| SESSÃO
                          DE  6 DE
                          FEVEREIRO DE 1840   (Pronunciado
                          na discussão da resposta ao discurso da coroa)
                          
                            
                          
                           Antes
                          de começar a falar, declaro que todas as minhas
                          expressões se devem entender no sentido matemático,
                          e portanto ninguém terá razão para se ofender
                          delas.
                          
                           Sr.
                          presidente, a câmara está debaixo de um grande peso
                          de razões, dum grande peso de argumentos, argumentos,
                          que eu vi calar através da atmosfera das facções no
                          ânimo dos Srs. ministros, ressumbrando em seus rostos
                          a convicção de verdades, que eles mal poderão
                          contestar.
                          
                           Depois
                          do eloquente discurso do Sr. José Alexandre de
                          Campos, nada posso eu dizer que aproveite à questão,
                          nada que aproveite ao meu crédito pessoal; apesar
                          disto, o meu nome apareceu na lista dos inscritos, e
                          é força que cumpra o meu dever, depondo no seio da câmara
                          as minhas convicções em ocasião tão solene, em matéria
                          tão ponderosa.
                          
                           Sr.
                          presidente, uma voz grande e generosa soou nesta casa.
                          Seus efeitos foram mágicos: um brilhante sortilégio
                          se operou dentro destas paredes, as bandeiras dos
                          partidos tomaram seus lugares, os timbres das nossas
                          opiniões extremaram nossos campos, fez-se-nos justiça,
                          destruíram-se antigas e atrocíssimas calúnias! Uma
                          voz se levantou do centro da câmara, e desde então o
                          caos de leis anárquicas está daquele lado (o
                          direito), os grandes democratas do país ali estão,
                          os grandes males públicos dali vieram, os grandes
                          ataques ao trono daquele lado nasceram. 
                          Nós estamos inocentes, nós estamos ilibados!
                          Agradeçamos ao centro generoso! Ele é que nos
                          salvou: só a sua omnipotência e virtude nos podia
                          arrancar aos dentes da calúnia e das facões! Sr.
                          presidente, depois de um facto tão importante, depois
                          de um favor tão assinalado, porque nos não abraçamos
                          nós com esse centro benfazejo? Porque, Sr.
                          presidente? Porque o centro é prudente, é
                          circunspecto, sabe avaliar as circunstancias,
                          respeitar os factos e sujeitar-se a eles: e agora há
                          um facto grave, gravíssimo para o centro, que é o
                          ministério. Se não fora ele, nossos braços se
                          estenderiam para darmos o amplexo cordial... Novo
                          motivo para praguejarmos a nova administração, que
                          nos desprende, talvez para sempre, d amigos tão
                          antigos e tão históricos!
                          
                           Eu
                          disse, que o centro da câmara sabe respeitar os
                          factos... Vai a mais a sua ciência; o centro sabe
                          apropriar-se de todos os factos, e declarar-se o
                          fautor e autor de todos os acontecimentos que aparecem
                          no nosso globo! Tudo Se faz pela ordem, em virtude da
                          ordem, pelo bem da ordem, e em nome da ordem! Sr..
                          presidente, o centro da câmara é aquele
                          bem-aventurado louco, que se declarou dono do porto do
                          Piréu, e de todos os navios que nele entravam. o
                          porto do Piréu é o banco dos ministros, e as
                          galeras, que nele entram, são os diferentes ministérios.
                          (Riso prolongado.) Perdoe-se-me esta comparação, que
                          talvez seja baixa: aventuro outra. o centro da câmara
                          é um fidalgo da aldeia, que se pretende aparentar com
                          todos os titulares, por consanguinidade, por
                          afinidade, e até por bastardia! (Hilaridade geral e
                          prolongada.) Sr. presidente, serão talvez ímpias
                          estas minhas palavras: os gozos da vida não passam de
                          ilusões, e pode ser que eu tenha perturbado a mansão
                          de inefáveis prazeres, em que vive o centro ditoso e
                          fátuo... Mas esta crença de poder será uma ilusão?
                          Não, senhores, é uma realidade, e os factos no-lo
                          provam. Não ha um ano que um membro daquele lado da câmara
                          (o direito), lançando muitas palavras para o centro,
                          então quase imperceptível o felicitou de haver
                          tomado o volume de um átomo; não há um ano que esse
                          centro, na opinião de outros, espírito volátil,
                          encamou por algum tempo na direita; e hoje esse
                          centro, forte, poderoso, colossal, empunha o facho da
                          civilização, vai meter a luz da ordem em todas as
                          nossas leis, e obriga o partido, em que encarnou, a
                          pedir-lhe perdão de seus erros e a arrenegar de suas
                          convicções! E a nós, limpando-nos da baba da calúnia,
                          restitua-nos ao país, puros, como sempre fomos.
                          
