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                Origens da língua portuguesa: antecedentes históricos; povos da  
                Península Ibérica anteriores à romanização; noção de substrato; 
                a romanização; a noção de România e as línguas românicas; os 
                Bárbaros; a invasão árabe e a reconquista cristã; os 
                superstratos; os conceitos de latim erudito, latim vulgar e 
                latim cristão; do latim ao português. 
                 
                
                Do século XII à actualidade: as diferentes periodizações na 
                evolução do português; a via erudita e a via popular; o período 
                galaico-português; Lisboa, centro difusor da língua padrão; os 
                cancioneiros; os primeiros textos em português: um testamento; 
                Cantiga da Garvaia; Cantiga de D. Sancho I; duas cantigas de D. 
                Dinis; uma cantiga de Afonso X; o período pré-clássico: 
                principais datas referentes à expansão portuguesa; alguns textos 
                desta fase; o período clássico: enriquecimento lexical do 
                português; alguns textos e nomes; os gramáticos; o período 
                moderno: breve panorama. |  |  |  
        
        PERÍODO CLÁSSICO
 
        Este 
        período, que se estende de 1540 a   1750, corresponde a uma fase em que 
          Portugal atinge o ponto mais alto do seu poderio económico e político 
        e, consequentemente, a um virar no sentido descendente ─ o começo da sua 
        decadência. 
        
        O século XVI é para Portugal uma era de transformação e 
        remodelação. Se, por um lado, as navegações e a descoberta de novos 
        mundos alargam os horizontes geográficos e científicos, por outro, a 
        acção dos humanistas dá a conhecer ao homem europeu a brilhante 
        civilização greco-latina. Ao mesmo tempo que o português se torna a 
        língua de comunicação das costas africanas e do Oriente, o Latim torna-se 
        a grande língua dos eruditos europeus. 
        
        É importante o texto de Jaime Cortesão, no qual nos é 
        posta em destaque a importância dos descobrimentos. Com eles, «humanidades 
        novas, totalmente ignoradas, surgem aos olhos dos navegantes, na orla ou 
        no interior dos continentes. E, ao  mesmo tempo, plantas, flores, selvas, 
        feras, aves, astros, povos, artes e religiões, desenrolam formas, cores, 
        sabores, aromas, esplendores, crenças e criações do espírito, 
        inimaginadas!» 
        
        Do contacto do português com novas gentes, novos costumes 
        e novos elementos naturais, vai resultar um enriquecimento da língua, 
        com a entrada de novos vocábulos referentes aos costumes, animais, 
        plantas e objectos próprios dos novos mundos descobertos. E muitos deste 
        novos vocábulos vão entrar, através do português, noutras línguas 
        europeias. 
        
        São exemplos de palavras novas, importadas do Oriente, 
        sagu (do malaio), manga (do malabar, por sua vez do tamul 
        mankay), bambu (de origem malaia ou indiana), zebra 
        (de origem etíope ou congolesa), jangada (do malabar), leque 
        (de léqui ou derivado das ilhas de Léquios, ao sul do Japão), 
        etc. 
        
        Do continente americano entraram também diferentes 
        vocábulos, de origem tupi-guarani, embora em menor abundância, devido à 
        colonização tardia do Brasil. Frequentemente, o português adoptou as 
        mesmas palavras novas, para designar elementos da flora e da fauna do 
        continente americano, que entraram no espanhol, provenientes dos 
        quichuas,  nahuatlecas,  caribes e arahuacas, tais como lama (nome 
        de um animal), cacau, tomate, canoa, condor,
        chocolate, etc.[45]. 
        
        Além da grande importação de vocábulos provenientes das 
        novas áreas geográficas descobertas e frequentadas pelos portugueses, 
        durante o período do Renascimento e do Barroco, dá-se um grande 
        intercâmbio cultural e vocabular entre o português e as outras línguas 
        europeias. Diversos vocábulos portugueses entram no espanhol, no francês, 
        no italiano, no inglês e no alemão. É o caso, por exemplo, dos vocábulos:
        marmelada, que dá no espanhol marmelada, no francês 
        marmelade, no inglês marmelade, no italiano marmellata;
        feitiço dá em espanhol hechizo, no francês fétiche, 
        no italiano feticcio;  caravela dá em espanhol caravela, 
        em francês caravelle;  etc. 
        
        Em contrapartida, entra no português elevada quantidade 
        de estrangeirismos: 
        
        ─de Itália são trazidos vocábulos como sentinela,
        canalha, capricho, cartucho, alerta, 
        soneto, terceto, etc. 
        
        ─do espanhol entra também grande quantidade de vocábulos, 
        como, por exemplo, hediondo, fanfarrão, camarada,
        quixotesco, redondilha, abanico, pandeiro,
        botija, pastilha, muchacho, etc. 
        
        Será conveniente lembrar que, durante bastante tempo, em 
        Portugal, as pessoas cultas eram normalmente bilingues, falando tão 
        facilmente o espanhol como o português. Não é por acaso que uma boa 
        parte dos autos vicentinos está escrita integralmente em castelhano, 
        como, por exemplo, o Auto da Barca da Glória, o Auto da 
        Visitação ,  o Auto Pastoril Castelhano, o Auto da Sibila 
        Cassandra, etc., enquanto outros são bilingues, como, por exemplo, a
        Farsa de Inês Pereira, Floresta de Enganos, O Juiz da 
        Beira, etc.[46] 
        
        No século XVI, Lisboa torna-se uma cidade cosmopolita, um 
        local onde todas as línguas europeias se falam. Diz-nos um escritor da 
        época, Frei Heitor Pinto, que o mundo lhe parecia um anel e Lisboa a 
        pedra preciosa,  a grande cidade onde todo o mundo vinha feirar, «Hüa 
        praça e feira de todo o universo, e o porto de Bethlem a boca desta 
        praça». 
        
