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Thomas Mann, Evolução. Da «existência artística» ao humorismo - Coimbra, 1960, pp. 7 a 46

Períodos evolutivos da obra

Alguns factos da vida - Parte I

A figura de Goethe vai pouco a pouco impondo-se à de Schiller, à medida que a obra de MANN evolui. Os trabalhos sobre Goethe culminam com a publicação em 1939 da "Carlota em Weimar", em que a imagem do "Outro" da"Hora Difícil" aparece, aliás, com certa dose de ironia. O tema da tetralogia de "José e os seus irmãos" é o alargamento de um episódio bíblico – ideia de Goethe. A imitatio de Goethe também não é difícil de perseguir nas sugestões do título de "Doutor Fausto"...

Verdade é que o "Ensaio sobre Schiller" data de 1955, que é o 150º aniversário da morte do "patético" e o próprio ano da morte do "irónico". Mas trata-se de uma homenagem ao poeta que THOMAS MANN ama desde o princípio da adolescência, em que o lia durante as próprias refeições, como ele nos conta, e cujo "Don Carlos" tanto do seu agrado era, que surgiu no "Tonio Kröger" como exemplo das leituras preferidas do jovem artista.

Em 1930, quando da publicação do "Esboço da minha vida" era já Goethe o seu "patrono". A evolução do doentio (o romântico) para o / 8 / saudável (o clássico) – nos termos do Poeta do "Fausto" –, não se deixa pois de fazer, sem que no entanto se esqueça a ponta inferior(?) da "antipodischen Freundschaft" (1). A "união mística" de MANN com Goethe torna-se pouco a pouco num facto.

 

THOMAS MANN nasceu no dia 6 de Junho de 1875, ao meio dia; assim o diz parcialmente no "Esboço..." – em muito a sua fragmentária "Dichtung und Wahrheit" que, segundo nos parece, ele se achou no quase dever de escrever, depois de, em 1929, lhe ser atribuído o Prémio Nobel da Literatura – para informação do público ledor, que sempre gosta de estar informado da parte anedótica da vida do "seu autor". Também THOMAS MANN nasceu bem fadado por uma "glückliche Konstellation"...

O pai era de Lubeque, filho de naturais de Lubeque, e foi dele que herdou o espírito conservador, a estatura e "isto, de encarar a sério a vida" (2); foi indubitavelmente da mãe, jovem de sangue luso-germano-creoulo, que lhe veio, como a Goethe, a natureza alegre e o gosto de contar histórias – "Liederliche". É da máxima importância esta dupla herança, que fica a representar simbolicamente – o poeta não é aquele cuja vida é simbólica? – a união do Norte e do Sul.

Não nasceu na casa dos antepassados – o agora célebre / 9 / Buddenbrook-Haus –, mas numa vivenda adquirida já pelo pai.

As relações com Heinrich, seu irmão quatro anos mais velho, nunca foram excelentes. "Admiradora" e "espectadora" das representações dadas no teatro de fantoches e das imitações do pequeno Thomas, foi a mais velha das duas irmãs que, como Klaus (o primogénito de Mann), se veio a suicidar. Como a pequena irmã para Goethe, foi esta a pessoa da família com quem Mann mais conviveu na infância e a quem comunicou algumas das suas "ideias".

Em Travemünde passava as férias grandes. Foi o mar que fez fermentar nele o espírito irónico e o génio da épica e o levou a procurar sempre, segundo o seu próprio testemunho e o das filhas Erika e Monika, habitações nas proximidades do elemento aquoso – quanto isto lhe recordaria Nietzsche, Wagner e "o ambiente em que nascera! – tanto na Alemanha, como na Suíça ou na América. Interessaram-lhe só e sempre as "paisagens intelectuais"(3); nem os monumentos, nem nada que não fosse o mar (pelo menos a água). O mar aparece em quase todos os seus livros e determinou que Mann, durante toda a sua vida, se sentisse um "Veneziano do Norte". (4) "Das Meer ist keine landschaft, es ist das Erlebnis der Ewigkeit, des Nichts und das Todes, ein metaphysischer Traum" (5). Tonio Kröger não perde de vista o mar na Bucht dinamarquesa. A poesia do espírito Holger, da sessão espiritista do final da "Montanha Mágica" é uma poesia ao mar; e ao mar é já / 10 / também aquele poema apenas iniciado, do "Tonio Kröger". Importante para aqui é que Thomas Mann equipara a Épica ao Mar, com o que de certo modo fundamenta o pendor do seu espírito.

O espírito apolíneo da Épica, distante e irónico, tem a sua preferência sobre o dramático e o lírico. As duas únicas excepções são "Fiorenza", uma peça aliás "dramatisch – undramatisch", que só se aceita como obra literária ("para ler") e o "cântico da Criancinha", série de hexâmetros que, numa festa familiar, serviram para comemorar um nascimento.

"Ich bin einzeln, ich sehe zu", diz-se ainda nas "Observações..." (7). A juventude de MANN, que leituras filosóficas pessimistas tornaram bastante amarga, deixa-se condensar nesta frase. A Zaungastliteratur de "Tristão" e "Tonio Kröger" fornece os ingredientes para uma futura carreira épica.

Muito novo ainda, o pai morrera-lhe. Desfeita a firma – quanto isto não custaria à Tony dos "Buddenbrooks"! – parte no Outono de 1893 com a mãe para Munique. Aqui se emprega Thomas, por intermédio de um amigo da família, numa companhia de seguros – onde se mantém apenas por condescendência dos patrões e de onde se despede... antes que o pusessem fora, como confessa.

Em 1894 publica na revista "Gesellschaft" a narrativa Gefallen, que não foi aproveitada pelo Autor para a colecção das obras completas / 11 / (A edição Fischer, de 1958, inclui, no entanto, o conto). O assunto gira em redor da frase "Wenn eine Frau hente aus Liebe fällt, so fällt sie morgen um Geld" (8), e não tem ligação com os temas posteriormente tratados. Foi grande o êxito do conto – ("Gesellschaft" já publicara anteriormente a poesia "Zweimaliger Abschied", aparecida primeiro no "Frühlingssturn" jornal de alguns escolares de Lubeque, sob a autoria de um tal Paul Thomas).

"Como bom alemão" também THOMAS MANN (em companhia de Heinrich) fez uma viagem à Itália. Tal é o tributo que, pelo menos uma vez na vida, o Norte paga ao Sul. (Esta "tradição" vem já do tempo de Goethe, que exclamava, ao pisar a Itália: "Es ist mir, als ob ich  hier geboren und erzogen wäre und nun von einer Grönlandfahrt, von einem Walfischfang zurückkäme!", cit. in F. Martini, Deutsche Literaturgeschichte, p. 238; em "Mozart auf der Reise nach Prag", Mörike elogia a Itália na boca do compositor; "das Land, wo die Zitronen blühn" aparece repetidas vezes como pano de fundo em THOMAS MANN, e é também na Arcádia que surgem os clássicos "Sonnenkinder" da visão de Castorp – Zauberberg, Schnee.). A Itália do Renascimento e das belezas naturais atrai o nórdico de hoje, como atraiu o de ontem. A própria Milão (reparar: Mai + land em alemão!), quase às portas da Alemanha, convida o turista.

Mas THOMAS MANN não se deixou atrair pela "bellezza". A Itália / 12 / não o cativa. A novela "Mário e o Hipnotizador", que é uma vivência italiana, foi escrita numa praia da Prússia, (Mas os "Buddenbrook", passados no Norte, foram iniciados na Itália, em Palestina, onde mais tarde Leverkühn irá pactuar com o Diabo; e já em Roma prepara o volume de contos, que tira o titulo de um deles: "Tristão".)