                           Este
                          centro, que mu vezes tem morrido, e muitas vezes
                          tomado à vida; este centro, que tem passado por
                          milhares de sortilégios; este centro grupo de duendes
                          políticos, - não admira que encare sem susto as
                          sombras dos ministros ressuscitados. Mas, Sr.
                          presidente, a este respeito fora melhor que houvesse
                          de menos um exemplo, e de mais um testemunho de gratidão:
                          um discurso antes menos concludente, mas mais
                          atencioso, o nobre visconde de Sá tem certamente
                          cometido erros políticos, mas nunca ressuscitou no
                          poder para vir atraiçoar o seu país... Quando nós
                          estávamos meditando com respeito na omnipotência do
                          centro, e agradecendo em silencio o serviço que
                          acabava de prestamos, um deputado central, como que
                          pesando-se desse acto de justiça, levantou-se contra
                          este lado da câmara (o esquerdo) com todo o poder da
                          sua voz, com a maior acrimónia de frases, com a mais
                          viva expressão dos gestos, e, proclamando-se carrasco
                          do despotismo e cavaleiro da liberdade, metei-nos na mão,
                          ora o alfange argelino, ora o cuco anarquista.
                          pintando-nos a folgar sobre as ruínas do país, que só
                          nós havíamos feito!!!
                          
                           Sr.
                          presidente, a ofensa foi grave, muito grave... E que
                          desforra devemos nós tomar? Esquecei-a, perdoai-a! Nós?
                          disse eu. Sim, nós, - porque quando proclamo
                          sentimentos de generosidade, sei que sou verdadeiro órgão
                          deste lado da câmara (o esquerdo). A generosidade está
                          sem duvida nas cabeças e nos corações de todos os
                          meus amigos políticos. Mas, se perdoamos as injúrias
                          que se nos fazem, não podemos perdoar as que são
                          irrogadas ao país; a nossa voz pertence-lhe, e é forçoso
                          levantá-la para destruir as imputações que se lhe
                          fizeram, imputações, felizmente, tão falsas, como
                          imprudentemente alegadas.
                          
                           No
                          soleníssimo momento em que o estrangeiro nos cobre de
                          calúnias nos seus parlamentos e nas suas imprensas;
                          no soleníssimo momento em que, por ventura, ou
                          teremos de ceder a todas as suas infundadas exigências,
                          ou de vestir, para o guerrear, as armas do Condestável
                          (muitos apoiados) - nesse mesmo momento, é que se
                          denuncia o país em tal estado de miséria, de confusão
                          e de anarquia, que mais é de esperar que roguemos a
                          esse estrangeiro o beneficio duma colonização, do
                          que levantemos braço para lhe resistir! - Vinde,
                          estrangeiro orgulhoso, que os nossos armazéns estão
                          desprovidos e os nossos arsenais vazios; vinde, que a
                          acção do governo é morta e o espirito da
                          nacionalidade extinto; vinde, que só encontrareis
                          diante de vós os punhais dos assassinos, a debilidade
                          dos tumultos, o desleixo da indiferença!
                          
                           Felizmente
                          estes brados são enganosos; são vociferações de
                          partido, e ai do estrangeiro se confiasse nelas!
                          Magoa-me, contudo, que um coração português, que
                          ainda resputo tal, se deixasse vencer, em tão grande
                          discrime, das paixões políticas, e se esquecesse do
                          país para só se lembrar dos dissídios das facões!
                          Triste indiscrição, que a todos nós deve servir de
                          exemplo! Sr. presidente, para bem descrever o país,
                          é preciso ser digno dele, e ano tomar para ponto de
                          perspectiva as rivalidades conterrâneas e as rixas da
                          vizinhança; é preciso observa-lo pelas lentes da
                          verdade, e ano pelo prisma das facções.
                          
                           Eu
                          vou pois clarear, um por um, os traços infiéis e
                          carregados, com que se falsificou o quadro do país.
                          Um dos meus honrados amigos disse que os
                          administradores de concelho ano serviam para executar
                          os trabalhos cadastrais, pelo modo como eles estavam
                          organizados entre nós: logo um ilustre deputado lhe
                          imputou o haver ele dado por absolutamente inábeis
                          essas autoridades, e, com esta suposta decalcarão,
                          julgou triunfantes os projectos do governo!
                          
