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Fabrico Tradicional do Azeite em Portugal (Estudo Linguístico-Etnográfico), Aveiro, 2014, XIV+504 pp. ©

 

III

O moinho

 

MOINHOS DE RODÍZIO

Nos distritos de Braga, P. 29, 31, 32, e Guarda, P. 213, podemos encontrar lagares que apresentam uma aparelhagem que aqui designamos por moinhos de rodízio.

Ao contrário do que ocorre com a roda motora do chamado moinho de roda, o rodízio caracteriza-se pelo facto de trabalhar em posição horizontal, numa cavidade subterrânea do lagar conhecida pelo nome de inferno, num plano imediatamente abaixo do ocupado pelo recipiente de moer, tal como se pode verificar pela figura 34, que nos apresenta um corte com os diferentes elementos do sistema de moagem.

Figura 34: Elementos do moinho de rodízio.

As peças que compõem este tipo de moinho são: o cubo, o jicho ou jincho (A), uma alavanca com uma tábua (B), o rodízio (C), as penas do rodízio (D), o pulão ou pela (EF), o roquete (G), a pontaria ou roda da árvore (H), a árvore (I), as galgas (J) e a base ou pio (L).

Façamos então a análise dos elementos apontados, servindo-nos para tal do esquema da figura 34.

Começamos por falar do inferno. O sentido normal desta palavra equivale ao da expressão  poços de decantação, recipientes de grandes dimensões ligados entre si por meio de sifões, situados numa zona própria do lagar, para os quais escorrem as águas das caldas, misturadas com almofeiras e restos de azeite dissolvidos no líquido que, após alguns dias de decantação, vêm à superfície, sendo ainda aproveitados. É este o sentido normal e mais corrente do vocábulo inferno, no campo olivícola, ao lado de outros com a mesma significação, como veremos oportunamente.

No caso dos moinhos de rodízio, no distrito de Braga (P. 32, 34), o inferno é uma zona subterrânea do lagar por onde passa a água que acciona o rodízio e que comunica com a superfície por meio de um alçapão. O aspecto que apresenta, agravado ainda mais durante o funcionamento do rodízio, é francamente desagradável, para não dizermos lúgubre e misterioso ou mesmo infernal. A escuridão que nele reina, o ruído ensurdecedor da água a bater enraivecida nas penas do rodízio, o chocalhar dos salpicos na água e nas pedras, transformam o estreito subterrâneo num verdadeiro pandemónio. Não admira, pois, que a este recanto do lagar ande associada a palavra inferno, lugar que para a gente simples das nossas aldeias fica nas profundezas da terra, correspondendo ao Inferno dos antigos, a que os gregos davam o nome de Hades.

O jicho ou jincho, termos registados no distrito de Braga, respectivamente P. 29 e 31, é uma peça cónica de madeira (A), que serve para regular a pressão da água. É metido à força na saída do cano e apertado com um mascoto.

O rodízio é uma roda horizontal de madeira (C), fixa ao pulão ou pela (EF) por meio de dois braços de madeira, em cruz, que atravessam o pulão, e por quatro tirantes de ferro. Podemos encontrar duas variedades de rodízio.

A primeira, que encontrámos no chamado lagar das Olas, P. 213, em Celorico da Beira, e de que a figura 35 mostra os seus restos, caracteriza-se pelo facto de apresentar as palhetas de madeira – as chamada penas – no mesmo plano da roda, voltadas para o exterior. A segunda variante, muito frequente no distrito de Braga, é a que a figura 34 documenta. As penas (D), palhetas grandes de madeira, são fixas pela base em posição perpendicular ao plano do rodízio.

Figura 35: O que resta do rodízio do antigo lagar das Olas, P. 213, em Celorico da Beira, dist. da Guarda.

O pulão (P. 31) ou pela (P. 29) é o eixo EF ao qual estão fixos o rodízio e o roquete. É formado por duas colunas diferentes, ligadas entre si, sendo a inferior (E) de grande largura, para suportar o rodízio, cujos raios a atravessam de lado a lado, e a superior muito mais fina, a fim de que o roquete (G) nela possa ser enfiado. Bastante elucidativa deste facto é a figura 36. Além de nos mostrar nitidamente que a pela se compõe de duas peças que, ajustando-se perfeitamente entre si, formam um único eixo e de grande comprimento, permite-nos ver como é construído o roquete e encaixado na extremidade da pela, formada por uma zona de secção quadrangular e outra mais fina e cilíndrica com a função de eixo.

 

 
  Figura 36: Aspecto do roquete e pulão do lagar das Olas, P. 213, em Celorico da Beira, dist. da Guarda.

O roquete, a que já nos referimos quando do estudo do moinho de roda com sistema de roquete e pontaria, é uma engrenagem cilíndrica de madeira, mostrada na figura 34 (G), com o aspecto de uma gaiola (ver figuras 32, 34 e 36), formada por duas placas circulares paralelas, entre as quais encaixam, a igual distância uns dos outros, pequenos tornos de madeira, conhecidos na Póvoa de Lanhoso pelo nome de fusis.

 

 
 

Figura 37: Sistema de transmissão formado por roquete (à direita) e roda da árvore ou pontaria (à esquerda), em Chacim, P. 29, freg. Refojos, Cabeceiras de Basto.

 

Entre os espaços dos fusis(5) engrenam os dentes da roda da árvore (fig. 37), que formam no seu conjunto a chamada pontaria (Braga, P. 29). A pontaria ou roda da árvore (figura 34 H) está fixa pelos raios ou braços à árvore (figura 34 I), que também serve de eixo às galgas (figura 34 J). Estas estão fixas por um eixo horizontal de ferro e giram no chamado pio ou base, recipiente onde é deitada a azeitona e reduzida a pasta. A chumaceira onde o eixo da árvore gira, na parte superior, tem o nome de macaca, na região de Pinhel, distrito da Guarda, segundo informação de Maria Margarida Furtado Martins(6).

O moinho de rodízio funciona da maneira que vamos descrever: a água que o faz tocar entra primeiro numa caixa, ou de cimento ou formada por paredes de pedra, conhecida pelo nome de cubo (figura 38). Levada por uma canalização, sai sob grande pressão pelo chamado jicho ou jincho, termos que devem equivaler a «esguicho». Quando querem pôr o moinho a trabalhar, baixam uma alavanca de tipo inter-fixa, existente na sala de moagem, que obriga a tábua B a subir. Deste modo, o jacto de água vai bater nas penas (D), fazendo girar o rodízio e, por meio dele, todo o sistema descrito. As setas da figura 34 indicam o sentido de rotação das diferentes rodas do sistema.

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(5) – Registamos deste modo a palavra e não «fuzil», porque o termo empregue pelos informadores está seguramente relacionado com a palavra «fuso», devendo ter havido um cruzamento entre as palavras fuso e fuzil.

(6)MARIA MARGARIDA FURTADO MARTINS, op. cit., pág. 72.

 

 

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