De regresso a Munique, depois de habitar algum tempo com a mãe, vai viver sozinho para a Boèhemewohnung retratada no conto "O guarda-vestidos" (Der Kleiderschrank). É então que se emprega como redactor, por empenho de um conhecido e amigo de Lubeque, no jornal humorístico "Simplicissimus". Aí trabalha, talvez durante um ano, publicando no jornal, com grande aceitação, três dos seus contos: "A vontade de ser feliz" (Der Wille zum Glück), "O caminho para o cemitério" (Der Weg zum Friedhof) e "Hora difícil" (Schwere Stunde).

Não foi necessária a mímica de um Felix Krull, para que Thomas ficasse dispensado do serviço militar: bastou uma pequena doença e a influência de um médico amigo da família. Durante esta altura, e como ele conta, do hospital militar, onde tinha recolhido, pois que na tropa só se encontrava por "erro psicológico" dos médicos militares, escreve ao editor Fischer. Este achava necessário reduzir os "Buddenbrooks". (Precisamente o contrário, aconteceu a outro primeiro romance: "The Professor", de Charlotte Brontë. De começo, o editor recusou o livro em um só volume, por ser costume da época os / 13 / romances em dois volumes. – Cf. W. Kayser, "...Obra Literária", trad. de Paulo Quintela, 1958, vol. l, pp. 273-274). THOMAS MANN não autorizou o corte e, nos fins de 1900, já com 1901 impresso na lombada, saíram os dois volumes dos "Buddenbrooks". Com 26 anos publica o seu primeiro romance – o único pensado como tal desde o início (9) – de que, no primeiro ano de publicação, se venderam mil exemplares e, cinquenta anos depois, mais de um milhão. Nem MANN, pela certa, nem nós, como Nietzsche, gostamos de estatísticas. Mas, evidentemente, o alto número de exemplares desde logo vendido mostrava a aceitação do público. Dos críticos, porém, nenhum a não ser Samuel Lublinski, de Berlim, incentiva o jovem autor.

Vêm depois viagens ao estrangeiro e louvores na imprensa não alemã. Era a fama. Momentos de tão grande exaltação só os teve o Autor, como relata no “Esboço…”, quando das festas do 50.º aniversário, na altura em que lhe foi atribuído o Prémio Nobel e, acrescentamos nós, quando das manifestações festivas do 80.º aniversário, o que, aliás, lhe apressou a morte.

Antes de prosseguirmos, proponhamos uma divisão em períodos da obra de THOMAS MANN – o que não pode ser evidentemente seguro; mas é útil e até fácil num Autor em que a “simetria" da vida e a diferenciação entre cada um dos períodos evolutivos é bastante nítida. Iremos apresentando alguns passos capitais da vida de MANN, paralelos à / 14 / publicação das obras.

 

Primeiro período (da juventude) – 1897-1914 – ("Heilig leidvolle Wirren drängender Jugendzeit!") (10). É o período da influência de Nietzsche – Schopenhauer – Wagner – das Dreigestirn. Aqui cabem as “histórias melancólicas de ser jovem" e o romantismo inicial. A ideia nietzschiana da Decadência atormenta e influencia o Autor seriamente. E, assim como Nietzsche é o crítico, Mann é o escritor da Decadência. Ele também assiste a essa decadência na própria família, anteriormente radicada com firmeza na sociedade comercial hanseática. Principalmente por via das obras deste período, MANN ficará como "Chromist und Erläuterer der Décadence".(11) O acaso leva-o a leituras do pessimismo schopenhauriano. Thomas Buddenbrook também lê Schopenhauer: é que ele não pode já resistir por mais tempo ao verme da Decadência que corrói a família e lhe abre, pouco a pouco, o caminho da Arte. Wagner está estreitamente ligado ao íntimo de Mann. O "ambiente marítimo", aquela "noche escura" (12) que o levara a Schopenhauer, e de certo modo também a Nietzsche, o vago, o indeciso, o amorfo atraem-no para a música de Wagner.

Dos três bicos do Dreigestirn é indubitavelmente Nietzsche que de maior importância vai ser para o futuro. Já na velhice, MANN o relembra num ensaio e num romance. / 15 /

Este primeiro período estende-se da publicação em 1897 da colectânea de contos, intitulada do nome de um deles, "O pequeno senhor Friedemann", publicada em Berlim pela casa Fischer, até cerca de 1914 – data do início da I Guerra Mundial e da publicação do ensaio político “Frederico e a Grande Coligação" (Coligação da França, Áustria e Rússia contra a Prússia) e do começo da série de ensaios polémicos que, precisamente no ano do armistício, aparecem editados em volume, sob o nome de "Observações de um Apolítico".

 

O segundo período (da maturação) – 1918-1930 – em que se publica a "Montanha Mágica" está compreendido entre o fim da I Guerra e a publicação em 1930 do "Esboço...". 

Em 1922, em que o Rikola Verlag de Viena publica o primeiro fragmento do Felix Krull, morre-lhe a mãe, como Thomas nos diz, com o grande desgosto de ter assistido ao suicídio de uma filha, mas com a íntima satisfação de viver o reconhecimento do valor dos dois filhos.

O cume da carreira de Thomas Mann é atingido neste período, quando em 1924 edita a "Montanha Mágica". Nota-se que, na sua obra posterior, ele procura manter, mas não consegue, o nível atingido. “Mário e o Hipnotizador", publicado no mesmo ano do "Esboço...", é quase / 16 / só um episódio de férias; mas no fundo mostra já a reacção de MANN contra o fascismo vitorioso.

 

Data de 1933 – o início do terceiro período (da velhice: 1932 -1955) e da sua saída da Alemanha, por incompatibilidades políticas. O começo do tratamento do tema bíblico de "Jacob e os seus filhos" ou antes, de "José e os seus irmãos" – data desta altura.

Com a idade de 58 anos, Thomas Mann não era positivamente um velho. Porventura nunca o foi, apesar do "ar de avô" que se nota nos últimos discursos. Mas a este período chamamos o da velhice, que, no sentido em que se assiste a uma descida "da outra vertente da "Montanha Mágica", nos parece pertinente.

O primeiro volume da história de José é ainda publicado na Alemanha.

"O jovem José" aparece em 1934 e "José no Egipto" em 1936. 1938 é o ano da sua partida para a América, saindo da Suíça, a que regressará mais tarde. O quarto volume da tetralogia "José, o Alimentador" (1943), já totalmente escrito na Califórnia, segue-se a uma "Correspondência com Bona" (1937), que o excluíra de "doutor honoris causa, à "Carlota em Weimar" (1939) e às "Cabeças Trocadas” (1940). As / 17 / publicações subsequentes, que compreendem um período que chega a 1955, o ano da morte, são as seguintes:

"A Lei" (1945), que se desenrola no enquadramento da tetralogia bíblica, o "Doutor Fausto" (1947), um livro sobre que a crítica tem escrito o pior e o melhor, a "Génese do romance do «Doutor Fausto»" (1949.), considerado por alguns superior à "obra-mãe", “O Eleito" (1951), "A Mulher Frustrada" (1952) e "As Confissões de Felix Krull, cavalheiro de indústria" – publicadas ainda incompletas, em 1954. De

1955 é o "Ensaio sobre Schiller", a que já nos referimos, e que é, geralmente tomado como um primor da ensaística manniana.

A Nachlese, publicada já em 1956 com o "copyright" da esposa de MANN, é uma colecção de escritos de 1951 a 1955 (inclusivamente o Ensaio sobre Schiller) e parte do espólio espalhado por várias publicações, isto é, uma Nachlese propriamente dita.

Tem-se observado neste período um certo pedantismo estilístico e um certo gosto por “Fremdwörtern" – o que tem irritado os puristas da linguagem, e que só o tempo dirá se se fixam na língua e são aclamados como "poder inventivo", semelhante ao de Lutero e Goethe.