                           O
                          ministro, que entre nós empreendem primeiro os
                          trabalhos cadastrais, fez traduzir do francês os
                          modelos dos seus mapas, e ano sei se em boa linguagem.
                          Nesses mapas acha-se o seguinte dizer: terrenos
                          incultos em léguas quadradas. Como há de um
                          administrador de concelho satisfazer a estas exigências,
                          executar este trabalho? É impossível. Se a esse
                          grande arsenal da legislação francesa vão de contínuo
                          os nossos estadistas buscar os exemplos e as teorias
                          governamentais, porque ano hão de ir buscar os princípios
                          orgânicos de cada uma das repartições do Serviço Público?
                          Se o Sr. ministro tivesse estudado bem, em vez de copiá-la
                          apenas, a legislação francesa, lá veria que o
                          complexo dos trabalhos cadastrais esta dividido entre
                          as autoridades administrativas, as judiciais e os
                          engenheiros; a medição dos terrenos é feita pelos
                          engenheiros, que têm as noções cientificas necessárias
                          para dar conta desses trabalhos. E nunca foi
                          encarregada ao maire, que ano pode ser
                          agrimensor. Muitas vezes, Pois, é pela ignorância
                          dos ministros que as leis se ano executam. Falou-se em
                          regulamentos. Aqui é que bate o ponto; aqui é que
                          esta a grande falta administrativa.
                          
                           O
                          que são pela maior parte os ministros em Portugal?
                          Uns homens que vêm aquelas cadeiras para
                          desacreditarem as leis de que ano gostam, e pedirem
                          outras que lhes façam conta; para lerem os seus três
                          relatórios, que às vezes são obra dos amigos,
                          (riso) e as suas propostas de lei, de ordinando tão
                          bem meditadas, que ano podem sofrer a censura das
                          comissões, saindo de ia tão desfiguradas que parecem
                          outras. (Riso). Depois que estas propostas passam a
                          lei, os nossos desapiedados ministros põem-nas fora
                          das secretarias, como um mau pai faz sair seu filho do
                          casal para correr fortuna pelo mundo. (Riso geral.) E
                          diz-lhes: «Se conseguirdes fazer-vos respeitar, bem;
                          o vosso património são as palavras que gastamos em
                          vos discutir, e as despesas que fizestes na Imprensa
                          Nacional. Se estes valores se perderem, paciência:
                          faremos outra tentativa, adoptaremos outros princípios,
                          arranjaremos outra formada de leis, e alguma há de
                          sair boa!» Eis aqui os nossos ministros! E o povo que
                          sofra os descuidos dos governantes e os desvarios das
                          facões!...
                          
                           O
                          princípio das candidaturas é hoje apregoado por
                          muitos jurisconsultos respeitáveis, citados de contínuo
                          por quem deles ano alega senão as más doutrinas. As
                          bases de um bom sistema administrativo são a confiança
                          e o poder; e as candidaturas reúnem estas duas condições,
                          dando ao poder todo o prestigio da confiança, e à
                          confiança toda a forca do poder.
                          
                           Notou
                          o Sr. José Alexandre que se ano mencionam no projecto
                          do governo os meios com que se há de pagar aos novos
                          administradores dos concelhos de nomeação regia. Lá
                          se lhes decretam ofícios acumulados, atribuições
                          diversas e encargos importantes, para o exercício dos
                          quais se há de certamente estabelecer uma larga
                          tabela de emolumentos com que o país será vexado,
                          aparecendo, a toda a hora e por todo o motivo, as
                          portas do cidadão os impertinentes esbirros do Sr.
                          administrador! Sr. presidente, a pura nomeação regia
                          para as autoridades locais ano é um sistema novo
                          entre nós: já tivemos provedores, e essa
                          magistratura tinha aquela origem. E que foram os
                          provedores? Factores de continuas discórdias nas
                          povoações, invasores descarados do poder municipal,
                          orgulhosos ostentadores da autoridade, homens sem
                          princípios, sem consideração, infleis na gerência
                          das rendas dos concelhos, finalmente (permita-se-me a
                          expressão) galopins eleitorais. (Risadas.) E como há
                          de o governo escolher doo empregados dentro das
                          paredes das secretarias? Belamente! Essa não é a
                          duvida, porque o governo tem uma lista de 500 pessoas
                          que precisa arranjar, e esse é um dos principais
                          motivos do sen projecto...
                          
