Um
contrato vantajoso
Não
se sabe quando nem onde aconteceu esta história. É possível
até que nem sequer tenha acontecido.
Certamente que é isto o mais provável.
Mas quer seja um facto quer seja uma invenção, a história
que vamos contar é bastante interessante e vale a pena lê-la.
Um
milionário regressava muito contente de uma viagem, durante a
qual tinha tido um encontro afortunado que lhe prometia grandes
lucros.
«Às
vezes acontecem estas felizes casualidades - contava aos
familiares. - Não é em vão que se diz que o dinheiro atrai
dinheiro. Com
efeito o meu dinheiro atraiu mais dinheiro.
E de um modo tão inesperado!
Encontrei no caminho um desconhecido de aspecto vulgar.
Não teríamos entabulado conversa se ele mesmo não me
tivesse abordado quando soube que eu era um homem endinheirado.
No final da nossa conversa, propôs-se um negócio tão
vantajoso que me deixou atónito.
|
-
Façamos o seguinte contrato - disse-me.
Em cada dia durante um mês completo entregar-lhe-ei cem
mil escudos. Claro
que não o vou fazer gratuitamente mas o que terá de pagar é
mínimo.
No
primeiro dia eu devia pagar-lhe segundo o contrato e ria ao
dizê-lo
- um
centavo.
|
Não
acreditei no que ouvia:
-
Um centavo? - perguntei-lhe.
-
Um centavo - respondeu. Pelos
segundos cem mil escudos pagar-me-á dois centavos.
-
Bem - disse impaciente. - E depois?
-
Depois,
pelos terceiros cem mil escudos, 4 centavos; pelos quartos, 8;
pelos quintos, 16.
E assim durante todo o mês.
Em cada dia pagará o dobro do que pagou no dia anterior.
- E
que mais? - perguntei-lhe.
-
É tudo - disse. - Não lhe pedirei mais nada.
Mas o senhor deve manter o contrato rigorosamente.
Levar-lhe-ei todas as manhãs cem
mil escudos e você pagar-me-á o estipulado.
Mas não tente romper o contrato antes do fim do mês.
Entregar
centenas de milhar de escudos por centavos!
A não ser que o dinheiro seja falso - pensei -. Este
homem está louco! De
qualquer modo é um negócio lucrativo e não vou deixá-lo
escapar.
-
Está bem - respondi. - Traga o dinheiro.
Pela minha parte pagarei pontualmente.
E o senhor não me venha com enganos.
Traga dinheiro legal.
-
Pode estar tranquilo - disse-me - Espere por mim amanhã de
manhã.
Só
uma
coisa me preocupava: que não viesse. Que pudesse dar-se conta do ruinoso que era o negócio em
que se metera. Bom,
esperar um dia, ao fim e ao cabo não era muito!
|
Decorreu
aquele dia. De manhã cedo, no dia seguinte, o desconhecido que
o ricaço tinha encontrado na viagem bateu-lhe à janela.
-
Tem o seu dinheiro? - disse - Eu trouxe o meu.
|
E,
efectivamente, uma vez em casa, a estranha personagem começou a
tirar o dinheiro. Dinheiro bom, que nada tinha de falso. Contou
precisamente cem mil escudos e disse:
Tenho
aqui o meu, como combinámos.
Agora é a sua vez de pagar ...
O
ricaço pôs na mesa uma moeda de um centavo e esperou receoso
que este se arrependesse e exigisse que este lhe devolvesse o
dinheiro. O
visitante olhou a moeda, supesou-a e meteu-a no bolso.
-
Espere-me amanhã à mesma hora. - disse - E retirou-se.
O
ricaço nem acreditava na sua sorte: cem mil escudos que lhe
tinham caído do céu! Contou de novo o dinheiro e convenceu-se
que não era falso. Guardou-o
e dispôs-se a esperar pelo dia seguinte.
De
noite surgiram-lhe algumas dúvidas. Não seria um ladrão que se fingia louco para ver o sítio
onde guardava o dinheiro para depois assaltar a casa acompanhado
de uma quadrilha de gatunos?
O
ricaço fechou bem as portas, esteve a olhar e a escutar através
da janela desde que anoiteceu e custou a adormecer.
De manhã bateram de novo à porta. Era o desconhecido
que trazia o dinheiro. Contou cem mil escudos, recebeu os seus
dois centavos, meteu a moeda no bolso e retirou-se dizendo:
-
Para amanhã prepare 4 centavos.
Não se esqueça.
O
ricaço alegrou-se de novo. Os segundos cem mil escudos, também
lhe ficaram de graça. E o visitante não parecia ser um ladrão.
Não olhava furtivamente, não observava, nada mais fazia do que
pedir os seus centavos. Um excêntrico! Oxalá houvesse muitos
assim no mundo para as pessoas inteligentes viverem bem!...
O
desconhecido apresentou-se também no terceiro dia e os cem mil
escudos passaram para as mãos do ricaço a troco de quatro
centavos.
Mais
um dia se passou e do mesmo modo chegaram os quartos cem mil
escudos a troco de oito centavos.
