De todas as terras visitadas, foi sem dúvida Celorico da Beira a que
melhores momentos nos proporcionou. O frio que se fazia sentir, apesar
dos belíssimos dias de sol daquele mês de Dezembro, não nos impediu de
passar alguns dias completos em pleno campo, onde pudemos seguir a par e
passo todas as actividades relacionadas com a colheita da azeitona.
Pela tardinha, quando o sol começava a esconder-se por
detrás dos montes e o vento do fim do dia iniciava o seu percurso até
terras distantes, todo o pessoal interrompia o trabalho. Num vasto
descampado, estendiam-se os
toldes, uns após os outros. Os sacos de azeitona suja eram
despejados num monte. E com as mulheres a segurar nas extremidades do
último toldo oposto ao vento, começavam os homens a atirar ao ar a
azeitona, que ia cair longe, liberta das folhas. Terminada a erguida,
escolhiam ainda alguma folha que tivesse ido agarrada. Depois de limpa e
ensacada, iam-na juntando ao muro, que separava o olival da estrada.
Não faltava muito para escurecer, quando surgiu uma carrinha. Carregados
todos os sacos, foi dado por concluído um dia de trabalho, que só na
manhã seguinte se repetiria, para vir a acabar da mesma maneira.
Quando isto se passou, ainda nenhum lagar tinha aberto as suas portas.
Por isso, a azeitona era levada para casa do dono, onde ficaria alguns
dias até lhe ser extraído o dourado líquido.
No olival do Escorial, do lado oposto ao do Souto das
Velhas, onde há pouco estivemos, os factos passaram-se de modo um pouco
diferente. A azeitona era levada pelo caseiro, ao fim do dia. Para isso,
lá ia o nosso informador todos os dias de tarde com o seu burrico buscar
as sacas, a fim de serem guardadas na
loja, em casa do dono.
Nem sempre os factos se passam como acabámos de descrever, relativamente
a Celorico da Beira. Numa grande maioria de regiões, a azeitona é ainda
levada por meio de processos primitivos, a que anda aliado um meio de
transporte muito generalizado nas nossas aldeias – o carro puxado por
uma junta de pachorrentos bois, que deixa uma nota estridente por onde
passa, com o chiar intermitente ou contínuo da madeira dos eixos sob a
madeira das chumaceiras.
Quando o lavrador não
possui o seu próprio carro, cabe ao carreiro ir ao olival buscar
o precioso fruto, que ele levará, ou directamente para o lagar, caso
esteja já a trabalhar e tenha vez, ou para a casa do proprietário.
O carreiro
é o homem que efectua o transporte da azeitona, como já se deve ter
compreendido. O termo está relacionado com carro, de onde deriva, e é
comum a várias regiões do País, embora não seja o único com a mesma
significação. Surge nos distritos de Bragança (P. 100) e Porto (P. 54),
aparecendo altamente documentado nos distritos de Coimbra (P. 239, 245,
258, 262, 278, 288, 291, 294) e Leiria (P. 338, 339, 340, 345, 346, 348,
351, 361).
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Figura 7:
Aspecto da descarga dos sacos de azeitona (Anterronde, Santa
Eulália, conc. de Arouca, dist. de Aveiro). |
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Outros nomes aplicados ao homem que transporta a azeitona
são: ensacador, termo
relacionado com saca e com um matiz particular (Coimbra, P. 238, 245, e
Guarda, P. 206), e carreteiro.
Ao efectuar o trabalho, os ensacadores têm o cuidado
prévio – pelo menos no concelho de Oliveira do Hospital, P. 238 – de
marcar os pequenos lotes pertencentes a cada produtor, que serão depois
identificados através de guias. Quando a quantidade de sacos de um
produtor trazida pelo ensacador dá para fazer um
moinho, isto é, para encher o
recipiente do moinho, quantidade que varia entre 400 e 450 quilos, na
região indicada faz-se a moagem e prensagem independentemente dos
restantes. Se um proprietário apenas tem duas ou três sacas, então a sua
azeitona será junta com a de outros, até fazer a quantidade certa para o
moinho.
Nem sempre a azeitona é transportada pelos carros dentro
de sacas. Em algumas regiões vai para casa do dono em
poceiros, cestos de verga, dos quais
falaremos mais adiante.
Em Moinhos, P. 281, no concelho de Miranda do Corvo, é levada às costas
pelos homens, ao passo que na Deveza, freguesia de Sobrado, concelho de
Castelo de Paiva, é levada à cabeça pelas mulheres. Se em sacas ou em
cestos, não nos é possível dizer, uma vez que o I. L. C. (Inquérito
Linguístico por Correspondência) não fornece qualquer indicação.
Do ponto de vista da
frequência, segundo se infere das respostas recebidas por meio do I. L.