                           (Há
                          tumultos). Onde estão eles entre nós. hoje que
                          Portugal é o país mais sonegado da Europa?
                          Tumultua-se actualmente em Franca, por política, por
                          fome e por interesses comerciais; tumultua-se em
                          Inglaterra, por política, por fome e por interesses
                          comerciais; tumultua-se na Rússia, por motivos
                          religiosos; em Hanôver, para sustentar a constituição;
                          na Holanda, para fazer demitir o ministro; em Espanha,
                          para vencer eleições; e até, segundo parece, se
                          tumultua na Rússia, e ano há lá Código
                          Administrativo! (sinais negativos.) De ali foram
                          desterrados 300 oficiais para a Sibéria, e certamente
                          não os mandaram fazer aquela viagem por estarem
                          sossegados. Quando tanto se apregoa a ordem, é
                          preciso satisfazer as suas primeiras condições - a
                          verdade e a discrição: e é certamente contra os
                          seus ditames propalar sistemas imaginários, fazer
                          promessas impossíveis e acender esperanças vãs.
                          Tumultos, só não os haverá quando todo o país
                          estiver como está hoje Palmira. Então ouvir-se-ão
                          somente, através do silencio das ruínas, as passadas
                          de algum viajante ordeiro que venha contemplar nelas a
                          perfectibilidade do seu sistema!
                          
                           O
                          mesmo ilustre deputado, frenético contra este lado da
                          câmara, lançou sobre nossos vestidos, gota a gota,
                          todo o sangue dos assassinatos, que se têm cometido
                          em Portugal depois da restauração.
                          
                           Sr.
                          presidente, foram os ministros da Carta que, depois da
                          convenção de Évora-Monte, consentiram que o punhal
                          das facções andasse solto pelas ruas da capital,
                          vingando ódios e malquerenças passadas, que os
                          moribundos viessem arrastando-se a dar o ultimo
                          arranco na sua presença, e não sei mesmo se com as
                          rodas de suas berlindas pisaram algumas vezes os cadáveres
                          dos infelizes que deixaram assassinar! Este punhal
                          devastador passou da capital para as províncias, e
                          das mãos dos fanáticos políticos para as dos
                          salteadores facinorosos! Penetrou nas nossas mais
                          pequenas povoações, infestou todas as nossas
                          estradas. e semeou por toda a parte os seus horrorosos
                          estragos! Isto são factos, Sr. presidente: o
                          assassinato começou em Portugal por fanatismo político,
                          alentou-se pelo desleixo, continuou pelo exemplo. e
                          generalizou-se por necessidade... 
                          Por necessidade, sim!... Sr. presidente, a lei
                          a mais imprudente, a mais atroz e provocante, a lei
                          das indemnizações, (intuitos apoiados) levantou
                          esperanças enganosas, suscitou pretensões
                          esquecidas, sancionou exigências indiscretas, e
                          distraiu dos seus mesteres o laborioso artista, o
                          pequeno comerciante, o proprietário de poucos teres,
                          com a expectativa das prometidas delicias, com a mira
                          dos prejuízos ressarcidos 
                          A ilusão dissipou-se: e os homens iludidos,
                          tendo perdido o hábito do trabalho, entregaram-se ás
                          violências, para haverem aquilo que a lei lhes tinha
                          prometido. e cuja recusa reputaram depois um roubo,
                          que Ihs dava direito a Outro roubo! A lei das
                          indemnizações espalhou no país mais de três mil
                          punhais, e perdeu muito cidadão útil e honesto!
                          Recaia pois a culpa desses assassínios sobre quem
                          promulgou essa lei!...
                          
