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Fabrico Tradicional do Azeite em Portugal (Estudo Linguístico-Etnográfico), Aveiro, 2014, XIV+504 pp. ©

 

IV

A MOAGEM

 

c) - Noutros lagares

Foi dito, no capítulo II, a propósito do lagar da Quinta da Portela, P. 285b, que a azeitona era trazida directamente do olival para o lagar por meio de um tipo especial de carro, puxado por animais, apresentado na figura 9. Há que acrescentar que essa azeitona é só a do dono do lagar, uma vez que a de outros proprietários é trazida em camionetas ou em sacas dentro de carros de bois.

 

 
  Figura 62: Aspecto do chamado carrocel do amor, a meio caminho do moinho (Quinta da Portela, freg. de Santo António dos Olivais, Coimbra).  

O trabalho de descarga do tipo especial de carro é feito pelo carreiro e por um rapazito, encarregado de levar a azeitona para o moinho.

Em tempos idos, a azeitona era retirada da tulha para dentro de poceiros com uma pá vulgar de ferro e cabo de madeira. Poceiros às costas, levavam-na para o moinho, fazendo o trajecto deste às tulhas uma boa série de vezes ao dia. Actualmente, graças ao invento do feitor da quinta, a azeitona é transportada por meio do carrocel, mais rigorosamente, o carrocel do amor, espécie de caixote quadrado com rodas. Com um esforço mínimo, dois homens conseguem levar um carro de azeitona até ao moinho.

Interessados em obter mais pormenores sobre o dito carrocel do amor, vamos conversar com o seu construtor:

«– Actualmente, graças ao invento do senhor, a moenda faz-se com menos trabalho...

Sim, foi uma invenção que eu tive de transportá-la com este carrocel, carrocel, isto é, que os operários puseram-lhe o carrocel do amor.

– Mas porquê?

Porque acharam graça ò carrocel, e carrocel, carrocel isto, carrocel aquilo, puseram-lhe o nome de carrocel do amor e.

– E a azeitona vai no carrocel...

Esse carrocel, qu i eu antes d'iniciar o percurso qu'ele havia de fazer, fiz-lhe umas tavelas com os pesos também. Si por acaso eu estou muito embaraçado com trabalho, não posso pesar àzeitona, tenho uma tabela no caixote. Diz-me a quantidade de quilos mais ou menos. Pois bem, no caixote qu i o senhor vê, puxa-se com este guinchozinho [observem-se as figuras 9 e 62] vai lá p'ra cima (...)».

Com 60 centímetros de comprimento, 56 de largura e 44 centímetros de altura, o carrocel apresenta a configuração de um caixote de fundo quase quadrado, assente sobre quatro rodas. Interiormente, possui uma tabela, que indica aproximadamente os quilos de azeitona.

Puxado por um guincho, vai por umas calhas de madeira até junto do moinho. O rapaz sobe a um escadote tosco de madeira, com quatro degraus, levanta uma portinhola de correr e a azeitona sai pela bica lateral, caindo dentro da base, onde é moída pelas galgas. A última azeitona, que fica amontoada aos cantos, é empurrada para a saída com o auxílio de uma pá meia comida pelo uso, com a extremidade, outrora pontiaguda, reduzida a uma linha recta.

O nome de carrocel não deixa de ter uma certa razão de ser. Provém-lhe do facto de fazer lembrar certos carros dos parques de diversões, que se deslocam sobre carris.

 A azeitona sofre a trituração durante cerca de trinta minutos, continuamente empurrada pelas raspadeiras, que a obrigam a deslocar-se para o caminho das galgas, até que esteja totalmente reduzida a pasta.

Nos lagares cooperativos de Valpaços (distrito de Vila Real, P. 80) e Ervedal (distrito de Coimbra, P. 236), a azeitona é transportada das tulhas por meio de um carro deslizante sobre carris, conhecido pelos termos carreta (Vila Real, P. 80), vagona (Coimbra, P. 236; Guarda, P. 196; Santarém, P. 332) e vagoneta (Coimbra, P. 236), o qual apresenta o aspecto documentado na figura 63. Este carrinho, no lagar de Ervedal, pode percorrer toda a enorme sala das tulhas. Uma vez carregado, vira a meio do percurso numa placa rotativa, e vai a uma balança onde é feita a pesagem da azeitona. Segue daí para o chamado funil, recipiente com o formato de um tronco de pirâmide invertido, e inclina-se sobre um dos lados, efectuando a descarga.