Alguns heróis deste último período são apresentados "indirectamente" ao leitor; tal são os casos de Leverkühn e do papa Gregório, cujas histórias são narradas respectivamente por Zeitblom e pelo monge irlandês. Outras "máscara" do Autor é Felix Krull, que escreve as / 18 / suas memórias; ele usa, como é de esperar, uma "linguagem de vigarista". Mas já não são de esperar de um vigarista certas descrições que evidentemente ultrapassam essa mentalidade.

O cap. VII da "Carlota em Weimar" é um claro exemplo da capacidade de MANN para a imitação linguística, capacidade e interesse que já vêm dos "Buddenbrooks": os cabecilhas do motim falam ao senador em platt e o segundo marido de Tony, Alois, com cujo nome se trai logo uma origem bávara, fala dialecto cerrado. O interesse pela observação filológica e a Mondlicht - Genauigkeit das designações bíblicas, a variedade que põe o Autor num estado de pseudo-perplexidade e o faz oscilar entre Gosen, Kosen, Kesem, Gosem e Goschem (13), é uma das características linguísticas mais salientes da tetralogia.

 

Depois de termos tentado a divisão em períodos, ocupar-nos-emos das obras de THOMAS MANN que temos por mais significativas, incluindo-as nos períodos propostos. Trataremos exclusivamente da parte novelística.

 

a) – Primeiro período: - "O pequeno senhor Friedemann” - a importância desta colectânea de contos, que recebe o nome de um deles (e data, como já foi dito, de 1897), está em que ela apresenta um tipo de protagonista recorrente neste período. / 19 /

O senhor Friedemann está marcado fisicamente desde a infância por uma deformação. A chegada à cidade onde ele vive – Lubeque, naturalmente! – da esposa de um oficial do exército vem perturbar a paz fictícia escolhida por Friedemann e a novela termina pateticamente com o suicídio do protagonista, no regato do jardim que Frau von Rinnlingen (tal se chamava a esposa do militar!) escolhera para levar a cabo a sua sádica crueldade.

Em "O Palhaço" (Der Bajazzo) , outro conto desta publicação, o Autor revê o seu problema pessoal e faz soar pela primeira vez o "Liederliche" materno e a seriedade paterna, sentidos como casos próprios e "Wiederkehr" do caso de Goethe. A consciência pesa-lhe e os ralhos do pai confirmam o pouco em que se tem, apesar da benévola e indiferente atitude da mãe. "Tobias Mindernickel", uma curta narrativa, é a história de um solitário, eternamente apupado pela rapaziada, a quem a morte de um cão, Esaú, que tem como único companheiro, deixa de, novo só no mundo. E outra vez a tragédia do homem abandonado ao seu isolamento.

 

A primeira obra de vulto é o romance "Buddenbrooks"que deu ao jovem de 26 anos uma auréola invejável. THOMAS MANN nunca esqueceu que ele lhe conferiu a honra de fazer figurar o seu autor e como seu autor / 20 / numa publicação de Munique, idêntica ao "Whos who?". Foi o único romance pensado desde o princípio como romance. (A "Carlota" iria ser só um pequeno romance...) (14). Também foi a única obra de fôlego não interrompida por laboração ensaística. (O ensaio "Bilse e eu”, que de mais perto se lhe seguiu, é publicado em 1906; nele se defende o Autor da acusação que lhe é feita por caricaturar os burgueses de Lubeque.)

Os "Buddenbrooks" foram iniciados em Itália e terminados em Munique; a distância mais fazia sentir a MANN o ambiente natal, produzindo aquela "seelische Vertiefung" necessária para a criação. (Estava afinal a fazer o contrário do que iria fazer, mais tarde, com “Mário e o Hipnotizador", como dissemos).

O romance trata da decadência de uma velha família da burguesia comercial hanseática. (subtítulo: "Decadência de uma família"). O Autor conta afinal a história da sua família e de novo refere o seu caso pessoal. A decadência que se opera na Lubeque comercial e que THOMAS MANN vive na própria carne é uma força criadora mas, no tronco carcomido da velha árvore, florescem as flores novas da Arte.

O velho Johann Buddenbrook é ainda, por demais, "negociante". O filho e herdeiro anuncia já uma religiosidade que o casamento ainda mais aprofunda. A mulher, com efeito, vai deixando-se invadir por um

ambiente pietista e põe cada vez mais a sua consciência nas mãos dos / 21 / pastores evangélicos, um dos quais vem a casar-se com a mais apagada das filhas – Klara. O ambiente doentio que se vai apoderando da família toma por completo Christian; e até o próprio Tom, novo gerente da firma, que durante bastante tempo lhe resiste, acaba por se absorver em Schopenhauer e por ter uma morte repentina. Um filho do matrimónio com a holandesa Gerda Arnoldsen – que trouxe consigo o "espírito corrosivo da música de Wagner"! – é um antecessor de Tonio Kröger e morre de tifo, com quinze anos de idade. A acumulação do fermento da Arte, que se foi fazendo nas últimas gerações dos Buddenbrooks, irrompe abruptamente no pequeno Hanno, apaixonado da música e da poesia. Só Tony, irmã de Tom, de Christian e de Klara, resiste aparentemente à derrocada. Representa ironicamente o amor ao superficial da tradição e defende, com veemência, os seus direitos ancestrais e a "integridade da firma". Ela mesma, no entanto, é arrastada pelo aluvião, como já o anunciam os dois casamentos falhados. Só ela fica dos Buddenbrooks parece que para os chorar. No fim do romance, são suas estas palavras: "Tom, Vater, Grossvater und die anderen alIe! Wo sind sie hin? Man sieht sie nicht mehr. Ach, es ist so hart und traurig!” (15).

Em 1903, publica THOMAS MANN uma colectânea de seis narrativas com o título de "Tristão". Nas duas principais, MANN trata do problema do artista – o seu próprio problema. Na novela "Tristão",o escritor / 22 /

(Detlev Spinell) exprime o seu ódio à vida, como se vê no final em que foge da encarnação desta – o filho do negociante Klöterjahn, cuja esposa, Gabriele, a música "degradante" de Wagner faz cair num “pseudo-adultério”. (Já aqui se anuncia em parte o amor incestuoso de Siegmund e Sieglind do “Sangue dos Wälsungen”.)

A encarnação da vida (e o ódio que lhe é votado) aparece na mesma altura no conto "O Caminho para o cemitério" (Der Weg zum Friedhof) e de uma maneira até talvez demasiado explícita: o jovem que, montado numa bicicleta, perturba o solitário caminho de Lobgott Piepsam, “ein elender und verlorener Mensch", é mesmo nomeado "das Leben". O conto “Desilusão" ("Enttäuschung") patenteia logo no título o que é.

O conto “Os Famintos" (Die Hungernden) antecede o "Tonio Kröger", de que é o embrião. Tonio não odeia a vida, inveja-a e deseja entrar nela. Mas esta é já a atitude de Detlef (o próprio nome, que é uma variante ortográfica de Detlev, sublinha logo uma origem nórdica...), a posição filosófica e vital do primeiro Hanno, que continuou a viver. "Kein Künstler sein, sondern ein Mensch!" é a aspiração de Detlef. Já Tonio Kröger é positivo no seu amor à vida ("ich liebe das Leben!"), no seu desejo de participar do mundo da "blonden, lustigen Inge" e do rival amado (Hans Hansen), que lia livros sobre cavalos e nem sequer conhecia o "Don Carlos"! A vida desejada é a dos “Blauängigen", pois a literatura, que ele cultiva, essa "ist über / 23 / haupt kein Beruf, sondern ein Fluch”.