                           Sr.
                          presidente, desculpe-me a câmara a minha excessiva
                          exaltação: o ilustre deputado, a quem respondo, teve
                          a por honra e crédito do sistema monárquico-representativo:
                          eu tenho-a pela honra e crédito deste lado da câmara
                          (o esquerdo), que não valera tanto como o sistema monárquico-representativo,
                          mas que a nossos olhos vale a inocência dum partido.
                          (Apoiados.) Sr. presidente, desde 1820 até 1826 houve
                          em Inglaterra 7000 pessoas condenadas a morte!... É
                          verdade que a legislação Ia é mais barbara; a pena
                          de morte é aplicada a muitos crimes, mas o júri faz
                          as leis piedosas interpretações. E não obstante,
                          repito, houve em Inglaterra, no espaço de sete anos,
                          7756 pessoas condenadas a morte, isto é, mais de mil
                          condenados por cada ano!... Em Franca, o ano passado,
                          as mortes violentas cegaram a três mil!... Oh! Sr.
                          presidente, pois se a Inglaterra, que há duzentos
                          anos é livre, e a Franca, que sempre aqui se nos
                          inculca por modelo, apresentam destes exemplos, como
                          querem ver entre nós, ainda noviços, um apuro de
                          moral, um vigor de administração a que esses países,
                          encanecidos em liberdade, não têm podido cegar, e de
                          que nos afastamos cada vez mais, substituindo ao
                          circunspecto exame das leis o furor reaccionário
                          contra todas elas?! (Muitos apoiados.) Sr. presidente,
                          e quem fez mais serviços. e serviços mais
                          assinalados para reprimir o contagio dos assassinatos,
                          e melhorar a segurança publica? foi este lado da câmara
                          (o esquerdo), que propôs. discutiu e votou a lei
                          excepcional, lei excepcional, que o Sr. ministro da
                          justiça pede agora para Lisboa... para Lisboa, onde,
                          segundo um ilustre deputado do centro (apontando para
                          o Sr. conde da Taipa), estão as instituições
                          liberais estabelecidas dum modo que faz inveja a todos
                          os países!... Sr. presidente, eu rejeito essa lei
                          (vivos apoiados do lado esquerdo) em nome... (bradando
                          com a voz mais forte) do Sr. conde da Taipa...
                          (Hilaridade.)
                          
                           O Sr. Conde da Taipa (que estava distraído, voltando-se para o
                          orador): - O quê? não ouvi. Não ouvi.
                          
                           O Orador: - Eu lhe digo: o Sr. deputado disse que Lisboa esta no estado
                          normal, que nela se realizam todas as condições do
                          sistema constitucional, que pode servir
                          
                           de
                          tipo de civilização a todos os países. Ora o Sr.
                          Ministro da justiça pede a aplicação da lei
                          excepcional para Lisboa: digo eu que não é precisa  - e que a rejeito em nome de V. Ex.a (Riso).
                          
                           E
                          a lei das guardas de segurança, tantas vezes exigida
                          por este lado da câmara, (o esquerdo) e nunca tomada
                          em consideração pelos ministros da Carta, quem a
                          decretou afinal? O Congresso Constituinte. Ainda na
                          passada sessão, por uma triste deferência com os
                          Srs. ministros, essa lei esteve para ser sacrificada a
                          vistas mesquinhas. E quem a salvou deste perigo? Este
                          lado da câmara.  Entretanto essa lei era orgânica, e os que agora falam na
                          necessidade instante de constituir o país esforçaram-se
                          para que ela se não executasse!
                          
                           Diz-se
                          que «o país esta indiferente as contendas políticas.»
                          Que indiferença é essa do país? Em uns há a
                          indiferença do gozo. a satisfação do bem estar:
                          respiram livres das tiranias que os oprimiam,
                          descansam a sombra das leis constitucionais, e
                          (desfrutam o suor de seus trabalhos, que a
                          aristocracia em outro tempo lhes devorava. E que farão
                          estes indiferentes quando se virem debaixo das garras
                          dessa nova mesquinha aristocracia, que agora se
                          prepara para os massacrar? Vê-lo-emos. 
                          Noutros, a indiferença é o desprezo por essa
                          voz de retrogradação, o escárnio por essas
                          infernais saudades do absolutismo, que a nação
                          detesta do fundo do seu coração. (Apoiados).
                          
                           «Mas
                          o país esta entregue ao arbítrio dos valentões!»
                          Quereis vós saber quem são estes valentões? São os
                          homens a quem o sistema constitucional abriu as portas
                          da arena política; são os homens chamados pela nossa
                          lei à intervenção nos negócios públicos. Cônscios
                          de seus direitos disputam os cargos locais e a gerência
                          administrativa às famílias que tinham enfeudada a
                          governança dos municípios.
                          
                           E
                          que dispunham dos seus bens sem responsabilidade. São
                          estes valentões que formam a monarquia de
                          turbulentos, de que falou o Sr. conde da Taipa.
                          (Riso). Algumas vezes, (despeito desta aristocracia
                          aldeã arroja-se a meios violentos e, supondo-se ainda
                          nos passados tempos, cerca-se de abegões e criados e
                          quer ditar a lei a golpes de fouce e de enxada. Então
                          aparece a resistência, e a ordem clama contra os
                          motins que suscitou! (Sensação).
                          