        Lisboa é a cidade onde, além dos lisboetas da nobreza e 
        da classe média, se encontram vilões, ratinhos e negros. 
        Os vilões eram os camponeses que habitavam os arredores da cidade 
        e a abasteciam, vindo vender-lhe os seus produtos; os ratinhos 
        eram os provincianos, que emigravam para a cidade, atraídos pelo seu 
        esplendor e por uma vida mais fácil, longe da enxada e do arado. Eram 
        constituídos, sobretudo, por beirões e nortenhos e desempenhavam os mais 
        baixos serviços da cidade. São os ratinhos as personagens típicas de Gil 
        Vicente. Os negros eram a camada mais baixa da população. Eram 
        importados de África como escravos, chegando o seu número a atingir a 
        elevada cifra de dez mil. 
        
        Todas estas figuras da população lisboeta surgem com 
        frequência nas obras da época. Já no Cancioneiro Geral de Garcia 
        de Resende se encontram imitações das falas dos negros. Em Gil Vicente, 
        encontramos diferentes tipos que espelham a sociedade lisboeta, desde o 
        negro, o ratinho e o vilão até às mais altas figuras da nobreza e do 
        clero. É este facto que faz com que Gil Vicente seja, talvez, o autor 
        mais adequado e interessante para um estudo da evolução do português, 
        para um melhor conhecimento da transição do período pré-clássico para o 
        clássico, uma vez que registou nas suas obras exemplos das diferentes 
        camadas sociais e das suas falas. 
        
        Na farsa O Clérigo da Beira, por exemplo, ou nas 
        tragicomédias Frágoa d'Amor  e  Nau d'Amores, encontramos 
        exemplos da linguagem dos negros.  Veja-se, a título exemplificativo, o 
        excerto extraído da tragicomédia Nau d'Amores, 
        em que encontramos 
        um negro de Benim:  
        
          Vem hum Negro de Beni, e diz: 
        
           NEGRO 
        
          Quere boso que mi bae 
        
          Buscar o poco de venturo, 
        
          Que a mi namorado sae 
        
          De moça casa sua pai, 
        
          Que tem saia verde-escuro, 
        
          Firalga masa que gavião: 
        
          Tem boquinho tan sentira; 
        
          Eu chamar elle minho vira, 
        
          E elle chama-mo cam. 
        
          
        
          A mi dá elle romão. 
        
          Doze, que a mi comprae, 
        
          E masa cinco mação 
        
          Se a mi vai elle falae 
        
          Faze carneo de verão. 
        
          Negro que faze folia 
        
          Por o que muto roga eu 
        
          Bai fruria por ota seu, 
        
          A mi disse a elle:  Maria, 
        
          Que quebranta foi a meu? 
        
          
        
          E na mão minha barete 
        
          Mi risse a ella:  Minha rosa, 
        
          Minho oio de saramonete, 
        
          Mas a turo mundo faramosa, 
        
          Falae-me poro bida bosso. 
        
          Ella disse:  Quesso cabram! 
        
          A riabo que te ró, cam, 
        
          Para malo benturaro. 
        
          A mi disse elle cuitaro: 
        
          Que boso não tem razão. 
        
          
        
          Se boso firalga he aqui, 
        
          A mi firalgo tambem. 
        
          Fio sae de Rei Beni: 
        
          De quarenta qu' elle tem 
        
          A masa firalgo he mi. 
        
        Se pretendermos exemplos da linguagem campesina da época, 
        encontrá-los-emos em diferentes autos como, por exemplo, na Comédia 
        de Rubena, de onde extraímos o excerto seguinte: 
        
          Entra Cismena, pastorinha, fiando, e diz: 
        
          
        CISMENA 
        
          Vós vistes-me aqui andar 
        
          huns cabritinhos malhados, 
        
          E dous porquinhos cilhados[47]? 
        
          Cant' eu não nos posso achar. 
        
          Fui-me moacha jeitar 
        
          A dormir mal-avesinho 
        
          À beirinha do caminho, 
        
          E forão-m' os acossar. 
        
          Dizei, dizei se os vistes. 
        
          Bé!  como estão pasmados! 
        
          Dous porquinhos trosquiados 
        
          Coinchar 
        não nos ouvistes? 
        
          Oh, dou ó Decho am dos tristes. 
        
          Amo, vistes-m'os pascer? 
        
          O que disserdes, hei de crer, 
        
          Porque vós nunca mentistes. 
        
          Samica 
        o nosso cadelo 
        
          Os fez elle derramar. 
        
          Não sei se os va buscar 
        
          Cajuso 
        ao nosso cancelo 
        
          Dera eu ora o meu orelo, 
        
          E os meus alfenetinhos, 
        
          E achasse os meus porquinhos 
        
          Cajuso em Val de Cobelo. 
        
          Chicos, chiquinhos, chicos. 
        
          O' Deus bem-aventurado, 
        
          Acha-me ora este meu gado, 
        
          Acha-me ora os meus cabritos. (canta) 
        
          «Grandes bandos andão na corte, 
        
          Traga-me Deos o meu bonamore.» 
        
