Salamanca está a cerca
de 300 quilómetros do litoral português, isto é, qualquer coisa como
4 horas de viagem sem desrespeitar o código da estrada e, no
entanto, quantos portugueses haverá que, passando ao lado, nunca
entraram na cidade?
Pois bem, aproveite um
fim de semana mais comprido e verá que vale a pena. Tenho mesmo a
certeza que me ficará eternamente reconhecido.
Em primeiro lugar,
porque é uma cidade monumental como haverá poucas no mundo
(património da humanidade). Em segundo lugar, porque é terra de
gente alegre, bem disposta e hospitaleira. Visite a catedral que, em
boa verdade, são duas, la vieja e la nueva, visite a
seguir a Igreja de San Esteban, passe junta à Casa de las
Conchas, exemplo típico do Plateresco (o equivalente ao nosso
manuelino ou seja o gótico terminal), corra as ruas e ruelas do
centro, deixe-se perder nas que circundam a Universidade (uma das
mais velhas do mundo) e caia na Plaza Mayor. Esta Praça
Maior, exemplo sem par do barroco, parece ter querido contrariar
esse carácter e aparecer-nos diante dos nossos olhos, equilibrada e
perfeita como não conheço mais nenhuma. Já o dizia o grande escritor
que foi Jorge de Sena: “Não sei se todos os portugueses que
passam pela cidade a caminho das Franças se dão conta de que a praça
é uma das mais belas do munda”
E depois, é uma praça
sempre cheia de gente: estudantes que tocam e cantam, muitas vezes
com os seus trajes típicos, casais de namorados que passeiam alheios
ao mundo, avós com os seus netos, grupos de amigos conversando e
fumando o seu pitillo, uns de pé, outros sentados nos bancos
da praça ou nas cadeiras das esplanadas. Há em toda a praça uma
alegria esfusiante desde as 9 horas da manhã até à meia-noite, pelo
menos. Tudo isto sem trânsito automóvel.
Não é difícil
imaginarmos o velho reitor da Universidade e grande escritor, D.
Miguel de Unamuno, amigo de Guerra Junqueiro e autor de Por
tierras de Portugal y de España passeando pela Plaza Mayor
A sua Casa-Museu está próxima da praça e pode ser referenciada,
facilmente, pela placa alusiva na parede fronteira.
Mas esta cidade conheceu outras gentes ilustres. Por exemplo, Juan
del Encina (há um teatro com o seu nome), grande poeta e compositor
que aí nasceu em 1468 e aí estudou direito tendo deixado uma obra
notável, quer em verso, quer em música e também o poeta Frei Luís de
León (dá o nome a uma das praças salamantinas), homem de grande
prestígio e saber que tendo estudado na velha Universidade, nela
veio a ser professor. Foi vitima da Inquisição: é de grande coragem
a defesa que de si próprio fez em pleno Tribunal da Inquisição
denunciando as invejas de alguns dominicanos e jerónimos por terem
sido preteridos em concurso, desmontando assim a cabala montada
contra si. Ainda, assim, passou quase cinco anos no cárcere.
Por aqui passou também
D. Miguel Cervantes, o celebrado autor do D. Quijote de la Mancha,
que definitivamente vem, com esta obra, sepultar os romances de
cavalaria. Se ainda não leu a obra, de que está à espera?
Recomendo-lhe a versão em castelhano mas, se tem dificuldade em ler
na língua original, dispõe da tradução feita por um grande escritor:
Aquilino Ribeiro.
A poucos quilómetros de
Salamanca tem Alba de Tormes em cuja Igreja matriz está sepultada
Santa Teresa de Ávila e onde encontrará curiosos trabalhos de
olaria. Foi a esta terra que vieram parar as malas do Jacinto de
A Cidade e as Serras, do nosso Eça, por confusão do funcionário
dos caminhos de ferro, que ignorava a existência de uma outra
Tormes; uma Tormes, de facto ficcional, mas que sabemos hoje
identificar-se com Santa Cruz do Douro (entre Baião e Mesão Frio).
De regresso a Portugal,
sugiro-lhe uma passagem pela pequenina cidade de La Alberca, a uns
escassos 50 quilómetros de Vilar Formoso e declarada Conjunto
Histórico-Artístico em 1940; a sua festa (em honra de Nossa Senhora
da Assunção), na semana do 15 de Agosto, é a não perder.
Entre outras coisas, poderá ver aí um espectáculo de teatro de
marionetas ao sabor dos autos vicentinos. De qualquer modo, aí
encontrará uma arquitectura típica (fim do século XVIII e XIX),
bordados alusivos a uma mitologia própria, uma praça maior onde tem
lugar uma garraiada num dos dias da festa (festa que dura uma
semana). Ao lado ergue-se a Peña de Francia (cerca de 1700 metros de
altitude) com o seu mosteiro e a sua Virgem com Menino Jesus,
pretos.
Ainda tem tempo para
mais uma visita? Vá correr um pouco Las Hurdes, uma região xistosa,
extremamente acidentada e pobre, que ficou registada no filme
homónimo de Buñuel (década de 30). Hoje já só poderá ver o filme
numa cinemateca mas, se o puder fazer, faça-o porque ele lhe dará a
justa medida do que é a interioridade, a ausência de solos (os
habitantes, para poderem cultivar alguns magros produtos hortícolas,
tinham de acarretar a terra de outros locais e fazerem com ela
pequenas hortas em terraços seguros por muros de pedra). No entanto,
é uma paisagem esmagadora onde, aqui e além, o turista tem de parar
para beber esse espaço como é, por exemplo, o caso, quando de
repente se avista o mosteiro de Las Batuecas, lá no fundo do
vale.
Uns quilómetros mais
para sul encontra-se Béjar e ao lado a bela aldeia de Candelario,
envolvida por montanhas altas que no inverno ficam cobertas de neve.
Chamo-lhe a atenção para as portadas magníficas das casas e para o
seu enquadramento paisagístico. São terras de bons queijos e de bons
enchidos (o salchichón de Guijuelo é de criar água na boca).
Faça ainda uma paragem
em Ciudad Rodrigo, não forçosamente para comprar os rebuçados como
recuerdo, mas para ver o Parador , a igreja matriz e a
praça maior, porque vale a pena. Do alto do Parador tem uma
vista magnífica sobre o rio Águeda, não o nosso Águeda que passa
perto de nós, mas um outro que faz fronteira.
Se puder fazer-se
acompanhar, nesta curta viagem, por música de Juan del Encina, tanto
melhor. Se sabe música e toca algum instrumento, então pode comprar
a obra poética de Encina de Clásicos Castalia, que possui em
apêndice as pautas com as composições musicais do grande poeta e
compositor.
Boa viagem e até breve!
Luís Serrano |