                           Também
                          se disse, em tom de grande argumento, que «as nossas
                          terras pequenas se acham em estado de barbaridade
                          feudal.» Mas quem não sabe que nas divisões
                          territoriais de um país se acham representadas todas
                          as épocas do progresso social, e que esta barbaridade
                          das aldeias é a retaguarda da civilização antiga,
                          que ainda se não pode desalojar de todo do campo da
                          civilização moderna? Na Bretanha há povoações
                          muito menos civilizadas que as nossas, gente mais fanática,
                          menos tratável, de costumes mais ásperos. os
                          emigrados que o digam. Que se observava na Irlanda
                          governada por esse regime de ordem bárbara que tanto
                          se nos recomenda, e que se deseja implantar entre nós?
                          os seus camponeses são mais miseráveis e brutais que
                          os nossos! Sr. presidente, para descrever o carácter
                          de um pais, é preciso avaliar todas as suas acções,
                          é preciso julgá-las conjuntamente; numa palavra, é
                          preciso não fazer a um povo a injustiça que um indivíduo
                          não suportaria. Qual será o homem, por mais respeitável
                          e austero, a que se não possam irrogar graves
                          censuras, se se tomar isoladamente uma acção da sua
                          vida para o caracterizar? O país é e quer ser livre,
                          e, desenganemo-nos, há de sê-lo! Nossas esperanças
                          invencíveis de liberdade já não murcham, nem podem
                          murchar (com força), e hão de rebentar dentre todos
                          os sortilégios ordeiros e sofismas doutrinários...
                          (Vivos apoiados do lado esquerdo).
                          
                           O
                          Sr. Derramado: - E contra todos os sortilégios anárquicos!
                          
                           O
                          Orador:   .
                          . . e hão de rebentar dentre esses sortilégios e
                          sofismas, para perdoar no dia do sen triunfo a tantas
                          esperanças dignas de compaixão. a tantos projectos
                          loucamente concebidos!... 
                          (Novos e estrondosos apoiados do lado
                          esquerdo.)
                          
                           Veio
                          a Carta, Sr. presidente, e a Carta foi baptizada num
                          rio de sangue. A Carta esteve exilada, e durante o seu
                          exílio correu sangue por ela. Voltou as nossas
                          praias; e de ia um jorro de sangue a trouxe a capital
                          e a firmou no poder, e com ela, na cabeça da rainha
                          uma coroa, levantada do pó da tirania até essa
                          augusta fronte, em um montão sempre crescente de cadáveres
                          portugueses! Sr. presidente, esta grande obra foi
                          nacional (apoiados); nenhuma das fracções de homens,
                          que por diferentes modos sofreram pela liberdade, pode
                          arrogar-se a gloria exclusiva de a ter executado.
                          (Apoiados.) Não foram sete ou oito mil emigrados,
                          intrigando-se por palavra e por escrito, dando e
                          tirando coroas, fazendo e desfazendo repúblicas, os
                          que fizeram esta grande obra (Apoiados.) 
                          Para ela concorreram, em grande parte, os que
                          gemeram nas prisões, e que protestaram ali a todo o
                          instante contra os horrores da tirania, mostrando
                          nesses arriscados transes mais coragem do que era
                          preciso desenvolver nos bailes de Franca, ou nos
                          pasmatórios de Plimouth! (Apoiados). Sim, foram esses
                          corajosos mártires que conservaram, no meio dos
                          furores da tirania, aquele fogo sagrado da liberdade
                          que nunca Se apagou no país, e que nunca se há de
                          apagar, a despeito desta névoa de cinza ordeira, com
                          que o pretendem cobrir! (Repetidos apoiados do lado
                          esquerdo). Foram as autoridades que, recebendo a missão
                          do tirano, a procuraram exercitar com doçura,
                          sacrifico as vezes mais arriscado do que os perigos
                          que se correm ao empunhar uma espada, porque ele te
                          pendurava sobre a cabeça o cutelo da vingança
                          (apoiado), que a todo o instante os podia castigar de
                          sua frouxidão. Foram aqueles que promoveram as
                          comunicações, conservaram as esperanças, amaram os
                          tíbios, protegeram as emigrações, armaram os
                          soldados, e abriram as portas das povoações ao exército
                          libertador, que, sem este socorro, teria de ver acabar
                          o curso de suas vitórias diante dos frágeis muros de
                          algumas cidades. Foram finalmente os sessenta mil
                          soldados, tirados pela maior parte das classes que
                          agora se pretendem excluir da uma...
                          
                           O
                          Sr. Conde da Taipa - Tudo se deve à classe média...
                          