          
        
          Vem hum pastorinho, por nome Joanne, e diz: 
        
          
        
          Oh pezar de mi comigo! 
        
          Di, rogo-te, Cismeninha, 
        
          Viste-m' a minha burrinha? 
        
          Cis.  Viste-m'a minha burrinha? 
        
          Joa. Olha, olha o que te digo. 
        
          Cis.  Olha, olha o que te digo. 
        
          Joa. Sempre tu has de chufar? 
        
          Cis.  Que rosto de ma pezar 
        
          Pera casarem comtigo! 
        
          Sabes onde eu vi a burrinha? 
        
          Joa.    Onde? 
        
          Cis.  Não sei. 
        
          Joa. Não sei! 
        
          Cada sempre es garredinha. 
        
          (...   ...   ...  ...  ...   ...   ...) 
          
        
        Muitos outros exemplos da linguagem campesina nos surgem 
        na obra vicentina, dos quais o mais interessante é o que se encontra na
        Romagem de Agravados, onde nos aparece um vilão que se 
        queixa da sua triste sorte, pois tudo lhe quadra às avessas: chove 
        quando quer sol e tem sol quando quer chuva e, por mais que se esforce e 
        peça a Deus, tudo lhe corre mal. 
        
        Podemos, pois, dizer que em Gil Vicente se encontra uma 
        panorâmica bastante ampla de todas as camadas sociais do seu tempo, 
        desde o mais baixo até ao mais elevado. 
        
        Muito acima das linguagens ou registos vulgares ou 
        populares da língua portuguesa, situava-se a fala da corte. Esta era, 
        segundo nos informa D. Jerónimo Osório, uma verdadeira «academia do bom 
        falar», um padrão literário e social, uma «escola de boas maneiras». 
        
        A Lisboa chegavam cada dia tantas e tão fabulosas 
        riquezas provenientes da Índia, que a capital portuguesa se tornava cada 
        vez mais uma cidade onde imperava o luxo, uma cidade onde, ao lado da 
        classe menos privilegiada, uma classe mais elevada levava uma vida 
        confortável, cheia de luxos e de requintes. 
        
        Há um texto de um viajante polonês, Sobíeski, que, 
        tendo estado em Lisboa, em finais do século XVI, fala com entusiasmo e 
        admiração do comerciante que o recebeu em sua casa: 
        
        «Um comerciante português (...) preparou-me um 
        aposento tão precioso, tão alcatifado e aromatizado de suavíssimos 
        perfumes, que o próprio rei da Polónia haveria podido habitá-lo. Esta 
        casa possuía preciosidades sem número e cousas raras das Índias. As 
        lojas e casas de comércio de Lisboa estavam cheias de semelhantes 
        objectos e ao entrar dentro delas parecia que se estava vivendo naqueles 
        países.»[48] 
        
        No campo da produção literária deste período, podem-se 
        destacar diversos nomes importantes, tais como Gil Vicente, Sá de 
        Miranda, António Ferreira, Diogo Bernardes, Camões, os cronistas João de 
        Barros e Damião de Góis, o Padre António Vieira e D. Francisco Manuel de 
        Melo, cuja obras são bastante conhecidas. Menos conhecidas, mas pelo 
        facto não menos importantes, são as obras Peregrinação, de Fernão 
        Mendes Pinto, a História Trágico-Marítima Portuguesa, compilação 
        de textos de diversos autores, a Etiópia Oriental, de Frei João 
        dos Santos, obras que enriqueceram o vocabulário português com 
        abundantes termos de origem asiática e americana, e as farsas, autos e 
        comédias de nomes praticamente desconhecidos e raramente, ou talvez 
        mesmo nunca, citados nas nossas escolas, como CHIADO, ANTÓNIO PRESTES e 
        JERÓNIMO RIBEIRO, que fixaram na literatura o falar popular e que 
        mereciam ser abordados, pelo menos numa cadeira de Cultura Portuguesa, 
        já que os restantes constam habitualmente dos programas da disciplina de 
        Português. 
        
        Grande importância têm para nós as obras dos gramáticos, 
        principalmente de Fernão de Oliveira, Gramática da Linguagem 
        Portuguesa (1536) e de João de Barros, Gramática  da 
        Lingoa Portuguesa (1540), a que se seguiram muitas outras, ao longo 
        dos séculos XVI, XVII e XVIII[49]. 
        
        Segundo se infere de Fernão de Oliveira, o ritmo da 
        língua, a entoação, era no século XVI diferente do actual. Enquanto hoje 
        os portugueses falam com um ritmo mais apressado, neste período falava-se 
        «com grande repouso, como homens assentados». 
        
        Das informações que os gramáticos nos deixaram, depreende-se 
        que o vocalismo tónico era idêntico ao actual, constituído pelo leque de 
        sons a seguir indicado: 
        
        Relativamente às vogais em posição átona, existem poucas 
        certezas.  O  -o final deveria soar [u] e o -e final 
        soaria como [i], embora houvesse oscilações de acordo com a região e com 
        a cultura dos falantes. A este respeito, as posições dos linguistas são 
        discordantes. Aliás, é de referir que ainda hoje há oscilações na 
        pronúncia destes sons, conforme as regiões do país e o nível cultural 
        dos falantes. Se hoje normalmente pronunciamos  [gente], há regiões onde 
        a pronúncia é [genti]. 
        
        O sistema consonântico português nos princípios do século 
        XVI era constituído pelos elementos presentes no quadro. 
        