  

"Tonio Kröger" – MANN nunca se cansou de o repetir, – ficou sempre a sua obra preferida. Não se respira nesta novela uma atmosfera de morte tão carregada como nos "Buddenbrooks", e há já uma, ainda que ténue, fé na vida. "Tonio Kröger", que foi elaborado ao mesmo tempo que o primeiro romance, embora publicado depois, apareceu pela primeira vez em 1903 na Neuen Deutschen Rundschau e foi acolhido entusiasticamente pela crítica berlinense. É o mais lírico escrito por THOMAS MANN, como ele disse, uma "Prosa-Ballade; die freilich ohne Buddenbrooks schlech bestünde", und die so reech ein Lied war, gespielt auf em selbst gebauten Instrumente des grossen Romans” (16). O estudante de Gotinga também o reconheceu. A praia de Aalsgaard, perto de Helsingör – o castelo de Hamlet! – e as vivências de uma viagem de férias de Munique à Dinamarca forneceram o assunto.   

Tânia, tal é seu nome "estranho" herdado de um irmão da mãe, é filho do cônsul Kröger, negociante de cereais na cidade hanseática do Báltico. Mau aluno, troca o tempo do estudo pelo que dedica à poesia. O seu amor vai para o fontenário, a velha nogueira do jardim e as ondas do Báltico. Seu companheiro estimado é Hans Hansen, que em tudo, nos exercícios físicos e no interesse pelo hipismo, se lhe opõe. A

saudável mas estúpida Inge é o seu grande amor da infância. Evita  / 24 / Magdalena Vermehren, "que está sempre a cair durante as danças"; é ela que gosta dele, mas também em nada pertence ao mundo dos "Blauäugigen”, pois até na tez do rosto se parece com Tonio – e por isso é rejeitada.

Tonio torna-se escritor de nomeada, mas o renome alcançado e a devassidão a que se entrega não conseguem apagar as recordações da infância. Um dia resolve sair de Munique, onde vive agora, não para a Itália (também MANN constituirá nisto uma excepção entre os nórdicos…), mas para a Dinamarca, que tantas semelhanças tem com a sua cidade. Tonio dá parte desta resolução à pintora russa Lisaweta Iwanowna, num diálogo da parte central da novela. Nesta ocasião é a ela que Tonio revela os seus planos em trocar a "bellezza" italiana pela limpidez e pureza setentrionais. Em Lubeque, a sua cidade natal, que havia treze anos não visitava, é tomado por um vigarista em fuga. Na Dinamarca, encontra Hans e Ingeborg; a própria Magdalena torna a tombar durante uma dança, e só por isto o leitor fica a saber que dela se trata. (É um dos muitos Leitmotiven da novela – herança de Wagner, explorada com êxito por THOMAS MANN). A novela acaba com uma carta anteriormente prometida à pintora russa, uma personagem que o Autor confessa "durchaus fingiert" e que exprime em boa parte a opinião “dos outros" sobre a Arte e sobre a natureza artística.

O Autor encontrava-se nesta altura em Munique, como sabemos. A / 25 / uma "vida de artista” em que reina a boémia, responde somente com um afastamento irónico, uma solidão e até um ascetismo que evita relações literárias e ambientes barulhentos em que muito se fala e nada se diz – tal era Munique na viragem do século e tal é o que MANN nos mostra em 1904, com o drama "Fiorenza".

Fiorenza é a Munique do seu tempo. Uma superabundância de Arte, que acorre de todas as partes do mundo, choca a Sprödheit do nórdico e a sensibilidade do moralista. Punha-se a Arte sobre a Moral – e isso era evidentemente um erro. "Esquecestes a Moral!"– é este o grito de "Fiorenza".

Já um conto de 1902 – "Gladius Dei! – preludia o tema de "Fiorenza”: um monge exige que o proprietário de uma loja de objectos de arte da Schellingstrasse retire da montra um quadro em que a Virem está representada de modo extremamente voluptuoso. (O Botticelli, que em "Fiorenza" o pintor deste quadro, aceita já a superioridade da Moral e converte-se à doutrina de Girolamo.). O proprietário da loja não atende o seu pedido, e Hieronymus sai a ruminar em latim: "Gladius Dei super terram... (…) Cito et velociter!". A condenação, que a terra está a merecer o mais cedo e o mais depressa possível por colocar a orgia da Arte acima da rigidez da Moral, exprime-se no drama "Fiorenza”, publicado em 1904. / 26 /

O drama desenrola-se em Florença, em 1492, no dia em que Lourenço de Médicis, o Magnífico, espera a morte. Discute-se a descendência na cadeira papal entre os pintores, filósofos e políticos da sua corte renascentista. Girolamo Savonarola – o Hieronymus do conto inspirador não é apenas uma vestidura latina do nome do Prior de são Marcos? – protesta, em nome de Cristo, contra a devassidão re1IIBnte. Fiore, amante do moribundo, e que outrora rejeitara o pregador, simboliza a Arte e torna-se centro da conversa entre Girolamo e Lourenço. O senhor da "bellezza" está a morrer; e a Moral, que no I acto é considerada "ridícula" e "impossível" por Poliziano, torna-se força superior à Arte.

O casamento do Autor, efectuado em 1905, veio modificar a sua disposição pessimista – o que se projecta nas suas obras.

Num dos poucos meios sociais que frequentava, THOMAS MANN conheceu a futura esposa, a então estudante de Medicina Katja Pringsheim, a "Märchenbraut" que mais tarde, no discurso em que agradece, em nome dela, a festa que os amigos suíços prepararam, quando do septuagésimo aniversário chama "das Herz eines ganzen Menschen (17)", recordando as excelências da mulher e da mãe. A atmosfera da casa dos futuros sogros recorda a MANN o ambiente da antiga casa paterna dos antepassados. E rapidamente lhe esquece o devaneio, que apenas cremos espelhado num episódio do "Felix Krull" – o episódio de miss Twentyman. / 27 /

A solidão é destruída pelo amor, que aliás nas "Observações…” MANN considera em alto grau zivilisationsliterarisch, sem que, no entanto, fiquemos certos e convencidos, de que isto fica dito com toda a franqueza.

A superioridade da cultura escolar da esposa e um certo "complexo de inferioridade" sentido pelo próprio MANN, que nunca fizera o Abiturium, estão presentes no romance que em 1909 publica: “Alteza real".

O casamento arranca MANN (e aos seus heróis), da solidão e acorda-o para a realidade; torna-o "wirklich", como ele próprio confessa no "Esboço...". O primeiro fruto artístico do seu comércio é o romance "Alteza real". Escreve-o na sua grande parte em Oberammergau, onde tem conhecimento da morte patética da irmã Clara, que há-de retratar na Clarissa do "Doutor Fausto". O "petit roman" que a crítica francesa tanto elogiou (e tão mal interpretou na opinião de MANN), não é, como o Autor o frisa, um Hofroman. Aparentemente pode sugeri-lo, mas só a quem não estiver dentro da problemática manniana escapará o sentido da interpretação do próprio MANN. Este, ao encerrar os comentários à referida crítica, afirma que, sempre escreveu só sobre a própria vida, de que o romance é, afinal de contas, um espelho do estado presente.        

 

"Alteza Real" tem a sua acção situada num reino imaginário da / 28 / Europa Central, governado por um arquiduque. Nasce a este um segundo filho, com o braço esquerdo defeituoso, o que, ao que parecia, era o cumprimento de uma velha profecia.

A infância solitária – destino de muitos heróis de MANN – passa-se preponderantemente na companhia da irmã, Ditlinde, retrato da irmã mais velha de MANN, sua confidente, como atrás dizemos. O irmão mais velho de Klaus Heinrich – tal se chama o jovem príncipe defeituoso – é "Weichmütig und zu Trltnen geneigt", desde novo. E o seu reinado é curto. Cônscio do seu papel meramente decorativo, abdica no irmão, que o amor cedo liga a Imma Spoelmann, filha de um milionário americano que vem restabelecer-se à Europa. No arquiducado, acaba por estabelecer-se com a filha, num antigo palácio. Este castelo é adquirido à casa real – também nos "Buddenbrooks" a venda de uma velha casa é índice da decadência em processo... (Não acontecera coisa semelhante à família MANN?) Imma é também membro da alta sociedade... do dinheiro e, como Klaus Heinrich, leva uma vida de isolamento, apenas "for show". A solidão de ambos os lados vence a resistência oferecida a princípio pela jovem. O dinheiro paterno financia o Estado, à beira da bancarrota e finalmente "kam der Mai und mit ihm das hohe Fest von Klaus Heinrich und Immas Ehebund". O romance acaba com um "happy-end". Quase no fim, lê-se esta pergunta, feita por Klaus Heinrich: "Weiss der garnichts vom Leben, der von der Liebe weiss? / 29 /

O próprio Mann não duvidava que a sabedoria da vida lhe viria em parte do amor realizado. Por isso não foi sem dúvidas que exprimimos atrás o que ele deixou escrito nas "Observações..."