                           O
                          Orador: - A classe media estava nos estados maiores,
                          estava nos comandos, estava nos comissariados, estava
                          na parte filosófica da expedição, estava empregada
                          na grande corretagem política. (Riso.) Assim, Sr.
                          presidente, não só é exacto, segundo disse o Sr.
                          ministro do reino, que não faz mais serviços à
                          liberdade aquele que primeiro acode ao sino, que S.
                          Ex.a lá pintou pendurado no templo dessa deusa (a
                          imagem fica por sua conta), mas até é preciso
                          assistir a todas as cerimonias do seu culto, a todas
                          as suas orações, a reza da véspera, a reza da manhã,
                          sujeitar-se ao seu regime austero, até mesmo aos seus
                          jejuns; porque a Iiberdade também tem jejuns, e alguém
                          há que tem jejuado bem pouco por ela... 
                          
                           Sr
                          presidente, a Carta foi uma mentira, não realizou
                          nenhuma das condições do sistema representativo.
                          Ninguém pode contestar esta verdade, sancionada pelos
                          factos e selada pelo sangue. É, ao menos, uma
                          conquista da revolução o silencio significativo
                          daquele lado da câmara (o direito.) A Carta foi, porém,
                          uma mentira; o poder que ela tinha levantado
                          destruiu-se; uma nova constituição foi proclamada;
                          essa constituição recebeu, depois de modificada, a
                          sanção do trono, recebeu a sanção de todo o país;
                          a revolução que a produziu, atravessou por meio das
                          facções, das intrigas estrangeiras, da guerra,
                          reunindo sempre todas as condições do poder para
                          triunfar, e todos os predicados da liberdade para não
                          oprimir.
                          
                           Uma
                          voz: - Oprimiu!
                          
                           O Orador :- Oprimiu! Ah! senhores, e as cenas agora se voltassem, quem,
                          passado pouco tempo, poderia comparar sem pejo o
                          quadro das opressões revolucionárias com as que
                          havia de cometer uma restauração, se tivéssemos a
                          desventura de a presenciar?!...
                          
                           Sr.
                          presidente, para destruir esta revolução recorreu-se
                          finalmente a meios insurreccionais. 
                          Não toco nisto por ofender alguém; tenho
                          amigos íntimos, pessoas que respeito, entre os que
                          figuraram nesses acontecimentos.) Recorreu-se a operações
                          militares: houve uma correria pelo reino, e o povo
                          olhou para ela como para um círio feito em honra de
                          santo, por quem não tinha devoção... Eis aqui, Sr.
                          presidente, a indiferença do país, a indiferença a
                          que o ilustre deputado aludia! 
                          Indiferença gloriosa, com a qual o pais
                          protestou que as suas opiniões eram progressistas,
                          que os princípios da constituição eram o seu ídolo;
                          indiferença gloriosa e significativa, que a voz do
                          Sr. deputado não pode menoscabar! Durante esta quadra
                          revolucionaria, em que as forças de todo o partido
                          liberal se dividiam e combatiam, como se apresentou
                          diante do pais o partido absolutista? Sr. presidente,
                          o canhão do despotismo retumbou sempre nas serranias
                          do Algarve; o inimigo da nação vizinha cegou até as
                          portas do Alentejo; suas avançadas vieram a ponte de
                          Alcântara; a fé dos tratados exigiu que um exercito
                          nosso marcasse a socorrer os nossos irmãos de
                          Espanha, e as quinas portuguesas apareceram na batalha
                          de Alvalan, cujo digno chefe creio que me esta
                          ouvindo.  (Todos
                          os olhos se voltaram para a galeria diplomática, onde
                          se achava o general Córdova.) Este pais pode, pois,
                          lutar com todas as dificuldades duma nova organização
                          política: este país pode passar de instituições
                          para instituições, e (homens para homens; este país
                          venceu facções dentro do seu território, segurou
                          suas fronteiras, viu seus filhos combaterem no território
                          vizinho, e resistiu a um cardume de conspirações tão
                          bem urdidas que fariam tremer a política francesa;
                          este país triunfou finalmente de tudo isto, sem dar
                          um suspiro de lembrança, um ai de saudade pelo
                          absolutismo! E é todavia, este país que não tem,
                          força para ser livre! É este país que aborrece o
                          progresso! É este país um país bárbaro e feudal!!!
                          
                           Sr.
                          presidente, esta observação é capital. Poderão
                          torneá-la; mas destrui-la é impossível, porque para
                          isso seria preciso rasgar a história de nossos dias.
                          
