Aproxima-se a Páscoa e
porventura alguns dos meus leitores terão pensado em sair para um
merecido descanso, não sabendo, contudo, para onde ir.
Ora bem, caro leitor,
deixe-me dar-lhe uma sugestão: vá a Granada. O clima, quentíssimo no
verão, apresenta na primavera temperaturas excelentes e uma forte
probabilidade de não chover.
Como preparação para a
viagem leve, além do mapa das estradas, três ou quatros cassetes com
obras de Manuel de Falla (1876-1946) e de Albéniz (1860-1909), dois
dos maiores compositores do final do século XIX e princípios do
século XX. Recomendo-lhe vivamente aquelas que se inspiram
directamente na música tradicional de Espanha e da Andaluzia em
particular (El Amor Brujo, Noches en los jardines de España
de FalIa e as peças Granada, Sevilla, Córdoba para guitarra e
a suite Ibéria de Albéniz; o CD de que disponho tem ainda
Los jardines de Aranjuez de Joaquín Rodrigo cuja audição é
sempre uma fonte de prazer).
Para uma leitura
sensibilizadora, Lorca! Ninguém como Lorca foi capaz de ir tão longe
na compreensão da alma andaluza, ninguém como ele soube encontrar as
palavras que viriam a dar ao mundo uma visão tão trágica da alma
cigana. Foi ele, profundo conhecedor do cante jondo, que
conseguiu traduzir em poesia e em teatro o que de mais autêntico
havia nos povos do sul de Espanha.
Nasceu em 1898, na
pequena povoação de Fuentevaqueros (a poucos quilómetros de
Granada), e viria a ser assassinado não longe dali, nos primeiros
dias da guerra civil, pelos franquistas, corria o ano de 1936. Foi
uma das mais chocantes manifestações de intolerância e
fundamentalismo da história deste século na nossa península.
Não podemos deixar de
lembrar aqueles versos, quase premonitórios, de Despedida:
Si muero,/
dejad el balcón abierto//El niño come naranjas./ (Desde mi balcón lo
veo.)
Na sua poesia, como no
seu teatro, vida e morte andavam sempre ligadas num diálogo de
sangue e água. Leia-se ou releia-se, conforme for o caso, o
Llanto por Ignacio Sanchez Mejías (Por las gradas sube Ignacio/ con
toda su muerte a cuestas e assim acontecerá mais tarde a si
próprio, a 19 ou 20 de Agosto de 1936, no tristemente célebre
barranco, próximo de Viznar.)
Em consequência dessa
triste guerra, viriam a morrer o grande poeta-pastor Miguel
Hernández (este numa cadeia espanhola, após ter estado internado em
Portugal e ter sido entregue ao governo espanhol pelas autoridades
portuguesas do tempo) e o grande poeta António Machado, mais velho,
e que tendo acabado de chegar ao exílio, não aguentou ver-se assim
privado da sua pátria e pôs termo à vida na pequena aldeia francesa
de Collioure, nos Pirenéus.
Ainda antes de atingir a
bela cidade de Granada, vai o meu simpático leitor passar através
das maiores extensões de olivais que me foi dado ver. Olivares
soñolientos/ bajan al llano caliente.
Depois entra em Granada,
na capital do último reino mouro na península caído ás mãos de
Fernando, o rei católico, quando o século XV estava quase no fim
(1492). Aí tudo cheira a árabe: o Alhambra com o seu Generalife e o
seu Palácio Árabe com o Pátio de los Leones, os frescos jardins, o
bairro cigano de Sacromonte. Em fundo a Sierra Nevada que dali se
avista e que, com as suas neves perpétuas, constitui uma nota
discordante na paisagem, discordante mas complementar, parecendo
também ela esconder as últimas lágrimas mouriscas.
É claro que lhe
recomendo uma visita à Catedral; aí poderá meditar nessa outra
oportunidade perdida de um diálogo entre o cristianismo e o
islamismo. Como se recordará, já se tinha perdido uma oportunidade
quando os cristãos resolveram introduzir alterações de gosto mais do
que duvidoso na Mesquita de Córdova, essa espantosa cidade à beira
do Guadalquivir, polvilhada de jardins interiores e que foi dona de
uma das mais importantes bibliotecas do mundo.
Do
Guadalquivir dizia Lorca:
El rio
Guadalquivir/ va entre naranjos y olivos. Los dos rios de Granada/
bajan de la nieve al trigo.//Ay amor/que se fue y no vino.
Também pode aproveitar
para ver Córdova que não fica muito fora de caminho; só que a
biblioteca organizada pelo califa al-Hakam II (961-976) já lá não
está! No entanto, a mesquita vale, por si só, o desvio.
Antes do regresso, não
deixe de ir ver as habitações trogloditas de Guadix, uma
arquitectura que tinha em conta as condições climáticas tão extremas
desta região da nossa península e que atestam um saber acumulado ao
longo de séculos e em que o homem se encontrava mais perto da
natureza.
Faça boa viagem e não
esqueça: esta companhia que lhe proponho, García Lorca, além de
escrever, também desenhava, pintava e compunha música. Há homens
assim que numa curta vida de 38 anos são capazes de nos deixar quase
2000 páginas. O que teria ele deixado se pudesse ter vivido outros
38 anos?
Luís Serrano |