 

"Cão e dono" (1911), um idílio, (idílio vem do grego eidyllion, "quadrinho"; entende-se por idílio, quase sempre uma composição poética de carácter bucólico; aqui é um pequeno quadro da vida do Autor) é uma Tierstudie em que se patenteia o amor ao cão, inclinação que também tinha Schopenhauer, conhecido Hundlieber. O êxito da tradução inglesa, muito apreciada por Mann, parece demonstrar a conhecida tendência dos britânicos...

 

Na mesma ocasião, THOMAS MANN publica outro idílio em verso ("Cântico da criancinha"), para comemorar o episódio familiar do baptismo de Elisabeth, a filha querida, encarnada em 1925 na figura da Lorchen da "Inquietação e dor precoce".

 

A "Morte em Veneza" (1913), que trazia em si o classicismo da linguagem e o “cansaço criador", não foi, como muitos supuseram na altura, a Marienbader Eligie de Mann.

Afinal o Autor ainda estava quase no princípio, e a "Montanha / 30 / Mágica", que viria avivar a fama conquistada com os "Buddenbrooks”, só com a "Morte em Veneza" seria possível –, tal se confessa nas "Observações...". Como também neste livro se diz, a novela é "das Spätwerk einer Epoche, auf welches ungewisse Lilchter das Neuen fallen".

A história é simples: o escritor Gustav von Aschenbach, de cinquenta anos, que vive em Munique, cansado por anos de trabalho ininterrupto, decide viajar. O itinerário da viagem leva-o a Veneza. Estão hospedados no mesmo hotel do Lido os membros de uma família polaca. O filho mais novo, – um rapaz de cerca de 14 anos, chamado Tadno, obceca o velho Aschenbach com a sua beleza clássica. A sua admiração vai-se transformando, a breve trecho, em paixão. Enquanto ele se empenha em guardar o seu segredo, uma epidemia de cólera asiática devasta Veneza. Embora Aschenbach tenha conhecimento do perigo, em vez de avisar a família polaca e de partir dali ele mesmo, vai cedendo à força hipnótica da sua paixão. Continuando, junta ao seu o sinistro segredo de Veneza. Com a vontade moral quebrada e a alma transtornada, morre na praia à vista de Tadzio que, qual imagem de Hermes, se vai afundando no horizonte (18).

A criação progressiva de um ambiente de decadência é um dos processos literários que, com maior felicidade, se empregam na novela.

A Visão do caminhante perto do cemitério de Munique, o "jovem / 31 / fingido" da travessia, a viagem na gôndola clandestina e o encontro com o rapaz polaco e suas consequências (o que constitui o cerne do romance) são imagens que fazem prever a morte, o colapso final de Aschenbach. A preparação lenta do desfecho, que uma lógica interna torna impossível que seja outro, é para nós o que de melhor lá se encontra. O próprio nome de Veneza, suas associações com Nietzsche e com Wagner, cria desde logo uma certa predisposição para o mórbido.

 

Em 1914, início da disputa com o irmão (e da redacção das "Observações..."), publica MANN o ensaio sobre Frederico da Prússia: “Frederico e a Grande Coligação". O imperador prussiano era para MANN uma figura admirada; representava o Selbstüberwinder, o que o Autor mais admirava em Nietzsche... Também já Aschenbach é autor de uma épica em prosa sobre Frederico o Grande. O ensaio de Henrich Mann, aparentemente sobre Zola, era um ataque aos membros da inteligência alemã, submetidos a ideais políticos que, tal lhe parecia, arrastariam o ocidente para a derrocada.

Durante três anos, em ensaios sucessivos, mais tarde coligidos nas "Observações...", THOMAS MANN empenha-se em fazer notar os, para ele, erros do Ocidente, da Zivilisation e do Zivilisationsliteraten de que o irmão Heinrich é o modelo acabado. Não se pode dizer que o Autor tenha conseguido "aniquilar" as opiniões adversas e tenha feito / 32 / valer as suas, de maneira irrevogável. No entanto, MANN reconhece mais tarde a beleza de certas páginas. E na introdução à "Montanha Mágica", lê-se: “Das Motto der ‘Betrachtungen’ lautet: ‘Que diable allait-il faire dans cette galère? Die Antwort lautet: den "Zauberberg".

Já só pelo facto de vir a escrever a "Montanha Mágica" lhe valeu ter escrito as "Observações...", portanto. Este livro publica-se em 1918. Assim se encerra o primeiro período da obra.

 

b) – Segundo período: – É a parte mais alta da obra e as publicações feitas imediatamente antes e depois da "Montanha Mágica" são apenas pequenos trabalhos, que os preparativos e o descanso dos preparativos para a redacção da grande obra claramente exigiam.

A "Montanha Mágica" saiu em 1924. Com este romance, o "Suchen, Ringen und Tasten" dos "schnversten Jahren meines Lebens" (Observações...") tomam forma literária. Se a "Montanha Mágica" é uma resposta irónica à "Morte em Veneza", como MANN o diz, isto, pelo menos, não se nota (19). Observa-se com mais clareza, (isto também MANN o diz), a formação literária do expresso, com irritabilidade mal contida, na colecção de ensaios políticos. A Europa do tempo abunda em infinitas contradições, a que o DonnerschIag do fim da "Montanha Mágica / 33 / dá fuga, mas não resolve. Hans Castorp, o Parzival da "Montanha", vai formando a sua personalidade, "das einzig Interessante auf Erden”; mas deixa em aberto todos os problemas que se lhe põem.

A "Montanha Mágica" também se fundamenta num episódio da vida do Autor, o que já é habitual nas obras, que temos tocado: como base está uma visita que MANN faz à esposa, enferma de uma afecção pulmonar, num sanatório de Davas; o Autor também adoece, aliás sem gravidade, embora o seu caso "não se cure de hoje para amanhã" como diz o Dr. Berens a Hans Castrop. E MANN tem de ficar. O ambiente fornece-lhe um material vasto, que ele desenvolve ainda depois – o que de certo o faria invocar um dito de Goethe, dos seus mais preferidos: "Dass du nichts enden kannst, das macht dich gross". (20).

Por muito que se veja nela de enciclopédico e de erudito – a "Montanha Mágica" "n’est vraiment comparable à rien", como o afirmou Gide, numa frase querida de THOMAS MANN (21).