        Até à primeira metade do século XVI, na língua culta, 
        ainda se distinguiam na pronúncia  s-,  -ss-  (s surdo)  
        e  ç; -s- (s sonoro) e z.  Teriam pronúncia 
        diferente as palavras paço e passo, cozer e 
        coser. 
        
        A passagem das terminações  -ês, -ea  a  
        -eio  e  -eia ocorre durante o século  XVI. 
        
        Os adjectivos terminados em -ês, -nte, -ol 
        e -or deixam de ser uniformes e passam a ter uma forma para o 
        feminino. 
        
        A segunda pessoa do plural dos verbos, que terminava em 
        -des, e que ainda se encontra em Gil Vicente, na boca de 
        personagens populares, adquire a forma actual  -ais, -eis, 
        e -is (exs.:  sodes > sois;  comedes > comeis;  amades > amais). 
        
         Sistema consonântico português nos princípios do século XVI.
 
        
        Estas são apenas algumas das características do português 
        durante o período clássico. 
        
          
        
        PERÍODO  MODERNO 
        O 
        período moderno vai desde os meados do século  XVIII até aos nossos dias. 
        É  o período que marca a fixação definitiva do português, pelo menos nos 
        moldes em que hoje o conhecemos. 
        
        Para começo deste período é normalmente apontada a 
        segunda metade do século XVIII, em virtude da primeira constituir um 
        prolongamento do período barroco, altura em que o português literário 
        sofre toda uma série de rebuscamentos e artifícios poéticos, não só no 
        domínio da poesia, mas também no campo da prosa. Aqueles mesmos 
        escritores que criticam esse rebuscamento das ideias e das formas ─ o 
        cultismo e o conceptismo ─, que torna obscura a própria língua, tornando 
        o texto escrito de difícil compreensão, esses mesmos acabam por utilizar 
        também, nas suas produções, idênticos artifícios literários. 
        
        A partir de 1799, a actualmente chamada Academia das 
        Ciências de Lisboa, fundada nesta data por iniciativa do Duque de 
        Lafões e do Abade Correia da Serra, vai contribuir para a 
        purificação do idioma. Nos começos do século XVIII, começou a ser 
        publicado o primeiro dicionário português.  É entre 1712 e 1727 que se 
        publicam os dez volumes do Vocabulário Português e Latino, por 
        iniciativa do francês Rafael Bluteau. Em finais do século XVIII, 
        publica-se o Dicionário de Morais e Silva, ainda hoje 
        considerado como o mais rico para o estudo do português clássico. 
        
        Neste mesmo século é traduzida pelo Conde da Ericeira a
        Arte Poética de Boileau, que vai constituir o manual de Estética 
        dos escritores de setecentos. Surge uma forte reacção ao Barroco e há um 
        retorno aos clássicos. Todos os conceitos, metáforas, hipérboles, 
        trocadilhos, metonímias e jogos de palavras são rejeitados e 
        considerados como inutilidades, preconizando-se o uso da língua de uma 
        maneira mais clara e racional, reduzindo-se o vocabulário ao essencial e 
        eliminando o supérfluo. É este mesmo o lema dos sócios da Arcádia 
        Lusitana, sintetizado pela expressão latina INUTILIA TRUNCAT. 
        Cortando tudo quanto é inútil e supérfluo, haverá uma simplificação da 
        língua, tanto a nível lexical como sintáctico, tornando-a muito mais 
        clara e permitindo o predomínio da razão sobre o sentimento. 
        
        Entra na língua abundante número de latinismos e de 
        galicismos,como resultado do elevado número de traduções de obras 
        francesas. O século XVIII é consequentemente marcado por uma influência 
        dominante da literatura francesa. Nomes importantes da nossa literatura, 
        além da criação dos seus próprios originais, vivem da tradução de obras 
        literárias francesas. São exemplo dessa actividade Filinto Elísio e 
        Bocage. 
        
        A nível da fonética, ocorrem no século XVIII 
        algumas transformações. Verifica-se, entre outros fenómenos, a passagem  
        da africada (tch) a (ch). 
        
        No domínio da morfologia, começa a haver o 
        predomínio das formas sintéticas dos comparativos e superlativos sobre 
        as formas analíticas. 
        
        No domínio da sintaxe, predomina o uso da 
        construção perifrástica por meio do gerúndio, em vez da construção 
        actual com o infinito regido da preposição  a. 
        
        Com o século XIX, introduzido o romantismo em Portugal, a 
        perfeição do estilo e o domínio da razão vão dar lugar à expressão do 
        sentimento. Marcam uma grande viragem na literatura e na utilização da 
        língua dois grandes nomes do romantismo português: Alexandre Herculano e 
        Almeida Garrett. É, no entanto, o segundo quem vai imprimir à língua 
        portuguesa uma nova flexibilidade, frescura e leveza, com a publicação 
        de Viagens na minha terra. É esta a obra que marca uma 
        remodelação no emprego da língua, embora não seja a primeira. No 
        prefácio da Lírica de João Mínimo, Garrett prenuncia essa nova 
        forma de escrever, brincando com a língua e com os estilos.  É o que se 
        poderá verificar no excerto que transcrevemos:  
        
        (...)  «Durassem eles os Outeiros, houvesse 
        daquelas justas, daqueles torneios poéticos em que cada um fazia prova 
        singular e pública de seu talento e finura, e em que nenhum insulso 
        fazedor de versos soltos e frigidíssimas odes ousava intitular-se poeta 
        ... houvesse ele Outeiros, e não veríamos o que vemos. 
        