C., o meio de transporte mais utilizado é o carro de
bois e a camioneta. O tractor também já é apontado, mas em número muito
restrito(1).
– Como e onde é conservada a azeitona, quando em casa do
proprietário?
Antes de entrarmos na resposta à pergunta, vejamos o que
nos diz Scheuermeier(2),
relativamente à Itália. Neste país, as azeitonas apanhadas demasiado
cedo ficam entulhadas durante algum tempo, a fim de amadurecerem. Na
Itália Central, despejam-nas geralmente num compartimento sobre o chão,
onde ficam em repouso dez a vinte dias. Como o chão é de tijolo, dizem,
em certas zonas, que «le olive s'immattótano». No sul da Itália,
em muitas terras, as azeitonas são conservadas em local próprio do
lagar, dentro de uma caixa vertical alta, feita de tijolos ou, mais
raramente, numa cova ou cesto cilíndrico e alto, feito de esteiras.
Em Portugal, quando a azeitona é apanhada ainda um pouco verde ou antes
de o lagar ter aberto, vai directamente para casa do lavrador, onde é
guardada e conservada segundo processos os mais variáveis, como
variáveis são também os lugares onde a metem.
Em Montemor-o-Velho, no lugar de Cabeça Alta, P. 266, e
em Alvaiázere, P. 339, no distrito de Leiria, é guardada em
celeiros, dentro de pias,
latões ou potes.
No concelho de Castelo de Paiva, distrito de Aveiro, os
recipientes utilizados são variadíssimos: dentro do
lagar de vinho, coberta de água (Sá,
P. 167), em salas ou eiras, ao ar livre (Deveza, freg. de
Sobrado), em pipas (Paradela, P. 165), em gigos (Vila
Verde, P. 166). Neste mesmo concelho usam ainda dornas (Paradela,
P. 165), que vamos também encontrar nos concelhos de Alvaiázere e Leiria
(P. 339 e 363), respectivamente.
No distrito de Coimbra, o meio mais generalizado de
conservar a azeitona é dentro de
poceiros, não só em casa do
proprietário, mas também no lagar, como veremos em breve.
Sem dúvida que o local mais apropriado é dentro de tulhas. A azeitona é
misturada com sal e, em, algumas regiões, pisada com os pés, segundo
explicou um dos nossos informadores. Felizmente que este condenável
costume é pouco frequente. Normalmente é-lhe apenas adicionado o sal, o
que tende também a desaparecer. Conforme se depreende das palavras que
iremos reproduzir, ouvidas da boca de um informador, no distrito da
Guarda, o sal torna o azeite menos gostoso:
«... Há quem use isso
[pôr sal nas azeitonas]. Mas eu não lho ponho antes d'ir pró lagar.
Mas sabe que esse sal e botam-lhe? Mas fica sempre...,
não fica o azeite tão gostoso, tão fino, perde metade..., ganha um
bocado d'acidez. É por càza disso que nós não butamos
nada, não quero lá nada n'àzeitona. Ántezia(3)
quero mexer duas, três ou quatro ou cinco vezes de dois em dois dias
ou três em três dias, mexê-la na tulha, dá-le um tombo dum lado pró
outro, pr'àzeitona não tomar aquela quintura, porque fica o
azeite milhor. É muito milhor o azeite do que com sal e!»
No Brasil, segundo
informação recebida da região de Uruguaiana, através de um exemplar do
I. L. C., a azeitona é levada pelo administrador do olival para casas
arejadas ou galpões, passando daí para tanques. Depois de
vendida, é levada como matéria prima para indústrias localizadas noutros
municípios do estado, donde mais tarde sairá para consumo. Ao contrário
de Portugal, a azeitona não se destina ao fabrico do azeite.
Foi anteriormente dito que a azeitona, uma vez apanhada,
podia ir primeiro para casa do dono, ou directamente para o lagar. Neste
último caso, quando não é o próprio dono que a transporta, há um homem
que efectua esse serviço por conta do lagar. Esse ou esses homens,
conhecidos também por
ensacadores e carreiros, vão de propósito a casa do dono
buscar-lhe a azeitona, logo que tenha uma carrada (P. 289), ou
trazem-lha directamente do olival para o lagar, onde fica à espera de
vez ou é logo feita. Efectuado todo o entulho da azeitona ou
carrego, o carreteiro (Covilhã) recebe um litro de azeite por
cada moedura. A este pagamento é dado o nome de jeira, em
Celorico da Beira, P. 209.
