foi a demonstração prática de que a
liberdade era um meio de governo, e de que havia nos
partidos coalizões úteis e profícuas. Mas a
regeneração, depois de mostrar isto, desapareceu. Não
era um partido político; era um facto acidental, que
desapareceu, que acabou.
Sr. presidente, muitas diligências
têm sido feitas para converter este facto transitório
Numa tendência permanente, para converter esta liga
passageira dos partidos na refundição desses mesmos
partidos, para fazer, de um acidente político, uma
organização partidária estável e duradoura!
E essa culpa não é minha. Eu
apoiei a regeneração, e honro-me de a ter apoiado
apoiei-a, porém, sem nunca apagar o facho tradicional
que me era guia no meu partido. Mas é já tempo, Sr.
presidente, é já tempo de que estas sugestões
escondidas à imprensa, que não tem responsáveis,
mas cujos inspiradores todos conhecem é já tempo de
que estas ligações simuladas se rompam e desapareçam,
e que o homem que se apontou, por tanto tempo, como um
empecilho aos triunfos e às fortunas do partido
progressista, seja julgado na presença desta câmara,
se ela representa esse partido!
Sr. presidente, a regeneração
instaurou pela primeira vez neste país os princípios
de tolerância política: e essa política adoptada
espontaneamente, depois de dias de um triunfo
incontrastável, esse passo para uma proveitosa ligação
de princípios, essa política de tolerância, foi
levada a ponto de nesta casa não se conhecerem posições
para serem chamados os indivíduos a participar do
serviço público e das comissões mais lucrativas.
O Sr. ministro da fazenda tomou
ontem, como um testemunho do seu merecimento, as
ofertas que lhe tinham sido feitas de consideráveis
empregos pelo ministério que eu apoiava. Esses actos
foram puramente ministeriais. E eu não sustentava o
ministério senão no parlamento; não entrava nos
seus conselhos. Sustentava-o como um soldado destacado
do partido progressista, diante do público, sem mais
responsabilidade do que a que provinha do meu apoio
como deputado. Portanto, declino a responsabilidade
dessa escolha; e o que sei é que, se fora ministro,
estando o Sr. Ávila na posição que ocupava, nunca
da minha parte teria sido empregado pelo governo.
Mas que fiz eu nessas circunstâncias?
Peço licença ao Sr. Manuel Passos para revelar, não
um acto de deferência pessoal que tive com ele,
porque a superioridade do seu merecimento e a
dignidade do seu carácter estavam muito acima do
facto em si, mas para provar, não como justificação
minha, mas como exemplo do que pode a lealdade política,
qual foi o meu procedimento quando o governo me
pareceu especialmente disposto a considerar que a
oposição daquele lado da câmara (o direito)
era uma oposição toda livre nos meios de agredir o
governo, sem contudo perder o direito não só à
honra do serviço público, mas às graças e a
consideração do país.
Sr. presidente, os deputados da
esquerda, que sustentavam o governo, declararam-se,
eles mesmos, inibidos de aceitar qualquer comissão
lucrativa; mas não podiam consentir, não levavam a
bem que o governo, tomando uma atitude a respeito de
um partido que lhe fazia oposição, não a tomasse a
respeito do outro. Assim, quando o Sr. Ávila foi
nomeado para uma comissão lucrativa em Paris,
dirigi-me ao Sr. Manuel Passos oferecendo-lhe da parte
do governo a embaixada em Paris. E não lha oferecia
para arredar o ilustre deputado das lutas
parlamentares. A influência do seu nome é poderosíssima,
mas o seu espírito inquieto, o seu cansaço das lutas
civis tornaram-no um adversário respeitável, sim,
mas não desses que se deseje arredar. Nesse sentido,
nunca eu faria proposta alguma a nenhum carácter
deste lado da câmara, (apoiados) e muito menos
a faria ao Sr. Manuel Passos com quem tenho, é
verdade, graves pontos de discordância, gravíssimos
mesmo, mas para com quem seria indigno do meu carácter
um tal procedimento. (Apoiados.)
O Sr. Manuel Passos não quis
aceitar, como eu esperava; mas eu fiquei satisfeito
recordando ao governo (que nem tanto foi preciso
fazer, porque era essa já a sua intenção quando lho
lembrei) que, para sustentar a posição de
imparcialidade que se tinha proposto manter entre os
partidos, fora e dentro do parlamento, seria
conveniente provar, por alguma demonstração, a este
lado da câmara que ele não estava em uma posição
de réprobo, e que pelo menos era tão digno das mercês
do governo como o outro lado.
O Sr. Ávila, como era natural,
atribuiu ao seu mérito pessoal a comissão que se lhe
oferecia, e aceitou; tanto mais que aquela proposta não
prejudicava as suas ulteriores pretensões a ministro,
porque o não levava para cima de salubridade
equivoca, e sobretudo porque aquela comissão tinha de
acabar por um relatório - que é a sua paixão e
cegueira. O maior desejo do Sr. Ávila é fazer relatórios.
Aceitou, pois, a comissão, em que teve ocasião de
brilhar, sustentando a dignidade do país,
embasbacando a primeira capital da Europa com a questão
das três bandeiras, - e apresentando-se a final com o
seu competente relatório.
Ao Sr. Ávila cabe-lhe a sorte de
relatar; e tudo quanto ele relata - fica em relatório.
Relatou o cadastro, e não se cadastrou; relatou a régie,
e não se regeu; relatou a indústria, e quando os
industriais portugueses folheavam aquele grosso
volume, para achar nele alguma coisa que os pudesse
ilustrar, perdiam o seu tempo, e ficavam sabendo tanto
como sabiam antes de se darem a esse trabalho.
Mas ponhamos de parte o ilustre
ministro, cujo vulto se perde no meio de questões
mais graves e mais importantes, e permita-me a câmara
que eu, como soldado velho do partido progressista,
pergunte aos meus correligionários políticos como
fizeram eles, como conseguiram, de que meios se
serviram para que eu, depois de uma longa ausência
dos negócios públicos, deixando o partido
progressista empossado no poder, o viesse achar na
situação mais periclitante, debaixo da influência
de uma vaidade dissolvente e de uma autocracia fofa e
insuportável, para dentro em pouco nos entregarmos
todos a uma reacção desatinada? Pois eu era o
culpado de que o partido progressista não fosse ao
poder? Em que vos impedi? Quando me encontrastes como
obstáculo? Foi por meio dos meus discursos ou pelos
meus escritos? Não estava na câmara. Vigiastes bem o
correio? Conheceis a minha correspondência?
Encontrastes uma só carta minha, tratando das questões
de estado? Nada disto! Como é então que não estais
no poder? Dai-nos conta do que fizestes, porque esta
regeneração de que tanto vos queixais, depois de ter
governado no interesse desse mesmo partido, entregou o
poder aos homens do partido progressista. Como é,
pois, que, no momento em que vos considerava
triunfantes, vos encontro fora do poder? Será porque
acabaram as lutas políticas, e que os nobres
deputados glorifiquem a paz, até ao ponto de serem
comandados por um general inimigo? Ou será pelo gosto
de dizerem: «Já cá temos o Sr. António José d'Ávila;
caçámos este grande progressista!» (Hilaridade.)
Mas se os nobres deputados não
deram combate, (e, portanto, não podiam ficar
vencidos) como é que consentiram na transformação
do poder, entregando-o a um partido constante adversário
do partido progressista? E aqueles que confiam agora
nele desconheceram os sacrifícios que temos feito
para sustentar os nossos princípios e as nossas
ideias, e foram entregar o poder outra vez nas mãos
dos nossos antigos e encarniçados adversários!
Mas, Sr. presidente, quando a
regeneração se levantou e derrubou o governo que então
existia, era ministro o Sr. António José d'Ávila.
E, se S. Ex.a indevidamente largou o poder Nessa ocasião,
porque não puseram uma apostila nos decretos daquela
época, e não exceptuaram o Sr. Ávila da sentença
de reprovação política que então deram?
Sr. presidente, que precisão tinha
o partido progressista de entregar a sua vida, a sua
fortuna e a direcção dos seus negócios aos seus
mais constantes e encarniçados adversários?
Se os Srs. ministros, que se sentam
naqueles lugares e que não pertencem ao meu partido,
foram encaminhados ao poder por um acto de abnegação
dos meus correligionários políticos, penso que esse
acto de abnegação foi infesto à liberdade política.
Se foram levados por excesso de bondade, e de concerto
com a maioria da câmara, então a maioria da câmara
não deu uma prova de grande tino político. Se foram
levados para satisfazer as exigências da coroa, então
o meu trabalho foi perdido, e vejo que se conseguiu
iludir a situação política, que eu pela minha parte
sempre intentei criar para este lado da câmara e para
os membros que representavam as ideias do progresso. E
para que se fez isto? Para criar outra situação política
bem mais precária, reconhecida tal pelo próprio Sr.
ministro da fazenda, que nos disse ontem:
«Neste país não há governo possível, sem
ser um governo de coalizão; mas olhai que este não é governo de coalizão, porque entre
mim e os ministros meus colegas há homogeneidade de
ideias e tendências: somos todos a mesma coisa, e não
sou representante de partido algum.»
Mas o nobre ministro da fazenda tem
levado o seu empenho de justificar o seu passado até
ao ponto de dizer que tinha feito a sua separação
dos seus antigos amigos políticos, que com ele haviam
estado no poder. Contudo, muito singular é ver que,
se por um lado o nobre ministro da fazenda diz em toda
a parte que está contente e satisfeito de lançar de
si um certo partido que tem a mácula do nome de família,
por outro lado o nobre ministro não deixa um só
instante de acariciar as influências desse mesmo
partido, de lhes fazer sinais de inteligência, de as
convidar para um próximo triunfo, e de lhes dizer até
a hora e o momento em que há de voltar as costas aos
seus colegas do partido progressista.
E há ainda quem se deixe imbuir da
declaração de que ele não deseja sacudir de si
estes pobres e inocentes progressistas! Muito boa
gente é esta, realmente, (riso) que acredita
que pode haver concerto entre a maioria. e que não há
de haver oposição. sendo ministros o Sr. António
José d'Ávila e o Sr. Carlos Bento da Silva!
Sr. Presidente, para dizer a
verdade, esta inesperada coalizão desafogou-me um
pouco, porque, realmente, no meio da minha dor doméstica,
que me privou por algum tempo de tomar parte nos negócios
públicos, pela primeira vez na minha vida estive
inquieto de que me viessem chamar para ministro. E não
havia nada mais natural, depois dos clamores e
intrigas que se tinham levantado em roda do poder, que
se fosse solicitar essa parte do partido progressista,
com quem se estava em dissidência, para se unir em
volta do antigo partido e tomar conta do poder. Mas não
se teve esse intuito preferiu-se a coalizão não se
fez o menor trabalho no sentido a que me refiro. E
contudo era o primeiro dever de lealdade dos que
podiam nisso influir e não só o dever, mas um
expediente extremamente praticável. Eu, no meu
partido, nunca pensei em ser pretendente: e realmente
o meu partido não tinha um pretendente menos incómodo...
Mas qual é a razão por que o
partido progressista se não apresentou compacto e
unido para formar um governo? Seria porque éramos
acoimados de representar o Sr. Fontes e o marechal
Saldanha? Pois não podia subir ao poder um governo
composto desses seus adversários políticos? Podia: e
os ilustres cavalheiros, a quem me refiro, não tinham
outro remédio senão dar ao partido progressista o
seu apoio. E se fosse outra a situação, não podia
sustentar-se diante da responsabilidade política, que
felizmente a regeneração instaurou neste país. Esta
situação tornava-se impossível, e o ministério ou
mudava de rumo ou desaparecia. Mas não houve tais
ideias de união, e o resultado produziu isso que aí
está, e a que se chama governo!
Sr. presidente, as lutas políticas,
o contraste dos arbítrios governativos, a oposição
de homens a homens, converte-se neste ignóbil jogo de
pilha-pastas, jogo em que eu não quereria ver metido
o meu partido.
Sr. presidente, há ministros de três
qualidades: ministros de ofício, ministros de
primeira ocasião e ministros de conjuntura própria.
Os ministros de ofício, Sr.
presidente, são uma espécie de bufarinheiros políticos
que correm todos os partidos, e vão por toda a parte
vendendo e inculcando arbítrios financeiros e
administrativos, cartas, constituições, coalizões,
separações, junções e reuniões. O ministro assim
dotado é ministro de ofício... Não, nem é ofício,
porque não é embandeirado, nem está na Casa
dos Vinte e Quatro, (riso) e os seus emblemas não
podem aparecer em público.
Há ministros de primeira ocasião,
Sr. presidente: são os homens que ficam pasmados da
sua experiência e do seu talento, quando os
surpreende a sanção oficial de conselheiros, de
ministros, e que, passada esta ocasião, prostrados do
esforço que fizeram para obter capacidade governativa,
se admiram do grande salto que deram e da consideração
que mereceram.
Os ministros de conjuntura própria
são os homens de Estado que servem com os seus
amigos, e muitas vezes com os seus inimigos quando
essa junção se pode fazer sem virem retractar
descaradamente as suas convicções, sem virem dizer
que não era para hoje aquilo a que eles não tinham
posto data, e que se reputava que era para sempre; são
os que se não impossibilitam politicamente auxiliando
a marcha dum governo qualquer, e que enfim não
consideram as suas opiniões senão como um
instrumento do bem público.
