TENTATIVA DE CLASSIFICAÇÃO DOS LAGARES
Uma tentativa deste género situar-se-á num plano idêntico ao que se
passa em outros domínios da cultura do homem, nomeadamente no campo dos
estilos, em arte, e no da periodização literária.
Do mesmo modo que na literatura e na arte, em geral, não podemos situar
o fenómeno artístico dentro de compartimentos estanques, o mesmo se
passa relativamente a uma tentativa de classificação dos tipos de
lagares existentes.
A semelhança ressalta ainda mais se nos reportarmos ao que se passa no
domínio linguístico, relativamente à delimitação de áreas dialectais.
Traços pertencentes a uma dada área frequentemente coexistem e
interferem-se em outras vizinhas.
Torna-se pois bastante difícil estabelecer uma classificação rígida e
definitiva. Por muito completa e perfeita que seja, será sempre
susceptível de discussão e facilmente abalável.
Que fazer então? Tentar estabelecer uma classificação ou pôr de parte a
ideia, eliminando assim as dificuldades?
A hipótese final da segunda pergunta, embora cómoda, não merece sequer
ser considerada. Por muito discutível que uma classificação possa ser, é
sempre vantajosa, quando muito, por uma questão de método.
Sendo vários os traços que caracterizam os diversos tipos de lagar,
quais os que deverão ser considerados? Sem dúvida, somente aqueles que,
após uma análise cuidada, se nos apresentem como mais importantes.
Houve, assim, que optar por três elementos fundamentais,
comuns a todos os lagares, e com traços altamente distintivos: o
moinho,
a
prensa
e a
forma de energia utilizada
para o funcionamento do lagar.
Será da conjugação destes três elementos que a classificação se tornará
viável. A juntar a eles, um factor não menos importante: o cronológico.
Só assim se poderá obter uma visão de conjunto num plano diacrónico.
Teremos, então, três planos com uma amplitude temporal mais ou menos
restrita, conforme os casos: antigo, semi-moderno e moderno.
Dentro do grupo classificado como antigo, iremos incluir
os chamados
lagares de vara,
que marcam, sem dúvida, um marco importante no domínio da História do
mundo olivícola mediterrânico.
Como semi-modernos ou de transição, englobaremos aqueles
lagares onde nos surge um novo processo de prensagem, um processo muito
mais evoluído tecnicamente do que a vara, mas ainda muito aquém do
sistema de prensa hidráulica. Teremos, então, os
lagares de parafuso,
isto é, lagares onde nos surgem prensas cujo eixo é um parafuso de
ferro, que lembra ainda o fuso da vara, porém já com um sistema de
funcionamento tecnicamente mais apurado. Não incluiremos dentro deste
grupo o chamado
cincho,
pequena prensa manual para aperto do bagaço. Embora se trate de uma
prensa de parafuso, e como tal a agruparemos dentro do mesmo tipo de
prensa, não serve para caracterizar o lagar onde se encontre, visto ser
um elemento secundário. Como todos sabem, pelo menos todos quantos
possuem alguns conhecimentos ligados à oleicultura, o
cincho
serve unicamente para a prensagem do bagaço, coexistindo por isso com a
prensa de vara e com outras prensas de parafuso, respectivamente em
lagares antigos e em lagares semi-modernos.
Como modernos, consideraremos os lagares que apresentam
um progresso tecnológico avançado, desde o sistema da primitiva prensa
hidráulica até às últimas novidades técnicas, como é o caso, por
exemplo, do sistema
Sima
e de outros mais recentes, passando pelo
moinho de martelos,
clamígolas,
etc.
Seguramente, o terceiro grupo desta tentativa de
classificação irá suscitar alguns problemas, uma vez que houve certa
divergência de critérios em relação aos dois primeiros. Quer no grupo
classificado como antigo, quer no classificado como semi-moderno, o
sistema de prensagem serviu-nos de critério. Surgia, no entanto, um
problema: em que grupo englobar aqueles lagares onde existem moinhos de
martelos, extractores do tipo
Clamígola
e
Huartelety
e outras modernas máquinas?
Certamente ninguém terá dúvidas em considerar lagares com máquinas
destas dentro do grupo dos modernos lagares. Houve, pois, que tomar em
consideração sobretudo o aspecto tecnológico, pelo que alargámos os
critérios adoptados, conjugando com os já indicados mais este factor,
também ele de elevada importância. Por aqui se vê, desde já, não poder
haver rigidez de critérios.
Poderíamos considerar ainda uma outra alínea nesta
classificação, na qual entrariam aqueles casos em que o lagar apresenta
um certo hibridismo de elementos, como verificámos por mais de uma vez
em algumas regiões. De facto, ao lado da vara, possuem também prensas de
parafuso e cincho. Noutros casos, os contrastes são ainda mais
flagrantes, coexistindo moinhos muito primitivos com prensas
hidráulicas e, até mesmo, como no lagar da Ponte da Mucela, no concelho
de Arganil, distrito de Coimbra, um moinho de tipo primitivo ao lado de
uma
Clamígola
pequena.
Devemos chamar a atenção para o facto de que se faz
distinção, aliás a de que o povo apresenta consciência, entre
prensa de cincho
e
prensa de cinchos.
A primeira, muito vulgar no distrito do Porto, é uma pequena prensa
manual com duas placas semi-circulares de ferro, com crivos ou ripas de
madeira, que, fechando-se, permitem o aperto do bagaço; a segunda, com
aplicação idêntica à primeira, é uma prensa hidráulica com um carro
próprio, no qual se sobrepõem diversos aros metálicos.
Para concluir, vejamos o esquema relativo à classificação estabelecida:
No primeiro grupo, indicamos antigos simples e antigos duplos.
Pretende-se com isto mostrar que apenas foram encontrados lagares com
uma ou duas varas, o que não significa que não possam existir com mais
de duas. Efectivamente, com três e quatro varas eram bastante correntes
há anos atrás. Ainda hoje pode ser visitado um lagar destes na Quinta do
Rol, concelho de Cantanhede, distrito de Coimbra, muito embora já não
trabalhe há vários anos. Cremos, no entanto, poder-se afirmar que, hoje
em dia, tirando uma ou outra raríssima excepção, o número máximo de
varas que poderemos encontrar em lagares a funcionar é de apenas duas e,
mais esporadicamente, três.
No
subgrupo misto do tipo antigo é apresentado um pequeno asterisco (*).
Pretende-se com isto indicar que será provável existir em algum lagar
antigo dois tipos de accionamento, um para substituir o outro em caso de
necessidade, como se verificou em alguns lagares de parafuso. |