Acesso à hierarquia superior.

Fabrico Tradicional do Azeite em Portugal (Estudo Linguístico-Etnográfico), Aveiro, 2014, XIV+504 pp. ©

 

III

O moinho

 

SITUAÇÃO DO MOINHO

Antes de fazermos uma classificação tipológica dos moinhos, importa ver em que zona se situa este elemento do lagar. Para tal, desenvolveremos o assunto de acordo com a classificação apresentada no capítulo I. Só assim se torna possível fazer uma análise metódica e sistemática de toda a matéria.

Vejamos, em primeiro lugar, os moinhos puxados por animais. Como a classificação estabelecida permite concluir, este primitivo e moroso sistema de accionamento pode ser encontrado, quer nos antigos lagares de vara, quer nos que apresentam já uma prensa de parafuso. A sua situação está dependente da estrutura do lagar. Quando este é formado por uma única sala, o moinho fica, em regra, do lado oposto à zona de enseiramento e prensagem, logo à entrada do portão de acesso, para que as sacas descarregadas dos carros possam ser imediatamente despejadas no pio ou base.

Nos casos em que o lagar apresenta um plano bipartido, isto é, com duas salas independentes, uma para a moagem, outra para a prensagem, o moinho ocupa uma posição central, aproximadamente o ponto de encontro das diagonais da sala. Não é difícil encontrar explicação para o facto. Basta que nos lembremos de que os animais necessitam de espaço suficiente para andarem à volta, em movimento circular, atrelados ao cambão ou almanjarra do moinho. Como exemplo, observe-se o moinho A da figura 1, apresentado na página 5. Neste caso, o plano do lagar apresenta três salas: uma para o moinho, as duas restantes respectivamente para a prensa de parafusos e cincho.

Em alguns lagares visitados, como é o caso da azenha de Cadeado, P. 54a, no distrito do Porto, os cantos da sala do engenho são aproveitados para servirem de manjedoura, tal como se mostra na figura 17 (pág. 45). Esta é constituída por um arco de pedra encostado ao canto da parede, no qual colocam as canas de milho, que servem de alimento aos animais. Para que estes não fujam, prendem-nos com uma correia de couro a uma argola cravada na parede.

Os moinhos accionados a água apresentam elevada vantagem sobre os puxados por animais. Além de maior rendimento de trabalho, o espaço por eles ocupado é substancialmente inferior. A sua localização depende do tipo de lagar em que se encontram.

Nos lagares antigos, o moinho ocupa um canto do lagar, na metade oposta àquela onde se efectua o enseiramento e prensagem. No caso dos lagares de roda, o moinho é frequentemente térreo, isto é, ocupa uma cavidade feita no chão e forrada com aduelas de madeira, ou apresenta uma base de pedra com altura relativamente pequena, raramente excedendo um metro.

A figura 2, reproduzida na página 7(aqui à dtª.) e que representa a planta de um antigo lagar de vara accionado por meio de roda hidráulica, documenta bem a posição ocupada pelo moinho. Com uma base de pedra aproximadamente com 60 centímetros de altura e um pio em forma de prato, com bordos ligeiramente inclinados, ficava praticamente encostado a um canto da parede e ligado à roda de fora por meio de um sistema de transmissão, constituído pela dobadoira – roda horizontal dentada – e roda de entrosga.

Caso raro e talvez até único é o que podemos encontrar no lagar da Mata, P. 297, no concelho de Góis, distrito de Coimbra. De todos os lagares de vara visitados, é sem dúvida o que maior singularidade apresenta. A juntar a isto, o facto de ter-nos proporcionado a oportunidade de apreciar e registar, numa sequência fotográfica de quinze imagens, as fases principais do fabrico do azeite.

Sobre o lagar da Mata já alguma coisa dissemos no capítulo I. Importa, todavia, fazer uma análise mais profunda da sua estrutura, pelo que chamamos desde já a atenção do leitor para a figura 5, que nos mostra o seu aspecto exterior, e para a figura 18, que representa o plano do edifício. Neste não foi assinalada a divisão anexa a um dos lados, uma vez que é totalmente independente do lagar. Segundo nos disseram, serve apenas para guardar alfaias agrícolas.

 

 
  Figura 18: Planta do lagar da Mata, P. 297, conc. de Góis, dist. Coimbra. (1)  

O edifício original (ver figura 18) deveria ser formado unicamente pela sala F. Disso é prova evidente o próprio telhado que, como poderemos verificar pela figura 5, é coberto com telha portuguesa. Mais tarde, por necessidade de guardar os sacos de azeitona, foi construída a sala E, coberta não já com telha igual à primitiva, mas sim de tipo francês. É nesta sala que existe o chamado assentador (G), de que já falámos quando tratámos do transporte e conservação da azeitona.