Sr. presidente, eu sei (e
permita-me a câmara esta pequena digressão) que
tenho um pecado secreto e imperdoável para com o meu
partido: vou confessá-lo antes que mo lancem em
rosto.
Dissolveu-se a câmara em 1851, por
um acto do poder executivo, acto em que tomou parte um
membro da Junta do Porto, porque esta fracção do
partido progressista, que vós condenais, pôde fazer
com que a regeneração elevasse ao poder a Junta do
Porto, na pessoa dum dos membros mais conspícuos
dela. Não podendo desenterrar o general que comandou
as suas forças, foi buscar seu irmão para o
representar no governo. E vós pecastes todos, porque
perdestes o vosso prestígio deixando-vos governar por
um homem que há de ser toda a sua vida inimigo de
todo o progresso largo e realizável nesta terra...
Mas o pecado é este. Dissolveu-se
a câmara de 1851, não sei porquê. (Dizem que fui eu
que a dissolvi, quando foi o Sr. Seabra que assinou o
decreto...) Em
seguida juntaram-se todos, fizeram uma reunião de
oposição; e depois do que ouvi nessa reunião é que
me fiz regenerador. E a razão vou dizê-la à câmara.
Fiz-me então regenerador, porque a
regeneração começou nesse momento a ser regeneração;
então é que ela mostrou a sinceridade das suas opiniões
constitucionais e as suas vistas governativas; então
é que ela se caracterizou. Cheia de vida, tendo
conseguido do soberano um acto que autorizava a
dissolução da câmara, e coberta pelo poder e pelo
prestígio da espada do duque de Saldanha, não podia
a regeneração lançar-se na luta eleitoral, não
podia usar da sua influência dentro desse mesmo
partido? E o que fez ela? O que fez? Manteve-se fiel e
leal à significação política que tinham os actos
revolucionários, donde tinha saído; foi poder
revolucionário, depois de se poder entregar sem
perigo a uma retrogradação sem limites. Fiz-me,
pois, regenerador quando vi a luta eleitoral empenhada
em uma questão, para a qual eu talvez não contasse
com tanta decisão no meu partido político, porque,
seja dita a verdade, sempre achei o meu partido um
partido leal, franco, valente e guerreiro, mas mais
inquieto do que revolucionário, pouco substancioso,
muito musical, com muitos hinos, e com muito pouca
disposição de lutar arca a arca, peito a peito, com
os abusos que era do seu dever combater e destruir. Eu
tenho vivido bastante no meio dele, e desgraçadamente
vejo que o partido progressista, quando vai ao poder,
não vai para pôr em execução as suas ideias, vai
para mostrar que não tem ideias. Não sei se ofendo a
câmara, (Vozes: - Não, não.) mas um homem
político, separado das suas ideias, é um ser miserável,
verdadeiramente miserável, qualquer que seja o seu
talento, qualquer que seja o seu arrojo, a sua
valentia e a força da sua vontade. (Apoiados.)
É nada, absolutamente nada!
O partido progressista vai ao
poder, empenhado, por exemplo, em deitar abaixo os
morgados: chega ao poder e diz: «Nada; nós somos
amicíssimos dos morgados; vivemos perfeitamente com
eles, não os podemos destruir.» O partido
progressista é um pouco avesso às instituições monárquicas,
mas assim que chega ao poder, diz: «Nós adoramos a
monarquia; não podemos viver fora dela:» e todos se
fazem os maiores áulicos que é possível. Portanto,
o partido não tem nada de temível: é mansíssimo, e
tão manso que até enfastia o poder. Diz-se: «Está
o poder sem ninguém...» Responde o meu partido: «Então
não está aí o Sr. Ávila? Deixem-no estar, e nada
de o contrafazer nem molestar: é necessário estar
por tudo o que ele quiser.» (Riso).
Sr. presidente, eu, antes da
dissolução da câmara, era equivocamente
regenerador; mas depois da dissolução, depois que
achei no governo carácter político, intenção política,
plano político, coragem e decisão de iniciativa,
decidi-me e fui regenerador até que a regeneração
acabou, porque hoje essa denominação de
regeneradores e não regeneradores, pode até certo
ponto servir para determinados fins, mas não diz nem
significa nada. Na regeneração há muitos homens que
nunca hão de ser ministros; mas há outros que hão
de ser convidados ainda muitas vezes para ocuparem uma
pasta, e que a hão de aceitar, conforme a ocasião.
Sr. presidente, digamos a verdade:
a regeneração revelou um homem distinto, um homem de
talento, - e daqui vem a guerra que se lhe tem feito.
Eu já li uma história dos suicídios na nação
inglesa. Não há coisa alguma, a mais pequena
insignificância que seja, por que um inglês se não
tenha morto. Pois o partido progressista deixa-se
atacar miseravelmente do spleen como um inglês,
e diz: «Apareceu um homem de talento. Vamos a deitá-lo
fora do partido progressista; toca a matá-lo, e
quanto antes.» E isto porque apareceu o Sr. Fontes! O
Sr. Fontes não é para os senhores se matarem.
Sr. presidente, os partidos têm
tanta dificuldade em viver como em envelhecer; porque
o envelhecer é uma coisa que custa fazer com
dignidade. Um partido tem de se sujeitar também a
esta condição; mas envelheça com amor as suas
ideias, com amor às suas tradições e aos seus princípios,
e reputemo-nos felizes por a Providência nos ter
deparado homens que sejam os continuadores exactos das
nossas ideias, que prossigam nos nossos princípios, e
levem ao cabo as nossas empresas. Pois nós queremos
que o país morra quando nós morrermos? Que
patriotismo tão miserável! Eu vejo e vi sempre os moços
com jubilo e satisfação: vejo-os com gosto, porque
se me afiguram uma extensão de mim mesmo; porque me dão
uma ideia, uma sensação de eternidade, e como que me
não deixam morrer, tornando-se os continuadores das
minhas ideias e dos meus pensamentos. E devo pagar
aqui a dívida em que estou para com todos os
parlamentares antigos desta casa, que me receberam,
quando pela primeira vez aqui entrei, com sentimentos
paternais, que me dispensaram todos os afectos e atenções,
e a quem não ouvi senão fazer votos pela minha feliz
estreia, e por que os meus pequenos talentos fossem
sempre dedicados ao meu país.
Mas digo, Sr. presidente, todas as
vezes que no partido progressista aparece uma
capacidade e um homem de talento, trata-se de o matar.
Ora eu entendo que se devia fazer exactamente o contrário,
porque todos são poucos para curar os males que este
país tem sofrido, depois de tão longa orfandade e
abandono.
E a questão do tabaco?
me dirão os senhores.
Sr. presidente, eu também hei de
dizer algumas palavras sobre a questão do tabaco.
Sr. presidente, este ministério,
por mais que digam, é um ministério bruxo. Não pôde
deixar de o ser. E para se ser deputado da oposição
é preciso também ser bruxo é preciso ter bruxaria.
O ministério chegou ao poder e, em um instante, matou
o oidium tuckeri que destruía as vinhas, fez
desaparecer o déficit fez com que os
caminhos-de-ferro fossem possíveis, fez com que os
capitais nacionais aparecessem, fez com que as
companhias se organizassem! Um ministério destes, a
falar a verdade, se não pode dizer como César: veni,
vidi, vixi - é só porque não chegou a vencer. E
não chegou a vencer porque os inimigos não
lhe apareceram. Disseram: «Vem lá os ministros Ávila
e Carlos Bento fujamos, e o mais depressa possível!»
Não houve portanto combate.
Eu sinto que não esteja presente o
Sr. ministro das obras públicas, porque esse é o meu
ministro e secretário de Estado das obras públicas,
comércio e indústria; esse governa por meu poder e
influência. Por ora tem ido muito sofrivelmente, e
tem servido a meu contento. (Riso.) Dei-lhe as
ordens convenientes para que fizesse secar o oceano, e
secou o oceano; (riso) ordenei-lhe que
decretasse possível e factível o caminho-de-ferro do
norte, e ele disse que era possível e factível
ordenei-lhe que... Não lhe ordenei mais nada. (Riso.)
Tem ido pois bem.
No que não foi bem, foi numa coisa
e o Sr. ministro da fazenda, cuja irratibilidade é
por tal modo esquisita que a qualquer objecção se...
(Entrou o Sr. ministro das obras públicas.)
Visto que entrou o meu ministro, vou conversar com ele
sobre o estado de adiantamento dos negócios confiados
ao seu cuidado, e que pertencem à pasta em cuja gerência
ate agora se tem havido muito a meu contento. (Riso.)
Sr. presidente, noutro tempo dizia
ao meu ministro que o caminho-de-ferro do norte era
mais fácil de fazer e empreender do que o
caminho-de-ferro do sul o meu ministro. Porém,
costumado em outro tempo a ter diante de si o que se
passava na Europa, não gostava muito do que eu lhe
dizia. Avezado a transpor as fronteiras da nossa
vizinha Espanha, e cuidadoso sempre em levar o seu
nome pela Europa fora, não gostava que eu lhe
dissesse: «Para que havemos nós de ir gastar a nossa
moeda em caminhos-de-ferro que nos liguem com a
Europa, quando temos ali a Espanha com bons portos de
mar, e ciosa do nosso engrandecimento, e que por isso
há de obstar a que nos liguemos com a Europa? É
melhor gastá-lo nas nossas terras Onde ninguém dá
leis.» O meu ministro não atendia então a estas
observações: mas hoje deixou essas quimeras e hoje
comprometeu-se comigo a fazer caminhos-de-ferro para o
Porto. (Riso.)
O meu ministro queria fazer a
estrada do Porto, e estava tão decidido a fazer essa
estrada. que por todos os modos e meios queria que ela
se construísse prontamente, pouco de lado o
caminho-de-ferro. Eu disse ao meu ministro que não
podia fazer essa estrada senão com muito dinheiro, e
sobretudo com as obras necessárias no Vouga e Marnel,
que haviam de levar, além de muito dinheiro, muito
tempo. Mas o meu ministro, segundo o que lhe disseram
do Porto sobre os meios e facilidade de fazer a
estrada, deu ordens prontas e mandou alguns
engenheiros examiná-la e estudá-la, dizendo-lhes que
os trabalhos deviam começar e progredir impreterivelmente.
Parece-me que também pecou com o tal impreterivelmente...
(Riso.) Os engenheiros, porém, chegaram ao
MarneI, ficaram estacionários, e mandaram dizer ao
meu ministro que não podiam ir por diante com os
trabalhos, que se carecia de muito dinheiro para os
fazer; e o meu ministro, que não tinha dinheiro
disponível para tal obra, deixou-se de estrada do
Porto, e ocupou-se todo com caminho-de-ferro para o
Porto. Fez o que devia fazer; e os factos convencem-me
de que o meu ministro Carlos Bento, em estando no
governo, é macio que é um regalo. (Riso.) Já
o Sr. ministro da fazenda não é tão macio. (Riso.)
Mas no que o meu ministro fez muito mal é no que se não
fez em época nenhuma, no que está em contradição
com os factos e com as doutrinas e princípios que o
meu ministro sustentou quando deputado da oposição,
no que se não pratica em parte alguma, no que não
está em harmonia com as boas regras da governação pública,
- e foi o contratar à porta fechada a feitura do
caminho-de-ferro com um homem chamado Peto. Para o
ministro contratar com este capitalista foi preterir
todas as fórmulas legais. Fez esse contracto sem
ouvir ninguém, e fez um contracto escandalosamente
deplorável, por isso mesmo que foi feito com um homem
cujas excelentes qualidades tinham sido objecto
constante dos maiores e mais célebres elogios do
ministro, quando deputado. E o ministro preferindo-o,
e do modo por que o fez, se não é suspeito, como não
é, praticou, debaixo deste ponto de vista, um acto
indecoroso para o ministério. Eu, sendo ministro,
sendo entusiasta como sou dos caminhos-de-ferro,
estimando e desejando muito o caminho-de-ferro do
norte, não o faria nunca, tendo de proceder como o
ministro procedeu. (Apoiados.)
Não admito que haja ministros por
capitalistas, que por causa de um capitalista, seja
ele quem for, se alertem os nossos costumes e as
nossas regras. aquelas que arredam para longe
quaisquer motivos para observações menos lisonjeiras
a respeito dum ministro.
Eu nunca me lembrei de que se
pudesse proceder nesta terra duma forma, de que não há
exemplo nem nos tempos mais calamitosos da nossa história!
O que é contratar o ministro com um capitalista
chamado Peto, e alardear depois que contratou com o
homem mais rico, com o homem que tinha feito mais
caminhos-de-ferro em toda a parte, e isto sem falar a
ninguém, sem ouvir ninguém, sem consultar ninguém?
Não suspeito do ministro; mas digo que o ministro
praticou um acto que é altamente indecoroso para a
dignidade dos poderes públicos e do sistema
parlamentar!.... Repugna-me este acto: e, cometido,
declaro que, se fosse chamado a votar o
caminho-de-ferro do norte, votava-o, descarregando a
responsabilidade do contracto sobre o ministro que o
fez. Eu quero o caminho-de-ferro do norte, pelo
alcance geral que ele tem. Porém, mesmo por interesse
particular, eu não quero mais pagar uma moeda por
passar uma barra, nem dar 100$000 réis para fazer uma
pequena jornada. Assim, eu votaria o caminho-de-ferro
do norte pelo preço que se tratou, apesar de,
realmente, ser o contracto mais calamitoso, mais
pesado e mais caro que se tem feito nesta terra.