                           Sr.
                          presidente, houve aqui uma questão pessoal, assas
                          grave pelos caracteres que trouxe a cena - os Srs.
                          Passos (Manuel) e Derramado. Não me intrometo nela
                          mas por esta ocasião peço aos Srs. ministros que
                          demitam despiedadamente de todos os empregos amovíveis
                          aquelas pessoas em quem verdadeiramente não
                          confiarem: (apoiados) que os demitam sem consideração
                          alguma, para não criarem ao bafo da sua confiança os
                          praguejadores do seu sistema e das suas leis .Uma das
                          condições com que se disse que se aceitara uma missão
                          administrativa foi a reunião da família portuguesa.
                          Mas quem se opôs a essa reunião? O trono? Não. O
                          partido dominante? Também não. A coroa deu uma
                          amnistia... Não digo bem: a coroa esqueceu legalmente
                          factos de que todos já nos não lembrávamos; e se a
                          coroa não tivesse adoptado essa medida nacional, nós
                          a provocaríamos na primeira comunicação que tivéssemos
                          com o trono. Ele, porém, antecipou nossos desejos;
                          mas nós aprovamos sinceramente a sua política,
                          porque ela estava nos nossos corações. Quem afastou
                          das umas aqueles que, segundo a frase dum Sr. deputado
                          do centro, no Congresso Constituinte, não quiseram
                          vir questionar a revolução ao parlamento para a irem
                          combater no campo.? Quem os estorvou de terem então
                          pedido aos seus constituintes as cadeiras que hoje
                          ocupam neste recinto? Apareceu nesta sala um homem que
                          não partilhou a cobardia política do seu partido, e
                          esse homem foi sempre respeitado, sempre considerado,
                          e talvez que à consideração que então lhe demos
                          deva os créditos parlamentares de que gozou. (Todos
                          os olhos se fitaram no Sr. Gorjão, a quem o orador se
                          referia)  Quem se opôs, portanto, a essa tão falada reunião da família
                          portuguesa? Ninguém. Mas que se entende pela reunião
                          da família portuguesa? Será um aumento de criadagem
                          agaloada, criadagem nos bancos do ministério,
                          criadagem no parlamento, criadagem nos conselhos
                          privados, criadagem até no corpo eleitoral?! Sr.
                          presidente, as divisas do pais são as cores
                          nacionais...
                          
                           O
                          Sr. Conde da Taipa:  
                          É casaca de saragoça.
                          
                           O
                          Orador: - Não sei se é casaca de Saragoça, mas o
                          que sei é que não é casaca vermelha com galões
                          brancos! (Sensação: silêncio profundo).
                          
                           Disse-se
                          que «a responsabilidade era nula, porque as leis eram
                          insuficientes.» A prática a todos os momentos está
                          desmentindo esta proposição, e os Srs. ministros,
                          pelos seus actos, contrariam as suas asserções
                          orais. Aqui está uma portaria, do Sr. ministro da
                          fazenda ás contadorias de fazenda, repreendendo
                          empregados que podia demitir; aqui estão duas
                          portarias mandando meter em processo dois juizes da
                          relação dos Açores, que há muito tempo eram
                          acusados de prevaricar! o Sr. ministro da justiça
                          esta há sessenta dias no governo, quando se disse, na
                          resposta ao discurso da coroa, que o país estava
                          tranquilo, ele aprovou esta asserção com ar de quem
                          atribuía este benefício ao actual ministério 
                          Nestes sessenta dias podiam os Srs. ministros
                          ter demitido os maus empregados, e pô-los logo em
                          processo, em vez de se ocuparem dos projectos que
                          trouxeram a câmara. Numa palavra, estes documentos
                          provam que o governo não exerce, na sua plenitude, as
                          atribuições de que goza para tomar efectiva a execução
                          das leis, e que vem, ou para endoidecer
                          o país, ou para jogar com todas as opiniões, pedir,
                          acintosamente e sem necessidade, a revogação peremptória
                          de todas as leis e à destruição de todos os
                          sistemas...
                          
                           pressão
                          tão semelhante a do actor que confunde com ela, não
                          sabe que os elementos de civilização são diversos,
                          segundo a natureza dos países, o génio dos povos e a
                          tendência dos tempos? O ilustre deputado não sabe
                          que os elementos da antiga civilização romana não são
                          os mesmos da civilização moderna, e que os da
                          civilização da América não podem ser iguais aos da
                          civilização europeia? E porquê, Sr. presidente?
                          Porque os princípios constitutivos das sociedades
                          assentam lá sobre este facto. Numa palavra, a tendência
                          da civilização moderna é a extinção de todas as
                          aristocracias e a propagação da unidade social; e
                          com esta tendência repugna o censo. Vou terminar. 
                          Uma só nação, um só rei é um só direito:
                          eis aqui a minha monarquia. E quem a não quer assim,
                          arrenego dele! 
                          
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