        Tal era o tema e variações da nossa conversação, quando 
        outro aluno da antiga escola, outro filho do outeiral Apolo, nos veio 
        interromper agradavelmente. ─ Rapazes! correu ele para nós, muito estimo 
        encontrá-los aqui. Súcia! Vamos a Odivelas ao Outeiro de S. João, que é 
        hoje, é esta noite. ─ Quê! ainda ele há disso? Olha a nossa conversa ... 
        Pois deveras um outeiro? 
        
        ─ Outeiro, sim senhor, vamos; é brilhante coisa: há mais 
        de dez anos que não se faz. Mas hoje temos tudo arranjado, tudo pronto. 
        Vai N., N. e N., que hão-de aterrar tudo com sonetos e colcheias, e já 
        levam provisão de quartetos e consoantes ─ disto que chamam de nariz 
        de cera que servem para todo o mote; mas não importa: o caso é fazer 
        bulha e estalar como um foguete de lágrimas nos ouvidos destes pedaços 
        de asnos.  Havemos de meter tudo num chinelo. Nem Bocage nem Malhão 
        viram nunca no seu tempo um outeiro como este há-de ser. Vamos, rapazes, 
        que só faltam vocês. Toca, marcha. 
        
        E nós tocámos e marchámos capitaneados pelo nosso 
        director; e eis-nos saltando e folgando, todos umas paschoas; e ele que 
        dá connosco na redulente e viçosa praça da Figueira, onde encontramos 
        arreiados e vistosos ginetes e haqueanas mordendo de impaciência ─ os 
        doirados freios não ─ mas um resto de albarda velha. Eram burros. Porém 
        os mais pimpões e menos asinários animais-burros que trotam nas 
        vizinhanças da ínclita Ulisseia. 
        
        E os rapazes burriqueiros connosco, e: ─ Este, meu amo, 
        isto é que é jumento! ─ Este, o meu Junot! ─ Leve o meu Bonaparte. Isto é 
        que é fera. ─ Leve o meu Lorde inglês, que nunca tropeçou na sua vida. ─ 
        Para Sintra, fidalgo, para Sintra? está lá em duas horas, o muito; é ir 
        no meu Doutor. 
        
        E com estas gritarias e desordem e encómios dos ruços 
        travou bulha suja entre os donos e condutores da asinária; durante a 
        qual o tertius gaudet de uma boa velha, que creio que vende 
        toucinho e queijos do Alentejo, aproveitou a ocasião e nos veio oferecer 
        as suas cavalgaduras ─ que estavam ajaezadas e prontas atrás do lugar (lugar 
        ─ é a barraca de madeira em que estão anichados os vendilhões da praça 
        da Figueira e de outras praças e ruas de Lisboa). Estipulou-se pronto o 
        preço, montámos sem mais detença e partimos em garrido trote entre os 
        gritos e assobios da rapaziada burrical, que vendo-se desapontados pela 
        nossa repentina deliberação, largaram a bulha para nos rogar em coro um 
        sem-número de suas chulas pragas, a nós e à mãe dos burros, a boa velha 
        que nos acomodara tão bem, e que não teve o menor quinhão nas 
        jaculatórias do rapazio. E já passámos as sujas e enlameadas ruas, e já 
        em campo aberto a gozar a mais bela e deliciosa tarde de Junho que ainda 
        sorriu nos abençoados climas do nosso Meio-dia. 
        
        O ar doce e temperado apenas se agitava de uma ligeira 
        viração, tão branda como a que pode causar a trémula vibração de 
        ventarola asiática em mãos de formosa escrava, nos regalados jardins de 
        algum nababo delicioso... 
        
        Apre! que esta foi poética de mais ─ romântica de mais. 
        
        Sejamos clássicos: 
        
          Qual a suave ondulação mimosa 
        
          Que entorno à mãe dos lânguidos amores, 
        
          Em tarde estiva na estação calmosa, 
        
          Meneando os leques de cheirosas flores, 
        
          Fazem as Graças nos jardins de Gnido 
        
          Para embalar e acalentar Cupido. 
        
        Que tal? ─ o diacho é o maldito do leque. Parece-me 
        prosaico e vulgar como o 
        
          Escreve a seu irmão que lhe mandasse 
        
          A fazenda com que se resgatasse. 
        
        Paciência. ─ Abano, abanico ... nada! Ventarola já está 
        dito: leque ... leque... Leque sempre é o melhor. E mais não é bom. Mas 
        não diz lá o grande poeta da Fénix, falando do ferreiro Polifemo: 
        
          E porque só o vento se afiança, 
        
          Lhe servia de fole uma esperança? 
        
        Pois fole não é mais poético do que leque:  e em sublime, 
        guindado, elevado e culto, se alguém sabia, era aquela gente da Fénix 
        Renascida. 
        
        As digressões matam-me: é a minha terrível e imperdível 
        mania. ─ Onde íamos nós? ─ No caminho de Odivelas: é verdade. 
        
        E íamos nós andando, andando, isto é, os nossos burros 
        trotando, trotando, e o ar delicioso, e os campos lindos, e as vinhas e 
        os pomares e os bosques exalando fragrância;  e tudo alegre e risonho, 
        respirando saúde e vida e contentamento; e nós discutindo consoantes, 
        questionando sobre rimas, ventilando metros e outras coisas mais de 
        sublime importância. 
        