Quando se tratou de semelhante
contracto com o Sr. Peto, ele, segundo me consta,
ficou espantado com o que sucedeu. O Sr. Peto, quando
veio, trazia outro contracto, apresentou-o, e
disseram-lhe logo: «Nada, o contracto há de ser
feito de tal modo.» E este modo foi dando-lhe coisas
que ele não pedia, e que nunca lhe deram em parte
alguma! Ele ficou espantado, como disse. E vieram os
Srs. ministros dizer à câmara que tinham ficado
espantados de que o Sr. Peto não quisesse discutir as
condições e as aceitasse imediatamente! Pois como, e
para que havia de discutir coisas que lhe eram
imensamente vantajosas? Não quis discutir, e fez
muito bem. Se lhe davam 8.118.000$000 réis, com menos
dos quais, ou com pouco mais ou menos, faz ele todo o
caminho! Há dez léguas de terrenos no meu distrito,
em que cada quilómetro fica por muito e muito
menos preço do que o ministro das obras públicas lhe
deu. Não gasta, em cada um desses dez quilómetros,
24.750$000 réis. Nem metade talvez. E o Sr. ministro
das obras públicas fala na cláusula da
responsabilidade! Recaia ela sobre quem tão
latitudinariamente procedeu para com um capitalista, tão
recomendado, como foi, por ele próprio!
Sr. presidente, o contracto do
caminho-de-ferro do norte e exactamente, em muitos
pontos, o contracto do caminho-de-ferro de leste. Os
Srs. ministros actuais foram castigados com o que
fizeram no contracto do caminho-de-ferro do norte.
Tinham censurado o contracto do caminho-de-ferro de
Teste, porque foi contratado com um indivíduo que
tinha depois de formar uma companhia, para esta o
encarregar da feitura do caminho-de-ferro; e agora
contrataram o caminho-de-ferro do norte do mesmo modo.
O Sr. Peto, em relação ao caminho-de-ferro do norte,
é o mesmo que o Sr. Hislop em relação ao
caminho-de-ferro de leste. A mesma coisa! Foi
contratado o caminho-de-ferro do norte com o Sr. Peto,
para este organizar uma companhia que lhe pagasse a
feitura do caminho-de-ferro. As condições em que se
contratou são horrorosas, as únicas em que na Europa
se tem feito contractos desta natureza. E para
assentar bem o ferrete da ignorância sobre este
governo, basta dizer que quando se fazia o contracto
com o Sr. Peto para o caminho-de-ferro do norte,
dando-se-lhe a concessão por noventa e nove anos, em
Roma se dava a concessão de um caminho-de-ferro por
noventa e cinco antigos, e as restantes condições
deste contracto. São muito melhores do que aquelas
com que se fez o contracto com o Sr. Peto. Roma, a
este respeito, está muitos anos mais adiantada que nós.
O contracto do caminho-de-ferro
saiu armado com a lei das expropriações, que foi o
que elevou a uma grande verba o custo do
caminho-de-ferro de Teste. Os proprietários das
proximidades de Lisboa preveniram-se a respeito do
caminho-de-ferro de leste. Disseram: «Ah! os homens
que contrataram o caminho-de-ferro de leste são
ingleses? Vamos a eles!» E o certo é que os proprietários
fizeram uma tal coligação, levados de certo por
influências honrosas, (e eu creio que alguns são
meus amigos) que pediram uma exorbitância por
propriedades insignificantes: pediram 14.000$000 réis
por sete palmos de terra!
E, debaixo desse ponto de vista, pesa-me a
difamação do nosso país e a sorte do pobre inglês.
Ora, e quanto ao caminho-de-ferro
do norte, pelo menos em dez léguas de linha, tão fácil
é a via férrea como uma estrada. O nivelamento é
como o de uma estrada ordinária. De maneira que,
nessas dez léguas de caminho-de-ferro, a companhia
ganha muito dando-se-lhe 24.000$000 réis por cada
quilómetro e na maior parte da Tinha, exceptuando
dois ou três pontos. o terreno é quase igual passa
por charnecas, onde o valor das expropriações é
nulo, os trabalhos dos aterros nulos são. Assim a
companhia pouco mais gastará que os 8.000.000$000 réis,
e tem a concessão por noventa e nove anos, além de
muitas outras vantagens. Numa palavra, é o contracto
mais atroz que se tem feito na Europa. Eu votava por
ele, porque voto toda a espécie de atrocidades em
obras públicas, principalmente quando o ministro,
embasbacado em frente de certo capitalista, não vê a
concorrência, não vê mais coisa alguma. Não
se me tira da cabeça que o Sr. Peto veio recomendado
ao Sr. Carlos Bento, isto é, que o Sr. Peto veio para
fazer o Sr. Carlos Bento ministro. e o Sr. Carlos
Bento foi ministro para fazer o Sr. Peto empresário
do caminho-de-ferro.
O Sr. ministro da fazenda que, como
eu dizia, sempre obedece a influências especiais que
não poucas vezes se entretém com a leitura e outras
finge que revê um discurso (daqueles que ele revê,
porque alguns recebe-os e não os torna a mandar, não
há mais vê-os...) que outras vezes desce o pescoço
para o meio da gola do seu casaco como prevendo os
continuados defluxos que o incomodam - o Sr. ministro
de fazenda, não há meio nenhum de o trazer ao debate
público em certas ocasiões! Aprouve ontem ao ilustre
ministro taxar as minhas opiniões de pouco coerentes
neste assumpto. e foi desencantar um trecho de um
discurso meu, em que eu provava pouca adesão à régie.
Se S. Ex.a tivesse a bondade de me ouvir, eu
entendia-me com ele sobre este ponto. Eu sempre temi
um ensaio infeliz da régie não por deficiência
dos empregados, nem por fala de conhecimentos, nem por
fala de zelo, mas pelo propósito de se fazer com que
esse ensaio não desse os melhores resultados para então
autorizar o contracto. Isso receio sempre! Esta medida
só pôde ser tomada por quem a queira deveras. Aliás
pode perecer.
O ilustre ministro, que maneja as
cifras com a falsa habilidade que todos lhe
reconhecemos, tirou do seu relatório um argumento
para provar que o rendimento do tabaco pela régie havia
de ter uma considerável diminuição. E tirou este
argumento de quê? Das cifras comparadas do rendimento
do tabaco antes da revolução francesa e depois da
revolução francesa, no governo anterior à revolução
e no governo de Napoleão! Ora isto é deplorável,
perfeitamente deplorável! (Apoiados.) E não
estranhámos já o entono (porque estamos habituados a
ele) com que S. Ex.a cita os algarismos que não
servem senão para invalidar a sua lógica. Antes da
revolução, o contracto do tabaco em França esteve
por arrematação e rendia uma certa soma; depois foi
declarada a liberdade do tabaco; depois estabeleceu-se
a régie. Que fez S. Ex.a? Comparou o
rendimento da régie com o da arrematação,
mas não se recordou de que a régie foi
estabelecida sobre a anarquia da revolução. que
destruiu não só essa renda pública, mas todas as
outras. (Apoiados.)
«Mas vós prometestes abolir o
contracto do tabaco, e não o aboliste!» Ora, Sr.
presidente. porque não abolimos nós o contracto do
tabaco? Primeiramente, propôs-se o sistema da
liberdade do tabaco; e, diga-se a verdade; os temores,
uns verdadeiros, outros falsos, que se têm propalado
na câmara, existiram também na câmara passada, e
começou a maioria a tremer, porque isto ia produzir
um certo desequilíbrio nas rendas públicas
entendendo que era preciso sacrificar a sede de
melhoramentos diante desta consideração. O governo
prudentemente cedeu à sua maioria, prudentemente
retirou ou modificou a sua iniciativa. e tratou-se de
estabelecer a régie. Mas para então se
estabelecer a régie era preciso dar indemnizações
aos contratadores, e à palavra indemnizações tremeu
tudo! Nada se pôde fazer então, e como o tempo do
contracto estava a acabar, entendeu-se que então se
podia resolver a questão, sem votar indemnizações
aos contratadores. Esta era a época própria de
resolver a questão, mas o poder passou às mãos de
Ss. Ex.as, e Ss. Ex.as levantam logo esta questão que
discutimos. Esta é a história legal.
Eu, Sr. presidente, voto pela
liberdade e voto pela régie. Voto pela
liberdade, porque não tenho medo dela; e não tenho
medo porque há entre os contratadores, entre as
pessoas mais conhecedoras deste negócio, a opinião
de que o tabaco, com o sistema de liberdade, dá para
o estado 2.000.000$000 réis. O cálculo está ali;
está no bolso de um dos nossos colegas, que foi
contratador por muito tempo e que mo mostrou. E, Sr.
presidente, o que me admira, o que me envergonha é
que a maioria, que se diz progressista, estremecesse
diante de uma reforma que não toca senão com a
decima parte dos rendimentos públicos! Oh! Gente corajosa! Oh! Gente brava! (Riso.)
Pois, Sr. presidente, que é o rendimento do tabaco? O
rendimento do tabaco são 1.000.000$000 réis em 10 ou
12.000.000$000 réis, em que importam as receitas públicas.
Se o partido progressista fosse chamado a resolver, em
circunstâncias apuradas, medidas que revolvem toda a
economia do país; se fosse chamado a prestar apoio
firme e corajoso a estes homens certeiros, mas
arrojados, que à testa dos negócios públicos, para
satisfazerem uma exigência da opinião, uma
necessidade instante das populações, são obrigados
a manejar com mão forte o orçamento do Estado de
alto a baixo e a alterar toda a economia do país se sir
Robert Peel, cujas cinzas têm sido tão
caluniadas, se esse grande gigante financeiro, que estão
sempre a citar pigmeus e macacos parlamentares nesta
casa, (riso) se sir Robert Peel
precisasse e exigisse que esta maioria o ajudasse a
fazer as grandes reformas que ele fez no seu país,
que diria ele, Sr. presidente? Se apelasse para ela,
amanhã levantavam-se todos, tomavam lugar na
mala-posta, e iam-se embora, desertavam do seu
lugar!… Pois, Sr. presidente, que são 1.000.000$000
réis nas finanças do país, quando o seu rendimento
são 10.000.000$000 réis? E estão aquelas mãos a
tremer! E está o Sr. ministro da fazenda a recear
desta reforma Aquele
vulto espantoso, aquele gigante financeiro, que nós
vimos tantas vezes, diante de nós, tirar do seu regaço
tantas medidas salvadoras; que nos oferecia com as mãos
ambas conselhos, bills de indemnidade,
capitalizações, vendas de inscrições, e mil arbítrios
que eu supunha muito bons, e que todos eram piores que
aqueles que ele combatia;
(riso) onde está ele, esse gigante, que
não pôde suprir um déficit de 1.000.000$000
réis, como se os 1.000.000$000 réis acabassem
todos?! Isto é uma medida insignificantíssima...
E vejo o Sr. Manuel da Silva Passos
contra a reforma! Oh, Sr. presidente! isto não pôde
ser da idade e dos tempos não pode ser senão da
flexibilidade estadista, aquela horrível
flexibilidade..
O SR. PASSOS (MANUEL): - Não é.
O ORADOR: - … levada até ao heroísmo!
Pois, Sr. presidente, que é isso para nós, soldados
velhos do progresso? Que é isso para o ilustre
ministro, que com o seu vulto impunha respeito às
turbas populares, que com a sua lealdade recebia
testemunhos de deferência do chefe do estado, que no
parlamento combatia uma oposição ferrenha e
tormentosa, e que no meio de tudo isto segurava uma
revolução, e segurava-a incruenta, nobre e generosa?
Que quer dizer isto perante o congresso de 1837, que
lançou tributos sobre tributos, que durante um mês
esteve aqui tributando as casas, os alimentos, as indústrias,
e enfim até, para testemunho de progresso, tributando
as cavalgaduras para conservar boas as estradas? Tínhamos
muito boas estradas, (riso) tributamos os
cavalos; quer dizer, fizemos pagar um tributo aos
pobres cidadãos portugueses por não terem por onde
andar. (Riso.) Já tributámos tudo isto,
demitimos os marechais, fizemos umas poucas de
constituições, (riso) mandámos uma divisão
à Espanha, quase que íamos apanhando o general Gomez,
uma vez, creio eu, este general que todos apanharam, e
que nunca ninguém lhe pôs a mão em cima. (Riso.)
E fizemos tudo isto, e hoje, não sei porquê, não
sei se é respeito ao Sr. António José d'Ávila, (riso)
e isso então era motivo sério, trepidamos por uma
miserável e mesquinha reforma, (apoiados) que
em outros tempos, nos tempos de glória e poder deste
partido, se fazia por uma portaria!
Ora, Sr. presidente, dizem então
que os contratadores do tabaco não têm influência!
