BOLETIM   CULTURAL   E   RECREATIVO   DO   S.E.U.C.  -   J.  ESTÊVÃO


PÁGINA 1
Editorial
Alcino Carvalho
PÁGINA 2
Amadeu de Sousa - Homenagem
Paula Tribuzi
PÁGINA 3
Contos tradicionais portugueses
PÁGINA 4
Uma pedra que era doce
Henrique J. C. Oliveira
PÁGINA 5
Dia da África
Poetas Africanos
PÁGINA 6
Mudar nem sempre é melhorar
João Paulo C. Dias
PÁGINA 7
Navegando no espaço virtual
Alcino Cartaxo
PÁGINA 8
Prémio literário J. Estêvão
PÁGINA 9
Acerca do SEUC
Apontamentos
Isabel Bernardino
PÁGINA 10
Organização e funcionamento do SEUC
João Paulo C.Dias
PÁGINA 11
Receitas para o fígado
PÁGINA 12
Hora do Recreio
HJCO
PÁGINA 13
Fac-símile da 1ª página
 

Dia de África

Poetas africanos

Todos os anos costuma ser festejado na escola o Dia da África. E os festejos constam, habitualmente, de um serão de convívio com todos os elementos da escola e de um conjunto de actividades de índole cultural. Esta tem vindo a ser, desde há alguns anos, a tradição da escola. Acontece que nem sempre as tradições se mantêm. Surgem imprevistos, circunstâncias alheias à vontade de todos, que fazem com que as tradições deixem de ser o que eram. Foi este o caso, este ano. Circunstâncias imprevistas impediram que uma actividade, devidamente registada no plano anual de actividades, não pudesse concretizar-se.

Não houve o agradável convívio entre todos. Mas, pelo menos, manteve-se uma parte das celebrações. Imagens obtidas há muitos anos em várias zonas do nordeste de Angola, na mesma altura em que Ulisses, o narrador da história das amêndoas inserida neste número do “Alternativas”, foram cuidadosamente distribuídas num expositor e ressuscitaram, quem sabe, personagens e locais certamente há muito desaparecidos.

Com as imagens de outras décadas já do século passado, estiveram as palavras sempre presentes daqueles que, no vasto mundo, têm uma pátria comum: a língua portuguesa. Estiveram patentes as palavras escritas de alguns poetas africanos, que os alunos da noite pesquisaram na NET, seleccionaram e imprimiram, para figurarem, lado a lado, nos expositores colocados num dos átrios principais da escola.

Não vamos aqui apresentar tudo quanto esteve exposto. Necessitaríamos, não de um boletim, mas de uma revista integralmente consagrada à literatura africana.

Seleccionar é uma atitude demasiado subjectiva e sujeita a críticas, a más ou incorrectas interpretações, mormente quando escolhemos alguns autores em detrimento de outros. Na exposição figuraram, entre outros, os nomes de Viriato Cruz, Noémia de Sousa, Francisco José Tenreiro, José Craveirinha e Agostinho Neto. Seleccionámos para o nosso jornal apenas três poemas de três países africanos. Para os nomes aqui omitidos, sugerimos aos interessados uma pesquisa na Net. Seguramente aí encontrarão muita e variada informação.

Passemos à apresentação dos três poemas seleccionados. Três poemas de três países diferentes que têm um elemento comum: a mesma pátria linguística, ou seja, a língua portuguesa.

     Quero ser tambor

Tambor está velho de gritar
ó velho Deus dos homens
deixa-me ser tambor
corpo e alma só tambor
só tambor gritando na noite quente dos trópicos.

José Craveirinha

E nem flor nascida no mato do desespero.
Nem rio correndo para o mar do desespero.
Nem zagaia temperada no lume vivo do desespero.
Nem mesmo poesia forjada na dor rubra do desespero.

Nem nada!

Só tambor velho de gritar na lua cheia da minha terra.
Só tambor de pele curtida ao sol da minha terra.
Só tambor cavado nos troncos duros da minha terra!

Eu!
Só tambor rebentando o silêncio amargo da Mafalala.
Só tambor velho de sangrar no batuque do meu povo.
Só tambor perdido na escuridão da noite perdida.

Ó velho Deus dos homens
eu quero ser tambor
e nem rio
e nem flor
e nem zagaia por enquanto
e nem mesmo poesia.
Só tambor ecoando a canção da força e da vida
só tambor noite e dia
dia e noite só tambor
até à consumação da grande festa do batuque!

Oh, velho Deus dos homens
deixa-me ser tambor
só tambor!

JOSÉ CRAVEIRINHA - Moçambique

Mãos Esculturais

 

Agostinho Neto

Além deste olhar vencido
cheio dos mares negreiros
fatigado
e das cadeias aterradoras que envolvem lares
além do silhuetar mágico das figuras
nocturnas
após cansaços em outros continentes dentro de África

Além desta África
de mosquitos
e feitiços sentinelas
de almas negras mistério orlado de sorrisos brancos
adentro das caridades que exploram e das medicinas
que matam

Além África dos atrasos seculares
em corações tristes

Eu vejo
as mãos esculturais
dum povo eternizado nos mitos
inventados nas terras áridas da dominação
as mãos esculturais dum povo que constrói
sob o peso do que fabrica para se destruir

Eu vejo além África
amor brotando virgem em cada boca
em lianas invencíveis da vida espontânea
e as mãos esculturais entre si ligadas
contra as catadupas demolidoras do antigo

Além deste cansaço em outros continentes
a África viva
sinto-a nas mãos esculturais dos fortes que são povo
e rosas e pão
e futuro.

                   Agostinho Neto - Sagrada Esperança, 1974

 

                   EPOPEIA

Não mais a África
da vida livre
e dos gritos agudos de azagaia!
Não mais a África
de rios tumultuosos

- veias entumecidas dum corpo de sangue!

Os brancos abriram clareiras
a tiros de carabina.
Nas clareiras fogos
roxeando a noite tropical

Fogos!
Milhões de fogos
num terreno em brasa!

Noite de grande lua
e um cântico subindo
do porão do navio.
O som das grilhetas
marcando o compasso!

Noite de grande lua
e destino ignorado!...
Foste o homem perdido
Em terras estranhas!...

No Brasil
ganhaste calo nas costas
nas vastas plantações do café!
No norte
foste o homem enrodilhado
nas vastas plantações de fumo!

Na calma do descanso nocturno
só saudade da terra
que ficou do outro lado...

- só canções bem soluçadas -

dum ritmo estranho!

Os homens do norte
ficaram rasgando
ventres e cavalos
aos homens do sul!

Os homens do norte
estavam cheios
dos ideais maiores
tão grandes
que tudo foi despropósito!...

Os homens do norte
os mais lúcidos e cheios de ideais
deram-te do que era teu
um pedaço para viveres...
Libéria! Libéria!

Ah!
Os homens nas ruas da Libéria
são dollars americanos
ritmicamente deslizando...

Quando cartas nos cabarés
Fazendo brilhar o marfim da tua boca
É a África que está chegando!

Quando nas Olimpíadas
Corres veloz
É a África que está chegando!

Segue em frente
irmão!
Que a tua música
seja o de uma conquista!

E que o teu ritmo
seja a cadência de uma via nova!

para que a tua gargalhada
de novo venha estralhaçar os ares
como gritos agudos e azagaia!

                                               Francisco José Tenreiro


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