Com um chão de terra batida, apresenta na sala F, na metade esquerda, uma secção formada por um piso de cimento a uma altura superior do resto do lagar de cerca de um metro. O acesso a esse piso faz-se por três lanços de escadas do mesmo material, dois nas extremidades, entre as tarefas e as paredes, e o terceiro ao centro, entre uma tarefa e a caldeira D. É esta secção que, nos lagares normais, corresponde à chamada zona de enseiramento, e que se opõe àquela onde é feita a moagem.

As paredes da casa primitiva são constituídas por delgadas placas de pedra sobrepostas e de tamanhos variáveis, apresentando a que separa a zona E da F largura maior que as restantes, a fim de poder suportar não só as agulheiras, mas também a enorme força que a extremidade da vara, embutida na parede, tende a exercer de baixo para cima. Em contrapartida, as paredes da sala E são de espessura muito pequena, em virtude de serem construídas com tijolos. Há, pois, no que respeita ao sistema de construção e materiais usados, um enorme contraste entre as duas secções do lagar actualmente existentes.

 

 
  Figura 19: Aspecto do moinho, situado na zona de enseiramento entre as duas prensas de vara (Mata, P. 297), Vila Nova do Ceira, Góis, Coimbra.  

Ao contrário do que é habitual, o moinho A fica situado entre as duas varas B, no piso de cimento J, comunicando com o compartimento E pelo chamado botadoiro, pequena construção de madeira (H) através da qual é despejada a azeitona no pio. Bastante elucidativa é a figura 19. Além de nos dar um aspecto geral do moinho, permite-nos fazer uma série de observações, que completam e confirmam o que se disse. Em primeiro lugar, constatamos que o moinho está efectivamente entre as duas varas, pois podem-se ainda ver as pedras salientes – as chamadas agulheiras – onde elas encaixam. Em segundo lugar, vemos entre as duas galgas de eixos assimétricos o botadoiro por onde é deitada a azeitona no pio. Finalmente, podemos apreciar a considerável altura que vai do chão ao bordo, sobre o qual uma candeia com dois bicos acesos ilumina o interior da vasa.

Nos moinhos de rodízio que tivemos a oportunidade de visitar, o aparelho de moer apresenta, geralmente, situação idêntica à dos moinhos de roda. Exceptuam-se os lagares de Chacim, P. 29, e Garceira, P. 32, ambos no distrito de Braga. O primeiro apresenta o moinho a um canto da sala, ao lado da caldeira e da vara; o segundo, no lado oposto à zona de enseiramento e num piso de cimento a cerca de um metro do chão, no qual está embutido o vaso ou pio onde gira a galga.

Nos lagares modernos, o moinho accionado por água ocupa a mesma zona da prensa, numa plataforma ampla de cimento, acima do nível do solo. Como nos lagares antigos, fica quase sempre junto à parede, para encurtar a distância do veio, que transmite o movimento da roda da água ao eixo vertical, que faz andar as galgas. Observe-se a situação do moinho A, na figura 3.

Relativamente aos moinhos accionados por motor, torna-se difícil indicar as zonas em que se situam. A sua posição é muito variável. Ao contrário dos movidos por força animal, ocupam habitualmente o mesmo plano da restante maquinaria, a um canto da sala e a pequena distância das prensas. O facto da transmissão do movimento ser feita por meio de correame, que permite a um só motor pôr toda a maquinaria em movimento, o espaço tomado pelo moinho torna-se bastante reduzido, contribuindo para que alguns lagares ocupem uma área muito pequena.

_________________________________

(1)Descrição da planta da figura 18: A - moinho de duas galgas de eixos assimétricos; B - prensas de vara; C - tarefas; D - caldeira para aquecimento das águas, com respectiva fornalha; E - compartimento onde são guardadas as sacas de azeitona; F - sala principal do lagar, onde é feito o azeite; G - assentador sobre o qual são colocadas as sacas; H - botadoiro, conduta formada por tábuas de madeira, com fundo inclinado, na qual são despejadas as sacas, a fim de deitar a azeitona dentro do moinho; I - sistema hidráulico de accionamento; J - piso superior do lagar, a cerca de um metro do solo e a este ligado por meio de três escadas.

 

 

Página anterior.

Acesso ao Índice.

Página seguinte.