Eu não digo que os contratadores do tabaco não tem
influência; digo que o contracto tem influência, e
os contratadores têm influência. E, diga-se a
verdade, é a ideia desta influência que nos faz
pouco enérgicos. Este partido progressista tem um
certo amor às reformas, mas tem também um certo amor
aos monumentos antigos; é um partido com toda a educação
moderna, mas com certa veneração pelo calção e a
fivela. (Riso.) E já lhe vem este vicio dos
seus antepassados, porque o bom e honrado congresso de
1822 pugnou pelo contracto do tabaco! Aqueles grandes
revolucionários pugnaram pelo contracto do tabaco
como coisa inocentíssima - e não lhe tocaram. Em
Espanha não aconteceu assim, porque os seus
revolucionários julgaram-se obrigados, em razão dos
seus princípios, a destruir radicalmente tão odioso
monopólio, e acabaram logo com o contracto do tabaco;
mas cá os nossos antepassados, os nossos homens de
1822, proclamaram ao mesmo tempo a casaca de saragoça
e o contracto do tabaco, e não lhe boliram. (Riso.)
Sr. presidente, pois não há de
ser a influência do contracto do tabaco que faz isto?
Não pode ser outra coisa! Já se sabe - a influência
artística... Pois nem esqueceu aduzir, em benefício
deste monopólio, esse espirro laudativo que deu John
Bull, quando os nossos representantes na exposição
de Londres lhe deram uma pitada. Nem isto! (Riso.)
Espirrou, e espirrou em honra e homenagem ao contracto
do tabaco... Mais uma razão para se sustentar!
Sr. presidente, «os contratadores
não têm influência». Mas levantou-se o meu ilustre
amigo, o Sr. ministro da fazenda, com aquele seu espírito
de indiferença, digamos mesmo de abnegação, porque
e uma verdade... Sim, o Sr. António José d'Ávila,
na câmara passada, teve sempre as mãos estendidas,
mas não foi só para dar bills de indemnidade,
foi também para aceitar empregos...
O SR. MINISTRO DA FAZENDA: - Que não
aceitei.
O ORADOR: - Essa foi a condição
natural da sua oposição, e ninguém ainda combinou tão
bem os seus interesses particulares com os seus
deveres e os seus interesses de oposição. Isso é
verdade, e nisso é o primeiro homem dos nossos
tempos.
Mas veio o ilustre ministro e
disse: «O Sr. Fontes nomeou pares do reino os
contratadores; vós nomeastes contratadores do tabaco
para a câmara dos pares.» Ora isto é grande
argumento contra o contracto do tabaco! Em primeiro
lugar, não há; contratador de tabaco nesta terra que
não tenha sido titular, salvo aqueles que deram ordem
ao guarda-portão de que, quando lá fosse algum
correio de secretaria levar-lhe um título, lhe
dissesse: «Vá-se embora, porque os senhores não
querem cá disso.» Os mais, todos são titulares. E
é o que tem de mau o contracto do tabaco. Pois o Sr.
José Maria Eugénio, com a fortuna e o talento que
tem, não era um bom par do reino? Mas o mal do
contracto é diminuir as capacidades políticas e
eleitorais: porque homem de talento e rico, sendo
contratador do tabaco, não cheira bem no público...
Ora o nosso patriciado é todo assim; não se pode
mesmo contar a história das nossas grandes famílias,
que se não conte a história do contracto do tabaco.
Porque realmente não se fazia fortuna de outro modo:
ou era o contracto do tabaco, ou o comércio do
Brasil, ou as rendas dos arcebispos e bispos, e,
depois que o Sr. António José d'Ávila foi ministro,
alguma coisa de agiotagem... O mais não se conhecia.
(Riso.)
Sr. presidente, eu ainda não sabia
porque se tinha abolido o contracto do sabão; cuidei
que tinha sido um acto de coragem e de reforma. Não
foi; aboliu-se o contracto do sabão, porque como
havia dois monopólios e eram ambos culpados, matou-se
um para fazer viver o outro, e lançar ao morto as
culpas que tinha o vivo, e para à sombra desta abolição
se pedir um imposto, arredondar-se uma certa quantia e
desafogar-se a fazenda pública. Por isto é que se
aboliu o contracto do sabão; aliás não se abolia,
porque o partido progressista, diga-se a verdade, está
fanatizado, está perdido, está, não direi
estultificado, mas enfim está mais que namorado,
rendido de tal maneira ao Sr. Ávila, que eu vi já as
fachas populares aqui arrastadas por esta sala, e um
dos chefes mais notáveis deste partido estar ouvindo,
com sofreguidão e consolo, as frases de progresso saídas
da boca do Sr. António José d'Ávila!
Mas, Sr. presidente, se não fosse isto, o
partido progressista não se atrevia com o contracto
do sabão, porque (não há dúvida nenhuma) está
extremamente debilitado. Não sei porquê, mas é a
verdade. E isto serviu mesmo à lógica do Sr. relator
da comissão, que sinto não ver presente, (Vozes:
Está presente) à lógica do Sr. relator da
comissão, que é as esperanças, os recursos
parlamentares do futuro, o enlevo da situação
actual. É uma lógica primorosa, mas, desgraçadamente,
por muitas vezes coxa.
Sr. presidente, admiro o talento do
ilustre deputado: ele é audaz e vasto, porque não
conhece doutrinas que o limitem, audaz porque não
encontra escrúpulos que o retenham. Lógica, Sr.
presidente, poderosa e cerrada, como dizem os seus
louvadores; lógica falsa, lógica frouxa, como diz não
um seu louvador, mas um seu amigo.
Sr. presidente, eu experimentei um
certo sentimento de dor, vendo em tão verdes anos
tanto desassombro, tanta facilidade em rir de coisas sérias,
tanta sobranceria para escrúpulos respeitáveis,
tanto excesso de qualidades estadistas Numa idade em
que os homens se fazem conhecer e valer mais pela sua
autoridade do que pela sua qualidade.
Sr. presidente, eu disse ao ilustre
deputado, e digo-lhe que será sempre um meticuloso
reformista, e não está na sua mão o deixar de o
ser, apesar da unção do meu amigo o Sr. Passos
(Manuel), que a tem perdido em tantos clientes mal
escolhidos, e do seu desejo de o fazer um homem
popular, um homem progressista. Pode ser, e é natural
que seja um homem respeitável, mas nunca um homem que
se possa sentar logicamente nessas cadeiras. (Apontando
para o lado esquerdo.)
O ilustre deputado fez coisas
maravilhosas com a sua lógica. Disse que o meu amigo,
o Sr. Latino Coelho, não viu os seus argumentos
Eu vi-os, e oxalá que os não visse! O ilustre
deputado disse, por exemplo: «A questão não está
estudada, porque fala o relatório; o que ali está não
é o relatório que nós queremos; o relatório que nós
queremos é o relatório da aplicação da régie ao
nosso país; o relatório que ali está não vale
nada.» Sr. presidente, em primeiro lugar, esta lógica
assustou-me porque nos ameaçou com mais um relatório.
Em segundo lugar, esse relatório «que não vale nada»,
foi feito e acabado pelo génio do século, pelo
grande espírito deste tempo, por aquele elemento
oculto que o ilustre deputado nele descobriu e que
associou e equiparou à descoberta dos
caminhos-de-ferro e do telégrafo eléctrico, - o lucro!
E eu ofereço ao ilustre deputado, como lucro, todos
os trabalhos feitos pela régie. Mas onde o
ilustre deputado primou na sua lógica, foi ao querer
provar que todos os vexames por causa do contrabando
provinham, já se sabe, do monopólio do sabão. Disse
o ilustre deputado: «O sabão é que é tudo, o sabão
é que faz com que se invada a casa do cidadão; o
tabaco não, porque o tabaco está só nos quintais.»
E logo fez com que os quintais fossem declarados fora
do sistema constitucional, e proibiu a todas as
pessoas, que tivessem quintais de tomarem pitadas nos
quintais.
Sim, Sr. presidente, o ilustre
deputado argumentou perfeitamente. E não foi só isso
que disse. O ilustre deputado quis provar que da régie
se passava mais facilmente à administração,
porque os contratadores tinham uma quantidade imensa
de empregados que eram seus, e não se sabia que
destino se lhes havia de dar: mas quando quis defender
as prerrogativas que se davam aos contratadores, por
causa dos seus empregados trazerem armas, disse: «Os
empregados do contracto são empregados públicos.»
De sorte que eram empregados públicos para trazerem
armas, mas não eram para se fazer a reforma. O
ilustre deputado argumentou assim perfeitamente: e se
não reformar a sua argumentação, penso que faz bem
em apoiar este governo, porque a sua argumentação é
tão falsa como a situação a que está prestando os
seus serviços.
Sr. presidente, como se todas as
tendências políticas do ilustre deputado tivessem de
ser reveladas na sua estreia, até, com espanto de
todos, apareceu essa teoria criminal, nova e desumana,
pela qual se punem os contrabandistas do tabaco, mas não
aqueles que fazem uso do contrabando. Como se o
contrabando nascesse só da diferença do preço do género
e não do facto de haver quem esteja prometo a
comprar, quem deseje e busque por melhor modo os
melhores géneros! De maneira que um janota, que se
tiver provido de uma grande quantidade de charutos,
que alardear pelas ruas as suas relações com os
contrabandistas, não terá pena alguma; mas o pobre
contrabandista, que se arrisca a fazer esse
contrabando à custa de muitas fadigas e perigos, esse
tem cadeia e penas horríveis!
Eu, Sr. presidente, nunca fui
contrabandista; mas, nos meus tempos de revolucionário,
tive ocasião de ver o quanto aquela vida era
trabalhosa. Pois saiba o ilustre deputado que não
haveria contrabandistas se não houvesse quem usasse
do contrabando. Esses contrabandistas estão ajustados
com famílias que lhes consomem os seus géneros, e,
se eles não achassem quem os consumisse, não faziam
contrabando. (Apoiados.) Portanto, estas penas
sobre contrabando precisam de uma séria reforma.
Sr. presidente, digamos a verdade,
coloquemo-nos numa situação de lealdade; porque eu não
sou deputado da oposição, e isto talvez pareça
impossível.
UMA VOZ: - Não é! Pois não
declarou que era oposição sistemática?
O ORADOR: - Eu lhe digo. Deputado
da oposição, não sou como o fui anteriormente.
nesta questão não o sou, porque o Sr. ministro da
fazenda disse que fizeram desta questão uma questão
política. Eu já disse aos senhores, francamente, (e
peço desculpa de empregar este estilo familiar que é
próprio do meu carácter, salvo a dignidade do lugar
em que me acho) - eu já disse aos ilustres deputados
que se convençam de que na regeneração há muitos
cavalheiros que não querem ser ministros, e outros
que o há de tornar a ser, e hão de ser incomodados
para o serem, e muitas vezes. Não tenho, pois,
empenho algum em que haja uma crise ministerial; tenho
empenho em que não se vote o princípio de arrematação;
e quando vejo tanta insistência para que ela se faça,
receio que haja algum motivo que obrigue a isso, e
sentirei que a maioria o não saiba. E, Sr.
presidente, estas reservas são deploráveis, e até já
não se usam. Sr. presidente, o governo que sacrifica
tudo a este empenho há de ter para isso alguma razão.
Mas eu vou propor o modo de resolver a questão o mais
facilmente possível.
O contracto do tabaco tem uma casa,
que é do estado; tem umas máquinas, que são de
particulares, e que podem ser do estado, e dentro em
pouco tempo pôde ter outras melhores. Tem um
engenheiro, o Sr. Black, o qual eu arranjo, assim como
ofereço os homens que fazem charutos, e muitos mais,
porque muitas vezes tenho a minha casa apinhada de
gente que deseja ser empregada neste trabalho. Arranjo
tudo isto, e ofereço também o Sr. Joanes, meu amigo
particular. E se querem os 600.000$000 réis, também
os arranjo! Eu arranjo, pois, o contracto e os
600.000$000 réis. A câmara decreta que é dado a José
Estevão Coelho de Magalhães o contracto. Muitos estão
persuadidos de que o contracto é que dá tudo ao
estado, mas o estado é que dá tudo ao contracto. (Apoiados.)
Não tenho nada de meu; não quero apresentar um balanço
do meu activo e passivo, mas não há nesta casa ninguém
menos capitalista do que eu; no entanto proponho-me
para contratador e prometo dar contas perfeitíssimas!
Pois o que é a questão do contracto? No contracto, o
fabrico é absolutamente nada: o fabrico faz-se numa máquina,
como os senhores lavradores fazem o seu azeite e
vinho, ou como os senhores fabricantes tecem os seus
panos. Sr. presidente, não quero fazer a resenha das
famílias contratantes, mas não conheço uma só
grande fortuna que não tenha tido parte no contracto.
A questão reduz-se a uma percepção do imposto.
Pergunto eu: qual é o imposto mais caro ao país? É
o do tabaco; porque, decididamente, fica pelo menos ao
contracto talvez outro tanto do que ele dá ao estado.
Peço a atenção especial do Sr. ministro da fazenda,
e pergunto ao Sr. António José d'Ávila, ministro
dos negócios da fazenda, se há capitalistas
portugueses que lhe foram pedir para administrar o
contracto por conta do estado, assegurando uma certa
soma, e ficando com o excesso, mesmo repartindo parte
dele com o governo? Além disso, uma pergunta mais: se
ele tem tenção, como já se disse, e como parece, de
anular todos os trabalhos do parlamento sobre esta
questão, fazendo com que ela volte à comissão, e
metendo depois debaixo dos bufetes da secretaria todos
os papéis concernentes a ela? Faço estas duas
perguntas para que S. Ex.a haja de responder-me antes
de se votar a matéria. Quero saber isto.
