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Fabrico Tradicional do Azeite em Portugal (Estudo Linguístico-Etnográfico), Aveiro, 2014, XIV+504 pp. ©

 

I

O lagar

 

TENTATIVA DE CLASSIFICAÇÃO DOS LAGARES

Uma tentativa deste género situar-se-á num plano idêntico ao que se passa em outros domínios da cultura do homem, nomeadamente no campo dos estilos, em arte, e no da periodização literária.

Do mesmo modo que na literatura e na arte, em geral, não podemos situar o fenómeno artístico dentro de compartimentos estanques, o mesmo se passa relativamente a uma tentativa de classificação dos tipos de lagares existentes.

A semelhança ressalta ainda mais se nos reportarmos ao que se passa no domínio linguístico, relativamente à delimitação de áreas dialectais. Traços pertencentes a uma dada área frequentemente coexistem e interferem-se em outras vizinhas.

Torna-se pois bastante difícil estabelecer uma classificação rígida e definitiva. Por muito completa e perfeita que seja, será sempre susceptível de discussão e facilmente abalável.

Que fazer então?  Tentar estabelecer uma classificação ou pôr de parte a ideia, eliminando assim as dificuldades?

A hipótese final da segunda pergunta, embora cómoda, não merece sequer ser considerada. Por muito discutível que uma classificação possa ser, é sempre vantajosa, quando muito, por uma questão de método.

Sendo vários os traços que caracterizam os diversos tipos de lagar, quais os que deverão ser considerados? Sem dúvida, somente aqueles que, após uma análise cuidada, se nos apresentem como mais importantes.

Houve, assim, que optar por três elementos fundamentais, comuns a todos os lagares, e com traços altamente distintivos: o moinho, a prensa e a forma de energia utilizada para o funcionamento do lagar.

Será da conjugação destes três elementos que a classificação se tornará viável. A juntar a eles, um factor não menos importante: o cronológico. Só assim se poderá obter uma visão de conjunto num plano diacrónico. Teremos, então, três planos com uma amplitude temporal mais ou menos restrita, conforme os casos: antigo, semi-moderno e moderno.

Dentro do grupo classificado como antigo, iremos incluir os chamados lagares de vara, que marcam, sem dúvida, um marco importante no domínio da História do mundo olivícola mediterrânico.

Como semi-modernos ou de transição, englobaremos aqueles lagares onde nos surge um novo processo de prensagem, um processo muito mais evoluído tecnicamente do que a vara, mas ainda muito aquém do sistema de prensa hidráulica. Teremos, então, os lagares de parafuso, isto é, lagares onde nos surgem prensas cujo eixo é um parafuso de ferro, que lembra ainda o fuso da vara, porém já com um sistema de funcionamento tecnicamente mais apurado. Não incluiremos dentro deste grupo o chamado cincho, pequena prensa manual para aperto do bagaço. Embora se trate de uma prensa de parafuso, e como tal a agruparemos dentro do mesmo tipo de prensa, não serve para caracterizar o lagar onde se encontre, visto ser um elemento secundário. Como todos sabem, pelo menos todos quantos possuem alguns conhecimentos ligados à oleicultura, o cincho serve unicamente para a prensagem do bagaço, coexistindo por isso com a prensa de vara e com outras prensas de parafuso, respectivamente em lagares antigos e em lagares semi-modernos.

Como modernos, consideraremos os lagares que apresentam um progresso tecnológico avançado, desde o sistema da primitiva prensa hidráulica até às últimas novidades técnicas, como é o caso, por exemplo, do sistema Sima e de outros mais recentes, passando pelo moinho de martelos, clamígolas, etc.

Seguramente, o terceiro grupo desta tentativa de classificação irá suscitar alguns problemas, uma vez que houve certa divergência de critérios em relação aos dois primeiros. Quer no grupo classificado como antigo, quer no classificado como semi-moderno, o sistema de prensagem serviu-nos de critério. Surgia, no entanto, um problema: em que grupo englobar aqueles lagares onde existem moinhos de martelos, extractores do tipo Clamígola e Huartelety e outras modernas máquinas?

Certamente ninguém terá dúvidas em considerar lagares com máquinas destas dentro do grupo dos moder­nos lagares. Houve, pois, que tomar em consideração sobretudo o aspecto tecnológico, pelo que alargámos os critérios adoptados, conjugando com os já indicados mais este factor, também ele de elevada importância. Por aqui se vê, desde já, não poder haver rigidez de critérios.

Poderíamos considerar ainda uma outra alínea nesta classificação, na qual entrariam aqueles casos em que  o lagar apresenta um certo hibridismo de elementos, como verificámos por mais de uma vez em algumas regiões. De facto, ao lado da vara, possuem também prensas de parafuso e cincho. Noutros casos, os contrastes são ainda mais flagrantes, coexistindo moinhos muito primiti­vos com prensas hidráulicas e, até mesmo, como no lagar da Ponte da Mucela, no concelho de Arganil, distrito de Coimbra, um moinho de tipo primitivo ao lado de uma Clamígola pequena.

Devemos chamar a atenção para o facto de que se faz distinção, aliás a de que o povo apresenta consciência, entre prensa de cincho e prensa de cinchos. A primeira, muito vulgar no distrito do Porto, é uma pequena prensa manual com duas placas semi-circulares de ferro, com crivos ou ripas de madeira, que, fechando-se, permitem o aperto do bagaço; a segunda, com aplicação idêntica à primeira, é uma prensa hidráulica com um carro próprio, no qual se sobrepõem diversos aros metálicos.

 

 
     

Para concluir, vejamos o esquema relativo à classificação estabelecida:

No primeiro grupo, indicamos antigos simples e antigos duplos. Pretende-se com isto mostrar que apenas foram encontrados lagares com uma ou duas varas, o que não significa que não possam existir com mais de duas. Efectivamente, com três e quatro varas eram bastante correntes há anos atrás. Ainda hoje pode ser visitado um lagar destes na Quinta do Rol, concelho de Cantanhede, distrito de Coimbra, muito embora já não trabalhe há vários anos. Cremos, no entanto, poder-se afirmar que, hoje em dia, tirando uma ou outra raríssima excepção, o número máximo de varas que poderemos encontrar em lagares a funcionar é de apenas duas e, mais esporadicamente, três.

No subgrupo misto do tipo antigo é apresentado um pequeno asterisco (*). Pretende-se com isto indicar que será provável existir em algum lagar antigo dois tipos de accionamento, um para substituir o outro em caso de necessidade, como se verificou em alguns lagares de parafuso.

 

 

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