Apareceram
os quintos cem mil escudos por 16 centavos.
Depois
os sétimos, por 32 centavos.
Sete
dias depois de ter começado o negócio, o nosso ricaço, tinha
recebido já setecentos mil escudos e pago a insignificância de
1 centavo + 4 centavos
+ 8 centavos + 16 centavos + 32
centavos + 64 centavos = 1$27.
Isto
agradou ao cobiçoso milionário que lamentou ter feito o
contrato só por um mês. Não poderia receber mais do que três
mil contos. Se ele pudesse convencer aquele excêntrico a
prolongar o prazo nem que fosse só por três dias! Mas temia
que o outro desse conta de quanto lhe agradava o dinheiro.
O
desconhecido apresentava-se pontualmente todas as manhãs com os
seus cem mil escudos. No oitavo dia recebeu 1$28, no nono 2$56,
no décimo 5$12, no décimo primeiro 10$24, no décimo segundo
20$48, no décimo terceiro 40$96 e no décimo quarto 81$92.
O
ricaço pagava gostosamente estas importâncias. Tinha recebido
já mil e quatrocentos contos e pago apenas uns cento e
cinquenta escudos.
No
entanto a alegria do milionário não durou muito.
Depressa
compreendeu que o desconhecido não era um simplório, e que o
negócio não era tão vantajoso como lhe tinha parecido no
princípio. A partir do décimo quinto dia, pelos cem mil
escudos correspondentes teve de pagar não centavos, mas sim
centenas de escudos e as quantidades a pagar aumentavam
rapidamente. Com efeito, o ricaço, na segunda metade do mês,
pagou:
Pelos |
15.ºs |
cem
mil escudos |
163$84 |
|
" |
16.ºs |
" |
327$68 |
|
" |
17.ºs |
" |
655$36 |
|
" |
18.ºs |
" |
1310$72 |
|
" |
19.ºs |
" |
2621$44 |
|
No
entanto o milionário considerava que de modo algum perdia
dinheiro. Ainda que
tivesse pago mais de cinco mil escudos, tinha recebido mil e
oitocentos contos.
Contudo,
os ganhos diminuíam dia a dia, cada vez mais rapidamente.
Eis
o que pagou a seguir:
Pelos |
20.ºs |
cem
mil escudos |
5242$88 |
|
" |
21.ºs |
" |
10485$76 |
|
" |
22.ºs |
" |
20971$52 |
|
" |
23.ºs |
" |
41943$04 |
|
" |
24.ºs |
" |
83886$08 |
|
" |
25.ºs |
" |
167772$16 |
|
" |
26.ºs |
" |
335544$32 |
|
" |
27.ºs |
" |
671088$64 |
|
Já
tinha que pagar mais do que recebia.
Que bom seria parar!
Mas não podia rescindir o contrato. Mas o que se seguiu
foi ainda pior. O milionário convenceu-se, demasiado tarde, que
o desconhecido tinha sido mais astuto que ele e receberia muito
mais dinheiro do que teria de pagar.
A
partir
do dia 28, teve de pagar milhões. Eis esses enormes pagamentos:
Pelos |
28.ºs |
cem
mil escudos |
1342177$28 |
|
" |
29.ºs |
" |
2684354$56 |
|
" |
30.ºs |
" |
5368709$12 |
|
Quando
o desconhecido abalou definitivamente, o milionário calculou
quanto lhe tinham custado os três mil contos à primeira vista
tão baratos. Concluiu
que tinha pago ao desconhecido 10 737 418$23.
Quase
onze mil contos. E tinha começado por pagar um centavo. O
desconhecido teria podido pagar-lhe diariamente trezentos mil
escudos sem perder dinheiro!
Antes
de terminar esta história, vou indicar um método para acelerar
o cálculo das perdas do nosso milionário. Por outras palavras
indicar como se pode fazer soma da série de números seguinte:
Não
é difícil observar a seguinte particularidade destes números:
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1=1
2=1+1
4=(1+2)+1
8=(1+2+4)+1
16=(1+2+4+8)+1
32=(1+2+4+8+16)+1
etc. |
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Vemos
que cada um dos números desta série é igual ao conjunto de
todos os anteriores adicionados de uma unidade. Por, isso,
quando temos que somar os números de uma série destas, por
exemplo, de 1 até 32768, basta juntar ao último número
(32768) a soma dos anteriores.
Por outras palavras, juntamos-lhe esse mesmo número
subtraído de uma unidade (32768-1).
Obtemos 65535.
Seguindo
este método podem calcular-se as perdas do nosso milionário
muito rapidamente se soubermos quanto pagou da última vez.
Mas, como vimos, o último pagamento foi de 5368709$12.
Então, adicionando 5386709$12 com 5386709$11, obteremos
imediatamente o valor procurado: 10 737 418$23.
Texto
extraído de Y. Parelman, Matemáticas recreativas, 1ª
ed., Lisboa, Editora Litexa, 1979, ISBN 972-578-016-7, pp.
81-86.
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