 

A Seelengeschichte de Hans Castrop começa com a sua chegada a Davos – Platz, na Suíça, vindo de Hamburgo, de onde era natural. Tencionava visitar um primo internado e demorar-se apenas três semanas; mas ele próprio acaba por precisar de ficar, e as três semanas vão-se alargando, até perfazerem sete anos. Os primeiros capítulos evocam o passado de Hans Castorp, até à obtenção do diploma em engenharia naval, / 34 / pintam o ambiente geral do sanatório, a vida (e a morte!) e, pormenorizadamente, os casos de alguns doentes. Uma das primeiras personagens de relevo a aparecer é o humanista italiano, Settembrini, apaixonado do liberalismo e do progresso, pregador da "forza vindice della Ragione". É ele que começa a tentar modelar à sua maneira a alma de Castorp. A aclimatação aos costumes de “lá de cima" e a erupção do amor de Castorp por Clawdia Chauchat, uma das doentes, ocupam com intermitências os capítulos seguintes. O espírito de Castorp vai-se interessando pouco a pouco por aquele lugar, que lhe dá, como temas de especulação, a Vida e a Morte, o Tempo e o Espaço, o Corpo e a Alma, o Ocidente e o Oriente, e, como objectos de estudo, principalmente a Medicina e a Botânica. Settembrini, que nunca desiste de "ensinar o discípulo", apresenta-lhe Naphta, o judeu quase jesuíta, que ele apelida ironicamente de "princeps scholasticorum". Um dos "centros" da obra – pois ela possui vários "centros" – são as discussões entre Settembrini e Naphta, que terminam com o suicídio deste último, durante um duelo entre ambos. As aventuras de Clawdia Chauchat trazem para primeiro plano o holandês Mynheer Peeperkorn, a "personalidade", que encarna a figura de G. Hauptmann (e a de Goethe!) e que, como Naphta, também se suicida. "Der Versuch des Flachlandes" atrai irresistivelmente o primo de Castorp, Joachim Ziemssen, que acaba, porém, por regressar ao sanatório, aniquilado mortalmente pela profissão / 35 / que ansiava por retomar. O seu fantasma aparece mais tarde, na sessão espiritista organizada pelo Dr. Krokowski, invocado pela "médium”, a jovem dinamarquesa Ellen Brand. É Hans Castorp que afugenta a visão, acendendo a luz eléctrica! A irritabilidade que se apodera dos doentes da montanha mágica só é desfeita pela explosão da Primeira Grande Guerra, em que Hans Castorp, já curado da sua doença física, mergulha como num "Weltfest des Todes".

O processo evolutivo de um espírito está terminado: Hans Castorp é o protagonista de mais um Bildungaroman.

 

Em 1930, MANN escreve, numa praia do Norte, como já dissemos, a novela sobre a Verzauberung der Massen – “Mário e o Hipnotizador”.

No mesmo ano, publica o "Esboço...” e encerra assim um período que, segundo a nossa opinião, termina precisamente com este trabalho autobiográfico, com que o Autor se vê de certo modo obrigado a informar os seus leitores. Com efeito, é-lhe atribuído o Prémio Nobel da Literatura em 1929.

 

Acaba aqui o período de maturação do Autor.

Em 1933 sai da Alemanha e estabelece-se com a família perto do Lago de Lucerna. Daí em diante, nunca mais volta à pátria, exceptuando curtas estadias, e o conspecto da obra modifica-se. / 36 /

 

c) – Terceiro período: – A tetralogia bíblica, que abre o último período da obra (e da vida) de THOMAS MANN é uma obra de profundo valor humano ou tornar-se-á simples "Kuriosum für Archivare" no futuro? Estar-lhe-á realmente reservada "ein Mass von Dauer", como pensa o Autor? (22).

O período de redacção dos quatro volumes é largo e atribulado. Tem a duração de dez anos e inclui a "Correspondência com Bona" (1937), a "Carlota em Weimar" (1939) e o "metaphysische Scherz", as "Cabeças Trocadas" (1940). "As Histórias de Jacob" (1933) são ainda da Alemanha. Segue-se-lhes "O jovem José" no ano seguinte, em 1936 ("José no Egipto" e em 1943 "José, o Alimentador", já totalmente escrito na América.

A origem da primeira parte do tríptico literário, cujas segunda e terceira partes tratariam respectivamente de Filipe II de Espanha e de Lutero (um plano que não veio a realizar-se), está num pedido feito por um pintor de Munique) que veio reavivar leituras da infância e uma ideia de Goethe. (23)

O vasto romance é o desenvolvimento do episódio bíblico do "casto José" (Génesis, 12-50).

Contemos as linhas gerais da sua acção:

Começa-se por uma Höllenfahrt, que é um prefácio a toda a história; divaga-se sobre a passagem do tempo, e o Autor mergulha no Reino / 37 / das Madres, como Goethe.

"As Histórias de Jacob" contam a promessa e o logro de Labão "que em lugar de Raquel lhe dava Lia" e, depois, a demorada conquista de Raquel.

A segunda parte, “o jovem José”, começa propriamente a tratar de José e os seus irmãos: da relação entre eles, dos primeiros sonhos proféticos de José, até à venda aos ismaelitas. "José no Egipto" narra a viagem "para baixo", para o Egipto, os serviços de José a Mont-kaw e depois ao eunuco Potífar, cuja mulher in nomine procura seduzir o novo Hermes. Ela é, ao lado de Raquel e de Thamar, do mesmo romance, uma das poucas personagens femininas de vulto em THOMAS MANN. Na última parte paira quase unicamente uma atmosfera de êxito e de optimismo. José interpreta satisfatoriamente os sonhos do Faraó, e é por ele elevado a "Alimentador", a como que "ministro da agricultura e da economia" de todo o Egipto. Durante os anos das vacas magras, vêm até ele os irmãos, (excepto Benjamim) que Jacob não deixara partir) para comprarem alimentos. Depois do reconhecimento e do leve castigo de José, o próprio Benjamim e Jacob vêm até ao Egipto. A tetralogia termina com o cortejo fúnebre do Pai de José.

O romance "Carlota em Weimar" (1939) é uma fuga do assunto bíblico para o problema criado pela personalidade de Goethe. "...on lui (ao romance) reproche notamment de rabaisser la grandeur de Goethe / 38 / et de ramener sa personnalité à des dimensions humaines, trop humaines" (24). O que choca o leitor desde a entrada é a "linguagem goetheana", sobretudo no VII capítulo, em que surge o Titã de Weimar. Um livro bastante sensacionalista, mas que revê com agudeza alguns problemas da moderna literatura alemã, aponta, para contrapor ao Epigonentum do estilo de Carossa, o estilo irónico da "Carlota” de MANN, “denn Mann ist eben primär lroniker, Parodist(25).

A "Hofräthin Witwe Carlotte Kestner geb. Buff, von Hannover” chega a Weimar, na companhia da filha e de uma criada grave. Mas não consegue furtar-se à publicidade – do que se queixa também o próprio Goethe, nas "Elegias Romanas" (26).

Mager, empregado do Gasthof em que as três mulheres se alojam, é um apaixonado do Werther. Propagada a notícia da presença de Carlota, em breve a vem visitar a caricaturista americana Rose Cuzzle, que, nas palavras de Mager, "wants to have just a look at you". Em seguida é Herr Doktor Riemer, secretário de Goethe, que revela a Lotte como é grande o entusiasmo pela sua chegada e que “diese Leute vorm Tore warten darauf, dass sie das Haus verlassen" e lhe fala do "täglichen Umgang mit einem solchen Manne". Depois dele é a vez de Demoiselle Schopenhauer, irmã do Mestre.

Conta pormenores das relações entre Goethe e o filho, refere-se à natureza tirânica daquele (a tirania do génio!) e à "divina / 39 / atitude que criavam um sentimento de inferioridade no infeliz August. Como este era diferente de Riemer que, absolutamente invadido pela personalidade do Mestre, já redigia as cartas num "estilo mais goethiano" do que o próprio Goethe! É August que vem comunicar a Lotte um convite do pai, atacado de reumatismo, para uma reunião em sua casa. Segue-se então o referido VII capítulo, em que Goethe irrompe numa linguagem exclamativa e em expressões que lhe são peculiares. É o cume do romance. Aqui, sente o leitor perfeitamente como está longe da sensibilidade romântica, e procura esconder um sorriso interior perante tanta ironia de THOMAS MANN.

O olímpico do génio e da arte romântica já não comovem. Não foi isto precisamente o desejado por MANN? As “grandes tiradas" da retórica goethiana tornam-se ridículas. Ninguém acredita hoje na divindade dos titãs".