        ─ E quem conheces tu lá para te dar mote? disse um da 
        súcia para o outro. 
        
        ─ E para dar doce? ... que é um pouco mais interessante. 
        
        ─ Falo no que pensam, que já tenho fome: e que será lá 
        para a noite velha, quando os consoantes começarem a faltar, as ideias a 
        fugir, a um pobre homem com o fecho do soneto atravessado na garganta, 
        que nem para trás nem para diante! Aí é que eu os quero ver: o estômago 
        vazio, e o parto de um soneto atravessado? Ninguém resiste a isso: eu 
        por mim... 
        
        ─ Fuma-se. 
        
        ─ Bom é: mas fumar não enche. 
        
        ─ Querem vocês ouvir um soneto que eu fiz em Coimbra, de 
        ...   (...) 
        
        Excerto extraído de ALMEIDA GARRETT, 
        Prefácio da Lírica de João Mínimo 
        
          
        
        Tal como anteriormente dissemos, o prefácio da Lírica 
        de João Mínimo apresenta-nos um primeiro exemplo da prosa nova em 
        Portugal, como o próprio Garrett nunca tinha escrito. Para além da 
        ironia, um dos grandes elementos do universo literário de Garrett, 
        surge-nos um estilo coloquial, com uma frase solta, mais livre, que se 
        vai desenrolando,  um novo emprego da adjectivação e do advérbio, um 
        estilo digressivo como que de alguém que procura, através de múltiplos 
        meandros, penetrar na realidade mais subtil das coisa e dos homens. E a 
        juntar a estes elementos, Garrett utiliza amiudadas vezes o processo da 
        metalinguagem, reflectindo sobre a sua própria linguagem como se 
        estivesse a falar com um interlocutor. 
        
          
        
        Uma das características do romantismo reside na 
        valorização do eu. Deste egocentrismo resulta o uso cada vez 
        maior da primeira pessoa do pronome pessoal. Surge também na época uma 
        nova forma de tratamento, criticada por Camilo, que acabou por se impor 
        no português. Trata-se do emprego de si e de consigo, 
        forma de tratamento intermédia entre  tu e você. Deste modo, em Portugal 
        dir-se-á «eu vou consigo», em vez da forma usada no Brasil  «eu vou com 
        você». 
        
        A nível lexical, os românticos seleccionam os 
        vocábulos tendo em conta o seu valor emotivo. São valorizados até ao 
        exagero temas tétricos, macabros, e até mesmo repugnantes. Há também uma 
        preferência dos românticos por vocábulos de nível familiar e regional, 
        quando não recorrem mesmo ao emprego de arcaismos. Ao lado destes novos 
        elementos lexicais, são frequentemente utilizados os estrangeirismos, 
        algumas vezes aportuguesados, como faz, por exemplo, Almeida Garrett com 
        o vocábulo inglês flirt, que, nas Viagens na minha terra, 
        traduz por flartar. 
        
        Segundo Serafim da Silva Neto, a língua portuguesa, 
        durante o século XIX, sobretudo no domínio literário, é enriquecida por 
        «três gerações ricas de expressão literária», que ele delimita da 
        seguinte maneira: a primeira, de 1799 a 1818; a segunda, de 1822 a 1831; 
        a terceira, de 1836 a 1846. 
        
        A primeira geração marca um rompimento com a escola 
        clássica e introduz o romantismo em Portugal. São os seus grandes 
        difusores Almeida Garrett (1799-1854) e Alexandre Herculano (1810-1877). 
        Retirados estes da cena literária, fica António Feliciano de Castilho 
        (1800-1875). 
        
        A segunda geração engloba diversos nomes, alguns pouco 
        conhecidos, tais como Rebelo da Silva (1822-1871), Andrade Corvo 
        (1824-1890), Camilo Castelo Branco (1825-1890), Latino Coelho 
        (1825-1891), Arnaldo Gama (1828-1869), Bulhão Pato (1829-1912), Tomás 
        Ribeiro (1831-1901). Esta segunda geração, embora já com características 
        próprias, ainda está ligada ao romantismo. Destes destaca-se 
        essencialmente Camilo, que vai introduzir nas suas obras grande 
        quantidade de vocábulos populares, especialmente das províncias do norte 
        de Portugal. 
        
        A terceira geração engloba nomes como Ramalho Ortigão 
        (1836-1915), Júlio Dinis (1838-1871), Antero de Quental (1842-1891), Eça 
        de Queirós (1845-1900) e Oliveira Martins (1845-1894). Foi esta geração 
        um grupo que levou à criação de uma prosa simples e sem preocupações 
        clássicas, utilizando artisticamente a linguagem familiar contemporânea, 
        ao lado de vocábulos de cunho científico e de galicismos. Recorde-se, 
        por exemplo, a prosa utilizada por Eça de Queirós em Os Maias, 
        que constitui um bom exemplo do que acabamos de dizer. Ao lado destas 
        características lexicais, encontramos também a técnica da adjectivação, 
        cujo primeiro grande mestre foi Garrett, e uma sintaxe bastante simples. 
        
        Mais tarde, com a geração de 90, entre os quais contamos 
        os nomes de Eugénio de Castro (1869-1944), António Nobre (1867-1900) e 
        Teixeira de Pascoaes (1877-1952), há o aproveitamento das técnicas 
        parnasianas ou da sensibilidade do simbolismo, para conferir à língua 
        portuguesa características novas, com sugestões sonoras e palavras 
        exóticas. 
        