O SR. MINISTRO DA FAZENDA (ANTÓNIO
JOSÉ D'ÁVILA:) - A resposta é muito fácil. Se o
ilustre deputado dá licença, eu respondo.
O ORADOR: - Pois não.
O SR. MINISTRO DA FAZENDA (ANTÓNIO
JOSÉ D'ÁVILA:) - A resposta é muito simples.
Pergunta o ilustre deputado se se dirigiu ao governo
alguma proposta de capitalistas garantindo ao tesouro
uma certa soma pela administração do contracto do
tabaco, e para dividir a diferença entre essa soma e
os lucros que houvesse pela companhia e pelo governo.
Digo que não. Apresentou-se-me um papel, em que se não
fixou soma alguma. Perguntou-se-me se porventura o
governo estava disposto a tratar com alguma companhia
a qual garantisse uma soma; mas não se designava soma
alguma: e já se vê que não se pode admitir uma
coisa tão vaga. Eu respondi, a quem me apresentou
esse papel, que, sem a câmara se pronunciar sobre a
arrematação ou administração, não podia dar
resposta definitiva a este respeito.
Pergunta mais o nobre deputado se a
minha intenção é enterrar estes trabalhos na comissão
de fazenda. Ainda que eu o quisesse fazer, dependia
isso de mim? Pois a comissão de fazenda não pode
apresentar um parecer sobre as emendas e aditamentos
que têm sido apresentados durante a discussão?
Parecia-me que a pergunta era ociosa: mas se quer uma
resposta, eu lha dou, dizendo que ninguém deseja mais
do que eu que a comissão dê com a maior brevidade
possível o seu parecer sobre esses aditamentos e
emenda.
O ORADOR: - Bem queria eu que o Sr.
ministro respondesse, não há dúvida alguma. O Sr.
ministro não faz tenção de atender à proposta a
que me referi; vejo que S. Ex.a tem o propósito de
arrematar o contracto a todo o custo, porque S. Ex.a.
diz que, só depois de se decidir que se arremate o
contracto, é que há de decidir se há de ou não
aceitar a proposta a que me referi…
O SR. MINISTRO DA FAZENDA (ANTÓNIO
JOSÉ D'ÁVILA:) - Isso é claro. Quer o Sr. deputado
ver a proposta? Tenho-a aqui, e não tenho dúvida
alguma em lha mostrar. Depois o ilustre deputado dirá
se se pode aceitar como esta.
O ORADOR: - Não se poderá aceitar
a proposta; mas pode tratar-se com as pessoas que a
fizeram. Mas é que S. Ex.a não quer tratar com elas,
porque só quer arrematar o contracto, e com essa
ideia despreza quantas propostas se lhe apresentarem,
ainda que sejam do maior interesse público.
O SR. MINISTRO DA FAZENDA (ANTÓNIO
JOSÉ D'ÁVILA:) - Isso fez-se em 1856, não é agora.
O ORADOR: - É agora como nunca
foi; é agora como nunca mais há de ser; porque este
é o último ministério de que o Sr. Ávila há de
fazer parte; porque o Sr. ministro nunca foi ao poder
debaixo de tão maus auspícios, e se ele respeitasse
a maioria e a maioria o respeitasse a ele, tinha este
negócio seguido de outro modo. Mas, desgraçadamente,
não aconteceu assim, e o Sr. ministro não quer ouvir
proposta alguma com relação ao contracto do tabaco,
porque tem determinado e decidido, por conveniências,
quaisquer que sejam, arrematar o contracto, e a
maioria cede e vai com ele. Se não fosse assim, havia
a questão de decidir-se de outro modo; mas o Sr.
ministro não quer, e a maioria está por tudo.
Eu, Sr. presidente, peço perdão
à regeneração; tenho a pedir-lhe perdão por timbre
e honra do meu partido. Homem consciencioso, não fui
um embaraço de governo para ela, porque os escrúpulos
que lhe queria opor, esses mesmos ela tinha. Mas eu,
na posição que ocupava, representava sempre ao
governo que atrás de mim estava um partido forte e
vigoroso, com uma escola imaculada, um partido doutrinário,
e cujos princípios e ideias eu professava e do qual
me não podia separar, porque era isso contrário à
minha consciência. Enganei-vos; mas enganei-me a mim
mesmo, porque o meu partido não é este. Enganei-vos
e enganei-me! Nada disto é do partido progressista;
este partido não o conheço, não é ele! Eu, como
membro do partido progressista, se me tivessem
proposto negócios desta espécie, não os podia
aceitar. Peço perdão, mas o partido progressista ou
não é este, ou referveu-se-lhe a consciência não
sei como!
Mas eu ia dizendo que o contracto
do tabaco não dava nada, o governo é que dava tudo.
Pois o Sr. ministro da fazenda faz-se um grande mérito
em arrematar o contracto do tabaco sem o sabão por
1.200.000$000 réis?
Pois é isto uma coisa que espante, que
maravilhe?! Pois por quanto foi arrematado o contracto
do tabaco pelo Sr. conde de Farrobo em 1833? Por
1.000.000$000 réis, sem o sabão. Peço à câmara
que pondere isto, e que pondere que me estou referindo
a homens que já não existem, patriarcas venerandos
do sistema constitucional, a homens do partido
cartista, que foram acusados de retrógrados por este
lado da câmara. Vejam-se as explicações que eles
deram, Naquela ocasião, por terem arrematado aquele
monopólio odioso. O contracto do tabaco tinha sido
abolido nas ilhas, nesse momento de angústia para
Portugal, porque o governo da Terceira foi um governo
dos mais liberais, talvez porque tivesse o carrasco ao
pé da cabeça... Tinha sido abolido o contracto do
tabaco por um decreto na ilha Terceira. No Porto,
circunstâncias urgentes obrigaram o governo a revogar
esse decreto e a arrematar aquele monopólio. Depois,
tratando-se dessa questão no parlamento, as razões
que se deram, para desculpar até certo ponto esse
facto, foram o abandono da esquadra, a fala de viveres
no Porto, e a demissão do ministro da fazenda,
entregando os destinos da causa pública ao acaso. Foi
então que o Sr. José da Silva Carvalho (cuja memória
me é sumamente cara, porque morreu quase que
distribuindo comigo os afectos que consagrava aos seus
filhos) foi então que o Sr. Silva Carvalho, tendo
sabido do ministério o Sr. Mousinho da Silveira,
homem de doutrinas, de grande talento, de consumado
saber, mas timorato para as circunstâncias em que se
achava a fazenda pública tomou as rédeas do governo,
e decidiu arrematar o contracto por 1.200.000$0OO réis.
E houve quem aceitasse, prescindindo da simpatia da
cansa; houve quem aceitasse, e de quem? não do
governo de Portugal, mas de um governo revolucionário,
mas de um governo sujeito ao acaso das batalhas! E
esse arrematante não duvidou adiantar desde logo
somas consideráveis por conta dessa arrematação. E
no fim de vinte e cinco anos vem o Sr. Ávila cheio de
entono dizer aqui: «Hei de arrematar por
1.321.000$000 réis!» Pois naquela época arriscada,
arriscadíssima, pôde arrematar-se o contracto por
1.200:000$000 réis, o tabaco tem ido sempre rendendo
progressivamente, e vinte e cinco anos depois, em
perfeita paz, não há de render mais?! Pois é uma
grande proeza arrematar hoje o contracto por
1.321.000$000 réis?!
Sr. presidente, qual é o meio mais
eficaz para evitar o contrabando? É o abatimento de
preço, a melhoria do género. Mas dando-se o
contracto por arrematação, como e que o governo pode
melhorar o preço do género, como pode melhorar a sua
qualidade? Suponhamos que amanha havia uma revolução
política na Europa, e que, por virtude dela, todos os
governos da Europa recorriam ao melhoramento de preço
em todos os géneros. Suponhamos que abatia o preço
do tabaco em toda a parte. Em que estado ficavam as
rendas públicas neste país? De todo arruinadas porque esta câmara, pelo modo por que podia atacar o monopólio,
veio ainda este anuo pô-lo em arrematação.
fixando-lhe o preço! Ora pode o governo, por modo
algum, fazendo agora um contracto particular, ter a
liberdade necessária neste assunto para mais tarde
fazer um abatimento de preço, e melhorar o género?
Decerto não pode.
Sr. presidente, nos contractos
anteriores ainda havia certos tribunais, como era a
junta do tabaco, que superintendia na qualidade do género.
Hoje não há nada disso. Os contratadores podem fazer
o que quiserem, em quanto à qualidade do género, e não
pode haver alteração no preço, por isso que o preço
é fixado na arrematação.
Se eu não receasse cansar a câmara,
correria alguns pontos da história parlamentar a
respeito do contracto do tabaco mas ainda confio em
alguns momentos da sua benevolência para, em todos os
negócios do contracto do tabaco, podermos recorrer,
eu e o governo juntos, aos nossos vastos arquivos
parlamentares. Eu peço, portanto, à câmara e ao
nobre ministro da fazenda, não a atenção que se
presta ao orador, mas a atenção que se dá ao
conversador bem vindo.
Em 1837, o Sr. Passos (Manuel) propôs
às cortes um projecto de lei para se aumentar um
certo valor no preço da renda do contracto do tabaco,
sendo os contratadores autorizados a vender o género
por um preço mais elevado. Oh! Sr. presidente, eu não
posso contar miudamente o que aconteceu nesta casa. Já
vejo um meu ilustre amigo fazer um sorriso afirmativo,
e vejo outro meu ilustre amigo acenar-me com a cabeça.
Para o meu trabalho ser bem compreendido, havia V.
Ex.a de dar a palavra a cada um dos oradores que
quisessem vir a estas recordações. Então a câmara
saberia apreciar bem estes episódios! O Sr. Passos
(Manuel) veio à câmara, e disse: «Contracto do
tabaco, dá para cá 200.000$000 réis, e venderás
mais caro.» O contracto disse: «Nada, eu não quero,
porque, se vendo mais caro, tenho um grande
contrabando, e perco.» Está presente o Sr. Faustino
da Gama; permita-me S. Ex.a que eu me recorde das
nossas glórias passadas e das nossas camaradagens heróicas.
O meu ilustre amigo era então membro da comissão de
fazenda, e membro conspícuo e influente, e teve de
sofrer todos os martírios o Sr. Roque Fernandes Tomás.
(Leu).
Eu estou com a cabeça cheia de
recordações instrutivas e curiosas! Lembra-me, por
exemplo, que um dos mais honrados e mais brilhantes
talentos que houve nesta terra, o Sr. Santos Cruz,
homem todo de teorias, todo poético, que ninguém
supunha que fosse capaz de entrar numa questão prática,
numa questão de governo, produziu grande impressão
na assembleia com um discurso cheio de razões filosóficas
e argumentos tão concludentes que nos levou à vitória.
Eu, nessa questão, não falei: não podia falar,
porque era amigo partidaríssimo do Sr. Ferreira
Pinto; ele tinha sido contratador do tabaco, e nesta
terra, quando se faz alguma coisa com relação ao
contracto do tabaco, tudo o que se diz tem referência
ao contracto que foi, ao contracto que lhe sucedeu,
aos contratadores que foram, aos que estão, e aos que
hão de ser. De maneira que o primeiro favor que devo
ao contracto do tabaco, foi tornar-me inútil para
poder falar então nessa discussão.
A questão venceu-se com muito
custo, mas creio que não ganhámos nada; porque
depois veio a questão das indemnizações. Agora é
objecto que contende com o Sr. António José d'Ávila.
Qualquer que possa ser o preço que se fixe para a
arrematação, o preço há de ser sempre o que os
contratadores quiserem. Pouco importa dizer o Sr. Ávila:
«Eu arremato por tanto ou quanto.» (Ele mesmo é que
o disse). Toda a gente ficou entendendo que depois,
quando os contratadores já estiverem na posse do seu
contracto, virão por qualquer circunstância excitar
o coração compassivo do nobre ministro da fazenda,
que muitas vezes não terá coração compassivo para
as lágrimas do pobre, mas que ao contracto, a esse dá-lhe
indemnizações. Para que é comprometer-se a que há
de arrematar por tanto ou quanto? S. Ex.a arremata
pelo que quer, porque no fim de contas vêm os
interesses do contracto, e levam S. Ex.a a dar-lhe o
que ele quer de indemnizações.
Sr. presidente, em 1849 veio outra
vez nova questão com o contracto. Nós assistimos às
mais renhidas e corajosas batalhas que se podiam dar
entre Horácios e Curiácios. Mas viram-se também os
mais conspícuos oradores do parlamento fazendo fogo
uns contra os outros, porque não era possível entrar
nesta discussão por um e por outro lado, sem que a
calúnia ferisse mais ou menos severamente todos
aqueles que Nela tomavam parte. Até o nosso velho
amigo João Elias se viu na necessidade de testemunhar
as nossas recordações! Até o contracto do tabaco
Nessa ocasião não poupou o nosso antigo amigo o Sr.
João Elias, que é tão boa pessoa. (Riso.)
Lerei à câmara o que dizia o Sr. João Elias. (Leu.)
Ora vejam se isto não faz dó, se
não causa pena ouvir esta alocução por causa do
contracto do tabaco!