Já da Frühromantik se ergue o grito de Jean Paul contra o culto weimariano ao "Giganten-Geist der Zeit"…

 

O ensaio sobre Nietzsche, de 1947, “Nietzsches Philosophie im Lichte unserer Erfahrung" (“A filosofia de Nietzsehe à luz da nossa experiência") prova como o Autor se ocupa de novo da problemática nietzschiana. O romance "Doutor Fausto”, do mesmo ano, que é, além do mais, uma "autobiografia” de Nietzsche, está dentro da mesma feição espiritual. / 40 /

O "Doutor Fausto", iniciado já em Maio de 1943, está saturado de reminiscências e associações. Surpreendido pelos prenúncios da derrocada e pela própria derrocada alemã de 1945, o livro enveredou por um caminho que realmente corresponde aos desejos de MANN em compor um "Buch des Endes". Nas palavras de HANS MAYER, "des Ende" de tudo, foi nele conjurado: "Ende des bürgerlichen Künstlers, Ende des Bürgertums, Ende der bisherigen Kunst, Ende der bisherigen Philosopie, Ende überlieferter Gottesvorstellungen, Ende des traditionellen Humanismus, Ende des Vernunfts – und Wissenschaftsbegriffs, Ende des liberalen Staates, Ende der kapitalistischen Gesellschaft" (27).

O Fausto, paradigma nacional alemão é o compositor Alexander Leverkühn, cuja vida nos é relatada por um amigo da infância, o Dr. Serenus Zaitblom. Este não escreve nenhum romance, como se não cansa de repetir. Conta apenas a catastrófica vida do amigo, que é evidentemente protestante, ao contrário de si mesmo, que é católico. Herdando do pai o Hang zur Zauberei e a inclinação de die Elementa zu spekulieren, estuda humanidades e teologia, mas em breve se dedica à música. A cena do bordel, do tempo universitário de Leipzig, não mais lhe sairá do espírito. A "Hetaera Esmeralda" obseca-o na composição da música a que apaixonadamente se dedica. O pacto com o Diabo, que Zeitblom reproduziu de notas deixadas por Leverkühn, foi durante / 41 / uma viagem à Itália, e ocupa todo o capitulo XXV do livro. Prevê-se já o catastrófico desfecho, na solidão e no desejo de procurar contacto na amizade e no amor normal e anormal. No fim, vem uma lancinante confissão pública de Leverkühn, que morre da doença que o vem atacando desde Leipzig.

Da Nachschrift da obra ressalta claramente a identificação do destino alemão ao destino pessoal de Leverlkühn.

 

"A Génese do romance do "Doutor Fausto” é um Nebenwerk da obra anteriormente citada e por alguns considerado até mais significativo do que a própria obra referida.. O livro é, por assim dizer, um diário da. elaboração do "Doutor Fausto" e narra determinados pormenores da vida do Autor, no circulo dos exilados alemães da Califórnia.

 

Em 1949 – que é o ano da publicação da "Génese..." – faz THOMAS MANN uma alocução na Paulskirche de Francoforte-do-Meno, destinada a comemorar o bicentenário do nascimento de Goethe e aproveitada também para se contaram episódios do próprio destino do Autor.

"Ich stand in Kapitel XXXI (do “Dr. Fausto") (...) und las abends lange in den Gesta Romanorum. Die schönste und überraschendste der Geschichten ist die von Geburt das HeiIigen Papstes Gregor. Die Erwälung, verdient durch die Entstehung aus Geschwister - Verkehr und / 42 / durch Blutschande mit der Mutter was alles freilich durch eine siebzehnjährige unglaubliche Askese auf dem wilden Stein abgebüst wird. Extreme Sündhaftigkeit, extreme Busse, nur diese Abfolge schafft Heiligkeit" (28).

Isto pode ler-se a páginas 130 da "Génese do romance do "Doutor Fausto"" e relato da génese de "O Eleito". As fontes da obra são indicadas em pequena nota, no final de "O Eleito". O tema, como MANN confessa, "roubado" ao "Doutor Fausto", encontra-se resumido em três páginas (422-425) deste romance. A narração é de um monge do mosteiro de Sankt Gallen, na Alamânia. (Este narrador fictício, que conta uma história a um auditório, toma a atitude épica primitiva.) Gregório, fruto de um amor incestuoso, pratica novo incesto, sem o saber, mas vem a sentar-se, depois de longa persistência, na cadeira papal. A sua consolação final é que a graça divina tenha impedido novo incesto com uma das suas filhas-irmãs. A quase obsessão manniana pela Geschwisterliebe, que vem do tempo do "Sangue dos wälsungen” (não se sabe em que medida reflectem, se reflectem, é claro, vivências autobiográficas), vai fixar-se ironicamente sob a forma de romance, no fim da vida.

Escrito de novo na Europa, "A Mulher Frustrada" (1953) constitui apenas um "Experiment", e é a reprodução romanceada de um caso vivido. Também nesta novela se encontra (nas páginas centrais) uma / 43 / confrontação entre o ambiente europeu e americano, facto causado, sem dúvida, pelo contacto recente com a Europa. É isto talvez o mais significativo no livro e comprova o apregoado europeísmo de MANN. (Sobre "europeísmo" e "unidade cultural europeia", ideias presentes já em Herdar" leia-se o cap. IV, "Herança Cultural", do livro de M. Beloff, Europa e europeus, "Ulisseia"; também Nietzsche previa a união dos estados europeus num Volksbund, como consequência das vitórias da Democracia.) O resto não é de grande valor literário: uma mulher "no climatérico, luta por defender a sua juventude, apaixona-se por um jovem americano, mas sucumbe a uma doença grave e à sua euforia passageira. O livro não parece integrado no conjunto da obra.

  

Coisa diferente acontece com as "Confissões de Felix Krull, cavalheiro de indústria", que é o pano de fundo de quase toda a obra de MANN e que, iniciado já depois da “Alteza Real" e retomado "várias vezes, é ainda fragmentariamente publicado em 1954. É inspirado nas memórias de Manolescus, "wie viele erraten haben" – o que valeu aliás ao Autor novo processo jurídico. A crítica inglesa considera-o, quase uniformemente, "probably the greatest work of contemporary German fiction" (29). E nós, apesar de fragmentário, achamo-lo a melhor obra de MANN, depois da "Montanha Mágica". À linguagem e a um ou outro problema que ela levanta, já nos referimos atrás. As memórias são do / 44 / próprio punho de Krull, escritas "in völliger Musse und Zurückgezogenheit”. Ele vai contando da sua infância solitária, das doenças fingidas (o que o prepara para o futuro mimo com que consegue livrar-se do serviço militar) até à falência da firma que o pai possuía e ao suicídio deste. No ambiente em que cresce, só o padrinho Schimmelpreester parece dar-lhe importância; é este que alimenta em boa parte as pretensões do afilhado. A cena da inspecção militar, em que Krull consegue convencer a junta de sofredor de uma doença nele inexistente, permite-lhe a ida para Paris. Por recomendação do padrinho é admitido como Liftboy no “Hotel Saint James and Albany". Já sob o nome de Armand, nome mais sonoro do que Felix (na opinião do gerente), presta serviços no hotel, onde reencontra a senhora que roubara, quase sem querer, na revisão da alfândega e que a ele se entrega. A sua insinuante figura e a maneira exemplar do seu comportamento valem-lhe a subida de categoria. É colocado no Kellerdienst, onde conhece a menina Twentyman, a cuja paixão ele se esquiva. O encontro com o Marquês de Venosta na Dachterasse do "Grand Hôtel des Ambassadeurs" é decisivo e marca o início de um Doppelleben ainda mais nítido. O Marquês, conhecido já da sala de jantar, onde Krull servia, propõe-lhe uma "troca de papéis". Os pais, de casa nobre luxemburguesa, ansiando por afastar o filho do ambiente de Paris e dos amores de uma tal Zaza, dispõem-se a oferecer-lhe uma viagem. O itinerário é vasto: "die beiden Amerika, die / 45 / Südsee-Inseln und Japan, gefolgt von einer interessanten Seefahrt nach Ägypten, Konstantinopel, Griechenland,  Italien und so weiter". Felix Krull, que se incumbe da sua realização, representando o outro, é que "não tem a sorte suficiente" e não sai da Europa – mais precisamente não passa da primeira etapa – Portugal. No comboio para Portugal, encontra o professor Kuckuck, alemão havia longa data residente em Lisboa, casado com uma portuguesa e pai de Zouzou (não de Zaza, a amiga do Marquês!), a quem Krull se apresenta, evidentemente na qualidade de nobre. A viagem até Lisboa é passada com divagações sobre o tempo e as ciências da Natureza, o que, é claro, se explica, porque estas são a especialidade do professor; são também, tanto o tempo, como as ciências, os temas queridos de Hans Castorp, cujo Bildungsroman devia ter sido escrito concomitantemente.