        Mais próximos, há que referir os nomes de Sá-Carneiro 
        (1890-1916) e de Fernando Pessoa (1888-1935), que submetem a língua a 
        novas experiências, situando-se, se assim se pode dizer, no extremo 
        oposto de Aquilino Ribeiro (1885-1963), que tenta a renovação da novela 
        pelo uso, por vezes talvez um pouco exagerado, do vocabulário 
        regionalista. 
        
        Depois de 1920, o panorama é de tal modo amplo, que se 
        torna difícil ter uma visão de conjunto da evolução literária do 
        português. Uma análise pormenorizada levar-nos-ia a falar do grupo da 
        Presença e de todo um vasto leque de nomes da actual literatura 
        portuguesa, de entre os quais apenas citamos José Régio, Miguel Torga, 
        os neo-realistas Ferreira de Castro, Alves Redol, Fernando Namora e José 
        Gomes Ferreira, que, de maneira fria e objectiva, abordam os problemas 
        de ordem sócio-económica do país, utilizando uma linguagem viva de cunho 
        popular e num estilo, em geral, pouco cuidado. 
        
          
        
        Para concluirmos esta evolução histórica do português, 
        resta-nos referir, de modo esquemático, o actual sistema fonético 
        português. 
        
        Os sons vocálicos, representados por cinco letras, são em 
        maior número, tal como se mostram no esquema: 
        
        Os sons vocálicos podem ser orais ou nasais, de acordo 
        com a passagem do sopro fónico. Se este passa livremente pela cavidade 
        oral, devido ao levantamento do véu palatino e consequente oclusão da 
        cavidade nasal, o som será oral. Se o véu palatino baixa, permitindo a 
        passagem do sopro fónico simultaneamente pelas cavidades oral e nasal, o 
        som será nasal.  Graficamente, esta nasalação é representada com o 
        auxílio do til (~) ou com a junção de m ou n. 
        Quando i e u se juntam a outras vogais, estes são 
        considerados como semivogais, sendo o conjunto dos dois sons 
        designado por ditongo. À semelhança dos sons vocálicos anteriores, 
        os ditongos podem ser abertos ou fechados, conforme a primeira vogal é 
        aberta ou fechada, e orais ou nasais. 
        
        O sistema consonântico é constituído pelo conjunto de 
        elementos representados no quadro 
        
        seguinte: 
        
         
        
          
        
        
        Sugestão de trabalho 
        11  
        
        Agora, que chegou ao fim deste capítulo,  verifique os seus 
        conhecimentos respondendo às questões: 
        
        1- O que entende por substratos e superstratos? 
        
        2- Quais os povos englobados nas duas designações 
        anteriores? 
        
        3- Que elementos terão ficado na língua portuguesa de 
        origem: lígure; céltica? 
        
        4- Segundo Giuseppe Cardinalli, enquanto para a 
        conquista das diversas regiões do império os romanos precisaram de cerca 
        de 20 anos ou até mesmo menos, para conquistarem a Península Ibérica 
        foram-lhes necessários cerca de 200 anos. Quais as causas, segundo ele, 
        que dificultaram a conquista? 
        
        5- Como se explica a romanização sócio-cultural da 
        Península em que os vencidos esquecem a própria língua, adoptando a do 
        povo vencedor? 
        
        6- Quais as divisões administrativas ocorridas na 
        Península Ibérica? 
        
        7- O que entende por România? 
        
        8- Quais as línguas românicas? 
        
        9- Que facto ocorreu na Península Ibérica a partir de 711 
        d. C.? 
        
        10- O que entende por moçárabes? 
        
        11- Na evolução do português do século XII à actualidade, 
        vários filólogos apresentaram diversos períodos. Indique-os. 
        
        12- Como considera José Joaquim Nunes constituído o 
        vocabulário da língua portuguesa? 
        
        13- Quais as principais características do período 
        galaico-português? 
        
        14- Quais os documentos literários e não literários mais 
        antigos em língua portuguesa? 
        
        15- O que entende por Banda Desenhada? Quais os seus 
        antecedentes históricos na Península Hispânica? 
        
        16- Releia as páginas 235 a 237 e observe atentamente o 
        quadro da figura 38 ─ Feche o livro e, mentalmente, indique as quatro ou 
        cinco datas mais importantes na expansão portuguesa. 
        
        17- Quais as principais características do período 
        pré-clássico? 
        
        18- No período clássico, a língua portuguesa sofre um 
        grande enriquecimento lexical. Como o explica? 
        
         19-O período moderno vai desde meados do século XVIII 
        aos nossos dias.  Indique, de maneira esquemática, os aspectos mais 
        importantes referentes ao século XVIII e XIX.  
        
        NOTA: 
        Lembramos-lhe que, neste capítulo, tem ainda diversas sugestões de 
        trabalho nas páginas 216 a 232 e 245 a 253. 
 
            
            
        [45] 
        –  
        lama < do quichua llama; cacau e tomate, 
        respectivamente do nahuatleca  cacauatl e tomate;  
            canoa do caribe kanua, através do arahuaco; condor, 
        do quichua cúntur; chocolate  do azteca *chocahuatl.   
            