Chego à mais importante e mais
instrutiva época. Sr. presidente, horroriza tudo o
que achei nas mal aventuradas indagações, que fui
obrigado a fazer para trazer a câmara algumas memórias
dessa época.
Horrorizam-me, Sr. presidente,
todas as calúnias, todas as infamações, todas as
corrupções, todas as vigílias de ambição ou de dó,
que o contracto tem causado nesta terra; mas não lhe
posso perdoar uma página pungentíssima escrita
contra o Sr. ministro da fazenda, António José d'Ávila.
E escrita por quem? Pelo seu colega, o Sr. Carlos
Bento! De maneira que o contracto do tabaco não deixa
intacto nenhum homem político, não deixa possível
nenhuma coalizão honrosa! Aqueles dois homens em
oposição completa, escrevendo um contra o outro e
sem pensarem que haviam de aparecer agora pessimamente
ligados, pessimamente unidos, um ao pé do outro, o
colega censurado ao pé do colega censor, o colega réu
ao pé do colega juiz! Isto são coisas que se devem
tratar depressa, porque se não pode resistir a agitação
tão forte.
Sr. Presidente, era a célebre
questão das indemnizações. a chave honesta como
diz o Sr. ministro da fazenda, que resolve todas as
questões do contracto do tabaco, e que dá satisfação
a todas as calúnias: e uma verdade, e como não há
de ser assim, se ele tem o tesouro a sua conta? Nessa
célebre questão das indemnizações dizia o Sr.
Carlos Bento: (Leu.) (Interrupção.) Eu
falo do Sr. Fontes, que votou pelas indemnizações.
Sou amicíssimo do Sr. Fontes, como ministro: acho-lhe
qualidades superiores a todos os homens políticos que
tenho conhecido, (apoiados) mas conservando-me
sempre no meu posto. Agora, ao Sr. Ávila, apoiei-o
uma vez com as armas na mão, quando vi o seu zelo em
servir a pátria: e não pude deixar de o apoiar Nessa
ocasião, admirado de ver a posição que então
tomava um homem carregado das condecorações de toda
a Europa, um homem que, digamos a verdade, foi o
primeiro que, com um tino raro, previu que Napoleão
ainda havia de subir ao poder, que ainda havia de
representar o papel que está representando na Europa!
Um homem que se corresponde com todos os ramos da família
daquela casa, um homem que tratou de se relacionar com
todos os membros dela, quando estavam decaídos! Era o
maior napoleonista que havia! (Riso.) Em suma,
o Sr. Ávila é como um dos membros daquela família:
e nós temos um ministro da fazenda em relações
inumas com toda a família de Napoleão, à qual
explicou as coisas mimas de Portugal, o nosso orçamento,
o nosso modo de viver, etc.! E estas informações que
deu foram ditadas por amor da ciência e espírito de
cosmopolitismo. O Sr. Ávila há de ser ministro da
fazenda sempre, e não o sendo aqui vai sê-lo noutra
parte. (Riso.) É vassalo de todos os reis, e
consta-me que até se está habilitando para ser
ministro de uma pequena república porque me dizem que
tem carta de cidadão de Ragusa. A paixão de ser
ministro é como outra qualquer, e desta forma tem
para nós uma vantagem, porque nos dá algumas ferias
da sua administração. (Riso.) Sim, se a coisa
é tão boa. reparta-se por todos. e assim fica
descansado o Sr. Carlos Bento. Mas ainda há mais. (Leu).
É um gosto achar sempre o mesmo
carácter nesta prontidão dos apartes, nestes
segredos, nestas interrupções eu não posso ler
mais, porque é tudo assim.
Sr. presidente, a questão do
contracto do tabaco tem sido uma questão nefasta, uma
questão que tem acobardado todos os poderes do
Estado, que interrompe a acção de todos os corpos
políticos, e que os tem lançado em grandes
dificuldades. De cada vez que se arremata o contracto
do tabaco, pululam imensas demandas: não há
contracto do tabaco que esteja liquidado, e não há
contratador do tabaco por mais importante que não
tenha tido imensos desgostos, como sucedeu a uma família,
com os sentimentos que todos nós conhecemos, a quem o
contracto não trouxe senão a perda de grandes
capitais, senão a discórdia e a inimizade.
Mas, Sr. presidente, o que me
horrorizou foi o despejo, o desapego, o entono com que
o ilustre deputado, relator da comissão, desprezou a
calúnia. «Que nos importa a calúnia?» disse o
ilustre relator. E isto porquê? Não por salvar o
estado, não por manter a nossa nacionalidade, não
por adiantar os elementos da nossa civilização, mas
para salvar cento e tantos contos de réis!
Horroriza-me este desalento da nossa própria
reputação, este desapego contra a calúnia e contra
os seus ardis e as suas invectivas.
Sr. presidente, eu passei ainda
agora por Pombal, onde há uma ermida em que está a
imagem da Senhora do Cardal. Defronte da ermida
encontra-se um forno, que se acende no dia da festa, e
onde, estando aceso, entra um homem que dele sai incólume.
Mas isto custa apenas alguma lenha, o serviço de duas
ou três pessoas, e as esmolas dos devotos... Ora que,
para festejar os milagres da Senhora, se faça isto,
entendo eu. Mas estar a alimentar com centos e centos
de contos de réis este fogo de calúnias, para o
atravessarem meia dúzia de indivíduos e saírem incólumes,
pode ser festa divertida, mas é caríssima!
Admira-me, Sr. presidente, como o ilustre ministro da
fazenda pode palpar com as mãos trémulas as
cicatrizes que lhe fizeram as calúnias, e apertar a mão
que lhas vibrou. É um sentimento próprio de todo o
homem moral, de todo o homem cioso da sua reputação,
repelir e destruir, se pode, todas as instituições
que alguma vez tenham servido para manchar o seu crédito
e quanto mais pura fosse a consciência de S. Ex.a»,
maior devia ser o seu rancor contra esta entidade, que
S. Ex.a quer sustentar sem razão alguma de utilidade
pública. (Apoiados.)
Sr. presidente, quando eu vejo
homens que, por causa do contracto do tabaco, têm
sido caluniados, têm sofrido toda a casta de
tormentos e de martírios, homens que o vitupério e a
afronta não têm poupado, quando vejo esses mesmos
homens a levantar agora os mesmos instrumentos de
tortura com que mais tarde hão de ser supliciados;
quando os vejo trémulos, mas decididos, juntando
todos as peças desses instrumentos, para depois
dizerem: «Lá me quebraram os ossos, lá me caluniam!
Eu sou um homem honrado, um homem probo!
Malditos jornais! Horrível contracto!» - eu não sei
como responder-lhes senão: «Pois fosses honrados,
mas tivesses juízo.» De modo que eu rio-me. Eles
gostam da calúnia não lhe têm horror nenhum. Pois
se tivessem horror à calúnia, vinham dar motivo a
que fossem caluniados, vinham vender todos os seus
foros morais por 100.000$000 réis?
E dizem-se ministros da fazenda! Qual era o
particular a quem se dissesse: «Eu livro-vos da calúnia,
livro-vos duma grande fabrica de calúnias», que
respondesse: «Não me importa a calúnia. Não quero
podeis continuar a dizer mal como dantes»? Isto em um
homem tem nome. Em um governo não pode ter nome.
porque escandaliza o público!
Eu pela minha parte também não
temo a calúnia mas desejo que ela se extinga ou
diminua, e não que se dê motivo a que ela se
avivente.
Alguma coisa deve haver também (e
eu confesso que ainda não atinei com os motivos) para
que o Sr. Ávila diga: «Eu arremato o contracto do
tabaco, e não administro, porque não posso nada; não
administro, porque não sou nada; não administro,
porque não sei nada; não administro, porque sou
imbecil; não administro, porque não tenho coragem; não
administro, porque os empregados não fazem caso de
mim; não administro, porque sou um ministro fraco; não
administro, porque não estudei a questão!» Pois
para uma vaidade destas, uma vaidade colossal, se
abater deste modo, para desconfiar de si, para se
julgar inepto, desobedecido, sem saber dos factos, sem
conhecer as teorias, mal e pouco cuidadoso, para se
confessar tudo isto - é preciso haver algum motivo...
Restava só uma coisa, e era que tivesse a coragem de
se declarar suspeito. (Riso.) Ali parece-me que
parava o seu patriotismo, e que não arrematava o
contracto do tabaco.
Vamos a pôr as coisas na razão, e
acabo. Nós podemos resolver esta questão de dois
modos: ou por um modo abrupto, ou pelo princípio de
concórdia. Pelo princípio de concórdia é o Sr.
ministro da fazenda juntar-se com o Sr. ministro das
obras públicas, e declararem à questão da régie
questão Peto. Dizem ambos: «A régie é
Peto» - e vota-se logo imediatamente. Porque na questão
da régie sendo Peto, imediatamente aparece
dinheiro; na questão da régie sendo Peto,
desaparecem logo todas as dificuldades; na questão da
régie sendo Peto, o negócio está estudado;
na questão da régie sendo Peto, tudo sai bom,
magnífico; na questão da régie sendo Peto,
os empregados serão todos honrados e zelosos; na
questão da régie sendo Peto, o tesouro não
perde um real; na questão da régie sendo
Peto, não há falta de meios; na questão da régie
sendo Peto, tudo é feliz, tudo há de ser abençoado!
Não há mais nada: é declarar a questão da régie
- questão Peto.
Mas vamos que o Sr. ministro da
fazenda esteja receoso: tem medo, não quer
administrar, precisa já do dinheiro. Eu, sendo
ministro, e achando-me no lugar e circunstâncias de
S. Ex.a», vinha à câmara, (isto é uma paródia mal
feita desta situação ordinária), eu vinha à câmara
e dizia desta maneira: «Eu tenho necessidade, por
considerações de ordem pública, de arrematar o
contracto pelo tempo de três anos, porque tenho
combinações, conveniências financeiras, e não
posso prescindir para elas do contracto do tabaco.
Mas, leal e francamente, a minha intenção não é
por modo algum conservar este monopólio no país para
todo o sempre; e, portanto, ao mesmo tempo que a câmara
votar a continuação da arrematação por mais três
antigos, vote a sua extinção no fim deste prazo, ou,
se não votar a sua extinção, vote proposições que
demonstrem a nossa sinceridade em abolir o contracto.»
Mas S. Ex.a não me ouve, nem quer ouvir...
O SR. MINISTRO DA FAZENDA: - Tenho
estado a ouvir.
O ORADOR: - Nem me pode ouvir,
porque S. Ex.a é, em política, o mais materialista
que se pode ser: em quanto tem um voto, dorme à custa
da sua maioria, tabaqueia à sombra da sua maioria,
indemniza à sombra da sua maioria, e, ainda que por
um momento se vá embora, torna logo outra vez. Eu
nunca tive desejo de ser rei senão para ter o gosto
de que S. Ex.a fosse ministro perpétuo; seria sempre
o meu ministro da fazenda, o Sr. António José d'Ávila!
Sr. presidente, ainda mais. Pois
porque não há de o Sr. ministro da fazenda no seu
rigor fiscal, no meio do seu entusiasmo pelo monopólio,
deixar surgir uma aurora de esperança para as pobres
ilhas dos Açores, que lhe deram o berço, e que S.
Ex.a no meio da sua severidade patriota não
considerou, nem quer considerar: aquelas ilhas, e a
Madeira, onde S. Ex.a foi já exercer, não sei se o
cargo de lugar tenente para matar a cólera... Ah! não.!...
Foi à Madeira, como papa, para extinguir um cisma
religioso, que então ali existia... Foi rival do meu
ilustre amigo o Sr. José Passos. Porque não há de
S. Ex.a permitir que naquelas ilhas que devem
merecer-lhe a maior consideração, uma por ter
testemunha do o feliz acaso do seu nascimento, e a
outra o merecido caso de sua honra e elevação, e que
estão separadas do continente por tantas léguas de
mar, porque não há de S. Ex.a permitir que se
cultive ali o tabaco? É na verdade uma coisa
desumana, e estou persuadido de que os contratadores
serão menos ferozes do que S. Ex.a, e que permitirão
esta cultura; porque, segundo o que se disse, o
contrabando que podia ser importante era o do sabão.
E agora direi que quando fui às ilhas, pela primeira
vez, encontrava pelos sótãos grandes tabuleiros com
uma coisa tão amarela que me parecia marmelada. E na
verdade estive tentado a prová-la. Mas disseram-me
«Não toque aí, que é sabão.» O ilustre
ministro deve saber isto perfeitamente, e mesmo talvez
que a sua família fosse contrabandista.
Pois, Sr. presidente, receia-se a
cultura do tabaco nas ilhas por causa do contrabando,
e não se receia então que entrem navios no Tejo?
Pois os navios não estão mais próximos da alfândega
do que as ilhas dos Açores e da Madeira estão de
Lisboa? Pois as bichas, que dão caça a todo o
contrabando, não poderão dar caça ao tabaco?
Sr. presidente, disse o ilustre
deputado, o Sr. relator da comissão, que esta questão
«era uma questão de imposto.» Ora, nesta parte, eu
não desejo discutir com o meu ilustre amigo a justiça
deste imposto; porque S. Ex.a é um homem tão sujeito
à autoridade, e tão recalcitrante à opinião, que
apesar dos esforços do Sr. José Passos nunca pode
ser um verdadeiro progressista. Desejo ao ilustre
deputado todas as fortunas, como meu amigo particular;
mas não lhe desejo nenhumas como homem político.