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Figura 8:
Aspecto da descarga dos sacos de azeitona, em Valbom dos Figos, conc.
de Mirandela, dist. de Bragança. |
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Nos lugares mais atrasados, o transporte é feito com carros de bois,
meio que parece ainda muito corrente. Observem-se, como exemplo, as
figuras 7 e 8. Na primeira, obtida em Anterronde (P. 120), no concelho
de Arouca, vemos que o carro penetra dentro do lagar, através da porta
principal, de largas dimensões para esse efeito. A azeitona não é metida
em tulhas, que não existem. Fica amontoada dentro das sacas, pelo que só
a trazem à medida que vai podendo ser feita.
Alguns lagares possuem um
amplo pátio, onde o carro pode entrar para melhor ser descarregada.
Na figura 8, registada em Valbom dos Figos, P. 98, no concelho de
Mirandela, o produto da colheita é transportado pelo carro que a gravura
documenta, ou por um tractor pertencente à mesma casa. Como o lagar, que
é bastante moderno, não possui acesso fácil para as tulhas, as sacas têm
de ser passadas através de uma janela.
Se atentarmos bem na
figura 8, veremos que os animais que puxam o carro têm, à frente dos
olhos, uma tiras de couro que pendem sobre o focinho. Segundo a
explicação que o carreiro deu – um dos que vemos a descarregar o carro –
as tiras servem para os animais enxotarem as moscas, abanando para isso
o focinho. Assim, além do efeito decorativo, apresenta uma função
utilitária. Entre as hastes e apanhando a parte superior do cachaço,
colocam habitualmente umas almofadas de couro, que protegem o animal,
evitando que o jugo o fira. São as chamadas molidas ou
molhelhas, que iremos encontrar quando tratarmos dos moinhos de
tracção animal.
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Figura 9:
Aspecto da descarga da azeitona, na Quinta da Portela, freg. de
Santo António dos Olivais, em Coimbra. |
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Em Coimbra, no lagar da
Quinta da Portela, P. 285b, a azeitona é transportada directamente do
olival para o lagar por meio de um tipo especial de carro (figura 9).
Quando chega a altura de efectuar o transporte, colocam sobre os bordos
quatro taipais de madeira, formando uma caixa de grande capacidade.
Sempre que a enchem, dirigem-se para o lagar. Uma vez dentro, abrem um
postigo de correr, existente na retaguarda, e a azeitona cai no chamado
carrocel do amor, no qual é transportada para o moinho. Para que
não fique nada dentro do carro, salta um homem para o interior e, com
uma pá, empurra toda a azeitona para a abertura. A operação de carga e
descarga vai-se repetindo tantas vezes quantas as necessárias, até que
tudo tenha sido trazido do olival.
Na Federação dos Grémios da Lavoura do Nordeste Trasmontano, que serve
toda a zona do Cachão e ainda parte de Mirandela, Vila Flor e Carrazeda
de Ansiães, o transporte é feito por meio de camionetas. Chegadas ao
lagar, encostam às tulhas, como a figura 10 bem documenta, e despejam o
conteúdo das sacas.
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Figura 10:
Federação dos Grémios da Lavoura do Nordeste Trasmontano: descarga
da azeitona nas tulhas (Cachão, Mirandela). |
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Vimos já que nem sempre a azeitona é guardada em tulhas,
quando entra no lagar. Nem todos as possuem. Por essa razão, vai sendo
trazida à medida que a vão moendo. Noutros casos, fica dentro das sacas
em que veio, amontoadas a um canto ou numa sala própria, sobre o chamado
assentador (P. 297) ou
tendal (P. 73). O assentador ou tendal não é mais do que
uma espécie de mesa comprida, formada por pranchas de madeira colocadas
lado a lado, sobre a qual assentam as sacas.
Não é raro encontrarem-se lagares com tulhas onde, apesar
destas existirem, a sua função é nula ou quase nula. Se repararmos bem
na figura 11, veremos que as tulhas estão praticamente devolutas, à
excepção da primeira, à esquerda. Em contrapartida, grande parte da
chamada casa das tulhas
encontra-se repleta de sacas, que se amontoam umas sobre as outras.
Casos destes são frequentes.
Na região de Coimbra, embora existindo tulhas em muitos
lagares, a azeitona é conservada dentro dos cestos – os chamados
poceiros – em que foi
transportada. Efectivamente, o poceiro, que poderemos considerar
como um tipo de cesto exclusivo desta região, ao lado do chamado
seremil ou cesto de maquia, este último com uma maior
difusão, é dos elementos mais característicos que encontramos. A sua
área é bastante restrita, estendendo-se até Leiria, onde é menos
frequente. Difere pela forma e construção dos gigos usados no norte,
também com idêntica aplicação. Comparem-se os cestos apresentados, quer
na figura 12, quer na figura 13, que nos mostram os citados poceiros,
com os que observamos na figura 14.
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Figura 11:
Aspecto da chamada «casa das tulhas». Ponte da Arranca, Vinhais,
Bragança. |
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