Do funil a azeitona entra num lavadouro e é içada  por  um  parafuso sem-fim para a sala de moagem, caindo num funil circular que a distribui pelo chamado lastro das galgas ou rasto do moinho.

Três pesadas galgas tronco-cónicas reduzem o fruto a uma pasta, que vai sendo sucessivamente arrastada pelo movimento das pedras para um sulco a toda a volta do moinho, pelo qual passa uma raspadeira metálica, que expulsa a massa por uma abertura para a batedeira.

 

 
  Figura 64:  Aspecto das duas clamígolas do lagar cooperativo de Valpaços, P. 80, dist. Vila Real.  

No lagar de Valpaços, a azeitona sobe também por um sem-fim, que a leva para a sala de moagem. Cai num transportador horizontal e é distribuída pelas duas clamígolas(16) grandes, de que se mostra um aspecto na figura 64.

 Em Valbom dos Figos (Bragança, P. 98), dão ao funil onde é deitada a azeitona o nome de tremóia, termo que apresenta normalmente uma acepção diferente, como veremos em breve.

No lagar de Condeixa-a-Nova (Coimbra, P. 277), a azeitona é lavada por meio de um jacto de água à medida que vai subindo pelo sem-fim para o moinho. Somente a azeitona grada consegue ser elevada. O chamado jambujo, azeitona muito miudinha, que também produz azeite, embora em menor quantidade, consegue escapar-se ao parafuso, caindo no chão. Segundo o informador, «no fim de s'acartar o moinho do freguês,  bai-se c'uma pá  e bota-se no sem-fim para ir por aqui fora, porque o sem-fim não agarra, cai (...)».

Em Cerejais (Bragança, P. 30), Assafarge (Coimbra, P. 284) e outros lagares, existe sobre o bordo do pio uma caixa de madeira de fundo inclinado, tapada por uma portinhola de correr. É a chamada espera da base (Coimbra, P. 284), funil (Braga, P. 34; Coimbra, P. 257), tramóia (Bragança, P. 90), tremóia (Bragança, P. 98, 100) ou tremónia (Viseu, P. 173).

 

 
 

Figura 65:  Moinho do lagar de Assafarge. Sobre o bordo da base, a espera da base. À direita, no 1º plano, as bacias da massa; ao fundo, os poceiros e o escadote da espera da base (P. 284, Coimbra).

 

A azeitona é transportada, no lagar de Assafarge, nos chamados poceiros, que se vêem empilhados, uns dentro dos outros, do lado direito da figura 65. Um dos encarregados sobe a um pequeno escadote, encosta o cesto à chamada espera da base e despeja o conteúdo. Quando necessitam de encher a base, baixam uma alavanca de madeira de tipo inter-fixo, que eleva a portinhola, deixando passar a azeitona. A esta alavanca dão o nome, em Cerejais, P. 90, de monzeira. O termo, formado do substantivo mão pela adjunção do sufixo (mão+zeira > mãozeira > monzeira) provém do facto da haste de madeira terminar por uma pega própria para a mão.

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(16)Clamígola: Máquina construída pelas Fábricas Mecânicas Galardi, S. A., de Florença. Compõe-se de um alimentador regulável, um moinho de martelos, uma caixa de recolha da massa, um extractor do azeite da pasta da azeitona e um grupo motor. Com grande capacidade de trabalho, permite extrair elevada percentagem de azeite antes de a massa ir para a prensa. Sobre informações mais detalhadas, veja-se a comunicação de ALESSANDRO MASSACESI, Novo aspecto da técnica oleícola surgido com a "Clamígola" (Patente Galardi), In: "Boletim da Junta Nacional do Azeite", Dezembro de 1949, ano IV, nº 16, págs. 63-71.

 

 

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