Nunca poderá entre nos haver combinação, visto que
somos duas naturezas heterogéneas. Mas, Sr.
presidente, se o contracto era um imposto que rendia
muito, porque razão não havemos de permitir que em
algumas terras da monarquia se faça a cultura do
tabaco sem prejuízo do monopólio? Que pode isso
importar? Em 20 ou 30.000$000 réis? E o que é isto?
Nada. Ora, se se arrematar o contracto por
1.260.000$000 réis com as ilhas, e se se arrematar
por 1.200.000$000 réis sem as ilhas, estou persuadido
de que os ilustres deputados votarão que se arremate
o contracto com exclusão das ilhas. Isto é uma
barbaridade! O pior que acho a este ministro da
fazenda é ser empedernido: tem um coração de fera!
Sr. presidente, a ilustre comissão achou um meio de
conservar a sua bizarria progressista, e disse-nos que
isto não era questão de princípios. Então, bem!
Pela liberdade todos nós estamos, porque o parecer da
comissão é realmente um trabalho cheio de
expedientes luminosos, de concepções novas! A
liberdade, oh! Quem a dera! A régie quem a
dera! Mas vote-se a arrematação! De maneira, Sr.
presidente, que se vota tudo. absolutamente tudo.
Lembra-me dos meus trabalhos revolucionários. Quando
era preciso falar a muitas parcialidades, a muitos
homens valiosos para diversos empregos revolucionários,
íamos bater à porta dos mais catonianos e mais
decididos mas diziam-nos
«Estamos prontos, mas agora não é ocasião
oportuna.» Aqui é o mesmo; trata-se da régie diz-se
logo: «Isso é excelente: estou pronto a adoptá-la:
mas agora não pôde ser.» Trata-se de melhorar
qualquer ramo de serviço público. diz-se
imediatamente «Por agora não tratemos disso.»
Liberdade de cultura e fabrico do tabaco, coisa óptima!
Mas vota-se contra, assim como contra a régie,
por não ser ocasião oportuna, nem para uma nem para
outra coisa. Assim não se faz nada!...
Liberdade e régie, não se
fale nisso! Agora arremate-se, mas arremate-se já,
tomando todas as precauções... Ora há uma que
suponho ser uma das esperteza do Sr. ministro da
fazenda. Há uma cláusula neste projecto muito
excelente e muito previdente: é a cláusula do artigo
2.º. Esta cláusula, que a comissão aqui apresenta,
tirou-a de algum vade mecum. O projecto vem
mandar fazer o que se faz na feira de Agualva. «Ali
vai o contracto, e com ele, o governo vai autorizado a
arrematá-lo a quem der tanto. Se se der tanto,
arremata-se, e fica com o tabaco quem ofereceu esse
tanto; mas se não der, então fora! não se contrate,
nada de arrematar, porque se não chega à quantia que
se pedia». O artigo da comissão manda fazer o que
faz toda a gente, e todos os dias, quando tem de
vender alguma coisa. Uma pobre mulher vai a uma feira
vender um semovente: diz a pessoa que lho quer
comprar: «Eu quero tanto por este animal; se me dá
este preço, o animal é seu, senão levo-o para casa.»
E mais nada. Nem é mais nada o que a comissão faz.
Ela diz: «Pelo tabaco quero tanto: se não querem por
este preço, não arremato: fico outra vez com ele, e
cá me arranjarei: um dos poderes do estado pôde então
gerir o tabaco.» Portanto, nisto não há nem precaução,
nem esperteza, da parte da comissão: isto e o que faz
toda a gente que compra e vende.
Mas disse o Sr. ministro da fazenda
que este artigo 2.º era uma arma de que só faria uso
depois de levar o contracto à praça, e se não lhe
dessem uma certa soma. A comissão forneceu, ou o Sr.
ministro da fazenda lembrou que a comissão de fazenda
lhe fornecesse, uma arma que fica escondida debaixo da
capa de S. Ex.a para, caso os arrematantes não
cheguem ao preço, então fazer fogo sobre eles. (Riso.)
Ora, realmente isto é uma esperteza que autoriza
muito! Eu por ela exalo a lógica e viveza dos meus
amigos da comissão de fazenda! Como isto é que nunca
se fez!
Mas diz o meu amigo a quem me tenho
referido: «Não se vê o monopólio senão no tabaco,
quando há outros monopólios. Toda a gente dá
empreitadas; dá-se muita coisa de empreitada: e não
se sabe a razão porque se há de votar contra a
empreitada do tabaco.» É verdade que muita gente dá
empreitadas, e muita gente as toma: mas o que não é
fácil ver é que se chame um indivíduo a administrar
o que é meu ou de outro, para arruinar essa casa, ou
para evitar que ela tenha maior rendimento, ou o
rendimento que tiver o arrematante. Assim, quanto ao
tabaco, para que evitar que este monopólio não se
administre de modo que esteja mais em harmonia com os
bons princípios, e que o seu rendimento não esteja
por mais tempo estacionário em prejuízo dos
interesses do tesouro? Mas diz-se que por toda a parte
há monopólio de estradas, há monopólio de
caminhos-de-ferro. Diz-se que por toda a parte há
influências. E que importa a influência política?
Isso é uma coisa que... (Havia grande sussurro num
grupo de Srs. Deputados, que estava junto ao fogão,
do lado esquerdo.)
O ORADOR (com veemência): -
Sr. presidente, peço silêncio na câmara, (apoiados)
e que me respeitem o meu direito e dignidade de
orador! (Apoiados.)
O SR. PRESIDENTE: - Peço silêncio.
O SR. BARÃO DE ALMEIRIM: - E eu peço
que o ilustre deputado respeite mais a dignidade dos
membros da comissão de fazenda; que não compare a
comissão à feira de Agualva. (Apoiados.)
O ORADOR: - Eu não fiz tal comparação...
(Muitos apoiados. Vozes: - É verdade.)
O SR. BARÃO DE ALMEIRIM: - Fez,
sim senhor! Até falou nos amais que se vendiam na
feira. (Grande sussurro e confusão.)
O ORADOR: - Eu peço ordem. (Apoiados.)
O SR. PRESIDENTE: - Peço aos Srs.
deputados que não interrompam; O Sr. José Estevão
pode continuar.
O ORADOR: - Eu não fiz, nem era
capaz de fazer tal comparação. (Apoiados.) Se
o ilustre deputado não sabe entender o que eu disse,
a culpa não é minha...
O SR. BARÃO DE ALMEIRIM: - Entendi
muito bem, e podia responder ao Sr. deputado, e
responder-lhe maravilhosamente.
O ORADOR: - O ilustre deputado não
entendeu o que tinha obrigação de entender.
O SR. BARÃO DE ALMEIRIM: - Toda a
câmara entendeu como eu entendi.
O ORADOR: - Nego! Eu não disse o
que o ilustre deputado me atribui. E a V. Ex.a. Sr.
presidente, peço que faça o favor de explicar o meu
pensamento, que O sabe perfeitamente. Peço-o a V.
Ex.a, que é o juiz competente das nossas contendas;
invoco o testemunho de V. Ex.a; (Apoiados.)
invoco o seu testemunho por interesse do deputado que
lho pede, e dignidade da câmara a que V. Ex.a
preside...
O SR. PRESIDENTE: - Eu entendi, e
ainda entendo, que não tinha havido injuria no que o
ilustre deputado disse. (Muitos apoiados.) O
que o ilustre deputado disse, salvo erro, foi que o
que a comissão de fazenda queria com o seu projecto
que se fizesse, era o mesmo que se fazia, por exemplo,
na feira de Agualva...
O ORADOR: - Foi exactamente.
O SR. PRESIDENTE (continuando): ...
Que quando alguém ia à feira vender uma coisa e lhe
não chegava a certo preço, não vendia. (Apoiados
repetidos.) Peço agora ao ilustre deputado que
queira continuar, e rogo a todos que evitem as
interrupções.
O ORADOR: - Vou continuar, Sr.
presidente; e V. Ex.a explicou o meu pensamento tão...
O SR. BARÃO DE ALMEIRIM: - O Sr.
deputado disse que o projecto da comissão vinha da
feira de Agualva.
O ORADOR (com veemência): -
Sr. presidente! Sr. presidente! V. Ex.a explicou o meu
pensamento como eu o explicaria e explico agora do
mesmo modo. Disse, e torno a repetir, que a comissão
de fazenda exarou no seu parecer as regras domesticas
e estilos por onde se governa toda a gente que compra
e vende: o que se faz nas casas de comércio, o que se
faz nas casas de fazenda, o que se faz na feira de
Agualva, na das Galveias, na de Alfeizirão, na de
Leipzig, e enfim em todas as feiras, e o que o mesmo
ilustre deputado tem feito na qualidade de lavrador e
negociante: chega a uma feira e diz: «Quero tanto por
este género: se quer por este preço, está às suas
ordens; se não quer, deixe ficar.»
O SR. BARÃO DE ALMEIRIM: - Agora
está bem explicado.
O ORADOR: - Está agora, e esteve
sempre! (Apoiados.) Deixemos isto.
Sr. presidente, nós temos um
imposto, que não sei a razão por que se não dá
também por arrematação: é o imposto do papel
selado. Está nas mesmas condições, exactamente nas
mesmas condições que o tabaco. O governo compra o
papel fabricado (e pode fabricá-lo), põe-lhe o selo
e vende. E uma indústria tudo isto faz ele.
Disse-se aqui que se tinha enchido
de operários a casa da moeda ou do papel selado, ou
uma coisa e outra. Eu aproveito esta ocasião para dar
um testemunho da minha pouca valia política, porque
nunca pude meter um homem, nem na casa da moeda, nem
no papel selado. E já que estamos em caso de trocar e
explicar os nossos agravos, eu tenho este agravo do
Sr. ministro da fazenda de então nunca me meteu ninguém
no papel selado nem na casa da moeda; resistiu a todas
as minhas instâncias. Já se vê portanto que não é
tão grande o perigo de aumentar os empregados,
estando a fabrica do tabaco debaixo da influência do
governo.
Mas, Sr. presidente, o que ontem me
veio desenganar de que o governo não tem nenhuma
ideia de transacção neste caso, foram os argumentos
apresentados pelo Sr. ministro da fazenda a respeito
da arrematação do subsídio literário. A câmara
recorda-se de que o ilustre ministro não argumentou
de maneira que nos deixasse esperança de que alguma
vez se aboliria o contracto do tabaco; argumentou de
modo que nos tirava essa esperança para sempre,
porque o que S. Ex.a fez, trazendo-nos para exemplo o
subsídio literário, foi mostrar as vantagens do
sistema de arrematação sobre o de administração, e
mostrar que em toda a parte em que se tinha querido
substituir o sistema de arrematação pelo de
administração tinham sido maus os resultados.
Estas citações são deliciosas da
parte de S. Ex.a. São deliciosíssimas! E quer a câmara
saber qual é a lógica financeira de S. Ex.a? O
imposto literário, cuja arrematação lhe dava tão
bons resultados, aboliu-o S. Ex.a; a arrematação do
tabaco conserva-a, apesar de S. Ex.a ter reconhecido
que o sistema de administração é mais vantajoso!
Mas a questão não é nem de lógica, nem de conveniências
públicas, e, se o fosse, eu pediria ao Sr. ministro
da fazenda que aplicasse ao monopólio do tabaco a
mesma teoria que aplicou ao subsídio literário. Eu
sei perfeitamente que isto é uma pequice, uma miséria,
uma birra.
Diz o governo: «Ali vêm dezassete
engenheiros do Sr. Peto; votai o contracto do tabaco!»
Não vêm só dezassete: hão de vir todos os
engenheiros ingleses, e de toda a Europa: e daqui a
pouco tempo não se pode andar em Portugal com
engenheiros. Depois de se terem dado setenta e tantos
contos a Rennie (que ele dizia que lhe devia dar o Sr.
Peto, mas que o Sr. ministro das obras públicas
entendeu que era o estado que os devia pagar) depois
de se lhe terem dado setenta e tantos contos, vem
aí todos os engenheiros da Europa. E eu rogo a
S. Ex.a que, mesmo por
causa do preço dos comestíveis, daqui por diante não
faça destes pagamentos, aliás desertam os
engenheiros de toda a parte, e vêm para aqui. «Passeio
de Coimbra ao Porto pela estrada de Aveiro, 20.000$000
réis. Passeio de Coimbra ao Porto pela estrada de Águeda,
20.000$000 réis. Levantei-me às cinco horas da manhã,
uma hora antes daquela em que estou habituado a
levantar-me, 5.000$000 réis. Deitei-me às onze horas
da noite, porque estive a escrever um relatório,
5.000$000 réis!» Ora realmente, pagando nós assim,
vem para ali, repito, todos os engenheiros que há na
Europa! Isto é inaudito! Diga-se a verdade isto na
regeneração não se praticava, e se houvesse
ministro que o quisesse fazer, nós os progressistas
que aqui estávamos, não consentíamos em tal, mesmo
falando-nos a lógica do ilustre relator da comissão!
Cá nos iríamos arranjando como pudéssemos, mas,
mesmo sem a sua lógica, não faríamos semelhante
coisa.