            
        [46] 
        – 
        Da vasta produção de obras de Gil Vicente, das quais apenas chegou até 
        nós um total de 45 peças, 16 estão integralmente escritas em português, 
        18 são bilingues e 11 são integralmente em castelhano. É este o balanço 
        que se obtém  contabilizando a produção vicentina a partir de 
        edições correntes das obras completas. Se quisermos uma ideia mais 
        rigorosa, poderemos obtê-la consultando uma literatura portuguesa. 
        Diz-nos Álvaro Júlio da Costa Pimpão: «Onze dos Autos de Gil Vicente 
        (incluindo o Monólogo da Visitação) são em castelhano; catorze ou 
        quinze (quinze com o Auto da Festa) são bilingues, pela 
        introdução de uma ou mais personagens que falam em castelhano. Dois 
            ─ 
        o Auto da Fama e o Auto das Fadas 
            ─ 
        são, pode dizer-se, plurilingues. Os autos restantes 
            ─ 
        dezasseis 
            ─ 
        são em português. Alguns dos autos bilingues são predominantemente 
        portugueses (...).  Considerada em conjunto, a obra de Gil Vicente 
        apresenta, pois, um saldo positivo a favor de Portugal.»  In: 
        Álvaro Júlio da Costa PIMPÃO, História da Literatura Portuguesa, 
        vol. II, p. 170. 
            
            
            [47] 
            –  
            cilhados: adjectivo relacionado com cilha, zona que passa 
            por debaixo da barriga do animal. Cilhado diz-se do animal 
            que tem, no sítio correspondente à cilha, uma faixa de pelo 
            diferente do do resto do corpo. 
            
            
            moacha: 
            vocábulo de origem desconhecida que, na edição original, se encontra 
            registado sob a forma maocha. Apesar de suposições várias, a 
            verdade é que não se sabe o que significa. Segundo Carolina 
            Michaëlis de Vasconcelos, moacho aparece como uma das formas 
            intermédias para explicar o termo macho, no sentido de 
            mulo, mulacho, moacho, macho. No entanto, 
            esta explicação não se enquadra no texto transcrito. 
            
            
            jeitar: 
            do latim JACTARE, significa 'lançar, atirar'. 
            
            
            mal-avesinho: 
            talvez signifique 'com mau vizinho, com má vizinhança'. 
            
            
            coinchar: 
            verbo onomatopaico, que procura imitar o grunhir dos porcos 
            pequenos. 
            
            
            am: 
            palavra enigmática que alguns consideram como forma apocopada de 
            amo. 
            
            
            samica: 
            também registado samicas, é um vocábulo arcaico, já registado 
            pelo gramático Fernão de Oliveira com o sentido de 'talvez, por 
            ventura'. Parece ser derivado do italiano sa, forma verbal 
            que significa 'sabe', e micas, que significa 'nada' e que 
            seria equivalente ao actual quiça, 'quem sabe'. 
            
            
            cajuso: 
            forma popular que significa o mesmo que samicas, 'talvez'. 
            
            
            orelo: 
            o mesmo que ourelo ou ourela, tira de pano grosseiro. 
            
            
            chufar:  
            dirigir chufas a alguém, ou seja, 'troçar, mofar de, zombar'. 
              
            
            
        [48] 
        – 
        Extraído da obra de SERAFIM DA SILVA NETO, História 
        da língua portuguesa, col. Linguagem, nº 11, 3ª ed., Rio de Janeiro, 
        Ed. Presença, 1979, p. 481. 
            
            
            [49] 
            – 
            A seguir se transcreve uma relação de algumas 
            obras de carácter gramatical ou de reflexão linguística publicadas 
            em Portugal a partir de 1536: 
            
            
              ·Fernão de Oliveira, Grammatica da Lingoagem Portuguesa
            
            ─ 
            1536 
            
            
              ·João de Barros, Grammatica da Língua Portuguesa 
            
            ─ 
            1540 
            
            
              ·Pero de Magalhães de Gândavo, Regras Que Ensinavam a 
            Maneira de Escrever a Ortografia da Língua Portuguesa, com um 
            diálogo que adiante se segue em defensão da mesma língua 
            ─ 
            1574 
            
            
              ·Duarte Nunes de Leão, Ortografia da Língua Portuguesa
            
            ─ 
            1576 
            
            
              ·Duarte Nunes de Leão, Origem  da Língua Portuguesa 
            
            ─ 
            1606 
            
            
              ·Álvaro Ferreira de Véra, Breves Louvores da Língua 
            Portuguesa
            
            ─ 
            1631 
            
            
              ·João Franco Barreto, Ortografia 
            ─ 
            1671 
            
            
              ·Jerónimo Contador de Argote, Regras da Língua Portuguesa 
            Espelho da Língua Latina 
            ─ 
            1721 
            
            
              ·Rafael Bluteau, Prosas Portuguesas 
            ─ 
            1728 
            
            
              ·João de Morais Madureira Feijó, Ortographia ou arte de 
            escrever e pronunciar com acerto a língua portugueza 
            
            ─ 
            1734 
            
            
              ·Luís Caetano de Lima, Ortografias 
            ─ 
            1736 
            
            
              ·Luís António Verney, Verdadeiro Método de Estudar 
            
            ─ 
            1746 
            
            
              ·Frei Luís de Monte Carmelo, 
            ─ 
            1767 (A mais completa obra com exposição da pronúncia portuguesa 
            existente em Portugal). 
            
            
               Para uma informação mais completa e pormenorizada, 
            consulte-se o artigo de Jacinto do PRADO COELHO, Linguística, 
            publicado no
            Dicionário de Literatura (Portuguesa, Brasileira, Galega...), 
            vol. II, pp. 531 a 534. |