A entrada em Lisboa ocupa algumas páginas. A Avenida da Liberdade, a Praça do Comércio e a Baixa são descritas com alguma fidelidade. Na língua portuguesa, nota MANN um “oft etwas exotisch heiseren Stimmklang", o que não é a primeira observação congénere feita por um estrangeiro. Reinhold Schneider sublinha o misticismo que se desprende do português ("Sprache der Lyriker") e contrapõe-o ao dramatismo do castelhano (30). Menos poeticamente, THOMAS. MANN fala da tonalidade rouca da nossa língua, o que no fundo se encontra, no que respeita a vago, indistinto e pouco claro, com o místico e o lírico / 46 / de Schneider.

"Das Doppelbild von Mutter und Tochter", Dona Maria Pia e Zouzou, encanta e atrai Felix Krull desde o princípio. A primeira parte das memórias termina com uma entrevista com D. Carlos, descrita numa carta aos "teuersten Eltern", com a assistência a uma tourada (aliás pouco portuguesa...) e com a conquista de Maria Pia, que vem interromper uma cena de amor entre Felix e Zouzou.

De 1955 é o “Ensaio" lido no 150.º aniversário da morte de Schiller. Como dissemos a princípio, é este o último trabalho de MANN – homenagem a um poeta admirado já na adolescência.

 

Fecha-se o círculo da vida e da obra. THOMAS MANN; "Magister Thomas von der Trave", morre às 8 horas e 10 minutos de 12 de Agosto de 1955, não com 70 anos, como uma vez "previra", mas com mais de 80, em Kilchberg, perto do Lago de Zurique, na "freien, kleinen und nicht engen" Suíça. Uma dor no braço esquerdo, que se começara a fazer sentir a 18 de Julho e anunciava o colapso final, que as festas do 80.º aniversário apressam, leva-o à sepultura. Ela é perto da do escritor suíço de fala alemã Conrad Ferdinand Meyer. As águas do Lago não marulham longe. Estão a lembrar uma dedicação constante, que tinha começado lá em cima, no Báltico.

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NOTAS - No texto da I parte, quase todos os títulos não citados na "tábua" são seguidos da forma alemã entre parêntesis.

(1) – Na edição de 1955 do "Versuch über Schiller" lê-se, na p. 19, a propósito da amizade entre Goethe e Schiller: "Das Eis ist gebrochen und eine antipodische Freundschaft eingeleitet, – das berühmteste aller geistigen Bündnisse..."

(2) – Para mais pormenores sobre o assunto, veja-se "Goethe, Poemas, "A. U. C., trad. de Paulo Quintela, Coimbra, 1949, pp. 152-153 (325). O pai de MANN chamava-se Johann Henrich Mann e a mãe Júlia da Silva-Bruhns (Lebensabriss, NR, 1930, Band I, p. 732). Para pormenores sobre a família Mann, veja-se o livro de Viktor Mann, "Wir varen fünf". Acerca da opinião de THOMAS MANN sobre este livro, leia-se a "rectificação" ("Richtigstellung"), incluída a pp. 145-147 da "Nachlese".

(3) – "Lübeck aIs geistige Lebensform", "Altes und Neues", p. 302.

(4) – Ibid., p. 307

(5) – Ibid., p. 310. A este propósito, v. "Meerfahrt mit Don Quijote", "Adel des Geistes", p. 525. Sobre a poesia inacabada de Tonio Kröger, v. ibid., p. 531.

(6) – "Die Kunst des Romans", "Altes und Neues", p. 391.

(7) – "Gegen Recht und Wahrheit", "Betrachtungen...", p. 145.

(8) – "Gefallen", "Erzällungen", p. 42.

(9) – "Entstehung...", p. 37.

(10) – "Lebensabriss", p. 743. 

(11) – "Gegen Recht und Wahrheit", "Betrachtungen...”, p. 145. Ver na p. 193 do mesmo livro o que se diz também sobre o assunto. 

(12) – "noche escura" é o termo empregado por S. João da Cruz, quando se refere ao "vago, indeciso e amorfo" da experiência mística. 

(13) – A citada "pseudo-perplexidade" linguística encontra-se referida na p. 1737 da Tetralogia. Mas não só aqui se observa esta variedade de designações para o mesmo objecto; entre outras, citemos a pluralidade para o nome de Putiphera, Potiphar ou Petrepê e para o próprio nome de José, também Josephja, Jaschup e Jehosiph entre os familiares e Osarsiph, por vezes Usarsiph, no Egipto. 

(14) – "Entstehung...", p. 38.  

(15) – "Buddenbrooks", p. 788. 

(16) – "Einkehr", "Betrachtungen", p. 82. Veja-se a seguir, na p. 83, o que respeita ao estuadante de Gotinga. 

(17) – "Katja Mann zu siebzigsten Geburtstag", "Nachlese", p. 163. 

(18) – O resumo aqui apresentado é a tradução quase literal do de Hellar, (livro citado na bibliografia), p. 100. 

(19) – Leiam-se as palavras escritas a pp. 415-416 das "Betrachtungen….", a este propósito. 

(20) – O Autor gostava de citar este dito de Goethe e fê-lo em vários passos da obra. Veja-se, p. ex.., “Die Kunst des Romans", "Altes und Neus", p. 391. 

(21) – "Lebensabriss", p. 765. 

(22) – "Sechzehn Jahre", "Altes und Neues", p. 689. – Neste artigo, que data de 1948, escrito, provavelmente, como prefácio para a edição americana da tetralogia bíblica, a p.688, também se aventa a hipótese de a obra ficar apenas de interesse para arquivistas. Supomos que seja esta opinião do Autor a mais provável. 

(23) – Em "Lebensabriss", p. 763, THOMAS MANN dá-nos conta da "Enstehung" da tetralogia, referindo-se ao pedido do pintor de Munique. Também neste "esboço" (p. 764), o Autor se refere às leituras inspiradoras que fizera na juventude. No "Vortrag" "Joseph und seine Brüder" da Colectânea "Neue Studien", (p. 164), MANN refere-se à sugestão de Goethe. 

(24) – L. Leibrich, (livro citado na bibliografia), p. 68. 

(25) – Karlheinz Deschner, "Kitsch, Konvention und Kunst", ("List  Bücher") , p. 49. 

(26) – Paulo Quintela, trad. dos "Poemas" de Goethe (Ob. Cit.), pp. 112-115 (309). 

(27) – Hans Mayer (livro citado na bibliografia), pp. 362-363.

(28) –"Entstehung...", p. 130.

(29) – "Western Germany Survey", artigo não assinado do "Times Literary Supplement" de 5 de Agosto de 1955. 

(30) – R. Schneider, "Das Leiden das Camoes", (Köln & Olten, Verlag Jakob Hegner), pp. 14-16.

 

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