Sr. presidente, os Srs. ministros e
a maioria o que querem é não pedir impostos ao país.
Pois hão de pedir-lhos. E, se estão receosos de
encontrar da nossa parte a mesma oposição que nos
fizeram a nós, por mim lhes declaro que não lha hei
de fazer, porque hei de votar os impostos que forem
precisos para obras públicas. Votarei impostos, se
eles tiverem o cunho popular que devem ter, e segundo
o credo progressista: mas quando forem impostos de
conveniências, de arranjos, destas combinações políticas,
não voto nada. Impostos como eu sei que tem votado o
partido progressista, que pesam sobre todo o mundo
menos sobre quem devem pesar, não os voto! E diga-se
a verdade de uma vez para sempre, não estou disposto
em nome de palavras, em nome de tradições, a aplacar
o meu fraco talento e a minha saúde a revoluções
sem substância, a ministérios sem princípios, e a
coalizões sem necessidade. Não estou para isso. Isto
não é vida para um partido forte e robusto: e
prefiro antes reduzir-me à minha pobre e
insignificante individualidade, do que a andar nestas
estafadeiras políticas em que se estragam as
faculdades, e não se faz nada para a causa pública.
Se o governo tem alguma ideia de
transacção e de justiça a este respeito, o seu
dever, visto que há uma proposta que oferece ao
governo tomar o contracto do tabaco, segurando-lhe uma
certa soma e distribuindo o resto que exceder por ele
e pelos proponentes, é examinar primeiro essa
proposta. E não deve arrematar sem a examinar. Se o
fizer, frauda escandalosamente os interesses do
estado, toca com as ideias de moral e decoro público.
Inquestionavelmente, votada a arrematação, esse
exame é inútil; e, da parte do Sr. ministro da
fazenda, é realmente um sofisma grosseiro dizer que
deixemos para depois de votada a arrematação o exame
de um expediente, que prejudica a arrematação. Se o
Sr. ministro da fazenda tem ideia de alguma vez abolir
a arrematação, deve consentir em que se decrete
desde já uma medida que abone a sinceridade da sua
intenção. Se o Sr. ministro da fazenda quer ligar
com o monopólio o melhoramento e alívio de que ele
é susceptível sem ofensa dos interesses da fazenda,
deve declarar também que consente em que as ilhas dos
Açores sejam isentas do monopólio, admitindo-se ali
a régie como ensaio desse mesmo sistema. Fora
disto não há senão uma pretensão certa, obstinada:
o desejo de macular um partido. Porque o Sr. ministro
da fazenda disse-nos aqui, em outro tempo, que o Sr.
Rodrigo da Fonseca Magalhães andava entre nós para
nos vexar e assassinar o crédito, e lastimava-nos, a
nós, pobres progressistas, por andarmos enleiados por
aquela serpente enganadora chamada Rodrigo da Fonseca
Magalhães.
Ora, Sr. presidente, eu acho-me
neste estado. A falar a verdade, não me sinto
afectado em nada... Acho-me no mesmo estado, não há
dúvida nenhuma, para entrar em todas as empresas com
o meu ilustre amigo e meu chefe da Junta do Porto,
(pois não me sinto menos homem desses tempos) ou com
o Sr. Rodrigo, que nunca tratou da arrematação do
contracto. Agora o que não sei, é se os senhores
querem roubar o Sr. ministro da fazenda ao seu partido
(de que ele não sai, já se sabe) ou se o Sr. Ávila
quer realmente dar cabo desta guarda velha.
O SR.
PASSOS (MANUEL): - La garde meurt, ne se rend pas.
O ORADOR: - Sr. presidente, eu do
que tenho pena não é de ver votar a arrematação,
porque sei que ela acaba. Nós temo-nos empenhado em
acabar umas poucas de coisas e temo-las acabado. Nem
eu quero registar as coisas que nos temos proposto a
acabar, e que já não existem... Mas também tenho
entrado nessas empresas, e não estou condecorado...
Ah! mas condecoro-me a mim mesmo! Eu sou um homem que
me condecoro a num mesmo. Por exemplo, vai o contracto
do sabão abaixo: ponho uma condecoração de uma
certa ordem, e ando em minha casa com a minha
condecoração. Vai abaixo o subsídio literário:
condecoro-me. Faz-se o caminho-de-ferro de Lisboa ao
Porto, um impossível, faz-se um impossível! - ponho
uma grande condecoração, uma condecoração enorme,
e ando por casa com ela... (Riso.) Vai o
contracto do tabaco abaixo, (porque há de cair!) -
grande condecoração! O Sr. ministro da fazenda é
então o encarregado da régie: condecoro-me,
faço-me monarca de mim mesmo, faço uma graça a mim
próprio! Mas o que me custa é realmente, sem
necessidade nenhuma, ver esta parte do partido
progressista, que, se não é a mais enérgica, nem a
mais decidida. pelo menos devia ser a mais
escrupulosa, porque representa o evangelho deste
partido, e que, se não pode representar a acção, a
energia. a iniciativa, pelo menos deve representar
sempre a inflexibilidade das suas crenças; o que me
custa é ver esta parte do partido progressista
depositando nas mãos de homens, que não são do seu
grémio político, homens em quem ela não pôde ter
confiança, homens que não podem ter confiança nela,
depositando, digo, um voto contrário ao seu timbre,
por motivos visivelmente insignificantes, por nenhuma
conveniência forte, por nenhum interesse serio, e
dando este triste espectáculo de cortar pelas ideias
de moralidade e de independência do poder, de perder
o ensejo de melhorar este ramo de administração e de
acabar com calúnias antigas e inveteradas, de
desafrontar os tribunais, de dar este golpe, a
despeito de todas estas considerações, por uma miserável
quantia de cento e tantos contos de réis anuais, que
o Sr. ministro da fazenda quer lucrar com a arrematação!
Eu, Sr. presidente, não acredito em tais razões, não
dou atenção a tais motivos. Sei que isto a princípio
começou por uma pequice financeira, e acaba agora por
uma obstinação política.
Mas o meu partido há de ser
obrigado a passar pelas forcas caudinas há de votar
esta lei, assim como há de votar muitas outras.
Porque a regeneração foi imitada até ao ponto em
que não podia deixar de o ser, por isso que sem a
imitação dela era impossível que o governo tivesse
força moral para substituir. Mas não tem sido
imitada um passo mais além daquilo em que a imitação
era um meio essencial de governo. Imitou-se a regeneração
no caminho-de-ferro do norte, porque era uma
iniciativa de tal ordem que não se podia deixar de
cumprir imitou-se no subsídio literário mas, desde
que veio uma questão grande em que se podia
tergiversar, em que houve interesses fortes contra
ela, em que havia prejuízos e prejuízos importantes,
parou a imitação. De maneira que este governo, em
relação à regeneração, e o progresso indispensável
e a retrogradação possível. Por ora este é o carácter
do governo; tudo quanto ele faz de progresso é o que
não podia deixar de fazer, e tudo quanto faz contra o
progresso é tudo aquilo que pode fazer. Por ora é o
contracto do tabaco; mas desde já declaro à câmara
(oxalá que os meus vaticínios se não cumpram!)
daqui por diante, nem as iniciativas populares, nem
mesmo os interesses do partido, nunca hão de ser
considerados por este governo; porque eu, Sr.
presidente, (e acabo com isto) cheguei a ser esmagado
no coração por paixões mesquinhas: eu empenhei-me
por que se desse uma pensão à viúva de um dos meus
mais íntimos amigos, e dos mais distintos
progressistas históricos, (porque, digo de passagem,
há históricos que são só histórico, há históricos
que não têm história, e há históricos que têm má
história) (riso) e um dos mais estrénuos
defensores, dos mais valentes soldados e dos mais
corajosos juizes desta terra! (Apoiados) Eu
empenhei-me para que se desse uma pensão à viúva do
valente Pina Cabral! (Apoiados.) Apoiado quê!
apoiado agora, depois de por toda a parte me terem
cercado de insinuações pérfidas, depois de terem
dito que eu vendia o sangue e a memória dos meus
amigos à minha posição política!
Eu alcancei de uma câmara que não
era progressista um voto de recomendação ao governo
para lhe dar uma pensão, e vós deixastes passar um
tempo intercalado em que o partido progressista
preponderou, e a pensão não está dada! Que me
importa que se vá dar! Dá-la agora, é menos que fazê-la
passar na câmara passada: e, se vós tendes sido tão
tardios para a dar, para que fostes tão diligentes em
caluniar aquele que vos antecedeu em desejos sinceros
e diligências profícuas, não para dar de comer a
uma viúva, o que é coisa respeitável, mas para dar
um testemunho de lealdade pela posição em que me
achava, porque os interesses do meu partido foram
sempre mais ouvidos e atendidos diante do ministério
passado do que neste hão de ser. E se não, aí está
uma proposta para uns sargentos do exército, ela aí
está, para esses pobres homens que andam
constantemente iludidos e enganados, e a quem nunca hão
de fazer justiça; e quem se constituiu seu protector
deve dizer-lhes o mesmo, e não os enganar, como não
é capaz! Eu não os abandonei, fiz o que podia fazer,
mas não alardeei que havia de fazer aquilo que não
era capaz de fazer, e que não podia fazer.
O SR. PASSOS (MANUEL): - Peço a
palavra, Sr. presidente.
O ORADOR: - Eu não sei se me
dirigi ao ilustre deputado…
O SR. PASSOS (MANUEL): - Permita-me
a interrupção. Quanto à viúva de Pina Cabral, eu e
o nobre deputado assinámos a proposta; a proposta está
aqui. Pelo que tora a todos os negócios de interesse
do país, eu hei de votar como entender, considerando
que nós somos representantes do país.
O ORADOR:
Não me refiro ao ilustre deputado; o que é
que deste lado da câmara não se obtém nada. Diziam
o mesmo a pobre viúva. Eu peço à câmara desculpa
de tratar de semelhante negócio nesta ocasião; é
uma coisa pequena. Mas, enfim, isto é um desabafo: e
se querem que fale a verdade...
O SR. PASSOS (MANUEL): - O ilustre
deputado disse que tinha sido caluniado; o ilustre
deputado sabe, e Deus o sabe, que nem na minha consciência,
nem pela palavra, nem pela pena, o nome do ilustre
deputado deixou nunca de ser pronunciado com o
respeito que merece ao seu país, e que há de merecer
à história pela pureza do seu coração, ao qual
Deus há de fazer justiça, como lha faz a geração
presente e como não pode deixar de fazer-lhe o seu
maior amigo.
O ORADOR (chorando): - Ao
ilustre deputado só tenho a dizer que nunca tive coração
senão para o amar, e que desde que a sua mão
escreveu sobre o túmulo de meu pai as frases sentidas
que a morte de tão distinto homem arrancou às suas
simpatias e virtudes, desde esse momento os vínculos
da nossa união e amizade são tão sagrados como
aqueles que...
O SR. PASSOS (MANUEL): - Peço
desculpa de ter pedido a palavra com algum calor; mas
a calúnia nunca chegou às solas do ilustre deputado,
porque era mais fácil segundo a expressão de um
antigo, que o sol se desviasse da sua carreira do que
o ilustre deputado do caminho da virtude. O ilustre
deputado não precisa deste testemunho; mas quem
gravou o seu nome com tanta glória na história do
seu país, que deve fazer justiça aos seus amigos. Nós
não podíamos fazer injuria ao mais estrénuo
defensor da liberdade desta terra e que tanto honra a
tribuna portuguesa.
O ORADOR: Eu quero acabar esta
cena imprópria da vida pública, mas a que o meu coração
não pôde resistir...
O SR. PASSOS (MANUEL): - E há de
acabar com um abraço. (Saiu da sua cadeira e foi
abraçar o orador.)
O ORADOR: - Vou sentar-me debaixo
desta comoção que me fez enternecer bastante.
Eu voto uma, duas, três, quatro, e
mil vezes contra o parecer da comissão, e peço a
quem quer que nesta casa tem influência no ministério,
como maioria, como homem público, de qualquer lado
que seja, que exija do Sr. ministro da fazenda as
declarações necessárias para podermos com ele
manter as relações que o nosso cargo demanda. Estas
declarações são as seguintes:
Há de ou não atender-se a uma
proposta feita por cidadãos portugueses, para
administrarem o contracto do tabaco por conta do
estado, segurando ao mesmo estado uma certa soma, um
certo lucro?
Esta proposta há de ser tomada em
conta antes do Sr. ministro se decidir pela arrematação,
porque essa arrematação anula essa mesma proposta?
Está o Sr. ministro disposto a
fazer declarações escritas e solenes de que há de
acabar com o contracto dentro de três anos?
Está o Sr. ministro disposto a
consentir que as ilhas dos Açores sejam isentas do
sistema de arrematação, para nelas se estabelecer a
liberdade ou a régie?
Promete o Sr. ministro não
embrulhar todos esses papéis que estão na mesa, e
contentar-se com o voto moral, mas não regular da câmara
sobre a arrematação, valendo-se depois da ausência
do parlamento para arrematar, sem ter recebido do
mesmo parlamento as restrições necessárias para
proceder a essa arrematação?
Tenho-me feito entender pelo Sr.
ministro ou não? Recusa-se o Sr. ministro a
responder?… Embora! Essa recusa também me serve mas
quero que o seu silêncio seja bem visto e brade bem
alto. Tenho concluído.
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